sexta-feira, 30 de outubro de 2009

A crise moderna da antropologia

No tempo em que os países africanos adquiriam suas independência, parecia que a antropologia estava próxima de se tornar vítima de uma dupla conspiração. De um lado, á povos fisicamente indisponíveis para o estudo por estarem desaparecendo. De outro, há os hostis à antropologia por razões psicológicas e éticas.




O importante lugar social que a antropologia ocupa no pensamento contemporâneo pode parecer paradoxal para muitas pessoas. É uma ciência bastante em voga, como comprova a moda dos filmes e livros de viagem e também o interesse de um público culto por livros de antropologia. No caminho para o século XIX as pessoas estavam propensas a olhar para os biólogos na busca por uma filosofia do homem e do mundo, e mais tarde para o sociólogo, o historiador, e até mesmo o filósofo.

Mas nos últimos anos, a antropologia tem desempenhado o mesmo papel, e hoje também se espera que ela nos ofereça profundas reflexões sobre o nosso mundo, bem como uma filosofia de vida e esperança.

É nos Estados Unidos que essa abordagem para a antropologia parece haver começado. No ímpeto de uma jovem nação em criar o seu próprio humanismo, a América rompeu com o pensamento tradicional europeu. Ela não viu razão para que as civilizações da Grécia e de Roma devessem ser admiradas de modo excludente às demais simplesmente porque, no Velho Mundo da Renascença, quando a humanidade veio a considerar os estudos do homem mais apropriados e necessários, essas eram as duas únicas civilizações suficientemente conhecidas.

Desde o século XIX e especialmente o século XX, praticamente toda sociedade humana do nosso planeta se tornou acessível ao estudo. Por que então limitar os nossos interesses? E de fato, quando contemplamos a humanidade na sua inteireza não podemos deixar de reconhecer o fato de que, para 99% da existência humana, ao redor de todo o globo habitado, não há costumes, crenças e instituições que possam ser colocadas para fora do campo dos estudos antropológicos.

Essa orientação foi intensificada ainda mais durante a última guerra, com o conflito alcançando proporções mundiais. Até mesmo os mais obscuros e remotos cantos do nosso planeta foram rapidamente atirados para dentro de nossas vidas e consciências, assumindo uma realidade tridimensional. Essas eram as terras nas quais os últimos povos "selvagens" haviam buscado segurança no isolamento – o extremo norte da América, a Nova Guiné, o interior do Sudeste Asiático e certas ilhas no arquipélago da Indonésia.

Um mundo que encolhe


Desde a Guerra, muitos nomes, alguns deles carregados de mistério e romance, permanecem em nossos mapas; mas agora eles designam pistas de pouso para linhas aéreas de longa distância. Sob o impacto da aviação e com o aumento da população mundial, nosso planeta diminuiu de tamanho e a melhoria nas comunicações e equipamentos de viagem não mais nos permitem fechar os olhos ou permanecer indiferentes a outros povos.

Hoje não há parcela da raça humana, não importa o quão remota e atrasada ainda possa parecer, que não esteja direta ou indiretamente em contato com as outras, e cujos sentimentos, ambições, desejos e medos não afetem a segurança, a prosperidade e o verdadeiro sentido de existência daqueles para os quais o progresso material um dia pode ter dado uma sensação de ascendência.

Ainda que quiséssemos, não poderíamos mais ignorar ou dar os ombros com indiferença, vamos dizer, para os últimos caçadores de cabeça da Nova Guiné, pelo simples fato de que eles estão interessados em nós. E por mais surpreendente que possa parecer, o resultado do nosso contato com eles significa que, tanto eles quanto nós, somos parte do mesmo mundo e que não levará muito tempo para que todos nós façamos parte da mesma civilização.

