"A reflexão sociológica de Peter Berger sobre a
religião é extremamente rica, complexa e abrangente. Este autor trabalha com
recursos teóricos de diversas procedências: sociologia, antropologia,
filosofia, teologia, psicologia, biologia etc. Qualquer tentativa de síntese
vem marcada por limites e imprecisões".
A análise é de Faustino Teixeira, teólogo, professor e
pesquisador do PPG em Ciências da Religião da Universidade Federal de Juiz de
Fora - MG, em artigo publicado em seu blog,
13-04-2010
Nota da IHU On-Line: Reproduzimos o artigo em virtude da
morte de Peter Berger, sociólogo e teólogo luterano, em 27 de junho de 2017.
Introdução
No âmbito das pesquisas de sociologia da religião realizadas
no mundo anglo-saxão, a extensa obra de Peter Berger revela-se de fundamental
importância. Trata-se de um autor contemporâneo, mas que pode ser inserido
entre os grandes clássicos da sociologia da religião. Nascido em Viena no ano
de 1929, Peter Berger emigra para os Estados Unidos ao final da segunda guerra
mundial, depois de passar um período de formação na Inglaterra. Ao início,
intencionava aceder ao pastorado luterano, projeto que será abandonado depois
dos estudos de filosofia e sociologia realizados na New Schooll for Social
Research de Nova York. Neste centro de reflexão fará contato com autores que
pontuarão decisivamente sua reflexão sociológica, como Alfred Schutz, Carl
Mayer, Albert Salomon e Thomas Luckmann, seu colega de estudos.
O interesse pela sociologia da religião manifesta-se na
temática de sua tese doutoral, defendida em 1954, onde abordou o seguinte tema:
“Da seita à igreja: uma interpretação sociológica do Movimento Bahai”. Em sua
carreira acadêmica passará por diversos centros de formação, dentre os quais a
Universidade de Georgia, a Academia Evangélica de Bad Boll (Alemanha), Hartford
Seminary Fundation, New Schooll for Social Research e Brooklyn College. No ano
de 1980 obtém uma cátedra no Boston College e em seguida na Boston University,
onde permanece atualmente como pesquisador.
As importantes reflexões de Berger a propósito da natureza
da realidade social, bem como suas incursões no campo da sociologia da religião
foram gestadas entre os anos de 1963 e 1970, quando então ensinava na New
Schooll for Social Research e no Brooklyn College (Nova York). São deste
período suas importantes obras: A construção social da realidade (1966 –
escrito com Thomas Luckmann), O dossel sagrado (1969) e Rumor de Anjos (1969).
Retornará posteriormente ao tema em duas outras obras: O imperativo herético
(1979) e Uma glória remota (1992). [1]
O tema da religião ocupa um lugar de destaque na vasta obra
de Peter Berger, mas sua contribuição teórica estende-se para outros setores da
teoria sociológica em geral [2]. Segundo Cecília Mariz, “o grande mérito de sua
teoria é oferecer um aparato conceitual capaz de integrar tanto a análise de
problemas no nível micro da psicologia social com os do nível macro das
ideologias e mudança cultural em geral” [3]. Trata-se de uma reflexão criativa,
marcada por pressupostos teóricos diversificados. Quanto aos fundamentos do conhecimento
na vida diária (sociologia do conhecimento), percebe-se o influxo de Alfred
Schutz. Com respeito aos dados antropológicos, verifica-se a influência dos
primeiros escritos de Karl Marx, bem como as implicações antropológicas da
biologia humana, presentes nas obras de Helmuth Plessner e Arnold Gehlen. Para
a elaboração teórica da natureza da realidade social, foram de fundamental
importância os aportes de Durkheim, retomados numa perspectiva dialética com o
influxo de Marx e a contribuição de Weber. Este complexo quadro teórico foi
ainda complementado em âmbito da sócio-psicologia pela presença da reflexão de
George Herbert Mead e da escola simbólico - interacionista da sociologia
americana. [4]
1. O processo dialético fundamental da sociedade
A singular elaboração da teoria sociológica de Berger e as
pistas fundamentais para a afirmação de sua sociologia da religião encontram-se
delineadas nos livros de sua primeira fase acadêmica, ou seja, A construção
social da realidade, O dossel sagrado e Um rumor de anjos. É sobretudo nestes
trabalhos que o autor traduz sua concepção do processo dialético fundamental da
sociedade. Esta tarefa é vista por ele como típica de uma sociologia do
conhecimento [5]. Para Berger, a sociedade é um fenômeno eminentemente
dialético, que traduz simultaneamente a dimensão de realidade produzida pelo
sujeito, mas que reage continuamente ao seu produtor.
Para a elaboração desta reflexão, Berger serve-se de uma
“conjunção sutil e original” de Marx, Durkheim e Weber. Os conceitos de
auto-produção humana mediante a externalização (ou exteriorização) e da
objetivação são tomados do jovem Marx, que proporcionou a aplicação de tais
conceitos hegelianos aos fenômenos coletivos. O influxo de Durkheim se fará
sentir na sua abordagem da objetividade do mundo institucional. Tal abordagem
será, porém, equilibrada com a interação do significado subjetivo da ação. E
aqui entra a presença de Weber, mostrando que em toda a objetividade do mundo
institucional há a participação da significatividade humana que a introduziu.
Com base neste autor, Berger sublinhará que esta objetividade é “produzida e
construída pelo homem”. Esta peculiar síntese teórica das abordagens dos
clássicos da sociologia, favorece a Berger a manutenção da intenção fundamental
dos autores analisados, sem cair, porém, em dois possíveis riscos: a distorção
idealista do fenômeno social ou a reificação sociológica. [6] Segundo Berger,
“o mundo institucional é a atividade humana objetivada, e isso em cada
instituição particular. Noutras palavras, apesar da objetividade que marca o
mundo social na experiência humana ele não adquire por isso um status
ontológico à parte da atividade humana que o introduziu” [7].
