sábado, 26 de novembro de 2016

AGRONEGÓCIO E A MORTE DA AMAZÔNIA


por Leão Serva

É comum ver nos discursos de empresários e políticos o pensamento ufanista sobre as maravilhas de nosso agronegócio, dizendo que a produção brasileira "alimenta o mundo" e que nosso gado é "verde". É um discurso que lembra a propaganda do Brasil Grande, de triste memória, e tenta pôr uma grande sujeira para baixo do tapete.
Os estrangeiros já sabem: nossa exploração agrícola, soja à frente, já destruiu 4 de cada 10 hectares de cerrado. Nesse ritmo, esse ecossistema estará extinto em 20 anos. Não é à toa, visto que o nosso gado tem a pior produtividade do mundo: uma vaca ocupa, para engordar, um hectare de terra, cada vez mais frequentemente roubado à Amazônia. Com os mesmos metros quadrados, um agricultor europeu produz alimentos nobres e caros, para alimentar e enriquecer seres humanos. Enquanto isso, nossa soja alimenta porcos na China.
Se computarmos o dano irreversível ao meio ambiente, bem público que destrói com a devastação da terra, e o somarmos aos subsídios e às generosas rolagens de dívidas dos grandes produtores, o cálculo revelará um agronegócio insustentável. Em vez de alimentar o mundo e enriquecer os brasileiros, ele se tornou uma destrutiva usina de insumo industrial barato.
É um modelo que ameaça (ao invés de garantir) o objetivo de dobrar a produção mundial de alimentos em 35 anos para receber 2 bilhões de novas bocas. Para fazer sua parte, alimentar os brasileiros e ganhar dinheiro exportando comida de gente, não de suínos, é necessário mudar a escandalosa cultura de desperdício do campo brasileiro.
Quando se trata de plantar para dar de comer a rebanhos, a chamada "taxa de conversão" é muito baixa: uma vaca dá três calorias de carne para cada cem calorias de grãos que come para engordar (sim, 3%); o porco produz dez calorias, e o frango, 12, para cada cem que consome. É melhor o aproveitamento da vaca leiteira (40 calorias no leite) e da galinha poedeira (12 no ovo, para cada cem consumidas). Em outras palavras, gerar proteína animal é sempre um péssimo negócio, e o boi é o pior de todos.
E como funciona o agronegócio brasileiro? Metade de nossa produção agrícola é ração de animais a preços irrisórios. E a estrela de nossa pecuária é exatamente a carne de vaca. Enquanto isso, importamos feijão e outros alimentos pagando mais caro.
O Brasil viveu até hoje com a falsa impressão de que a água e a terra eram bens infinitos. Essa visão está em xeque com a crise hídrica, causada em parte pelo desmatamento da Amazônia e do cerrado. Num país em que a água escasseia, quase 70% de seu consumo é para irrigação de áreas de cultivo. A pecuária é um mata-borrão: suga 11% de nossa água -mesmo consumo dos 200 milhões de humanos do Brasil.
Com o desmatamento para abrir pastos, fontes de água são destruídas e o regime de chuvas muda. O gado não somente consome verdadeiras cachoeiras em seu processo de engorda, como já produz escassez antes mesmo de ocupar os extensos hectares de floresta que destrói.
Gastamos água, que falta a humanos, para matar a sede infinita das vacas e regar a soja que vai ser exportada a preços irrisórios. Enquanto isso, continuamos a nos ufanar de uma opção econômica que está nos consumindo a todos, com a água e a terra fartas que um dia este Brasil ganhou de presente.
Leão Serva - ex-secretário de Redação da Folha, é jornalista, escritor e coautor de “Como Viver em SP sem Carro”.

http://www1.folha.uol.com.br/…/1552073-agronegocio-e-a-mort…
Só o facto de sonhar já é muito importante. Desejo-lhe sonhos a não mais acabar e inveja furiosa de realizar alguns. Desejo-lhe de amar o que é preciso amar, e esquecer o que é preciso esquecer. Desejo-lhe as paixões, desejo-lhe dos silêncios. Desejo-lhe o canto das aves ao acordar e risos de crianças. Desejo-lhe de respeitar as diferenças dos outros, porque o mérito e o valor de cada um são frequentemente a descobrir. Desejo-lhe de resistir à estagnação, a indiferença e às virtudes negativas da nossa época. Desejo-lhe, finalmente, de nunca desistir da busca, à aventura, à vida, ao amor, porque a vida é uma maravilhosa aventura e nulo de razoável não deve renunciar sem entregar uma dura batalha. Desejo-lhe, sobretudo, de ser você, orgulhoso e feliz, porque a felicidade é nosso destino verdadeiro.
 Jacques Brel

fonte : Passion des mots, passion de la vie

Fidel

 por Eduardo Galeano


"Mas seus inimigos não dizem que não foi para posar para a História que abriu o peito para as balas quando veio a invasão, que enfrentou os furacões de igual pra igual, de furacão a furacão, que sobreviveu a 637 atentados, que sua contagiosa energia foi decisiva para transformar uma colônia em pátria e que não foi nem por feitiço de mandinga nem por milagre de Deus que essa nova pátria conseguiu sobreviver a dez presidentes dos Estados Unidos, que já estavam com o guardanapo no pescoço para almoçá-la de faca e garfo. [...] E não dizem que apesar de todos os pesares, apesar das agressões de fora e das arbitrariedades de dentro, essa ilha sofrida mas obstinadamente alegre gerou a sociedade latino-americana menos injusta."

Fidel Castro presente


Admirado e odiado. Assim era Fidel Castro. Pode-se concordar ou não com suas posições, mas jamais ignorá-las. Isso porque Fidel não foi apenas o principal líder de uma das mais extraordinárias páginas da história do século XX – a Revolução Cubana. Ele se tornou uma referência mundial de rupturas revolucionárias com intensa participação popular e exemplo de libertação para povos oprimidos do mundo todo. E mostrou com sua longeva liderança que um povo pode resistir às investidas da maior potência bélica durante quase seis décadas sem abrir mão de sua soberania. Fidel tornou-se símbolo de um tempo: aquele em que homens e mulheres enfrentavam corajosamente a morte em busca da liberdade, como fizeram antes dele Martí e Bolívar, como fizeram depois dele milhares de revolucionários em todo o mundo. Mas Fidel é também um homem do nosso tempo. E por isso suas ideias continuaram ecoando. De um lado, com o controle mundial da mídia, os capitalistas e reacionários combatendo com todas as forças a revolução cubana, hostilizando-a e manipulando a realidade. De outro, essa revolução humanista e seu comandante continuaram sensibilizando milhões de lutadores por uma sociedades mais justa e igualitária, erguendo alto a bandeira do socialismo.

Minha geração aprendeu a admirar Fidel, sem deixar de criticar seus erros. Isso porque ele jamais abandonou seu compromisso com a humanidade e a igualdade social, na lógica de que o homem não pode ser o lobo do próprio homem. Para quem foi forjado na luta contra a Ditadura Militar, isso não era e não é pouca coisa.

Fidel nunca cedeu às tentações do voluntarismo ou da conciliação, como fizeram e fazem muitos outros líderes políticos de seu tempo. Da guerrilha de Sierra Maestra à resistência à invasão da Baía dos Porcos, da ameaça nuclear contra Cuba e o seu povo ao bloqueio imperialista, do internacionalismo socialista ao desaparecimento da União Soviética que tanto sacrificou o povo cubano, Fidel demonstrou coragem e liderança revolucionária. Demonstrou também que os valores da liberdade, da soberania nacional e da igualdade de direitos para ele não tinham preço. Incorruptível, manteve a unidade do povo e da revolução através do seu exemplo de vida e dedicação.

Mesmo sendo Cuba uma pobre ilha que teve que reorganizar completamente seu sistema econômico depois da revolução, Fidel apostou na transformação cultural do povo para construir o que Guevara chamou de “o novo homem e a nova mulher”. Com todas as dificuldades impostas pelo cerco imperialista, construiu um dos melhores sistemas de educação e saúde do planeta e conseguiu mostrar que mesmo sendo um país pobre, Cuba é exemplo de dignidade e altivez para o ser humano. E foi o bloqueio imperialista que acabou por contaminar a florescente democracia cubana, forçou a militarização da sociedade e a formação de uma burocracia forte. Os imperialistas e o capitalismo mundial cercam e oprimem Cuba durante décadas e querem exigir uma democracia liberal semelhante às suas. A pergunta que fica é: como obstinadamente o povo cubano conseguiu construir, na América Latina, a sociedade menos injusta?

Pode-se afirmar desse revolucionário que atravessou o século XX para chegar ao XXI que ele é um homem de seu tempo, mas que esteve vários passos à frente, elevou como ninguém essa condição de humano, portanto imperfeito, mas vocacionado a trazer a esperança de um mundo de iguais.


Por isso, neste dia triste para a esquerda mundial, lembrar da trajetória de Fidel e seu legado é a melhor forma de reafirmar nosso compromisso com a transformação social, a ética e a justiça também no Brasil.

Ivan Valente .



Fidel Castro foi homem do seu tempo e contradições. O vejo mais ou menos como o tardio Pai Fundador de Cuba independente no século XX, tipo Mandela, na África do Sul, Gandhi, na Índia, Nasser no Egito, Sukarno na Indonésia. Comparemos Cuba com o Haiti e sua imensa pobreza, Porto Rico, uma colônia de entreguistas, uma República Dominicana e podemos observar a igualdade social, a mortalidade infantil, a expectativa de vida, o número de centenários em Cuba, dados sociais desenvolvidos em uma ilha pobre, ultrapassando o Japão. Outra característica muito ibérica de Fidel, certo caudillismo, para o bem e para o mal, muitas vezes democrático, outras vezes autoritário, em uma ilha tão cercada, ameaçada e próxima de um buraco como Miami. Por último a lembrança de Maquiavel - Todos os profetas armados venceram, e os desarmados foram destruídos. Com Fidel termina o século XX na América Latina, mas suas contradições prosseguem.