Mesmo em sociedades com os padrões de pensamento mais amplamente divergentes e cujos costumes e modos levem milhares de anos para evoluir por caminhos isolados, no momento em que o contato é estabelecido, elas impregnam-se umas às outras. Isso ocorre por muitas maneiras; algumas vezes somos claramente conscientes delas, mas, na maior parte das vezes, não o somos.

À medida que se espalham pelo mundo, civilizações como as cristãs, islâmicas e budistas, as quais correta ou erroneamente sentem que alcançaram o ápice do desenvolvimento, bem como o padrão tecnológico que as une, se tornam permeados por modos de vida “primitivos”, por pensamentos “primitivos” e comportamentos “primitivos”; os quais têm dominado a pesquisa antropológica. Sem que nos demos conta disso, os modos “primitivos” estão transformando essas civilizações de dentro.
Os assim chamados povos primitivos ou arcaicos não desaparecem num vácuo. Eles se dissolvem e são incorporados com maior ou menor velocidade pela civilização que os rodeia. Ao mesmo tempo em que esta última adquire um caráter universal.

Antropologia: uma ciência sem objeto?


Assim, longe de diminuí-los em importância, os povos primitivos nos preocupam mais a cada dia que passa. Para tomar apenas um exemplo, a grande civilização da qual o Ocidente tem orgulho, e que espalhou as suas raízes em todo o mundo habitado, está emergindo em toda parte como “híbrida”. Muitos elementos estrangeiros, espirituais e materiais, estão sendo absorvidos nessa corrente.

Como resultado, os problemas da antropologia deixaram de ser problemas de especialistas, limitados a acadêmicos e exploradores; eles se tornaram uma preocupação direta e imediata para cada um de nós.

Onde então está o paradoxo? Na verdade existem dois – na medida em que a antropologia está concentrada principalmente no estudo dos povos “primitivos”. No momento em que o público vem a reconhecer o seu verdadeiro valor, podemos bem perguntar se por acaso ela não atingiu o ponto no qual não há nada mais sobrando para estudar.

As várias transformações que estão fomentando um crescente interesse teórico no “primitivo” estão de fato provocando a sua extinção. Esse não é um fenômeno novo. Desde o longínquo ano de 1908, quando inaugurou a cadeira de Antropologia Social da Universidade de Liverpool, Sir James Frazer (autor do monumental Ramo de Ouro) chamou dramaticamente a atenção dos governos e dos acadêmicos para este problema. Todavia, dificilmente poderemos comparar a situação de meio século atrás com a extinção em larga escala dos povos “primitivos” que temos testemunhado desde então.


"As regras gerais do desenvolvimento da sociedade e da cultura, e até mesmo os limites da etnografia ("antropologia") como ciência, são objeto de controvérsia. Mas o modo pelo qual Lévi-Strauss lida com esses e outros problemas sofre de um excessivo formalismo, inerente ao método "estruturalista" que é atualmente favorecido nos circuitos científicos, dos quais Lévi-Strauss é conhecido como um dos mais eminentes representantes."

Professor S.A. Tokarev (União Soviética), arquivos da UNESCO: documento datado de 20 de maio de 1966.
Deixe-me citar alguns exemplos. No início da chegada dos brancos na Austrália, os aborígines totalizavam 250.000 indivíduos. Hoje não sobram mais que 40.000. Relatórios oficiais os descrevem amontoados em reservas ou agrupados próximos a centros de mineração, onde em vez de suas tradicionais festas para a coleta de comida selvagem eles foram reduzidos a catar as sobras amontoadas próximas às barracas dos mineiros. Outros aborígines, que tiveram de se retrair para as profundezas do deserto proibido, estão sendo expulsos pela instalação de bases de explosão atômica ou bases de lançamento de foguetes.

Quando Claude Lévi-Strauss publicou este texto no Correio da Unesco, os Kaingang enfrentavam uma dolorosa recuperação de várias décadas de extermínio e massacre. Comentário
Protegida por um meio-ambiente extremamente hostil, a Papua Nova Guiné e seus milhões de habitantes de tribos podem bem ser o último grande santuário das sociedades primitivas na terra.