O processo dialético da sociedade define-se para Berger em
três momentos: externalização, objetivação e internalização. A primeira etapa,
da externalização, indica o processo de “contínua efusão do ser humano sobre o
mundo, quer na atividade física quer na atividade mental dos homens” [8].
Trata-se do momento de expressão do ser humano no mundo, de ruptura de seu
isolamento mediante o ato da imaginação e da criação. Esta dinâmica de
exteriorização corresponde para Berger a uma necessidade antropológica
fundamental. O homo sapiens, diferentemente de outros mamíferos superiores,
encontra-se permanentemente diante de um mundo aberto, provocado ao desafio
contínuo de “tornar-se homem”, desenvolvendo sua personalidade e assimilando a
cultura.
A segunda etapa expressa o momento de objetivação do mundo
humanamente produzido. Nesta etapa, os produtos exteriorizados ganham autonomia
com respeito ao seu criador, adquirindo um grau de distinção específico. Os
instrumentos, valores, regras, leis e instituições produzidos ganham agora um
caráter de realidade objetiva, que se revelam opacos para o seu produtor e
passam a confrontar-se com ele como um “lá fora” da consciência. Seguindo as
pistas abertas por Durkheim, Berger busca sublinhar neste momento o dado da
facticidade externa da sociedade, subjetivamente opaca e coercitiva. As operações
da sociedade escapam ao entendimento dos sujeitos, e revelam-se coercitivas na
forma mesma como se constituem e se impõem como realidade. Para exemplificar
sua reflexão, o autor identifica a objetividade que vem caracterizar os
elementos não-materiais da cultura: “O homem inventa uma língua e descobre que
a sua fala e o seu pensamento são dominados pela gramática. O homem produz
valores e verifica que se sente culpado quando os transgride. O homem forja
instituições, que o enfrentam como estruturas controladoras e intimidatórias do
mundo externo” [9]
Para Berger, é a percepção da sociedade como realidade
objetiva que favorece ao ser humano um mundo para habitar. Trata-se da
afirmação de um quadro referencial com plausibilidade [10] coletiva. Na visão
deste autor, “a própria vida do indivíduo só aparecerá como objetivamente real,
a ele próprio e aos outros, localizada no interior de um mundo social que tem o
caráter de realidade objetiva” [11]. Para que isto ocorra é necessário um
terceiro passo, de internalização desta mesma realidade objetiva. Na visão de
Berger, a internalização é o momento do processo dialético onde o mundo social
vem reintroduzido na consciência mediante a dinâmica de socialização. Cabe
agora ao indivíduo apreender e assumir os diversos elementos do mundo
objetivado. [12] Para que esta assunção do mundo objetivado seja realizada com
sucesso é necessário que o mesmo seja dotado de sentido para o sujeito. Daí a
importância do processo de socialização primária e secundária, que se traduz na
“ampla e consistente introdução de um indivíduo no mundo objetivado de uma
sociedade ou de um setor dela” [13]. O sucesso desta socialização depende do
potencial de simetria que se consegue estabelecer entre o mundo objetivado da
sociedade e o mundo subjetivo.
Esta tarefa de construção social do mundo não é, porém, um
empreendimento isento de dificuldades. Enquanto processo de ordenação e
nomização da experiência ele pressupõe o estabelecimento e manutenção de uma
conversação permanente do sujeito com os outros significativos implicados no
processo de socialização. A conversação ocupa para Berger um lugar decisivo na
afirmação da plausibilidade do mundo socialmente construído. [14] É através
dela que ocorre a apropriação do mundo objetivo pelo sujeito, bem como a
manutenção deste mundo como real para ele. [15] Como forma de manter viva a
conservação da realidade subjetiva, esta conversação deve ser contínua e
coerente e, nos momentos de crise, explícita e intensa. Segundo Berger, a
manutenção da realidade subjetiva depende essencialmente de estruturas
específicas de plausibilidade [16], ou seja, de estruturas que conferem a base
social para a conservação da realidade, eliminando o risco dissolvedor da
dúvida. É com base em tal plausibilidade que o conhecimento da vida cotidiana
pode manter-se como tal. Para exemplificar este dado, Berger indica: “Enquanto
meu conhecimento funciona satisfatoriamente em geral estou disposto a suspender
qualquer dúvida a respeito dele” [17].
As estruturas de plausibilidade constituem, assim, base
social fundamental para a “suspensão da dúvida”. A aplicação desta tese ao
campo religioso faculta perceber a importância essencial da comunidade
religiosa para a manutenção do sentimento de sua plausibilidade. Recorrendo ao
tradicional adágio da teologia católica, extra ecclesiam nulla salus (fora da
igreja não há salvação), Berger busca mostrar que o mais difícil não é ter uma
experiência de conversão, mas a possibilidade de conservá-la como plausível ao
longo do tempo. Quando menciona este axioma, traduz o termo salus não com o seu
sentido literal salvação, mas como “a realização empiricamente bem sucedida da
conversão”. Nesse sentido, o que garante a permanência da conversão é a
recorrente presença e participação, ou seja conversação, no contexto da
comunidade religiosa. [18]
O imperativo antropológico de construção de um mundo humano
esbarra, porém, na provisoriedade das estruturas que regem a dinâmica cultural,
“inerentemente precárias e predestinadas a mudar”. Instaura-se uma tensão entre
“o imperativo cultural da estabilidade e o caráter de instabilidade inerente à
cultura”. Como indica Berger, o ser humano depara-se com o imperativo de
construir um mundo humano, mas enfrenta a grande dificuldade de manter este
mundo funcionando satisfatoriamente. [19]
A manutenção da realidade subjetiva do mundo depende assim
do “tênue fio da conversação”, daí ser sua continuidade um dos imperativos mais
decisivos da ordem social. A inserção positiva no mundo social implica o
exercício de uma vida ordenada e significativa. A quebra desta ordenação
significa a potencialização da anomia e o risco da perda de sentido. Para fazer
frente ao risco da anomia e da ameaça das “situações limite” que podem provocar
no sujeito a suspeita da consistência do mundo de sentido socialmente
construído, é que a sociedade organiza mecanismos de proteção da ordem social.