Ricardo Costa de Oliveira
Leonardo Avritzer

A morte de Fidel Castro e as diferentes discussões que ela já está suscitando mostram a continuidade dos problemas da América Latina nos anos 60 e hoje. De um lado, qualquer avaliação das ações do líder cubano não pode deixar de ignorar os elementos não democráticos e as fortes violações dos direitos humanos em Cuba. Cuba não foi capaz de criar um modelo democrático e pluralista de socialismo. Na verdade, ela reproduziu os mesmos dilemas da ex-União Soviética, e Europa Oriental.

Mas a herança de Fidel tem que ser avaliada colocando os dilemas históricos da América Latina em perspectiva. Cuba foi capaz de quase erradicar a pobreza e diminuir a desigualdade, problema esse que a AL continua a enfrentar quase 60 anos depois da revolução cubana. Quando vemos o que o Macri fez nos últimos 12 meses na Argentina e o que o Temer está fazendo no Brasil percebemos o sentido no qual a revolução cubana foi capaz de atrair tantos apoiadores na região. As elites latino-americanas continuam pouco democráticas e absolutamente incapazes de lidar com o problema da desigualdade.

quinta-feira, 24 de novembro de 2016

Onde reina o golpe, a democracia não tem lugar. Quem apoiou o golpe que embale ! Anistia ao caixa 2 só atualiza a análise anteriormente feita do legislativo: assembleia de bandidos comandada por bandidos. Estão temerários porque já começam os próprios deputados golpistas e pobres de direita a temer os outros golpistas ! Câmara dos Deputados deu golpe rasteiro para colocar Temer, Geddel, Jucá, Serra, Mendoncinha, Padilha, Moreira Franco e outros sem votos no poder. Falar em combater a corrupção sem tocar na imensa sonegação empresarial, nos marajás do judiciário, os mesmos da farsa a jato, entreguistas que ganham acima do teto, na mídia surgida das concessões, falcatruas e favores do Estado é mais do mesmo para todo esse bando oficializado no poder golpista

RCO

Ainda não rolou greve ?

Ainda não rolou greve ? Professorado da UFPR. A atual geração de professores com uns cinquenta e poucos anos é que realmente tornou a UFPR uma verdadeira universidade de pesquisa. Muitos são contra a greve porque "atrapalha" as férias de verão. Muitos não podem comparecer nas assembleias de greve se não tiverem médico, dentista, portão eletrônico estragado, o encanador que atrasou, ou a família que precisou de ajuda em algum compromisso. Não somos como os jovens de 18, ou 20 e poucos anos, que são muito mais idealistas, livres e descompromissados com o establishment, até porque jovens são os principais críticos do sistema, como deve ser próprio da juventude. Muitos jovens afirmam que não confiam em ninguém com mais de 30 anos e bem mais de 10 mil reais de remuneração ! Hoje esse grupo de professores está avançado na meia idade, a maioria orientou teses, são associados ou já são titulares. O maior benefício coletivo dos últimos anos para esse professorado cinquentenário foi a criação da categoria de professor associado, ainda com Lula e depois as passagens para o topo dentro da carreira como titular, ainda mais nos ataques contra as aposentadorias. No início dos anos 1990 esse grupo ainda era composto por professores "novos", em torno dos trinta anos, a maioria doutorandos e na época assistentes, o que significava um grande arrocho salarial na malfadada época de FHC e do Paulo Renato, sem recomposições salariais e total falta de investimentos. Nos anos Lula e Dilma houve um grande crescimento e expansão das IFES, até mesmo as condições salariais melhoraram muito em relação aos anos 90. Ainda vivemos o final do orçamento 2016 de Dilma e do PT, mas no ano que vem em diante teremos o imenso impacto do corte de recursos e o arrocho salarial típico da era do PSDB, back to the past, anos 90. O problema é que a maioria dos professores contrários à greve ainda não recebeu o impacto da PEC55 na infra-estrutura e da MP746 nas licenciaturas. Ainda há poucos meses atrás estavam juntos o professor trotsquista de ultra esquerda da Conlutas com o professor de direita, apoiador do MBL, no apoio ao golpe e derrubada de Dilma. Os professores têm origens, ideologias e carreiras muito diferentes. Por que enfrentar pequenos poderes, burocracias e relatórios para se ter uma bolsa de iniciação científica, para quem orienta muitos doutorados? Bolsa produtividade, uma bolsa pequena e com valores pobres, se um professor com nome reconhecido academicamente e cientificamente recebe muito mais em uma palestra ? Precisamos aumentar as bolsas e não burocratizá-las para diminuí-las. Muitas são as diferenças entre as áreas. As humanidades precisam de livros e de bibliotecas, outras ciências trabalham com laboratórios e artigos compactos coletivos. Os melhores investimentos sempre devem passar pela boa formação e remuneração institucionalizada dos professores, contra o peg-pag de certos produtivismos. Quem só viveu as "vacas gordas" do PT, com aumentos das bolsas para alunos da pós, infelizmente viverá as "vacas magras" dos golpistas a partir do ano que vem. Será uma má experiência para toda uma nova geração de professores conhecer o que conhecemos nos anos 90. Quando esses professores sentirem os profundos cortes e arrochos a greve será reavaliada.

RCO

terça-feira, 22 de novembro de 2016

Quem salvar primeiro?


Considerando as muitas variáveis possíveis, entendo que entre duas pessoas que estiverem com risco de morte iminente, salva-se primeiro aquela que tem mais chances de sobreviver. Se uma estiver em estado "grave" e a outra "leve", salva-se primeiro a grave.
Penso que o profissional da saúde deve julgar suas escolhas por esses critérios ou outros mais adequados, que um leigo como eu desconhece. A resposta à pergunta da Fátima Bernardes ("salva-se antes o traficante em estado grave ou o policial levemente ferido?"), me parece mais que óbvia: salva-se antes o traficante.
Mas não parece racional para aqueles que atacaram com fúria a apresentadora, como se ela estivesse defendendo "bandidos". Aliás, os tais "bandidos" se tornaram uma categoria discursiva interessante no pensamento binário: universais e homogêneos, são seres maus e que precisam ser exterminados sumariamente.
A polêmica, portanto, não foi dar ou não a preferência ao atendimento do policial, mas de se negligenciar ou não o atendimento ao "bandido". Uma parcela da população deseja que o médico julgue seus pacientes e, se for o caso, autorizam que ele execute, a seu critério, a pena de morte. Assim, a pergunta em questão seria se o traficante pobre (ou que assim o for pelo julgamento do médico), que vende a cocaína para as festas dos ricos, deveria ou não ser salvo quando toma um tiro do policial.
Ou melhor, sem tergiversar, o que se pretende por essas pessoas é permitir que os policiais possam entrar em uma favela e eliminar quem quer que seja, em nome do extermínio da "bandidagem", quando os verdadeiros bandidos estão justamente entre aquelas "pessoas de bem" que invariavelmente pregam a chacina dos pobres.

André Castelo Branco Machado
"Então, aproveite que o senhor ainda não tem altos índices de popularidade e faça coisas impopulares que serão necessárias e que vão desenhar este governo para os próximos anos. Aproveite sua impopularidade. Tome medidas amargas. Aliás, este é o grande desafio das democracias do mundo. Como fazer coisas impopulares?”

Nizan Guanaes, ontem, no 'Conselhão', dirigindo-se ao golpista Temer.

Em outras palavras, a democracia é um estorvo.


SOBRE AMIZADES E LUTA POLITICA:


 Valério Arcary:

"Entre aqueles engajados na militância há muita confusão entre o que são as relações de amizade e as relações de camaradagem. Esta confusão gera muitas desilusões quando as diferenças políticas levam à perda das relações de amizade. Relações de amizade são um vínculo emocional poderoso. Lidar com perdas é sempre uma experiência dolorosa. Não é incomum que as decepções pessoais com camaradas se transformem em desalento ideológico no futuro da luta pelo socialismo. E o desânimo, a desesperança, o desengano são maus conselheiros, porque obscurecem a mente e diminuem a lucidez.
Tentar definir o que é a amizade foi sempre difícil. Em uma época em que confiar nos outros é percebido como credulidade ingênua é importante lembrar que uma vida sem amizade é muito triste. A solidão parece ser uma epidemia no mundo contemporâneo. Ela é sempre mencionada como um dos fatores de depressão. A desconfiança generalizada – contra tudo e todos – só pode alimentar, evidentemente, vidas solitárias.
(...)
Lealdade entre amigos não pode repousar somente em acordos políticos. Ela se constrói alicerçada na confiança pessoal, que vai além das ideias políticas. Existindo, inevitavelmente, diferenças de opinião, cultivar amizades exige uma disposição para a tolerância. Ninguém gosta de ser contrariado. Podemos ficar desgostosos ou até aborrecidos quando discordam de nossas opiniões. Mas romper amizades por diferenças de opinião é uma tolice infantil. Estar disposto a acolher ideias diferentes das nossas revela maturidade para aceitar graus de dissenso com que podemos conviver.
O que são camaradas? Camaradas são aqueles que, na tradição socialista, pertencem a uma mesma organização e ou compartilham uma visão do mundo comum, o igualitarismo, ou luta pela igualdade social. Esta visão do mundo socialista se fundamenta, em primeiro lugar, no reconhecimento de que todos os seres humanos têm em comum necessidades, intensamente, sentidas que são iguais. Ser socialista significa uma ruptura ideológica com o capitalismo, uma adesão ao movimento dos trabalhadores e dos oprimidos, uma aposta no projeto de luta pela revolução, e uma aspiração internacionalista por um mundo sem dominação imperialista. Nas sociedades em que vivemos ser socialista exige, portanto, uma escolha de classe. Não importa a classe social na qual nascemos. O que importa é a qual classe unimos nosso destino.
Acontece que nem todos os nossos amigos são camaradas, e nem todos os camaradas são amigos. Porque amigos podem ter visões do mundo diferentes. Amizades não devem ter como condição, necessariamente, uma mesma visão do mundo. Por outro lado e, talvez, mais importante, podemos ser camaradas de militantes que não conhecemos tão bem. Só em pequenas organizações, núcleos de pouco mais do que cem militantes, é que é possível conhecer todos os membros. Se a amizade pessoal for um critério de pertencimento, uma organização revolucionária estará condenada à estagnação, ou a rupturas recorrentes.
(...)
A violência verbal, seja na forma ou no conteúdo, é uma maneira desonesta, intelectualmente, de tentar ganhar um debate a qualquer preço. Acusações ad hominem são aquelas que são dirigidas às pessoas, e não às ideias que elas defendem.
Coloca-se o caráter do adversário em dúvida, através de ataques pessoais, para desqualificar suas ideias. Trata-se de uma tática diversionista porque tenta desviar o tema da polêmica. Aqueles que recorrem a este método retórico confessam, involuntariamente, que não têm confiança nos seus argumentos. Precisam destruir o outro porque não conseguem refutar suas ideias. Violência verbal através de acusações ad hominem é um método inaceitável, porque diminui a importância das ideias, e só serve para a desmoralização dos adversários.

