Em 1º de abril de 1815 nasceu o futuro primeiro-ministro da
Prússia e chanceler do Império Alemão. Uma figura ambivalente: para uns,
promotor da paz e da justiça social. Para outros, pioneiro do militarismo
germânico.
Há um quadro que define a imagem que muitos alemães têm do
político Otto von Bismarck (1815-1898): de uniformes escuros, generais e
príncipes alemães se reúnem no salão de espelhos do Palácio de Versalhes, na
França, e saúdam de braço estendido o imperador alemão Guilherme 1º. Contudo,
quem está no centro geométrico da cena não é o monarca, mas Bismarck, ainda
mais destacado por trajar uniforme branco.
A tela de Anton von
Werner representa de forma estilizada o 18 de janeiro de 1871, data oficial da
fundação do Império Alemão, quando 25 estados foram unificados sob a liderança
da Prússia. E atribui-se à política bismarckiana a façanha de, na época,
superar a fragmentação da Alemanha em minúsculos estados.
Por todo o país há homenagens ao "chanceler de
ferro": monumentos, torres, ruas e até carvalhos foram batizados com o seu
nome. Na escola, aprende-se que ele não só unificou a Alemanha, como, em sua
gestão como reichskanzler, de 1871 a 1890, introduziu o direito ao voto e
sistemas de seguridade social, incluindo os seguros de saúde, aposentadoria e
contra acidentes.
Mas há também quem veja em Otto von Bismarck e seu capacete
de ponta o chanceler da guerra, um pioneiro do militarismo alemão. Afinal,
somente com as guerras contra a Dinamarca em 1864, a Áustria em 1866 e a França
em 1870-71 aplainou-se o caminho para a fundação do império.
Na qualidade de primeiro-ministro da Prússia, Bismarck
preparara politicamente todas essas três guerras. Além disso, com seus valores
conservadores, ele é responsabilizado pela perseguição do Reich aos
socialistas; por uma cultura parlamentar subdesenvolvida na Alemanha do fim de
século 19 e início do 20; assim como pela criação de colônias alemãs na África
e na Ásia.
Super-herói ou arquivilão?
"Bismarck precisa ser visto menos como superfície de
projeção para uma avaliação positiva ou negativa da história nacional
alemã", aconselha o historiador Christoph Nonn. Por ocasião do
bicentenário do político, nesta quarta-feira (1º/04), o professor de Düsseldorf
se ocupou intensamente com ele e sua época, publicando o resultado de suas pesquisas
no livro Bismarck – ein Preusse und sein Jahrhundert (Um prussiano e seu
século).
A fundação do Reich, por exemplo, não foi uma iniciativa
puramente alemã e muito menos obra pessoal de Bismarck, aponta Nonn.
"Desse prolongado e complexo processo participaram muitas instâncias,
tanto na Alemanha como também no exterior, com o que elas fizeram ou deixaram
de fazer. Por exemplo, ao não tentar impedir a unificação."
O chanceler tampouco foi responsável pelas três guerras que
antecederam a fundação do império. Nonn assegura que ele não era nem militar
nem agressor, apostando, antes, em negociações. Seu colega Arnd Bauerkämper, da
Universidade Livre de Berlim, concorda: foi somente em suas memórias, escritas
em 1890, que Bismarck "se autoencenou um pouco como chanceler da
guerra".
Entretanto a legitimidade dessas guerras estava acima de
qualquer dúvida para Bismarck, ressalva Bauerkämper. Por outro lado, ambos os
historiadores enfatizam que o Império Alemão sob Bismarck não reivindicou novos
territórios, mas perseguiu uma política moderada, a fim de se concentrar no
desenvolvimento econômico interno.
Colônias como instrumento interno
Mas então onde se encaixa a política colonial nesse quadro?
Bismarck não repetia sempre que o Império Alemão não precisava de colônias? E,
mesmo assim, menos de 15 anos após a fundação do Reich, ele permitiu a criação
dos assim chamados protetorados na África e na Ásia.
"A questão não eram propriamente as colônias. Elas
foram apenas um meio na luta pelo poder travada em Berlim", afirma Nonn. O
conservador Bismarck queria enfraquecer os liberais, seus oponentes políticos,
e o príncipe herdeiro Frederico, simpatizante deles.
Os liberais tinham ligações com o Reino Unido, que
ativamente mantinha colônias. Para criar uma fissura nessa aliança, em 1884 e
1885 o reichskanzler cedeu temporariamente ao clamor por colônias alemãs, que
já se fazia ouvir há décadas.
Contudo, em 1885 os liberais perderam as eleições, ficando
politicamente debilitados. E o príncipe Frederico assegurou que seguiria
associado ao chanceler conservador, mesmo depois da morte de seu pai, o
imperador Guilherme 1º.
"A partir daí, Bismarck encerrou imediatamente o
episódio da política colonial", conta Nonn. Bauerkämper igualmente lhe
atribui uma política colonial hesitante: "Com as colônias, ele queria
evitar, e se possível equacionar, os atritos com as outras grandes potências
europeias."
Parlamento decorativo
Na política interna, pelo contrário, mediação ou diálogo nem
sempre estiveram no foco da política bismarckiana. Apesar de o Império Alemão
fundado em 1871 ser uma monarquia parlamentarista, o Parlamento não tinha
qualquer influência sobre a política do governo.
O primeiro chanceler alemão até mesmo designava o movimento
trabalhista em ascensão como "inimigo do Reich". Com a assim chamada
"lei dos socialistas", ele baniu, na prática, os partidos
social-democratas. Também a introdução dos seguros de saúde, aposentadoria e
contra acidentes se deveu à rejeição de Bismarck ao movimento dos
trabalhadores.
"As reformas sociais visavam minar o apoio aos
social-democratas, assegurando para o novo Estado alemão a lealdade da maioria
da população e da classe trabalhadora em crescimento", analisa
Bauerkämper.
A fim de preservar o próprio poder e o da nobreza, a
Constituição do Império Alemão não concedia direito de codeterminação ao
Reichstag, o Parlamento. "Não se formou uma espécie de cultura do consenso
parlamentar, de tomada de decisões entre os partidos", observa o
historiador berlinense.
Como Bismarck foi um dos autores da Constituição, seu
biógrafo Nonn lhe atribui o fato de o Parlamento não ter arcado com qualquer
responsabilidade política desde 1871 até a proclamação da República, em 1918.
"Foi difícil se libertar dessa mentalidade de
irresponsabilidade depois de 1918, quando o Reichstag passou a realmente ter
poder na Alemanha. Essa foi uma hipoteca pesada para a democracia alemã, para a
República de Weimar", diz Nonn.
Paralelos com a Reunificação
E, no entanto, políticos democraticamente eleitos da
Alemanha recordam agora o nascimento, 200 anos atrás, do primeiro chanceler do
Reich. Bauerkämper constata que, nos últimos 30 a 40 anos, a tendência tem sido
rever positivamente a imagem de Otto von Bismarck. E Nonn traça paralelos entre
a fundação do Reich e a Reunificação Alemã, em 1990.
Em ambas as ocasiões circulava na Europa o medo de que a
Alemanha voltasse a se expandir. Pois, assim como em 1871, o país assegurou
também em 1990 que não faria exigências territoriais.
"Praticou-se a mesma política de tranquilização dos
vizinhos europeus", compara o autor de Um prussiano e o seu século. Para
ele, o maior feito do "chanceler de ferro" na política externa foi,
como responsável por ela, a partir de 1871, ter contribuído de forma decisiva
para que o recém-fundado Império Alemão não travasse guerras por mais de 40
anos.
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