Mas, aqui também, a civilização está fazendo uma incursão tão rápida que os 600 mil habitantes das montanhas centrais que eram totalmente desconhecidos há meros 20 anos estão agora provendo um considerável contingente de trabalho para a construção de estradas. E não é raro hoje em dia ver placas de trânsito e outros dispositivos de sinalização sendo enviados para dentro da floresta inexplorada!

Mas com a civilização também chegam doenças estranhas, contras as quais os "primitivos" não têm imunização natural e que têm provocado um caos mortal na região. Eles estão rapidamente sucumbindo com doenças como: tuberculose, malária, tracoma, lepra, disenteria, gonorréia, sífilis e uma doença misteriosa conhecida como Kuru. Resultante do contato do homem primitivo com a civilização, embora não tendo sito de fato introduzida por esta, Kuru é uma deterioração genética que inevitavelmente leva à morte e para a qual ainda não há tratamento conhecido.

No Brasil, 100 tribos foram extintas entre 1900 e 1950. Os Kaingang, do estado de São Paulo, somavam 1.200 em 1912, eram não mais que 200, em 1916, e hoje estão restritos a 80.

Os Munduruku eram 20 mil em 1925 – em 1950, somavam 1.200. Dos 10 mil Nanmbikwara em 1900, pude contar apenas algumas centenas em 1940. Os Caiapó do rio Araguaia eram 2.500 em 1902 e 10 em 1950. Os Timbira eram mil em 1900 e 40, em 1950.

Como esta rápida dizimação pode ser explicada? Na sua maior parte, pela introdução de doenças típicas do Ocidente para as quais os organismos dos indígenas não possuem defesa. O trágico destino dos Urubu, uma tribo indígena do Nordeste do Brasil, é o mesmo de muitas outras. Em 1950, apenas alguns anos depois de haverem sido descobertos, eles contraíram sarampo. Em apenas alguns dias, houve 160 mortos em uma população de 760 indivíduos. Uma testemunha ocular deixou esta triste descrição:

"Encontramos a primeira vila abandonada. Todos os habitantes saíram daqui, convencidos de que, se fugissem para bem longe, escapariam da doença que eles acreditavam fosse um espírito atacando a vila. Descobrimos que eles estavam na floresta e haviam interrompido a jornada. Exaustos e queimando de febre em plena chuva, quase todos foram vitimados pela doença. Complicações pulmonares e intestinais os enfraqueceram tanto que eles já não tinham mais força para buscar comida. Até água estava faltando, e eles estavam morrendo de fome, de sede e da própria doença. As crianças engatinhavam no chão da floresta, tentando manter o fogo acesso apesar da chuva, e buscavam um pouco de calor. Os homens estavam deitados, paralisados e queimando de febre, as mulheres empurravam para longe de si os filhos que buscavam amamentação."

De indígenas a indigentes


Em 1954, uma missão foi estabelecida junto aos Guaporé, na fronteira entre Brasil e Bolívia, e quatro tribos diferentes foram incitadas a formar um único grupo. Por vários meses eles formaram um grupo de 400 pessoas, todo exterminado pelo sarampo pouco tempo depois.

Mas além das doenças infecciosas, a falta de vitaminas e de outros nutrientes também são problemas importantes. Deficiências de ordem motor e vascular, lesões nos olhos e queda da dentição, desconhecidas para os povos primitivos quando estes viviam de acordo com os seus hábitos antigos, apareceram quando estes foram confinados em vilas e tiveram de comer alimentos que não vinham mais da floresta nativa. Nessas condições, até mesmo os remédios antigos e tradicionais, como pasta de carvão vegetal para queimaduras severas, mostraram-se inúteis. E simples doenças com as quais os habitantes da tribo estavam há muito tempo acostumados, tornaram-se terrivelmente virulentas.