A manutenção do nomos, ou da ordem significativa, é um dos imperativos
essenciais de engenharia social.
Na visão de Berger, a socialização exerce um papel
importante de garantia de um consenso duradouro a propósito do oscilante
edifício da ordem social. Mas a seu lado devem atuar outros mecanismos
fundamentais de manutenção do nomos, entre os quais destaca o processo de
legitimação e de controle social. Por legitimação entende Berger “o ‘saber’
socialmente objetivado que serve para explicar e justificar a ordem social”
[20]. Trata-se de um processo cognitivo de justificação da ordem institucional,
que confere “dignidade normativa” a seus procedimentos práticos. Berger
visualiza diferentes níveis de legitimação, entre os quais a legitimação
incipiente já presente no processo de transmissão de um sistema de objetivações
linguísticas, a legitimação rudimentar das proposições teóricas vigentes nos
provérbios e máximas morais, a legitimação das teorias explícitas e a
legitimação dos universos simbólicos. Para Berger, é neste último nível que se
afirma de forma mais sólida a integração unificadora dos processos sociais.
Quanto aos mecanismos de controle social, Berger sublinha por exemplo o papel
importante concedido às práticas terapêuticas, ou seja, as “práticas
organizadas destinadas a silenciar dúvidas e prevenir lapsos de convicção”
[21]. As diversas “agências terapêuticas” são instrumentos importantes de
auxílio para a sociedade no encaminhamento daqueles que vivem uma experiência
de “dissonância cognitiva”. Estas diversas formas de legitimação e controle
social destinam-se na prática “a convencer o povo que aquilo que lhe é dito não
é só a coisa sensata mas também a única certa e salutar” [22].
Embora os mecanismos específicos de manutenção do mundo e de
afirmação de sua plausibilidade sejam vigorosos, nem sempre eles surtem o
efeito esperado. Em sua reflexão, Berger sublinhou que o processo de
transmissão do universo simbólico de uma geração para outra é complexo e às
vezes problemático. E isto em razão das dificuldades que acompanham a
realização da socialização. Nem todos “habitam” o universo transmitido da mesma
maneira. Há peculiaridades e variações no processo de concepção do universo, e
nem sempre a internalização corresponde ao desejado. Este problema
intensifica-se sobretudo quando emergem as dissonâncias cognitivas, ou seja,
quando “versões divergentes do universo simbólico” passam a ser partilhadas
pelos “habitantes” de um mesmo ambiente. Esta disparidade pode ocorrer quando
no próprio universo emergem grupos minoritários de dissidentes (minorias
cognitivas), mas também quando uma sociedade defronta-se com outra marcada por
diverso universo simbólico. No primeiro caso, a ameaça pode ser contida por
medidas de controle social, como a reafirmação da realidade tida como oficial
contra os competidores. A questão se complexifica no segundo caso, pois a
visibilidade de um outro universo simbólico traduz na prática a constatação
empírica da não inevitabilidade do universo particular. Neste caso o
“enfrentamento” exige um mecanismo conceitual mais elaborado [23].
2. Religião e Sociedade
A abordagem sociológica da religião realizada por Berger
segue um horizonte de orientação claramente definido pelo autor. Segundo a
proposta de sua teoria sociológica, a religião vem entendida “como projeção
humana, baseada em infra-estruturas específicas da história humana” [24]. Sem
negar o valor de outras abordagens possíveis sobre o tema, como a teológica
(que vislumbra a religião sub specie aeternitatis), este autor busca se mover
no âmbito da teoria sociológica empírica, para a qual a religião deve ser
sempre considerada sub specie temporis.
A compreensão fundamental da sociologia da religião de
Berger encontra-se presente no seu livro O dossel sagrado, publicado
originalmente em 1967. Neste livro, o autor busca aplicar sua teoria da
construção social da realidade ao tema da religião. Para Berger, a religião é
um dos sistemas de símbolos fundamentais dos seres humanos. Trata-se de um
“edifício de representação simbólica” elaborado pelos seres humanos, e que para
eles parece elevar-se sobre a realidade da vida cotidiana, garantindo-lhe uma
nomização peculiar. Entendida como um empreendimento humano de cosmificação
sagrada, que transcende e inclui o ser humano, a religião exerce de fato para
os que a ela aderem uma ordenação da realidade, servindo de um potente escudo
contra o terror da anomia. Para Berger a religião consiste na “ousada tentativa
de conceber o universo inteiro como humanamente significativo” [25].
A esta dimensão nomizadora da religião vêm acrescentadas por
Berger outras funções exercidas pela religião na sociedade. Em primeiro lugar,
a função de legitimação. Na visão de Berger, a religião “foi historicamente o
instrumento mais amplo e efetivo de legitimação” [26]. A grande eficácia da
legitimação religiosa consiste em fundar na realidade transcendente as
precárias construções da realidade humanamente construída. [27] Com base nesta
relação instaurada, a religião acaba servindo para manter a realidade do mundo
socialmente construído. Trata-se para Berger de um processo de alienação, na
medida em que as instituições humanas acabam ganhando com a religião um status
ontológico de validade suprema. Prejudica-se, assim, a compreensão da relação
dialética entre o indivíduo e seu mundo, que acaba ficando ocultada e perdida
para a consciência. Em razão desta operação, o indivíduo “ ‘esquece’ que este
mundo foi e continua a ser co-produzido por ele” [28].
