Marx:
14.12.2015
O mundo atual é fortemente marcado pela constante
apresentação de novos “milagres” produzidos pelas inovações tecnológicas. O
sistema aparece como tendo uma capacidade infinita de resolver problemas
humanos pela “criatividade” que suscita. Em texto fundamental e muito pouco
conhecido, Marx já apontava como as pesquisas, os próprios pesquisadores e as
inovações tecnológicas estão inseridos no processo de acumulação capitalista.
Trata-se de um dos clássicos indispensáveis à compreensão de um dos traços mais
evidentes da dinâmica do capital hoje.
A aplicação das forças naturais e da ciência
A grande produção (a cooperação em ampla escala e o emprego
de máquinas) submete, ante tudo e em grande escala, as forças da natureza – o
vento, a água, o vapor, a eletricidade – ao processo direto de produção,
transformando-as em agentes do trabalho social. (Nas formas pré-capitalistas da
agricultura o trabalho humano não é outra coisa senão uma ajuda do processo
natural que, aliás, ele não controla.) Estas forças da natureza, enquanto tais,
não custam nada. Não são produto do trabalho humano. A apropriação das mesmas
não se produz só com a ajuda das máquinas que, diferentemente, têm um custo, já
que estas são produto do trabalho passado. Por isto, somente graças às máquinas,
seus proprietários se apropriam das forças da natureza na qualidade de agentes
do processo de trabalho.
Já que estes agentes naturais não custam nada, entram no
processo de trabalho sem entrar no processo do aumento do valor. Tornam
produtivo o trabalho sem aumentar o custo do produto, sem acrescentar o valor
da mercadoria. Pelo contrário, diminuem o valor da mercadoria individual,
aumentam a massa das mercadorias produzidas no mesmo tempo de trabalho, ao
diminuir o valor de cada uma das partes correspondentes dessa massa. Diminui
também o valor da força de trabalho, ou seja, se reduz o tempo de trabalho
necessário para a produção do salário e aumenta a mais-valia, já que aquelas
mercadorias entram na produção da força de trabalho. Neste sentido, o capital
mesmo se apropria das forças da natureza, não porque estas aumentem o valor das
mercadorias, e sim porque o diminuem, já que entram no processo de trabalho sem
entrar no processo do aumento do valor. O uso destas forças da natureza em
ampla escala só é possível naqueles lugares em que se podem empregar as
máquinas em ampla escala e nos que, por conseguinte, se usa também uma massa de
operários correspondentes às mesmas e a cooperação destes operários submetidos
ao capital.
O emprego dos agentes naturais – em certa medida, sua
incorporação ao capital – coincide com o desenvolvimento da ciência como fator
autônomo do processo produtivo. Se o processo produtivo se converte na esfera
de aplicação da ciência; a ciência, pelo contrário, se converte em fator, em
função, por assim dizer, do processo produtivo. Cada descoberta se converte na
base de novas invenções ou de um novo aperfeiçoamento dos modos de produção. O
modo capitalista de produção é o primeiro a colocar as ciências naturais a
serviço direto do processo de produção, quando o desenvolvimento da produção
proporciona, diferentemente, os instrumentos para a conquista teórica da
natureza. A ciência logra o reconhecimento de ser um meio para produzir
riqueza, um meio de enriquecimento.
Deste modo, os processos produtivos se apresentam pela
primeira vez como problemas práticos, que só se podem resolver cientificamente.
A experiência e a observação (e as necessidades do processo produtivo) alcançam
assim pela primeira vez um nível que permite e torna indispensável o emprego da
ciência.
A exploração da ciência e do progresso teórico da humanidade
O capital não cria a ciência e sim a explora apropriando-se
dela no processo produtivo. Com isto se produz, simultaneamente, a separação
entre a ciência, enquanto ciência aplicada à produção e o trabalho direto,
enquanto nas fases anteriores da produção a experiência e o intercâmbio
limitado de conhecimentos estavam ligados diretamente ao próprio trabalho; não
se desenvolviam tais conhecimentos como força separada e independente da
produção e, portanto, não haviam chegado nunca em conjunto além dos limites da
tradicional coleção de receitas que existiam desde há muito tempo e que só se
desenvolviam muito lenta e gradualmente (estudo empírico de cada um dos
artesanatos). O braço e a mente não estavam separados.