A dizimação dos indígenas também se deve a outras causas menos diretas, como o colapso da estrutura social ou dos seus padrões de sobrevivência. Os já mencionados Kaingang, de São Paulo, viviam sob uma série de regras sociais bastante estritas, das quais todos os antropólogos têm conhecimento. Os habitantes de todas as vilas eram divididos em dois grupos sob o princípio de que os homens do primeiro grupo só poderiam se casar com mulheres do segundo grupo e vice-versa.

Quando as suas populações diminuíram, as bases de sua sobrevivência entraram em colapso. Sob o rígido sistema dos Kaingang, não era mais possível para todos os homens encontrar uma mulher e muitos não tiveram outra escolha senão o celibato, a menos que aceitassem a companhia de alguém do mesmo grupo – o que para eles era um incesto, e ainda assim o matrimônio não poderia gerar filhos. Nesses casos, toda uma população poderia desaparecer em poucos anos (estas observações sobre os desaparecimentos dos indígenas no Brasil foram tiradas principalmente de um estudo do notável antropólogo brasileiro, Dr. Darcy Ribeiro, intitulado "Convívio e Contaminação", publicado em "Sociologia", Vol. XVIII, No. 1 São Paulo, 1956).

Tendo isso em mente, vê-se como é difícil não apenas estudar os assim chamados povos primitivos, mas até mesmo defini-los satisfatoriamente. Em tempos recentes, tem havido uma séria tentativa de revisar o pensamento existente sobre a legislação de proteção em países que enfrentam esse problema.

Nenhuma linguagem ou cultura, ou a convicção de pertencimento a um grupo, são critérios válidos para uma definição. Como mostram pesquisas da Organização Internacional do Trabalho, a noção de povos indígenas está sendo superada pelo conceito de povos indigentes (OIT, As Populações Aborígenes. Genebra, 1953).

Povos que se recusam a ser um objeto de estudo


Mas essa é apenas a metade da história. Existem outras partes no mundo nas quais dezenas e centenas de milhões de habitantes vinham sendo tradicionalmente objeto de estudo da antropologia. Essas populações estão se multiplicando rapidamente na América Central, nos Andes, no Sudeste Asiático e na África. Mas aqui também a antropologia enfrenta uma crise. Não porque as populações estão morrendo, mas por causa da natureza das pessoas envolvidas.

Essas pessoas estão mudando e suas civilizações estão aos poucos se tornando ocidentalizadas. A antropologia, no entanto, nunca incluiu o Ocidente na sua área de competência. Além disso, e talvez ainda mais importante, há uma crescente oposição a pesquisas antropológicas nessas regiões. Há vários exemplos nos quais museus de “antropologia” foram forçados a mudar de nome e só podem continuar se desenvolvendo como 'Museus de Arte e Tradição Popular'.

Em jovens nações que recentemente obtiveram sua independência, economistas, psicólogos e sociólogos foram muito bem recebidos pelas universidades. O mesmo não pode ser dito sobre antropólogos.
Por isso tudo, parece que a antropologia está a ponto de se tornar vítima de uma dupla conspiração. De um lado existem povos que estão fisicamente indisponíveis para o estudo simplesmente porque estão desaparecendo da face da terra. De outro lado existem aqueles que, longe da desaparição, estão vivendo uma grande explosão populacional, todavia são categoricamente hostis à antropologia por razões psicológicas e éticas.

Não há problema no enfrentamento da primeira destas crises. A pesquisa precisa ser acelerada e devemos tirar o máximo proveito do pouco tempo que temos para reunir as informações possíveis dessas ilhas de humanidade que estão desaparecendo. Essa informação é vital, pois ao contrário das ciências naturais, as ciências humanas não podem gerar seus próprios experimentos.
Todos os tipos de sociedade, baseadas em crenças ou instituições, todos os modos de vida, constituem um experimento já pronto cuja preparação levou milhares de anos e como tal é insubstituível. Quando uma comunidade desaparece, uma porta se fecha para sempre, enclausurando um conhecimento que é único.