Em segundo lugar, Berger sublinha a função religiosa de
integração das experiências marginais ou limites. A religião exerce um
importante papel de integração das experiências anômicas, facultando um
significado para as crises biográficas. Há nela uma capacidade única de “situar
os fenômenos humanos em um quadro cósmico de referência” [29]. Diante da
situação limitada e de impermanência que marca a condição humana, a religião
funciona como um dossel sagrado protetor do nomos, possibilitando
interpretações que satisfazem não apenas o campo teorético, mas sobretudo
aquele da “sustentação interior para enfrentar a crise do sofrimento e da
morte” [30]. A teodicéia religiosa ocupa, assim, um lugar fundamental, ao
proporcionar a “localização” do sofrimento e da morte. [31]
Berger vislumbrou ainda uma outra função da religião, ou
seja, de desalienação. Embora muitas vezes a religião exerça uma influência de
justificação da ordem humana, concedendo-lhe uma solidez fundada em razões
meta-históricas, ela pode igualmente, e em nome da mesma transcendência,
exercer um papel diverso. Sublinhando a unilateralidade de uma certa
interpretação marxista, Berger indica a real possibilidade de uma atuação relativizadora
da religião sobre as formações precárias da história humana, uma vez que a
mesmas são encaradas sub specie aeternitatis. Em afinidade com a dimensão
cômica, a religião vem animada de uma “qualidade relativizadora,
desmascaradora, desencantadora das pretensões do poder humano”, podendo em
situações específicas colocar em questão o status mesmo do mundo empírico. [32]
3. Religião e Modernidade
A reflexão sobre a relação da religião com a modernidade
[33] vem ocupando a atenção teórica de Peter Berger desde seus primeiros
trabalhos. Em seu livro O dossel sagrado (1967) dedicará três capítulos ao tema
da secularização. A atenção teórica do autor volta-se, na ocasião, para a
“crise de credibilidade” da religião e o seu deslocamento do horizonte da vida
cotidiana de setores significativos da população. Por secularização, o autor
entende “o processo pelo qual setores da sociedade e da cultura são subtraídos
à dominação das instituições e símbolos religiosos” [34]. Em sua visão, a
secularização atua em dois níveis: no nível subjetivo da consciência e no nível
da sociedade e da cultura. Por um lado, há o processo de privatização da
religião, ou seja, sua redução ao domínio do indivíduo ou dos pequenos grupos.
Por outro, o processo de pluralismo religioso, resultado da ruptura do
monopólio religioso e a instauração de uma situação de competição entre
definições distintas da realidade. [35]
Enquanto boa parte da história humana os estabelecimentos
religiosos atuaram como monopólios na sociedade, com o controle assegurado do
pensamento e da ação, esta situação modifica-se nos tempos modernos com a
afirmação da secularização e do pluralismo. O traço característico desta nova
situação é a perda da antiga segurança das estruturas religiosas que garantiam
a submissão de suas populações. As adesões seguem agora um ritmo voluntário, e
não mais decorrente de uma imposição de autoridade. Berger mostrou com acuidade
como as antigas estruturas de plausibilidade, que garantiam o ancoradouro das
visões de mundo em certezas subjetivas, acabam se enfraquecendo na medida em
que vai se instaurando a moderna sociedade industrial.
“O indivíduo moderno existe numa pluralidade de mundos
migrando de um lado a outro entre estruturas de plausibilidade rivais e muitas
vezes contraditórias, cada uma sendo enfraquecida pelo simples fato de sua
coexistência involuntária com outras estruturas de plausibilidade. Além dos
‘outros significantes’ que confirmam a realidade, há sempre e em toda a parte
‘aqueles outros’, incômodos refutadores, descrentes – talvez o incômodo moderno
por excelência” [36].
Estas reflexões de Berger sobre os temas da secularização e
do pluralismo, por ele considerados “fenômenos intimamente aparentados”,
ganharam continuidade em obras posteriores como O imperativo herético (1979).
Nesta obra, Berger desenvolve a complexa questão da modernidade como
universalização da heresia. Em sua visão, a consciência moderna vem acompanhada
de uma tendência “potencialmente relativizante” [37]. Com a pluralidade de
mundividências e a decorrente multiplicação de opções que se colocam para o
sujeito moderno, torna-se extremamente difícil a garantia das certezas
subjetivas. A pluralização institucional da modernidade provoca uma
instabilidade das estruturas de plausibilidade. No lugar das antigas certezas
religiosas, instaura-se a dúvida. O enfraquecimento das estruturas de
plausibilidade provoca a perda de evidência do mundo religioso, anteriormente
garantido pela tradição, e isto repercute no âmbito da consciência subjetiva. O
que antes era considerado realidade evidente, só pode ser agora atingido
mediante um esforço deliberado. Na modernidade a escolha (heresia) torna-se um
imperativo. [38]
Mas sua reflexão atual ganha uma elaboração mais
aperfeiçoada ao tratar da relação entre modernidade e religião. Vale destacar
sua posição mais complexa e nuançada sobre a teoria da secularização. [39] Para
Berger, a ideia tradicional de que a modernização leva necessariamente ao
declínio da religião encontra resistências bem vivas no campo empírico
contemporâneo. Ele admite, por um lado, os efeitos secularizantes que
acompanharam a modernização, ainda que observados de forma diversificada.
Sublinha, porém, a simultaneidade da presença de vigorosos movimentos de
contra-secularização. Aprofundando a questão dos dois níveis de atuação da
secularização, o societal e o da consciência individual, destaca o dado de sua
desvinculação:
“Algumas instituições religiosas perderam poder e influência
em muitas sociedades, mas crenças e práticas religiosas antigas ou novas
permaneceram na vida das pessoas, às vezes assumindo novas formas
institucionais e às vezes levando a grandes explosões de fervor religioso.