Do mesmo modo que por máquina entendemos a “máquina do
patrão” e, por sua função, a “função do patrão”, no processo produtivo (na
produção), assim é também a situação da ciência que se encarna nesta máquina,
nos modos de produção, nos processos químicos, etc. A ciência intervém como
força externa, hostil ao trabalho, que o domina e cuja aplicação é, por uma
parte, desenvolvimento científico de testemunhos, de observações, de segredos
do artesanato adquiridos por vias experimentais, pela análise do processo
produtivo e aplicação das ciências naturais ao processo material produtivo; e
como tal, se baseia, do mesmo modo, na separação das forças espirituais do
processo no que se refere aos conhecimentos, testemunhos e capacidades do
operário individual e como a acumulação e o desenvolvimento das condições de
produção e sua transformação em capital se baseiam na privação do operário
destas condições, na separação do operário em relação às mesmas. Ademais, o
trabalho na fábrica ao operário o conhecimento de alguns procedimentos: por
isso se revogaram as leis da aprendizagem, enquanto luta do Estado, etc., para
que as crianças da fábrica aprendessem pelo menos a ler e a escrever, demonstra
que esta aplicação da ciência ao processo de produção coincide com a repressão
de todo desenvolvimento intelectual no curso deste processo. Na realidade,
apesar disto se constitui um pequeno grupo de operários altamente qualificados;
no entanto, o número destes não guarda nenhuma relação com as massas de
operários “privados de conhecimentos” (entkenntnisten).
Por outra parte, resultam igualmente evidentes os seguintes
fatos: o desenvolvimento das ciências naturais (que formam, aliás, a base de
qualquer conhecimento), como de qualquer noção (que se refira ao processo
produtivo) ocorre novamente sobre a base da produção capitalista que pela
primeira vez lhes proporciona em grande medida — às ciências — os meios
materiais de investigação, observação, experimentação. Já que as ciências são
utilizadas pelo capital como meio de enriquecimento e se convertem, portanto,
em meios de enriquecimento para os homens que se ocupam do desenvolvimento das
ciências, os homens de ciência competem entre si no intento de encontrar uma
aplicação prática da ciência. De outro lado, a invenção se converte em uma
espécie de artesanato. Por isso junto com a produção capitalista se desenvolve,
pela primeira vez de maneira consciente, o fator científico em certo nível, se
emprega e se constitui em dimensões que não se poderiam conceber em épocas
anteriores ...
Somente a produção capitalista transforma o processo
produtivo material em aplicação da ciência à produção — em ciência, posta em
prática, mas somente submetendo o trabalho ao capital e reprimindo o próprio
desenvolvimento intelectual e profissional ...
No séc. XVIII, o progresso no campo das matemáticas, da
mecânica, da química e as descobertas na Inglaterra, França, Suíça e Alemanha
se produziram quase simultaneamente. Também se produz o mesmo fenômeno por
exemplo com as invenções na França. Mas só na Inglaterra se produzia seu
emprego em sentido capitalista, já que somente nela se haviam desenvolvido
tanto as relações econômicas que tornavam possível a exploração do progresso
científico por parte do capital. (Tiveram nisto uma importância decisiva suas
relações agrárias e suas possessões coloniais.)...
Examinamos separadamente a mais-valia absoluta e relativa.
Na produção capitalista, pelo contrário, ambas estão unidas. E precisamente no
desenvolvimento industrial contemporâneo se evidencia que se desenvolvem
simultaneamente: a jornada de trabalho se prolonga na medida em que diminui o
tempo necessário, graças ao desenvolvimento das forças sociais produtivas de
trabalho.
excerto dos Manuscritos de 1861-1863
Karl Marx
Marxismo-leninismo
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