Por essa razão é que o antropólogo acredita ser essencial criar técnicas mais apuradas de observação antes que essas sociedades se percam e seus costumes sociais sejam destruídos, assim como astrônomos que produziram amplificadores eletrônicos para capturar os tímidos sinais de luz das estrelas que correm a quilômetros de distância de nós.

"Os ocidentais nunca vão ser capazes (a não ser de brincadeira) de desempenhar o papel de “selvagens” diante daqueles que um dia dominaram."
A segunda crise na antropologia é bem menos séria em seu caráter objetivo, já que não existe ameaça de extinção das civilizações em questão. Mas ela é mais difícil de ser enfrentada. Eu fico a imaginar se ajudaria a superar a desconfiança daqueles que um dia foram parte do campo de estudos dos antropólogos, caso eu propusesse que as nossas pesquisas não devessem mais ser de “mão única”. A antropologia não encontraria o seu lugar novamente se, em troca de nossa contínua liberdade de investigação, nós convidássemos antropólogos africanos ou malaios para que viessem nos estudar dos mesmos modos pelos quais nós os temos estudado?

Essa troca seria extremamente desejável, pois enriqueceria a ciência antropológica pela ampliação de horizontes, estabelecendo um caminho de progresso. Mas não tenhamos ilusões – isso não resolveria o problema, porque não leva em consideração os reais motivos pelos quais os povos das antigas colônias adotam uma atitude negativa em relação à antropologia. Eles estão com receio de que, sob o manto da interpretação antropológica da história, o que eles consideram uma desigualdade intolerável venha a se justificar como uma diversidade desejável da espécie humana.

Se me for permitido usar uma expressão que, vinda de um antropólogo não pode assumir conotação depreciativa, eu diria que os ocidentais nunca vão ser capazes (a não por brincadeira) de desempenhar um papel de “selvagens” diante daqueles que um dia dominaram. Como nós ocidentais os atribuímos esse papel, eles têm existido para nós apenas como objetos – para o estudo científico ou a dominação política e econômica. Como aos olhos deles nós somos os responsáveis por seu passado e agora aparecemos inevitavelmente como forças diretivas; é muito difícil para eles olhar para nós com uma atitude de consideração desinteressada.

Por um curioso paradoxo, foi sem dúvida um sentimento de empatia que fez com que antropólogos adotassem prontamente a idéia de pluralismo (que assevera a diversidade de culturas humanas e ao mesmo tempo nega que certas civilizações podem ser classificadas como “superiores” e outras como “inferiores”).

Todavia, esses antropólogos – e de fato toda a antropologia – são agora acusados de negar esta inferioridade com o mero objetivo de escondê-la e assim contribuir, direta ou indiretamente, para a sua manutenção.

Passar do estudo "desde fora" a um estudo "desde dentro"



Se a antropologia pretende sobreviver no mundo moderno, não pode haver dúvida de que isso deverá ocorrer ao preço de mudanças mais profundas que a mera ampliação do círculo (muito restrito; o que até hoje é verdadeiro) mediante a fórmula, até certo ponto infantil, de oferecer os nossos brinquedos aos que estão chegando desde que eles nos permitam brincar com os deles.

A antropologia precisa transformar a sua natureza e deve admitir que lógica e moralmente é quase impossível continuar a enxergar as sociedades como objetos científicos, os quais os cientistas podem até ter algum interesse em preservar, mas que os sujeitos coletivos clamam pelo direito de mudar de acordo com o próprio entendimento.

A modificação do objeto da pesquisa antropológica também implica modificações nos seus objetivos e métodos. E isso felizmente parece bastante plausível, já que o nosso ramo científico nunca definiu os seus propósitos de modo absoluto, e sim com base na relação entre o observador e o seu tema. E sempre concordamos com mudanças sempre que essa relação também houvesse mudado.