Inversamente, instituições religiosamente identificadas podem desempenhar um
papel social ou político mesmo quando muito poucas pessoas confessam ou
praticam a religião que essas instituições representam” [40]
Quando Berger abordou o tema da situação pluralista na sua
clássica obra de sociologia da religião, em 1969, reconheceu com pertinência
que uma tal situação engendrou não apenas a “era do ecumenismo”, mas igualmente
a “era das redescobertas das heranças confessionais” [41]. O pluralismo moderno
aciona novos mecanismos de conversação, leva a “sistemas abertos de
conhecimento” e possibilita uma “consciência ecumênica”. [42] Mas, ao mesmo
tempo, provoca a ênfase de afirmação identitária e de diferenciação. Os
desdobramentos teóricos desta questão serão tratados por Berger no seu livro
Uma glória remota (1992), onde busca abordar a questão da fé na época do
pluralismo. Uma das questões que busca desenvolver ao longo de sua obra
refere-se às diversas reações religiosas ao pluralismo. Berger reconhece que o
pluralismo faculta um certo grau de tolerância, mas acentua igualmente as
dissonâncias cognitivas:
“O pluralismo cria uma condição de incerteza permanente com
respeito ao que se deveria crer e ao modo como se deveria viver; mas a mente
humana abomina a incerteza, sobretudo no que diz respeito ao que se conta
verdadeiramente na vida. Quando o relativismo alcança uma certa intensidade, o
absolutismo volta a exercitar um grande fascínio” [43].
Particularizando sua reflexão no domínio das comunidades
cristãs, embora sua aplicação caiba a outras comunidades religiosas, Berger
aponta três posicionamentos de reação ao pluralismo moderno. Aborda
primeiramente a negociação cognitiva. Não há como negar a presença de uma “contaminação
cognitiva” que opera no mundo moderno. Nas sociedades pós-tradicionais a
conversação, o intercâmbio, a convivência de estilos diversos de vida, valores
e crenças, constituem dados incontestáveis. A opção pela negociação cognitiva
implica a assunção de uma perspectiva de abertura e diálogo. Trata-se de uma
opção desafiadora, mas que pode, segundo Berger, alargar-se de tal forma a
conduzir a um difuso relativismo. Experiências teológicas realizadas no campo
do diálogo com o mundo moderno, como a teologia liberal protestante, acabaram,
segundo Berger, reforçando a dúvida e o laicismo moderno. [44] Para este autor,
o desafio maior consiste em garantir as convicções fundamentais,
distanciando-se seja do risco do relativismo como dos falsos absolutismos.
Uma outra reação possível ao pluralismo vem identificada por
Berger com a capitulação cognitiva. Trata-se de uma escolha que evita a
dolorosa troca de concessões recíprocas. A título de simplificação do trabalho
cognitivo alça-se a bandeira branca da rendição identitária. O resultado
imediato é um alívio cognitivo, mas com consequências bem previsíveis. Acaba-se
aceitando com reduzidas reservas o espírito da época. Para Berger, a teologia
da morte de Deus, presente no cristianismo americano, significou um estilo
específico de capitulação ao laicismo moderno. [45]
Uma terceira reação ao pluralismo, muito recorrente no atual
momento histórico, é a redução cognitiva. Trata-se de uma perspectiva precisa
de desafio ao risco da dúvida, com o intuito de reafirmação ortodoxa. Esta
escolha pode tomar duas formas precisas. Pode ocorrer como redução cognitiva
defensiva ou ofensiva. No primeiro caso, manifesta-se como opção em favor de um
fechamento comunitário. Face ao risco da dissolvência plural, opta-se pela estratégia
do gheto. Neste caso, trata-se de preservar a todo custo uma sub-cultura e
exorcizar a contaminação cognitiva do pluralismo. Na visão de seus aderentes,
“basta deixar uma pequena fissura e o vento impetuoso da cultura pluralista
entra assoviando”. [46] No segundo caso, adota-se a estratégia da cruzada, ou
seja, o caminho da reconquista da sociedade em nome da tradição religiosa
particular.
O fascínio que os diversos fundamentalismos exercem sobre as
pessoas hoje em dia encontra certa explicação no clima de incerteza e
insegurança relacionados com a dinâmica do pluralismo moderno. O
fundamentalismo é a expressão de uma “tradição sitiada” e o clamor pela
afirmação de um absoluto ameaçado. Há na base dos fundamentalismos uma “forte
paixão religiosa” e uma reação viva e substantiva contra as forças
secularizantes. Berger tem razão quando sustenta que “na cena religiosa
internacional, são os movimentos conservadores, ortodoxos ou tradicionalistas
que estão crescendo em quase toda parte. Esses movimentos são justamente
aqueles que rejeitaram o aggiornamento à modernidade tal como é definida pelos
intelectuais progressistas” [47].
4. Os rumores da transcendência
Retomando atualmente a sua antiga proposta de “relativizar
os relativizadores”, Peter Berger contesta os pensadores mais radicais do
iluminismo e seus descendentes intelectuais. Para estes grupos de analistas, a
modernidade levaria inexoravelmente ao declínio da religião. O que se percebe,
entretanto, é uma vigorosa presença da religião no mundo contemporâneo e, como
afirma Berger, “não há razão para pensar que o mundo do século XXI será menos
religioso do que o mundo atual” [48].
Ao analisar este cenário religioso, Berger visualiza a
presença de duas grandes forças florescentes: a islâmica e a evangélica. Dos
diversos movimentos religiosos em curso, estes dois apresentam-se como os mais
dinâmicos , embora distintos quanto ao conteúdo religioso e à presença no
mundo. Apresentam em comum não apenas uma “inspiração inequivocamente
religiosa”, mas a proposta de reelaboração da identidade e a promessa segura ao
apelo generalizado por segurança e certeza cognitivo-existencial. Embora o
termo fundamentalismo não possa ser aplicado pertinentemente a tais movimentos,
eles apresentam características que se aproximam do fenômeno, como a “forte
paixão religiosa, um desafio ao que foi tido como o Zeitgeist, e uma volta às
fontes tradicionais de autoridade religiosa” [49].