Na esquerda revolucionária para o século XXI que queremos construir devemos saber preservar amizades, apesar das diferenças políticas que nos separam em distintas organizações, e aprender a distinguir os adversários dos inimigos. Isso parece simples e elementar. Mas não é.

Agora mesmo ·

Ricardo Costa de Oliveira


Acertou plenamente a defesa de Lula ao enquadrar Moro, juiz denunciado na ONU pela acusação de desrespeitar os direitos humanos de Lula, como uma justiça persecutória e arbitrária, semelhante aos procedimentos políticos do fascismo italiano e do nazismo derrotados em 1945, bem como apontarem ranços do típico "Juiz de Paz da Roça", clássico de nosso teatro para tipos prepotentes, imbuídos de provincianismos, característicos de uma região agrícola e sem maiores culturas cosmopolitas. Porém o funcionário golpista do mês é o Ministro Geddel Vieira Lima, citado no livro biográfico "Renato Russo: O filho da Revolução" como "suíno" desde o Colégio Marista ! Geddel representa a previsão do filme "Aquarius", este capitalismo familiar destrutivo que existe no Brasil. Geddel pertence a uma das principais famílias políticas na Bahia, os Vieira Lima, ocupantes de vários cargos políticos, o irmão, tio e pai foram deputados. O Desembargador Alfredo Luiz Vieira Lima foi Presidente do Tribunal de Justiça da Bahia nos anos 1950. Uma família de pecuaristas e grandes proprietários rurais. Geddel foi acusado pelo ex-Ministro da Cultura Calero de graves irregularidades nas licenças do alto apartamento La Vue, em Salvador e nada aconteceu até agora, mesmo com todas as provas e evidências colocadas contra ele, exatamente o contrário do processo contra Lula, sem provas e sem evidências em prédio nenhum. A crise política, jurídica, educacional e econômica afunda o projeto dos golpistas de vez.

segunda-feira, 21 de novembro de 2016

Sempre existiu movimento dos estudantes! Juventude que não se rebela, nega seu papel de desafiar -se, de desafiar. Tenho visto muitos conformados na forma da obediência extrema acusar de canalhas os que lutam por uma sociedade igualitária. Os verdadeiros canalhas são os que defendem a exploração do trabalho e do trabalhador ampliando a alienação e destruindo os indivíduos em nome do individualismo parasitário. Todo poder ao Povo, em nome de uma sociedade mais igualitária!

Julio Urrutiaga Almada

sábado, 19 de novembro de 2016

Los heraldos negros



Hay golpes en la vida, tan fuertes… ¡Yo no sé!
Golpes como del odio de Dios; como si ante ellos,
la resaca de todo lo sufrido
se empozara en el alma… ¡Yo no sé!

Son pocos; pero son… Abren zanjas oscuras
en el rostro más fiero y en el lomo más fuerte.
Serán tal vez los potros de bárbaros atilas;
o los heraldos negros que nos manda la Muerte.

Son las caídas hondas de los Cristos del alma
de alguna fe adorable que el Destino blasfema.
Esos golpes sangrientos son las crepitaciones
de algún pan que en la puerta del horno se nos quema.

Y el hombre… Pobre… ¡pobre! Vuelve los ojos,
como cuando por sobre el hombro nos llama una palmada;
vuelve los ojos locos, y todo lo vivido se empoza,
como charco de culpa, en la mirada.

Hay golpes en la vida, tan fuertes… ¡Yo no sé!

CÉSAR VALLEJO


Biblioteca Digital Ciudad Seva

quinta-feira, 17 de novembro de 2016

Dica da matéria do Luiz Domingos Costa

Well, well, well... senão vejamos. Há na literatura sobre survey, metodologia de pesquisa, uma montoeira de recomendações, técnicas, experimentos, grupos de controle, etc., etc., para evitar viés na coleta de dados. Parece que o governo (não sei do instituto de pesquisa) não leu nem o básico.

A literatura ainda é ingênua e propõe que há algo conhecido como "Observer Expectancy Effect", que é quando o pesquisador enviesa inconscientemente a resposta do entrevistado ou a coleta de dados. Frisem o inconscientemente.

As perguntas que o IBOPE (jura? espero que não sejam eles que formularam) usou na pesquisa abaixo passam de qualquer limite do 'inconsciente' e do 'viés'. As perguntas foram:

"a) o senhor é a favor ou contra a reformulação do ensino médio que, em linhas gerais, propõe ampliação do número de escolas de ensino médio em tempo integral, permite que o aluno escolha entre o ensino regular e o profissionalizante, define as matérias que são obrigatórias, entre outras ações?"

b) A PEC 241 ou PEC do Teto de Gastos é uma iniciativa que tem como objetivo limitar as despesas do governo federal. O senhor aprova ou desaprova essa iniciativa?"

Imaginem quem seria contra 'ampliar o número de escolas'?
Sobre a PEC, quem é contra que o 'governo gaste menos'? Eu sou à favor que eu mesmo gaste menos, ainda sim...

Seria como perguntar algo do tipo: "o senhor/a é a favor ou contra uma democracia onde Adolf Hitler será o presidente?", algum democrata à favor?

Surpreende que as taxas de concordância tenham sido tão baixas.


O Brasil dos golpistas representa hoje plenamente o que Durkheim denominava de anomia, o enfraquecimento completo das normas e instituições na sociedade, a incapacidade da sociedade em regular comportamentos e normas. A direita deu o golpe para jogar o país nessa situação de profunda instabilidade e agora devem temer mais golpes sobre golpes deles mesmos. A culpa da mídia golpista antidemocrática, a culpa do judiciário e de procuradores da República, que agem como ativistas alucinados na procura de holofotes midiáticos, a culpa de grupelhos delirantes de extrema direita na Câmara, culpa de um pai tresloucado que mata o filho sobre ocupações, culpa de pacotes fracassados de austeridade e PECs miseráveis de legislativos golpistas e corruptos, desmoralização da Câmara dos Deputados, Senado e ALERJ, poderes golpistas sitiados. Os discursos ignaros de ódios e de fantoches da direita já inviabilizaram o próprio governo golpista de Temer, do PMDB, PSDB, DEM e nenhum outro golpe judicial, legislativo, militar e empresarial poderia gerar mais anomia e fracassos do que a direita já conseguiu hoje. Marx investiga estes fenômenos como a luta de classes, a velha direita no poder com Temer e seus privilégios não conseguem propor nada de diferente e o novo, uma nova alternativa popular, ainda surgirá contra esse estado de coisas do Brasil dos golpistas.

Ricardo Costa de Oliveira

terça-feira, 15 de novembro de 2016



A exclusão dos professores do ensino básico em QUASE TODAS as políticas educacionais é uma situação semelhante a de que negros e mulheres passaram quando não foram levados em conta nas Constituições nacionais.

Thiago Melo

O que as pessoas desconhecem é que as manifestações políticas escolares no Brasil, em última instância, não são por meras melhorias. As manifestações são causadas por um estado degradante de trabalho e estudo diante de um completo desprezo da sociedade pelo trabalho escolar. É um erro pensar que toda esta situação precária da escola pública não atinge à queima-roupa as pessoas que lá frequentam. É como pensar que um presídio dominado pelo crime só tem o problema de não reabilitar os presidiários, ignorando todos os outros aspectos da vida que qualquer pessoa nestas condições passa, inclusive as pessoas que lá trabalham (ameaça de morte etc.).
ficavam ali enchendo o saco de quem passava pela frente da Praça? O que está acontecendo com o Juiz da Camisa Preta, o Procurador do Power Point e o Boca de Peixe? Quem souber me diga.


Thiago Melo



O Símbolo da República de Curitiba, dos Golpistas e da Direita foi desmontado neste fim de semana. Desmancharam a casa construída no Largo Santa Rita, no Ahu, em frente à Justiça Federal, onde o Juiz Moro está instalado, pontificando. Alguém sabe me dizer o que isto significa? Será o fim da Lava Jato e da República de Curitiba que se avizinha? Será que a dona de cadeira de rodas e seus 100 comandados vão gritar em outra freguesia? O que estará acontecendo com os vendedores de camisetas pretas dando vivas ao Juiz e à PF? Os vendedores de pixulecos onde vão se instalar? O que estará acontecendo com o Juiz Moro, os machinhos de academia e as mocinhas de shopping center que ficavam ali enchendo o saco de quem passava pela frente da Praça? O que está acontecendo com o Juiz da Camisa Preta, o Procurador do Power Point e o Boca de Peixe? Quem souber me diga.


Jose Miguel Rasia

sábado, 12 de novembro de 2016


Trabalhei no meu trabalho
Dormi no meu sono
Morri na minha morte
E agora posso abandonar
Abandonar aquilo que faz falta
E abandonar aquilo que está cheio
Necessidade de espírito
E necessidade no Buraco
Amada, sou teu
Como sempre fui
Da medula aos poros
Do anseio à pele
Agora que a minha missão
Chegou ao fim:
Reza para que me seja perdoada
A vida que levei
O Corpo que persegui
Perseguiu-me igualmente
O meu anseio é um lugar
O meu morrer, uma vela.