Sem dúvida, uma propriedade da antropologia tem sido sempre de investigar as sociedades "de dentro". Mas isso resultou apenas da impossibilidade de investigá-las à distância ou "de fora". No campo das ciências sociais, a grande revolução dos nossos tempos é que civilizações inteiras se tornaram conscientes de sua própria existência, e tendo adquirido os meios necessários para fazê-lo por meio da alfabetização, iniciaram o estudo dos seus próprios passados e tradições e de cada aspecto único de suas culturas que sobreviveram até os dias atuais.

Portanto, se a África, por exemplo, está escapando da antropologia, ela não escapará tão facilmente da ciência. No lugar dos antropólogos – ou seja, do analista "de fora", trabalhando "de fora" – o estudo do continente estará nas mãos dos cientistas africanos, ou dos estrangeiros que utilizarão os mesmos métodos dos seus colegas africanos.

Eles não serão mais antropólogos, porém lingüistas, filólogos, historiadores de fatos e idéias. A antropologia aceitará com prazer essa transição para métodos mais ricos e sutis que os seus próprios; confiante em que haverá cumprido a sua missão ao manter viva muita da riqueza mundial em nome do conhecimento científico, já que ela era o único ramo da ciência capaz de fazê-lo.

Diversidade, a razão de ser da antropologia




Quanto ao futuro da antropologia, em si, este parece estar para além e para aquém de suas posições tradicionais. Para além, primeiramente, no sentido geográfico, já que devemos ir mais e mais longe a campo para alcançar o que resta dos assim chamados povos primitivos, e eles estão se tornando menos e menos numerosos; mas para além no sentido lógico também, pois agora estamos interessados no que é essencial.

Para aquém dos limites, em segundo lugar, no sentido de que o colapso das bases materiais das civilizações primitivas tornou suas experiências íntimas um dos últimos campos de investigação, no lugar de armas, ferramentas e objetos domésticos que estão desaparecendo. Mas também porque, na medida em que a civilização ocidental torna-se mais complexa e se espalha por toda a terra, ela começa a dar sinais da mesma diversidade que a antropologia tornou o seu objeto de estudo, mas até então só poderia ser apreendida mediante a comparação entre culturas distantes e muito diferentes.

Aqui, sem dúvida, reside a função permanente da antropologia. Se, como os antropólogos sempre afirmaram, existe uma espécie de "ótimo de diversidade" que eles enxergam como um dado permanente no desenvolvimento da condição humana, então resta-nos a certeza de que diferenças entre sociedades e grupos sociais só desaparecerão para dar lugar a outras.

Quem sabe o conflito entre velhas e novas gerações, que tantos países têm experimentado, não são o tributo que precisa ser pago pela crescente homogeneização de nossa cultura material e social? Esse fenômeno me parece patológico, mas a antropologia sempre foi caracterizada por sua habilidade de explicar e justificar formas de comportamento humano que os homens acham estranhos e não conseguem compreender.

Nesse sentido, a antropologia tem auxiliado a ampliar as visões correntes sobre a humanidade em todas as suas fases. Para sugerir o desaparecimento da antropologia, seria preciso instituir uma civilização na qual todos – não importa o canto do planeta que habitem, os modos de vida, a educação, as atividades profissionais, as idades, afinidades e aversões – fossem, do fundo de suas consciências, totalmente inteligíveis uns aos outros.

Tomados como motivos de condenação, de aprovação, ou simplesmente como fatos, o progresso técnico e o desenvolvimento das comunicações dificilmente parecem guiar-nos para esse caminho. E como os modos de pensar ou de agir de alguns homens continuam tornando outros perplexos, sempre haverá espaço para meditar sobre essas diferenças. Este, ainda que de formas constantemente renovadas, será sempre o terreno da antropologia.

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