A vigorosa presença da religião no mundo contemporâneo não
exclui a existência de bolsões secularizadores que, segundo Berger, afirmam-se
na Europa Ocidental e na cultura de elite globalizada. A tradicional teoria da
secularização encontra guarita nos índices europeus de crenças expressadas e de
comportamento eclesial. Esta teoria vigora também no mundo da academia,
afirmando-se como uma “subcultura internacional”. Trata-se de uma visão
partilhada por certa elite intelectual, composta não apenas por sociólogos e
antropólogos da religião, mas por outros atores sociais influentes e
responsáveis pela definição “oficial” da realidade [50].
Os dados empíricos confirmam, porém, a tradicional tese de
Durkheim, que indica a presença de algo eterno na religião e o equívoco
presente entre aqueles que a consideram uma realidade meramente ilusória. Mesmo
num período de forte afirmação secularizadora, no ano de 1969, Berger já
vislumbrava a presença de sinais de transcendência na sociedade moderna. Os
sinais tornaram-se hoje rumores que desafiam o olhar de qualquer analista que
queira de fato perceber com riqueza a realidade.
“O impulso religioso, a busca de um sentido que transcenda o
espaço limitado da existência empírica neste mundo, tem sido uma característica
perene da humanidade (isto é uma afirmação antropológica, e não teológica – um
filósofo agnóstico ou mesmo ateu pode muito bem concordar com ela). Seria
necessário algo como uma mutação de espécie para suprimir para sempre esse
impulso”. [51]
Conclusão
A reflexão sociológica de Peter Berger sobre a religião é
extremamente rica, complexa e abrangente. Este autor trabalha com recursos
teóricos de diversas procedências: sociologia, antropologia, filosofia,
teologia, psicologia, biologia etc. Qualquer tentativa de síntese vem marcada
por limites e imprecisões. O que se tentou apresentar aqui foi apenas um breve
esboço de alguns dos traços importantes de sua abordagem sociológica da
religião. Há que reconhecer que o pensamento deste autor é objeto de
diversificados questionamentos, enquanto teórico da sociologia [52], sendo que
as críticas mais contundentes referem-se à sua visão política conservadora. A
pertinência das críticas não pode, porém, apagar o valor de suas reflexões, que
permanecem válidas e atuais, ainda que controvertidas. O horizonte do debate,
da discussão e da crítica permanece aberto. Mas não há como negar a importância
de sua contribuição para a reflexão sobre o tema da religião no mundo
contemporâneo.
Notas:
[1] Tomaremos como base da reflexão as traduções da obra de
Berger para o português ou o italiano: Peter L. BERGER & Thomas LUCKMANN. A
construção social da realidade: tratado de sociologia do conhecimento.
Petrópolis: Vozes, 1973, Peter L. BERGER. O dossel sagrado: elementos para uma
teoria sociológica da religião. São Paulo: Paulinas, 1985; Peter L. BERGER.
Rumor de anjos: a sociedade moderna e a redescoberta do sobrenatural. 2 ed.
Petrópolis: Vozes, 1997, Peter L. BERGER. L´imperativo eretico: possibilità
contemporanee di affermazione religiosa. Torino: Elle Di Ci, 1987; Peter L.
BERGER. Una gloria remota: avere fede nell´epoca del pluralismo. Bologna: Il
Mulino, 1994.
[2] Dentre outras obras podem ser aqui mencionadas: Peter L.
BERGER. Perspectivas sociológicas: uma visão humanística. Petrópolis: Vozes,
1973; Peter L. BERGER & Brigitte BERGER. Sociologia: la dimensione sociale
della vita quotidiana. Bologna: Il Mulino, 1995; Peter L. BERGER. Le piramidi
del sacrificio: etica politica e trasformazione sociale. Torino: Einaldi, 1981;
Peter L. BERGER. Homo ridens: la dimensione comica dell´esperienza umana.
Bologna: Il Mulino, 1999.
[3] Cecília Loreto MARIZ. Peter Berger: uma visão plausível
da religião. In: Francisco Cartaxo ROLIM (Org.). A religião numa sociedade em
transformação. Petrópolis: Vozes, 1997, p. 91.
[4] Peter L. BERGER. A construção social da realidade.
Op.cit., p. 31-32.
[5] Para Berger, a sociologia do conhecimento tem por objeto
não somente a “multiplicidade empírica do ‘conhecimento’ nas sociedades
humanas”, mas também os “processos pelos quais qualquer corpo de ‘conhecimento’
chega a ser socialmente estabelecido como ‘realidade’”: Id. A construção social
da realidade, p. 13-14 e 30.
[6] Id. O dossel sagrado. Op.cit., p. 16.
[7] Id. A construção social da realidade, p. 87.
[8] Id. O dossel sagrado, p. 16 e tb. 17-22.
[9] Id. O dossel sagrado, p. 22-23.
[10] Trata-se de um conceito fundamental na obra de Berger,
apropriado da sociologia do conhecimento. Segundo Berger, “uma das proposições
fundamentais da sociologia do conhecimento é que a plausibilidade, no sentido
daquilo que as pessoas realmente acham digno de fé, das idéias sobre a
realidade depende do suporte social que estas idéias recebem”: Id. Rumor de
anjos, p. 65. Para que uma concepção de mundo permaneça aceitável para o
sujeito, é necessário que o mesmo permaneça inserido numa “estrutura de
plausibilidade” que reforce, mediante a convesa, a afirmação deste mundo.
[11] Id. O dossel sagrado, p. 26.
[12] Id. O dossel sagrado, p. 28 e Id. A construção social
da realidade, p. 173-174. Para sua reflexão sobre o tema da internalização (ou
interiorização) Berger serviu-se, sobretudo, do aporte teórico de George
Herbert Mead e da escola simbólico-interacionista da sociologia americana.
[13] Id. A construção social da realidade, p. 175.