LEONARD COHEN

domingo, 6 de novembro de 2016

Ricardo Costa de Oliveira

Como eu afirmo nas minhas aulas, nenhuma sociedade necessita mais de sociologia e de humanidades do que o Brasil, nenhuma sociedade precisará mais delas do que a sociedade do futuro. A série Black Mirror vale por um curso de tecnologia e sociedade, quase todas as principais questões estão lá: informática, computação, redes, biotecnologias, poder político, trabalho, desigualdade social, status, ideologias, interações e relações sociais, famílias, instituições, autoridades, punições, conceitos sociais de crimes, violências, lazer, reprodutibilidade, ambientes de realidades, alienação.. e por aí vai. A falta de sociologia e de humanidades é o pior desastre para uma sociedade que se quer moderna, com cidadania e direitos para todos. A falta de sociologia e de reflexões sociais sai mais cara do que a falta de tecnologia porque a destruição social será muito pior pelo mau uso das tecnologias acéfalas do futuro. Black Mirror serve como complementação para qualquer curso de sociedade e tecnologia, da mesma maneira que um House of Cards (ou House of Cunha) serve para a complementação da política como ela realmente é, em um bom curso sobre Maquiavel.



Há crises para muito tempo…



Outras constatação importante: os países ricos seguem padecendo de consequências do terremoto econômico-financeiro que foi a crise de 2008. Pela primeira vez, a União Europeia, (e o “Brexit” confirma), vê ameaçada sua coesão e até sua existência. Na Europa, a crise econômica durará ao menos mais uma década, até pelo menos 2025.
Há crise, em qualquer setor, quando algum mecanismo deixa de atuar, começa a ceder e acaba rompendo-se. Essa ruptura impede que o conjunto da maquinaria siga funcionando. É o que aconteceu com a economia mundial desde o estouro da crise das sub-primes em 2007-2008.
As consequências sociais desse cataclismo econômico foram brutalmente inéditas: 23 milhões de desempregados na União Europeia e mais de 80 milhões de pobres… Os jovens, em particular, são as principais vítimas; gerações sem futuro. Mas as classes médias também estão assustadas porque o modelo neoliberal de crescimento abandonou-as à margem do caminho.
A velocidade da economia financeira de hoje é de relâmpago, enquanto que a velocidade da política, em comparação, é de caracol. Resulta que fica cada vez mais difícil conciliar tempo econômico e tempo político. E também crises globais e governos nacionais. Tudo isto provoca, nos cidadãos, frustração e angústia.
A crise global produz perdedores e ganhadores. Os ganhadores encontram-se, essencialmente, na Ásia e nos países emergentes, que não têm uma visão tão pessimista da situação, como os europeus. Também há muitos ganhadores no interior dos países ocidentais, cujas sociedades encontram-se fraturadas pela desigualdade entre ricos cada vez mais ricos e pobres cada vez mais pobres.

Na realidade, não estamos suportando uma crise, mas uma série de crises, uma soma de crises mescladas tão intimamente umas às outras que não conseguimos distinguir entre causas e efeitos. Porque os efeitos de umas são as causas das outras, e assim até formar um verdadeiro sistema de crises. Ou seja, enfrentamos uma autêntica crise sistêmica do mundo ocidental, que afeta a tecnologia, a economia, o comércio, a política, a democracia, a identidade, a guerra, o clima, o meio ambiente, a cultura, os valores, a família, a educação, a juventude etc.

Extraído de análise de Ignácio Ramonet em outraspalavras.net de 15/10/2016. 

Como começou... gato negro em campo de neve ...


(A motivação para contar essa história - que parece fantasiosa, mas que é real - veio da polêmica atual sobre as manifestações de rua e seus desdobramentos em violência. Desde os meus 15 anos acho – e continuo achando ainda hoje – que a violência é caminho para lugar nenhum. Quer mudar o mundo? Ótimo. Entre no grêmio estudantil, filie-se a um sindicato ou a um partido, funde uma banda de rock, participe de um cineclube e veja muitos filmes, leia muito livros, estude bastante. São várias as opções. Pense em projetos e programas que possam beneficiar muita gente. E, se a oportunidade aparecer, não a perca.)
A comemoração, na próxima segunda-feira, dos dez anos do programa “Luz para todos” instituído pelo Decreto 4.873, de 11/11/2003, do então presidente Lula e da ministra de Energia Dilma Rousseff, me traz algumas lembranças que quero compartilhar com os amigos.
Corria o ano de 2002, último ano do segundo governo de FHC e, em março de 2002, o Ministério do Planejamento lançou a concorrência para o Estudo de Atualização do Portfólio dos Eixos Nacionais de Integração e Desenvolvimento (2004-2011). Este visava renovar os projetos de infraestrutura que poderiam ser do interesse do setor privado e de parcerias público-privado na concepção desenvolvimentista do então governo federal. Continha também um esforço meritório de planejamento do país por meio de grandes projetos de infraestrutura e estudos de logística realizados por profissionais experientes.
Participamos da concorrência respondendo pelo portfólio de projetos de Energia (já tinha feito o portfólio de projetos de Energia para a Região Amazônica no estudo anterior) pelo Consórcio Monitor/Boucinhas. Ganhamos a licitação e começamos a trabalhar na seleção de projetos de usinas de geração, linhas de transmissão e gasodutos para o país.
Ao iniciar os trabalhos, tendo que produzir um texto sobre a situação nacional na perspectiva do setor elétrico, oferta & demanda, aparecia como uma nódoa gigantesca a borrar o mapa nacional o número de brasileiros ainda sem acesso à energia elétrica, em pleno século XXI: algo como 10 milhões de pessoas! Nas trevas, ou quase. Isso me incomodava e desviava a minha atenção do portfólio de projetos. Comecei a pensar se não havia uma forma de “driblar” o escopo do projeto que eu tinha sido contratado para fazer, introduzindo, de alguma forma, a questão da população não atendida pelos serviços de eletricidade nas áreas rurais do país.
Vinha de uma gratificante experiência quando, dez anos antes na CESP, em São Paulo, tinha sido um dos artífices de um programa de eletrificação rural que atendeu as populações carentes do Vale do Ribeira, Pontal do Paranapanema e do fundo do Vale do Paraíba.
A eletrificação rural no país estava se desenrolando, de forma lenta, por meio de programas das concessionárias federais e de algumas empresas estaduais, sendo o maior deles o Luz no Campo (Eletrobras e subsidiárias). Como responsável por um portfólio de projetos de Energia para o Brasil, se eu conseguisse transformar a questão da eletrificação das moradias nas áreas rurais em um programa de governo, uno e nacional, daria um enorme passo no sentido da verdadeira universalização do acesso à energia elétrica a todos os brasileiros. Um único programa! Passo fundamental que romperia o “dique” setorial e traria o assunto para a responsabilidade do governo federal! Um programa de governo e não de empresas!
Comecei a trabalhar. Consultei, em primeiro lugar, Lucia Pilla (parceira em muitos projetos!), economista brilhante, que também estava no Consórcio, e conhecida por resolver problemas complexos. Perguntei-lhe de forma objetiva: será que você consegue o número de moradias rurais brasileiras que não possuem acesso à eletricidade? E ela, que adora desafios, respondeu: de todos os municípios brasileiros? E eu: sim, de todos, só serve se for de todos! Ela retrucou: se os dados existirem, consigo! E lhe expliquei o que pretendia. Com a informação e com custos das obras de eletrificação rural em andamento no país, que eu tinha como obter, poderíamos fazer orçamentos médios regionalizados e obter o custo muito aproximado de quanto precisaríamos para um programa de UNIVERSALIZAÇÃO da energia elétrica para o país. Poderia ser viável!
Conseguimos os dados, todos. O projeto estava andando e, muito importante, identifiquei que poderíamos, a partir de uma ação do governo, usar os recursos da Reserva Global de Reversão (RGR), recursos abundantes do próprio setor elétrico, para executar o programa. Ou seja, tínhamos os dados e a fonte de recursos. Precisava, agora, dar o segundo passo: convencer o Consórcio que o programa de UNIVERSALIZAÇÃO de acesso à eletricidade que estávamos desenvolvendo, apesar de não fazer parte do escopo contratado, merecia estar no estudo pelo seu caráter “estruturante do ponto de vista social”. Batalha.
Estava no Consórcio, como um dos coordenadores, o sociólogo Carlos Alberto Doria e fui consultá-lo sobre o assunto. Doria, um consultor experiente na relação com governos, homem de grande inteligência e sensibilidade, poderia ajudar na viabilização do programa. Mostrei a ele o que pretendíamos. Ele achou a ideia excelente e disse que claro, claro que sim, ajudaria a colocar o programa no portfólio de projetos. E assim o fez. Na reunião de coordenadores e responsáveis pelos vários portfólios, apresentei a ideia e Doria foi decisivo no convencimento do Prof. Paulo Haddad - economista mineiro, ex-ministro da Fazenda, homem muito educado, gentil e coordenador-geral dos trabalhos - a apoiar a inclusão do programa no nosso estudo.
Próximo passo, Brasília. Restrições, pois o programa não era “novidade” e não tinha apelo para atrair o capital privado. Com paciência fui explicando que a “abordagem” era nova, que a execução do programa movimentaria dezenas de empresas privadas produtoras de postes, cabos elétricos e transformadores e inúmeros pequenos empreiteiros. E que os benefícios sociais seriam enormes. Fomos conquistando adeptos. No final, surgiram pequenos óbices formais, relacionados com a aventada, por técnicos do MP, possível necessidade de um aditivo ao contrato pela inclusão do novo trabalho. Afastamos o problema dizendo que não seria necessário qualquer acréscimo ao contrato, que os homens-hora gastos nos estudos do programa seriam absorvidos por nós sem custos para o contratante.
E assim concluímos o estudo. Cerca de 2.150.000 moradias sem energia elétrica existentes no país poderiam ser atendidas a um custo de R$ 6.297.780.000,00 (Reais de outubro de 2002). Sim, era possível. No texto de justificativa do programa, que encaminhamos para o Ministério do Planejamento, o batizei. LUZ PARA TODOS! Programa de universalização do acesso à energia elétrica.
FHC se despedia. Lula assumiria o governo em 1/1/2003. Dilma foi nomeada para o Ministério de Energia. A sensibilidade social de ambos tirou o programa da prateleira do Ministério do Planejamento e o transformou em plano de governo. Os últimos números que tive acesso mostram que cerca de 15 milhões de brasileiros foram beneficiados pelo programa até meados de 2013!
Pequena ironia da história: um dos maiores programas sociais da era Lula foi gestado nos estertores do governo de FHC. Não por tucanos, nem por petistas. E sim por consultores independentes. Pessoas que sempre estiveram no “campo” da esquerda democrática, ”três mosqueteiros” lutando aqui e ali, aproveitando os espaços existentes para ousar um pouquinho visando à construção de uma sociedade mais justa e igualitária.Por Claudio Guedes