[14] No quadro teórico de Berger, os termos “conversa” ou
“aparelho de conversa” encontram um lugar de destaque. Em sua visão, é mediante
a conversa, tomada “no sentido mais vasto do termo, que construímos e fazemos
prosseguir nossa visão sobre o mundo”: Peter L. BERGER. Rumor de anjos, p. 66
Id. A construção social da realidade, 202-204; Id. O dossel sagrado, p. 29-30.
[15] Este “aparelho de conversa” pode também, segundo Berger,
modificar e reconstruir a realidade subjetiva. É o que ocorre, por exemplo, na
experiência da conversão (alternação), quando o sujeito reorganiza o seu
aparato conversacional com outros novos significativos. Cf. Peter L. BERGER. A
construção social da realidade, p. 211. Para uma boa aplicação da reflexão de
Berger ao tema da conversão cf. Rubem ALVES. Protestantismo e repressão. São
Paulo: Ática, 1979, p. 50-81.
[16] Id. A construção social da realidade, p. 205-206; Id.
Rumor de anjos, p. 65-66.
[17] Id. A construção social da realidade, p. 65.
[18] Id. A construção social da realidade, p. 209-210. Não
há como deixar de lembrar a aqui a influência de Durkheim, para o qual “as
crenças só são ativas quando compartilhadas”. Para este clássico da sociologia,
não é o simples esforço pessoal que mantém acesa a conservação das crenças, mas
o exercício de conversação comunitária: “Para reafirmar sentimentos que,
abandonados a si mesmos, arrefeceriam, basta aproximar e colocar em relações
mais estreitas e mais ativas aqueles que os experimentam”: Émile DURKHEIM. As
formas elementares da vida religiosa. São Paulo: Paulinas, p. 503 e 264.
[19] Peter L. BERGER. O dossel sagrado, p. 19.
[20] Id. O dossel sagrado, p. 42.
[21] Id. Rumor de anjos, p. 66. O grande esforço será no
sentido de facultar ao indivíduo a percepção do mundo social como “coisa óbvia”
e evitar a todo custo o desgarre dos programas socialmente definidos. Para
manter “encurralado o caos” serão acionados procedimentos específicos para
ajudar os membros da sociedade a “ficar ‘orientados’ para a realidade’ (isto é,
a ficar dentro da realidade como é definida ‘oficialmente’) e a ‘voltar à
realidade’ (isto é, voltar das esferas marginais da ‘irrealidade’ ao nomos
socialmente estabelecido)”: Id. O dossel sagrado, p. 37.
[22] Id. Rumor de anjos, p. 67.
[23] Id. A construção social da realidade, p. 144-147. Como
sublinha Berger, “em situações nas quais existe competição entre diferentes
instituições definidoras da realidade podem ser toleradas todos os tipos de
relações entre os grupos secundários com os competidores, desde que existam,
firmemente estabelecidas, relações de grupos primários em cujo interior uma
determinada realidade é progressivamente reafirmada contra os competidores”:
Id. A construção social da realidade, p. 202. Esta situação tende, porém, a se
complexificar no momento de afirmação de uma sociedade plural, como veremos
adiante.
[24] Id. O dossel sagrado, p. 186.
[25] Id. O dossel sagrado, p. 41.
[26] Id. O dossel sagrado, p. 45.
[27] Na visão de Berger, “a legitimação religiosa pretende
relacionar a realidade humanamente definida com a realidade última, universal e
sagrada. As construções da atividade humana, intrinsecamene precárias e
contraditórias, recebem, assim, a aparência de definitiva segurança e
permanência.”: Id. O dossel sagrado, p. 48-49.
[28] Id. O dossel sagrado, p. 97 e também pp. 46 e 99.
[29] Id. O dossel sagrado, p. 48.
[30] Id. Rumor de anjos, p. 54.
[31] Como indica Berger, “a morte estabelece também a mais aterrorizadora
ameaça às realidades asseguradas da vida cotidiana. A integração da morte na
realidade dominante da existência social tem portanto a maior importância para
qualquer ordem institucional”: Id. A construção social da realidade, p. 138.
Como bem observado por este autor, o que a teodicéia faculta não é em si a
felicidade, mas significado. Indica que “nas situações de intenso sofrimento, a
necessidade de significado é tão forte quanto a necessidade de felicidade”. Cf.
Id. O dossel sagrado, p. 70. Em semelhante linha de reflexão, o antropólogo
Clifford Geertz buscou mostrar que o significado da religião não é tanto o de
evitar o sofrimento, mas fazer com que o mesmo seja algo tolerável e
suportável. Cf. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: Guanabara, 1989,
p. 119. Ver ainda: Carmen Cinira MACEDO. Imagem do eterno: religiões no Brasil.
2 ed. São Paulo: Moderna, 1989, p. 25-26.
[32] Peter L. BERGER. Rumor de anjos, p. 214. Ver também:
Id. O dossel sagrado, p. 108-109. Id. Homo ridens: la dimensione comica
dell’esperienza umana. Bologna: Il Mulino, 1999, p. 301.
[33]O sentido de modernidade aqui trabalhado encontra
analogia com sua aplicação filosófica, que se traduz como modernidade
pós-renascentista. Um dos traços substantivos desta modernidade refere-se à
“iniciativa teórica, até agora inédita na história humana, que propugna a
imanentização dos termos da relação de transcendência, com a abolição da sua
dimensão metafísica e a emergência do existente humano como fonte de movimento
de autotranscendência desdobrando-se na esfera da imanência: nas instituições
do universo político, na construção do mundo técnico, na concepção autônoma do
agir ético, na fundamentação teórica, enfim, da visão de mundo”: Henrique
Cláudio de LIMA VAZ. Raízes da modernidade. São Paulo: Loyola, 2002, p. 16.
[34] Id. O dossel sagrado, p. 119.
[35] Id. O dossel sagrado, p. 139.