Lugar Lugares

Parece que sim, que tinha demasiada imaginação, e levaram-na ao médico e ele disse: aguente-se, e ela não se aguentou. Era uma criança. Não, não, nessa altura já tinha crescido, bebia pelo menos um litro de brandy por dia. Nada mau, para uma antiga criança. A verdade é que era uma criança, e não se aguentou quando o médico disse: aguente-se. E as ruas são tão tristes. Precisam de mais luz. Mas nesta, por exemplo, já puseram mais luz, e mesmo assim é triste. É até mais triste que as outras. Estou tão triste. Vamos para as férias, para o pequeno paraíso. Contaram-me que ele tinha uma alegria tão grande que não podia agarrar num copo: quebrava-o com a força dos dedos, com a grande força da sua alegria. Era uma criatura excepcional. Depois foi-se embora, e até já desconfiavam dele, e embarcou, e talvez não houvesse lugar na terra para ele. E onde está? Mas era uma alegria bárbara, uma vocação terrível. Partiu. E agora chove, e vamos para casa, e tomamos chá, e comemos bolos que tu gostas tanto. E depois, e depois?


(Herberto Helder, trecho de Lugar Lugares, em "Os Passos em Volta")

Ensinamento - coisas que vamos descobrindo à medida que envelhecemos




As nossas experiências e insights mais profundos devem permanecer secretos e não falados, isto é, devemos manter sigilo pelas experiências esotéricas por quais passamos. Quando descobrimos coisas ou passamos por experiências místicas e começamos a falar poderemos ser rejeitados ou mal interpretados pelos outros. É inútil falar o que os outros não podem alcançar. Por isso, quando Cristo disse: “não se jogam pérolas aos porcos.”, ele quis dizer que algumas mensagens não chegam a algumas pessoas, e que nessas ocasiões é melhor não falar nada. Não devemos ultrapassar a capacidade de compreensão dos outros. O silêncio e o respeito muitas vezes são as atitudes mais corretas. Quando guardamos para nós nossas descobertas seremos aguilhoados com mais descobertas, quanto maior o nosso sigilo fazer, mais receberemos. O filme japonês “A Partida” trata de forma belíssima e pungente este assunto.

Eloi Beto Zanetti

sábado, 5 de novembro de 2016


El asalto al gran convoy


Dino Buzzati

Arrestado en un callejón de la ciudad y condenado solamente por contrabando -porque tuvo la suerte de no ser reconocido- Gaspar Planetta, capitán de bandidos, permaneció tres años en prisión.

Al salir libre estaba muy cambiado. Consumido por la enfermedad, con una gran barba, parecía un viejo y no el famoso capo brigante, el mejor tirador conocido, que no sabía errar un disparo.

Con sus cosas en una bolsa, se puso en camino hacia el Monte Fumo, su antiguo reino, donde suponía que debían estar sus compañeros.

Era un domingo de junio cuando se internó en el valle donde estaba su casa. Los senderos del bosque no habían cambiado: aquí afloraba una raíz: allá una piedra que recordaba perfectamente. Todo estaba igual que antes. Como era fiesta, la banda debía estar reunida en su casa. Al acercarse, Planetta oyó voces y carcajadas. La puerta, a diferencia de sus tiempos, estaba cerrada.

Golpeó dos o tres veces. Adentro se hizo un silencio. Después preguntaron:

-¿Quién es?

-Vengo de la ciudad -respondió- vengo de parte de Planetta.

Tenía pensado darles una sorpresa, pero en cuanto abrieron la puerta, se dio cuenta de que no lo reconocían. Sólo el viejo perro, el esquelético Tromba, le saltó encima con alegría.

Al principio sus antiguos compañeros, Cosimo, Marco, Felpa y también tres o cuatro desconocidos, lo rodearon, pidiéndole noticias de Planetta. Les contó que había conocido al jefe en prisión; dijo que Planetta sería liberado un mes más tarde y que, mientras tanto, lo había enviado a él para saber cómo marchaban las cosas.

Al rato, los bandoleros ya habían perdido todo interés en el recién llegado y lo dejaban con un pretexto cualquiera. Sólo Cosimo se quedó hablando con él, pero sin reconocerlo.

-¿Y qué piensa hacer cuando vuelva?

-¿Cómo qué piensa hacer? ¿Es que acaso no puede volver acá?

-Ah, sí, sí… yo no digo nada. Sólo estaba pensando en él. Las cosas aquí han cambiado mucho. Y él va a querer mandar todavía, se entiende… pero no sé…

-¿Qué es lo que no sabe?

-No sé si Andrea estará dispuesto… no va a querer. Por mí que vuelva, nosotros dos siempre nos llevamos bien.

Así supo Gaspare Planetta que el nuevo jefe era Andrea, uno de sus antiguos compañeros.

En ese momento se abrió la puerta de par en par y entró el propio Andrea, que se paró en medio del cuarto. Planetta recordaba un tipo alto y flaco. Ahora tenía delante una formidable estampa de forajido, con una cara dura y unos espléndidos bigotes. Tampoco lo reconoció.

-¿Ah sí? -dijo a propósito de Planetta- ¿Y cómo fue que no consiguió fugarse? No debe ser demasiado difícil. También a Marco lo metieron adentro, pero no llegó a estar ni seis días. Tampoco a Stella le resultó difícil evadirse. Y en cambio él, que era el jefe, precisamente él, no hizo buen papel.

-Es que ya las cosas no son como antes -repuso Planetta con una sonrisa burlona- Hay muchos guardias ahora, cambiaron las rejas, jamás nos dejaban solos. Y además él se enfermó.

Mientras hablaba se iba dando cuenta que lo habían dejado afuera, comprendía que un capo brigante no puede dejarse capturar y mucho menos permanecer encerrado tres a cuatro años como un desgraciado cualquiera, comprendía que estaba viejo, que ya no había lugar para él allí, que su tiempo había terminado.

-Me dijo -prosiguió con voz cansada- Planetta me dijo que había dejado aquí su caballo, un caballo blanco que se llama Polak, me parece, y que tiene un bulto detrás de la rodilla.

-Tenía, querrá decir, tenía… -dijo Andrea arrogante, comenzando a sospechar que era el propio Planetta el que tenía delante- Si el caballo se murió, no es culpa nuestra.

-Me dijo- continuó con toda calma Planetta- que también dejó aquí su ropa, una linterna y un reloj- y sonriendo sutilmente se acercó a la ventana para que todos pudieran verlo bien.

Y todos, en efecto, lo vieron, reconociendo en aquel viejo flaco lo que quedaba de su famoso jefe Gaspare Planetta, el mejor tirador conocido, que no sabía errar un solo tiro.

Sin embargo, ninguno habló. Tampoco Cosimo se atrevió a decir nada. Todos simularon no haberlo reconocido porque estaba presente Andrea, el nuevo jefe y lo temían.

Y Andrea hacía como si no pasara nada.

-Nadie ha tocado sus cosas -respondió Andrea- deben estar por ahí, en algún cajón. De la ropa, no sé nada. Probablemente alguien la usó.

-Me ha dicho- continuó imperturbable Planetta, aunque esta vez ya no sonreía- me ha dicho que dejó aquí su fusil, su escopeta de precisión.

-Su fusil está aquí -dijo Andrea- y puede venir por él cuando quiera.

-Me decía, siempre me decía: quién sabe qué trato le han dado a mi fusil, quién sabe en qué chatarra me lo encuentro convertido a mi regreso.

-Yo lo usé algunas veces- admitió Andrea con cierto tono de desafío- pero no creo que por eso se haya estropeado.

Gaspare Planetta se sentó sobre un banco. Se sentía afiebrado, cosa que solía pasarle; no mucho, pero lo suficiente para sentir la cabeza pesada.

-Dime -insistió, volviéndose a Andrea- ¿Me lo podrías dejar ver?

-Adelante -respondió Andrea, haciéndole señas a uno de los nuevos integrantes de la banda- Ve, ve a buscarlo.

Un momento después le entregaron el fusil a Planetta. Lo observó minuciosamente, con aire preocupado y poco a poco, mientras acariciaba el caño, pareció serenarse.

-Bien -dijo después de una larga pausa-… y también me dijo que dejó aquí las municiones. Lo recuerdo bien: seis medidas de pólvora y ochenta y cinco proyectiles.

-Adelante- ordenó Andrea secamente- Tráiganle todo. ¿Hay alguna otra cosa?

-Eso -dijo Planetta acercándose a Andrea con la mayor calma y sacándole de la cintura un puñal envainado- Todavía falta ésta. Su cuchilla de caza- y volvió a sentarse.

Corrió un largo y pesado silencio.

-Bien… buenas noches- dijo por fin Andrea para hacerle comprender a Planetta que la entrevista había terminado.

Gaspare Planetta levantó los ojos midiendo la poderosa corpulencia del otro.

¿Habría podido desafiarlo, enfermo y cansado como estaba? Se levantó lentamente, esperó que le dieran el resto de sus cosas, metió todas en la bolsa y se echó el fusil al hombro.

-Buenas noches, señores -dijo, encaminándose hacia la puerta.

Los hombres quedaron mudos, paralizados de estupor, porque jamás hubieran imaginado que Gaspare Planetta, el famoso capo brigante pudiera terminar así, permitiendo que lo mortificaran impunemente.

Sólo Cosimo consiguió emitir una voz extrañamente ronca:

-¡Adiós, Planetta! -exclamó, haciendo a un lado toda simulación-. ¡Adiós y buena suerte!

Planetta se alejó por el bosque, en medio de las sombra de la noche, silbando.

*

Eso le sucedió a Planetta, que ya no era más capo brigante sino solamente Gaspare Planetta, de Severino, del año cuarenta y ocho, sin residencia fija. Aunque, en realidad, dónde vivir tenía, una cabaña sobre el Monte Fumo, de troncos y piedra, en el medio del bosque, donde se refugiara una vez que lo perseguían los guardias.

Planetta llegó a su cabaña, encendió el fuego, contó el dinero que tenía (podía alcanzarle para algunos meses) y comenzó a vivir solo.

Pero una noche, mientras estaba sentado junto al fuego, se abrió de golpe la puerta y apareció un joven, con un fusil. Tendría unos diecisiete años.

-¿Qué pasa? -preguntó Planetta sin siquiera levantarse.

El muchacho tenía un aire desenfadado, se parecía a él, Planetta, una treintena de años antes.

-¿Está aquí la gente del Monte Fumo? Hace tres días que los busco.

El muchacho se llamaba Pietro. Explicó sin titubeos que quería unirse a la banda. Había vivido siempre vagabundeando y hacía años que tenía ese proyecto, pero como para ser bandolero debía contar por lo menos con un fusil, no había tenidos más remedio que esperar un poco; ahora había robado uno bastante bueno.

-Llegaste a buen lugar; yo soy Planetta.

-¿Planetta el capitán, quiere decir?

-El mismo.

-Pero, ¿no estaba en prisión?

-Allí estuve, por así decirlo -explicó irónicamente Planetta-. Estuve tres días: no tuvieron la suerte de retenerme por más tiempo.

El muchacho lo miró entusiasmado.

-¿Y ahora quieres que me quede contigo?

-¿Quedarte conmigo? -dijo Planetta- Está bien, por esta noche duerme aquí, mañana veremos.

Los dos vivieron juntos. Planetta no desengañó al muchacho, lo dejó creer que seguía siendo el jefe, le explicó que prefería vivir solo y encontrarse con los compañeros nada más que cuando era necesario.

El muchacho lo creía poderoso y esperaba de él grandes cosas. Pero pasaban los días y Planetta no hacía nada, a excepción de cazar un poco. El resto del tiempo lo pasaba siempre junto al fuego.

-Jefe -decía Pietro- ¿cuándo vamos a dar un golpe?

-Uno de estos días- respondía Planetta- Llamaré a los compañeros y te sacarás el gusto.

Pero los días siguieron pasando.

-Jefe- insistía el muchacho-. Supe que mañana pasará por el camino del valle un tal Francisco, que debe tener los bolsillos llenos.

-¿Un tal Francisco? -repetía Planetta sin demostrar interés- Lo conozco hace tiempo. Es un hombre astuto, un verdadero zorro: cuando viaja no lleva un solo escudo encima, de miedo a los ladrones.

-Jefe- decía el muchacho-. Supe que mañana pasan dos carros de buena mercadería. Todos cosas de comer. ¿Qué dice, jefe?

-¿De veras? -respondía Planetta- ¿Cosas de comer? – y dejaba languidecer el asunto, como si no fuera digno de él.

-Jefe- decía el muchacho- mañana es la fiesta de la ciudad y habrá mucho movimiento de gente, pasarán cantidad de carruajes y muchos regresarán de noche. ¿No tendríamos que intentar algo?

-Cuando hay gente -contestaba Planetta- más vale no hacer nada. Hay gendarmes por todos lados los días de fiesta. No hay que fiarse. Precisamente fue en un día de fiesta que me capturaron.

-Jefe -decía después de unos días Pietro- di la verdad, a ti te pasa algo. No tienes ganas de hacer nada. Ni siquiera de ir a cazar. No quieres ver a los compañeros. Debes estar mal, seguramente, ayer también tuviste fiebre. Siempre estás al lado del fuego. ¿Por qué no hablas claro?

-Puede que no esté bien- decía Planetta sonriendo- pero no es lo que tú piensas. Si quieres que te los diga, así por lo menos me dejas tranquilo, es una estupidez fatigarse para embolsarse algunas pocas monedas. Si hago algo, quiero que valga la pena. Bien: he decidido esperar al Gran Convoy.

Se refería al Gran Convoy que una vez al año, precisamente el 12 de setiembre, llevaba a la capital un cargamento de oro, todo lo recaudado por concepto de impuestos en las provincias del sur. Avanzaba entre sonidos de cuernos a lo largo del camino principal, custodiado por guardia armada. El Gran Convoy Imperial con el gran carro de hierro, todo lleno de monedas metidas en sacos. No había bandolero que no soñara con él en las noches tranquilas, pero desde hacía cien años nadie había logrado asaltarlo impunemente. Trece bandidos habían muerto, veinte estaban en prisión. Ya nadie pensaba en el Gran Convoy en serio; año tras año la recaudación de impuestos se hacía más grande y la escolta armada era reforzada. Iban soldados adelante y atrás, patrullas a caballo a los lados; los cocheros, los jinetes y los servidores, todos armados. Lo precedía una especie de avanzada con trompeta y bandera. Después venían veinticuatro guardias a caballo, armados con fusiles, pistolas y espadones, y enseguida el carro de hierro con la insignia imperial en relieve tirado por dieciséis caballos. Otros veinticuatro soldados en la retaguardia, otros doce a los lados. Cien mil ducados de oro, mil onzas de plata, destinados a la casa imperial.

El Convoy pasaba a galope cerrado. Luca Toro, cien años antes, había tenido el coraje de asaltarlo y le había ido milagrosamente bien. Era la primera vez: la escolta se asustó y Luca Toro pudo huir a Oriente y darse la gran vida.

Otros bandoleros lo habían intentado: Giovanni Borro, para nombrar algunos, el Tedesco, Sergio de Topi, el Conde y el Jefe de los treinta y ocho. Todos, a la mañana siguiente, aparecieron al borde del camino con la cabeza partida.

-¿El Gran Convoy? -preguntó el muchacho maravillado- ¿De veras quieres arriesgarte?

-Sí, quiero arriesgarme. Si lo logro, estoy hecho para siempre.

Eso dijo Gaspare Planetta, pero estaba lejos de pensarlo. Aun contando con una veintena de hombres habría sido una locura… ¡cuánto más solo!

Lo había dicho por bromear, pero el muchacho se lo había tomado en serio y miraba a Planetta con admiración.

-Dime- preguntó-… ¿y cuántos seríamos?

-Quince, por lo menos.

-¿Y para cuándo?

-Hay tiempo -respondió Planetta-. Tengo que hablar con mi gente. Esto no es cosa de juego.

Pero los días siguieron pasando y los bosques empezaron a ponerse rojos. El muchacho esperaba con impaciencia. Planetta no lo desengañaba y en las largas noches que pasaban junto al fuego, discutía el gran proyecto y se divertía también él. Y en algunos momentos él mismo llegaba a creer que era verdad.

*

El 11 de septiembre, el día de la víspera, el muchacho estuvo afuera hasta la noche. Regresó con una cara sombría.

-¿Qué pasa? – preguntó Planetta, sentado como de costumbre junto al fuego.

-Por fin me encontré con tus compañeros.

Se hizo un largo silencio y se oyó el restallar del fuego. También se escuchaba la voz del viento que soplaba en el bosque.

-Y bien… -preguntó Planetta con tono que quería parecer divertido- ¿Te lo dijeron todo?

-Seguro. Me lo contaron todo.

-Bien- añadió Planetta y se hizo otra pausa en el cuarto iluminado tan sólo por el fuego.

-Me dijeron que me fuera con ellos, que hay mucho trabajo.

-Entiendo- aprobó Planetta- Sería una tontería no ir.

-Jefe -dijo entonces Pietro con voz casi llorosa- ¿por qué no me dijiste la verdad? ¿Por qué tantas historias?

-¿Qué historias? -dijo Planetta, que hacía esfuerzos por mantener su habitual tono alegre-. ¿Qué historias te he contado yo? Te dejé creer, no te quise desengañar, eso fue todo.

-No es verdad -repitió el muchacho-. Me retuviste aquí con falsas promesas, sólo por atormentarme. Mañana, bien lo sabes…

-¿Qué pasa mañana? -preguntó Planetta, otra vez tranquilo- ¿Te refieres al Gran Convoy?

-Eso mismo. ¡Y yo que te creí! Aunque tenía que haberme dado cuenta, enfermo como estás… No sé como hubieras podido… -Pietro se calló por algunos segundos y después, en voz baja, anunció:

-Mañana me voy.

*

Pero el otro día, Planetta fue el primero en levantarse. Se vistió de prisa sin despertar al muchacho y tomó el fusil. Recién cuando llegaba al umbral Pietro se despertó.

-Jefe -dijo, llamándolo así por la fuerza de la costumbre-. ¿Adónde vas a esta hora, se puede saber?

-Sí señor, se puede saber -respondió Planetta sonriendo-. Voy a esperar al Gran Convoy.

Pietro ni siquiera se molestó en responder. Se limitó a darse vuelta en la cama, como para hacerle ver que ya estaba cansado de aquella estúpida historia.

Pero está vez no era sólo una historia. Para cumplir una promesa que había hecho en broma, se disponía a asaltar el Gran Convoy. Ya lo habían fastidiado bastante sus compañeros; por lo menos, que aquel muchacho supiera quién era Gaspare Planetta. Pero, no… no era el muchacho lo que le importaba. En el fondo, lo hacía por él mismo, para sentirse el de antes, aunque fuera por última vez.

Probablemente nadie lo vería y hasta quizá, si lo mataban enseguida, nadie lo supiera jamás, pero es no tenía importancia. Era un asunto personal con el poderoso Planetta de antes. Una especie de apuesta a favor de una empresa desesperada.

Pietro dejó que Planetta se fuera. Pero después le asaltó una duda. ¿No se propondría de veras Planetta llevar a cabo el asalto? A pesar de que le parecía una idea absurda, Pietro se levantó y salió a averiguar. Muchas veces Planetta le había mostrado el sitio ideal para esperar al Gran Convoy, y hacia allí se dirigió.

El día ya había amanecido pero el cielo estaba cubierto por largas nubes de tormenta. La luz era clara y grisácea. De tanto en tanto se oía el canto de un pájaro. En los intervalos, se escuchaba el silencio.

Pietro corrió por el bosque hacia el fondo del valle, donde pasaba el camino principal. Avanzaba con prudencia entre los matorrales en dirección a un grupo de castaños, donde seguramente se encontraba Planetta.

Allí estaba, en efecto, escondido detrás de un tronco y se había hecho un pequeño parapeto de ramas para que no lo pudieran ver. Se había apostado sobre una especie de colina que dominaba una brusca vuelta del camino: una fuerte subida que obligaba a los caballos a andar más despacio. Todo lo que pasara por allí se convertía en un blanco fácil.

El muchacho miró la llanura del sur que se perdía en el infinito, cortada en dos por el camino. Allá, en el fondo, vio una polvareda que se movía, avanzaba por el camino: era el polvo que levantaba el Gran Convoy.

Planetta estaba colocando el fusil con la mayor calma, cuando oyó que algo se agitaba cerca de él. Se volvió y vio a Pietro con su fusil en el árbol vecino.

-Jefe- dijo Pietro jadeando- Planetta, tienes que salir de aquí. ¿Te has vuelto loco?

-Chitón- respondió sonriendo Planetta-. Que yo sepa, no estoy loco. Vete de aquí enseguida.

-Estás loco, te digo. Crees que van a venir tus compañeros, pero no vendrán, me lo han dicho, nunca pensaron venir.

-Vendrán, por Dios que vendrán, sólo es cuestión de esperar un poco. Tienen la manía de llegar siempre tarde.

-Planetta -suplicó el muchacho-. Hazme el gusto, sal de ahí. Era sólo una broma, nunca he pensado dejarte.

-Lo sé, lo sé -rió bonachonamente Planetta-. Pero ahora basta, vete, te digo. Este no es lugar para ti.

-Planetta- insistió el muchacho-. ¿No ves que es una locura? ¿Qué puedes hacer tú solo?

-Por Dios, vete de una vez -gritó con voz ahogada Planetta, que ya no razonaba-. ¿No te das cuenta de que vas a echarlo todo a perder?

En ese momento se comenzaba a distinguir, en el fondo del camino principal, los soldados que escoltaban el Gran Convoy, el carro, la bandera.

-¡Por última vez, vete! -repitió, furioso, Planetta. El muchacho, reaccionando por fin, empezó a arrastrarse entre el pastizal hasta que desapareció.

Planetta escuchó los cascos de los caballos, dio una ojeada a las grandes nubes de plomo, vio tres o cuatro cuervos en el cielo. El Gran Convoy ahora avanzaba despacio, iniciando la subida.

Planetta tenía ya el dedo en el gatillo cuando advirtió que el muchacho regresaba, arrastrándose, y se apostaba otra vez detrás del árbol.

-¿Viste? -susurró Pietro-. ¿Viste cómo no vinieron?

-Canallas -murmuró Planetta sin mover ni siquiera la cabeza y esbozando una sonrisa-. ¡Canallas! Es demasiado tarde para retroceder. ¡Atención, muchacho, que ahora comienza lo bueno!

Trescientos. Doscientos metros. El Gran Convoy se acercaba. Ya se distinguía la gran insignia en relieve sobre los lados del carro, se oían las voces de los soldados que conversaban entre ellos.

Recién entonces el muchacho tuvo miedo. Comprendió que estaba embarcado en una empresa disparatada, de la que no se podía escapar.

-¿Viste que no vinieron? Por caridad, no dispares.

Pero Planetta no se conmovió.

-¡Atención! -murmuró alegremente, como si no lo hubiera oído-. ¡Señores, la función va a comenzar!

Planetta ajustó la mira, su formidable mira que no podía fallar. Pero en aquel instante sonó un disparo del otro lado del valle.

-¡Cazadores! -comentó el capo brigante, divertido, mientras resonaba un terrible eco-. No son más que cazadores. ¡Nada de miedo, eh! Cuánto más confusión, mejor.

Pero no eran cazadores. Gaspare Planetta oyó un gemido. Volvió la cabeza y vio al muchacho que soltaba el fusil y se desplomaba sobre la tierra.

-¡Me hirieron, Planetta! ¡Oh, mama!

No habían sido cazadores los que habían disparado, sino los soldados de la escolta encargados de adelantarse al Convoy para evitar una emboscada. Eran todos expertos tiradores, seleccionados en los combates. Tenían fusiles de precisión.

Uno de ellos, mientras escrutaba el bosque, había visto al muchacho moverse entre los árboles y tenderse después al lado del viejo bandolero.

Planetta lanzó una blasfemia. Se fue levantando con precaución hasta quedar de rodillas, disponiéndose a socorrer al compañero. Sonó un segundo disparo. El proyectil atravesó el valle bajo las nubes tormentosas y después empezó a descender de acuerdo a las leyes de la balística. Había sido dirigido a la cabeza, pero en cambio entró en el pecho, cerca del corazón.

Planetta cayó de golpe. Se hizo un gran silencio, como jamás había oído. El Gran Convoy se había detenido. El temporal no terminaba de desatarse. Los cuervos estaban allá, en el cielo. Todos se mantenían expectantes.

El muchacho volvió la cabeza y sonrió:

-Tenía razón -balbuceó-. Al final vinieron, los compañeros. ¿Los viste, jefe?

Planetta no respondió, pero haciendo un supremo esfuerzo, miró en la dirección indicada.

Detrás de ellos, en un claro del bosque, habían aparecido una treintena de jinetes con el fusil en bandolera. Parecían diáfanos como una nube y sin embargo se distinguían netamente sobre el fondo oscuro de la floresta. Por sus divisas absurdas y sus caras bravías, se hubiera dicho que eran bandidos.

En efecto, Planetta los reconoció enseguida. Eran sus antiguos compañeros, los bandoleros muertos que venían por él. Rastros curtidos por el sol y atravesados por largas cicatrices, horribles mostachos, barbas sacudidas por el viento, ojos duros y clarísimos, espuelas inverosímiles, grandes botones dorados, caras simpáticas, polvorientas de tanto combatir.

Ahí estaba el buen Paolo, lento de entendederas el pobre, muerto en el asalto del Mulino; Pietro del Ferro, que jamás había conseguido aprender a cabalgar; Giorgio Pertica; Frediano, muerto de frío… todos los buenos y viejos compañeros, que había visto morir uno a uno.

¿Y ese facineroso de grandes bigotes y un fusil casi tan largo como él, montado en el caballo blanco y flaco, no era el Conde, el famoso bandolero también caído por causa del Gran Convoy? Sí, era él, el Conde, con el rostro iluminado de cordialidad y satisfacción. ¿Y acaso se equivocaba Planetta o el último de la izquierda que se mantenía erguido y orgulloso, era el propio Marco Grande en persona, ahorcado en la capital en presencia del Emperador y de cuatro regimientos de soldados? Marco Grande, cuyo nombre, cincuenta años después todavía se pronunciaba en voz baja… Sí, también había venido para honrar a Planetta, el último valiente y desafortunado capitán.

Los bandidos muertos estaban silenciosos, evidentemente conmovidos, pero llenos de una común felicidad. Esperaban que Planetta hiciera algo.

Y Planetta (lo mismo que el muchacho) se levantó, ya no de carne y hueso como antes sino transparente como los otros y, sin embargo, idéntico a sí mismo.

Lanzando una mirada sobre su pobre cuerpo que yacía en el suelo, Planetta se encogió de hombros, como para convencerse de que ya no importaba nada de eso y se dirigió al claro, indiferente a los posibles disparos. Avanzó hacia los viejos compañeros, feliz.

Estaban por comenzar los saludos particulares, cuando en primera fila advirtió un caballo ensillado a la perfección y sin jinete. Instintivamente se acercó sonriendo.

-Por casualidad -dijo, maravillado por el tono extrañísimo de su nueva voz- ¿no será Polak este caballo?

Era Polak, de verdad, su caballo. Al reconocer a su dueño lanzó una especie de relincho (es necesario definirlo así, porque la voz de los caballos muertos es mucho más dulce que la que conocemos). Planetta le dio dos o tres palmadas afectuosas y desde ya empezó a saborear la delicia de la próxima cabalgata, junto a sus fieles amigos, hacia el reino de los bandoleros muertos que si bien no conocía, era legítimo imaginar lleno de sol, acariciado por un aire de primavera, con largos caminos blancos y sin polvo, que seguramente conducían a milagrosas aventuras. Apoyando la mano izquierda sobre la silla, como si se dispusiera a montar, Gaspar Planetta habló.

-Gracias, muchachos -dijo, tratando de no dejarse dominar por la emoción-. Les juro que… -y se interrumpió al recordar a Pietro, que también transformado en sombra se mantenía apartado, con el embarazo que produce estar entre personas que recién se conoce. -Perdona- le dijo Planetta- Este es un bravo compañero- agregó dirigiéndose a los bandoleros muertos-. Tenía tan sólo diecisiete años. Hubiera sido todo un hombre.

Los bandidos muertos sonrieron y bajaron levemente la cabeza en señal de bienvenida.

Planetta calló y miró a su alrededor, indeciso. ¿Qué debía hacer? ¿Irse con sus compañeros, dejando al muchacho solo? Volvió a dar dos o tres palmadas al caballo, hizo como que tosía y le dijo a Pietro.

-Bien, ¡adelante! ¡Monta en mi caballo! Es justo que te diviertas. ¡Vamos, vamos, nada de historias! -agregó con fingida severidad, viendo que el muchacho no se animaba a aceptar.

-Si realmente quieres… -exclamó Pietro por fin, evidentemente halagado. Y con una agilidad que jamás hubiera supuesto, dada la poca práctica que tenía en materia de equitación, el muchacho saltó sobre la silla.

Los bandoleros agitaron los sombreros, saludando a Gaspare Planetta. Alguno guiñó un ojo, como diciendo hasta la vista. Todos espolearon los caballos y partieron al galope.

Se alejaron como disparados entre los árboles. Era maravilloso ver cómo se lanzaban en lo más intrincado del bosque y lo atravesaban sin que su marcha se viera entorpecida en ningún momento. Los caballos tenían un galope suave y hermoso de ver. El muchacho y algunos de los bandidos todavía agitaban el sombrero.

Planetta, que había quedado solo, dio una ojeada en torno. Su inútil cuerpo seguía al pie del árbol. Parecía seguir mirando hacia el camino.

El Gran Convoy estaba todavía detenido más allá de la curva y por eso no era visible. En el camino sólo se veían seis o siete soldados de la escolta que miraban en dirección a Planetta. Aunque parezca increíble, habían visto toda la escena: las sombras de los bandidos muertos, los saludos, la cabalgata. Nunca se sabe lo que puede pasar en ciertos días de septiembre, bajo las nubes de tormenta.

Cuando Planetta, que había quedado solo, se volvió, el capitán del pequeño destacamento se dio cuenta que era observado. Entonces se irguió y saludó militarmente, como se saluda entre soldados.

Planetta le devolvió el saludo tocándose el sombrero, con un gesto de familiaridad pero lleno de hidalguía y sonrió. Después se encogió de hombros, por segunda vez en el día. Se apoyó en la pierna izquierda, dio la espalda a los soldados, hundió las manos en los bolsillos y se alejó silbando, sí señor, una marchita militar, en la misma dirección por la que habían desaparecido sus compañeros.

Iba hacia el mundo de los bandoleros muertos, que si bien no conocía, era lícito suponer mejor que éste. Los soldados lo vieron hacerse cada vez más pequeño y diáfano; su aspecto de viejo contrastaba con su paso ágil y rápido, el mismo paso alegre y despreocupado que tienen los muchachos de veinte años, cuando son felices.

FIN

 DINO BUZZATI

Biblioteca Digital Ciudad Seva



Com certeza me faltará tempo e linhas, mas assumo o desafio. Não me sinto obrigado a explicar-se e nem a me defender. A obrigação que se impõe agora, é de trazer luz à claridade.Explicar o óbvio.Vivemos em um país extremamente desigual: no que tange à formação geográfica e cultural e, nunca poderíamos esquecer da herança maldita que lhe foi concedida:terra aberta aos invasores. Aqui quem chega fará e fez o que quiser. Nossa vontade de ser Povo sempre foi atacada pela obsessão de sermos Pátria. Aqui há um POVO. No sentido mais desafiador da palavra: um POVO que não cala outras etnias. Mas na terra Brasilis, aonde a Pátria quer ser ainda que Pária, permitimos o abuso do horror das perseguições étnicas, ainda que ocorram nos consultórios psiquiátricos.Vivemos uma Guerra Civil há décadas.O Nosso projeto de País para todos foi abortado pelos mesmos algozes e pelos mesmos servis. Agora eu pergunto: Aonde anda o Brasil? Brasil deriva da brasa e deu nome ao que pensavam um pais. Será somente uma Brasa? Que se apaga com qualquer ventinho? Somos aplacados e resistimos. Vivemos um período de 20 anos de ditadura, quando os melhores quadros políticos e sociais do país foram assassinados e quando o povo foi acurralado de tal forma a nunca mais ousar ser povo. Mas eis que depois de algum tempo, tivemos um período admirável, de retomada de dignidade e valor popular.Hoje muitos que usufruíram do populismo que criticam, rastejam a passos largos para outro lado e vociferam como parasitas de permanência regular. Tenho orgulho de ser comunista. De ver além do que é visto pelos que pretendem um usufruto imediato. Não recusemos nossa identidade Latino Americana. Não vamos permitir mais entreguismo, Todo Poder ao Povo!

Julio Urrutiaga Almada 

Mike Oldfield - Moonlight Shadow (Azerbaijan Version)

sexta-feira, 4 de novembro de 2016

Nostalgia do Presente


Naquele preciso momento o homem disse:
«O que eu daria pela felicidade
de estar ao teu lado na Islândia
sob o grande dia imóvel
e de repartir o agora
como se reparte a música
ou o sabor de um fruto.»
Naquele preciso momento
o homem estava junto dela na Islândia.
Jorge Luis Borges, in "A Cifra"

Tradução de Fernando Pinto do Amaral
"ao contrário do que hoje se crê, a humanidade não representa uma evolução para algo de melhor, de mais forte ou de mais elevado. O 'progresso' é simplesmente uma ideia moderna, ou seja, uma ideia falsa. O europeu de hoje vale bem menos do que o europeu do Renascimento; desenvolvimento contínuo não é forçosamente elevar-se, aperfeiçoar-se, fortalecer-se"


Nietzsche (O Anticristo)
Uma reflexão sobre a greve dos professores no Estado do Paraná em 2016 e uma perspectiva a respeito das inúmeras lutas que ainda teremos pela frente

Num cenário de recessão economica e de perda de direitos a greve dos professores do Paraná ocorrida em outubro de 2016 foi bastante ilustrativa para aqueles que a acompanharam de perto. De um lado, evidenciou a falta de credibilidade do Governo do Estado, esse poder que já sabíamos truculento, corrupto e que se revelou mais uma vez incapaz de honrar os compromissos assumidos, em especial por se encontrar em um contexto de alinhamento com o Governo Federal. De outro, e apesar da greve a que fomos induzidos, não podermos alegar que tenha sido ela propriamente uma"surpresa" uma vez que nós, educadores, temos o dever de reconhecer que nossa trajetória sempre foi e continuará sendo de muita luta. Para além disso, entretanto, o que verdadeiramente chamou a atenção em toda essa movimentação foram os conflitos internos da nossa própria categoria. E é a eles que, acredito, devemos dar destaque, uma vez que daqui pra frente resistir de modo coletivo e organizado será não apenas uma estratégia vital, mas, ao que parece, um desafio com algum grau de dificuldade a ser obtido. Parto do princípio de que não soubemos assimilar o fim da greve de 2015, e de que essa incapacidade de aprender com a experiência adquirida nos tem sido muito cara. Ainda nos acusamos e deixamos nos afetar pelo que ocorreu em 2015, sem respaldar-nos com a devida análise de contexto, a qual nos permitiria observar que recuar naquela ocasião foi uma opção válida pensando na manutenção do prestígio conquistado pelo movimento (uma greve de mais de 40 dias, que contou com o apoio da opinião pública e repercutiu nacionalmente influenciando outros movimentos análogos) e no fato de que assim atuando demos mostra de respeito as institucionalidades mais do que os próprios agentes do estado (o que levou a um desgaste da imagem do governador, que, recordemos, em 2014, havia sido reeleito em 1° turno e com ampla maioria e que em razão do conflito terminou 2015 com mais de 70°/. de reprovação). Queixas que desde o fim do ano passado se ouvia no dia-a-dia das escolas e que nós fingíamos ignorar refletiram-se abertamente na deflagração da greve neste segundo semestre de 2016. Internamente a atual gestão do nosso sindicato (a qual, entre erros e acertos, merece nosso voto de confiança pela magnitude da responsabilidade que carrega, estando a frente de um contingente de cerca de 70 mil pessoas) se viu obrigada a ceder aos blocos que representam estas propostas divergentes - a dos que aceitaram o fim daquela greve, a dos que não aceitaram o seu encerramento, e, a daqueles que viram nela oportunidade de tirar vantagem interna a partir dessa divisão. Isso pôde ser "lido" em 2016 na opção pela greve, apoiada pela direção da APP Sindicato na primeira assembléia do dia 13/10. Na retomada da assembléia em 22/10 que propôs a sua continuidade com uma pequena margem de vantagem (assinalando que isso ocorreu apenas dez dias depois do seu início, e que, nesse curto prazo, tenha perdido o aval da direção do sindicato, mesmo sem um fato concreto em termos de recuo do governo). Tanto quanto no encontro do dia 31/10, no qual a maioria presente deliberou pelo seu encerramento (mais uma vez com o renovado consentimento da direção sindical). Para além das assembléias, nos dias que se seguiram a deflagração da greve dos educadores assistimos a uma baixa adesão dos estabelecimentos de ensino ao movimento (mascarada pelas ocupações das escolas que, em algumas situações, serviu de tampão a essa recusa) e da grande dificuldade de convencer nossos pares quanto a ser aquele o melhor momento para lutarmos e resistirmos juntos (quem, a exemplo do redator desse texto participou desde o 1° dia, de reuniões internas para buscar convencimento e adesão nos colégios onde atua, sabe dessa dificuldade a que estou me referindo). Muitos que retornaram para as escolas depois da 2° assembléia (caso no qual me incluo),o fizeram no intuito de conquistar esse apoio interno. Isso porque, nitidamente, o que ficou claro para nós era que ele inexistia e que, de alguma forma, teria que ser obtido. Entretanto, e aí me parece residir um dos pontos principais a serem repensados. Diante da falta de entendimento e dos rivalismos revitalizados em meio a paralisação de 2016, o meio-termo necessário a esse indispensável acordo ficou ainda mais inviabilizado. Minha sugestão é a de que nos espelhemos no movimento estudantil que, entre o apolítico e o cooptado, lançou-se ao desafio da própria descoberta, ao invés da aceitação tácita dos receituários prontos do como agir, do como proceder, das ações e reações determinadas. Se há algumas verdades as quais ainda possamos recorrer nos tempos atuais são duas. I) As de que vivemos, nos mais diversos níveis institucionais, uma ampla crise de representação; e, II) A de que aceitando a base sindical como forum de representação legítima, devemos gestar em seu interior experiências novas e que possam antes de tudo serem avaliadas e compartilhadas, antes de serem julgadas e escrachadas como foram na presente ocasião. É isso ou, desculpem-me a sinceridade, quaisquer esforços futuros serão apenas formas de gastar energia à toa com disputas internas estéreis que a curto e médio prazo não nos impedirão de ser massacrados pelo rolo compressor neoliberal.


Will Coutinho Hamon