[36] Id. Rumor de anjos, p. 78-79. Sintetizando a posição de
Berger sobre a situação de crise de plausibilidade da religião, Cecília Loreto
Mariz afirmou: “A religião no mundo plural abandona sua ambição de unir toda
uma sociedade ou de ditar a ética da vida pública. Segrega-se, então na vida
privada. Berger descreve a situação atual como aquela onde a plausibilidade da
religião na vida pública desmorona e na vida privada é constantemene ameaçada
pelas religiões concorrentes”: Cecília Loreto MARIZ. Peter Berger: uma visão
plausível da religião. In: Francisco Cartaxo ROLIM (Org.). A religião numa
sociedade em transformação. Petrópolis: Vozes, 1997, p. 103.
[37] Peter L. BERGER. L’imperativo eretico, p. 48.
Comentando esta questão, Stefano Martelli sublinha que o processo de
pluralização de escolhas que acompanha a modernidade “implica a relativização
das pretensões de plausibilidade propostas por cada uma das instituições. Isso
tem consequências particularmente graves para agências educativas, que são
perturbadas pelos conflitos entre concepções pedagógicas diferentes, mas
sobretudo para a Religião, cuja mensagem se caracteriza pela pretensão de verdade
absoluta”: A religião na sociedade pós-moderna. São Paulo: Paulinas, 1995, p.
293.
[38] Peter L. BERGER. L’imperativo eretico. Torino: Editrice
Elle Di Ci, 1987, p. 60-64. Segundo Berger, “a situação pluralista não só dá ao
indivíduo uma oportunidade de escolha, mas o força a escolher. Justamente por
isto, torna muito difícil a chegada à certeza religiosa. É instrutivo relembrar
que o sentido literal da palavra haeresis é ‘escolha’. Num sentido muito real,
toda comunidade religiosa numa situação pluralista se torna uma ‘heresia’, com
toda a sutileza social e psicológica que o termo sugere”: Id. Rumor de anjos,
p. 80.
[39] Berger admite em reflexão recente que em período
anterior acabou contribuindo para a afirmação de uma literatura em sintonia com
a teoria da secularização. Sua visão atual vai em outra direção. Sem negar a
presença de efeitos secularizantes que continuam em ação, argumenta que a
suposição de que se vive atualmente num mundo secularizado é equivocada. Como
ele mesmo indica, o mundo de hoje, consideradas algumas exceções, “é tão
ferozmente religioso quanto antes, e até mais em certos lugares”: Cf. A
dessecularização do mundo: uma visão global. Art.cit., p. 10. Segundo Cecília
Loreto Mariz, este mea culpa de Berger deve ser relativizado, pois, de fato,
ele nunca deixou de perceber a presença de sinais de transcendência na
sociedade moderna. Só que agora tende a acentuar a presença mais destacada de
uma busca de redenção e de transcendência, que ocorre muitas vezes em reação
aos limites da secularização. Cf. Secularização e dessecularização: comentários
a um texto de Peter Berger. In: Religião e Sociedade, v. 21, n. 1, p. 26, 2001.
Ver ainda: Piergiorgio GRASSI. Secolarizzazione e teologia: la questione
religiosa in Peter Berger. Urbino: QuattroVenti, 1992, p. 17-18.
[40] Peter L. BERGER. A dessecularização do mundo: uma visão
global. In: Religião e Sociedade, v. 21, n. 1, p. 10, 2001.
[41] Id. O dossel sagrado, p. 159.
[42] O ecumenismo vem entendido por Berger “no sentido de
uma colaboração amigável cada vez mais estreita entre os diferentes grupos
envolvidos no mercado religioso”. Mas para ele, trata-se de uma necessidade de
adequação à situação pluralista, de racionalização da competição na situação
pluralista. Cf. O dossel sagrado, p. 153.
[43] Id. Una gloria remota: avere fede nell’epoca del
pluralismo. Bologna: Il Mulino, 1994, p. 48.
[44] Id. Una gloria remota, p. 45. Ver também: Id. Rumor de
anjos, p. 32 e 40. No caso da teologia liberal, a reação crítica veio
contundente na reflexão de Karl Bart (teologia dialética), para o qual uma
infinita diferença qualitativa separava a eternidade do tempo. Com Barth
instaura-se na teologia protestante uma “total negação da continuidade afirmada
pelo mundo liberal entre o humano e o divino”: Bruno FORTE. In ascolto
dell’altro: filosofia e rivelazione. Brescia: Morcelliana, 1995, p. 44.
[45] Id. Una gloria remota, p. 46.
[46] Id. Una gloria remota, p. 46-47.
[47] Id. A dessecularização do mundo: uma visão global, Art.
cit., p. 13. Berger sublinha o impulso conservador que vem atuando em várias
tradições religiosas: no catolicismo, no protestantismo, na tradição ortodoxa,
no judaísmo, no islamismo, hinduísmo e budismo. Ibidem, p. 13. A socióloga
francesa, Danièle Hervieu-Leger, mencionou em trabalho recente o crescimento de
uma modalidade específica da figura do convertido no cenário religioso
contemporâneo. Trata-se do reafiliado, ou seja, do religioso que redescobre uma
identidade religiosa até então mantida como formal, ou vivida minimamente. Um
fenômeno que se relaciona com a busca existencial de novas condições
comunitárias, que possam expressar uma experiência pessoal e fortemente
emocional, de entrada num “regime forte de intensidade religiosa”: Le pèlerin
et le converti: la religion en mouvement. Paris: Flammarion, 1999, p. 124-125.
[48] Peter L. BERGER. A dessecularização do mundo: uma visão
global. Art.cit., p. 18.
[49] Ibidem, p. 13.
[50] Ibidem, p. 16-17.
[51] Ibidem, p. 19.
[52] Cecília Loreto MARIZ. Peter Berger: uma visão plausível
da religião. In: Op.cit., p. 104-107.
Referências Bibliográficas
A) Obras de Berger
BERGER, Peter L. Perspectivas sociológicas: uma visão
humanística. Petrópolis: Vozes, 1973.
BERGER, Peter L. & LUCKMANN, Thomas. A construção social
da realidade: tratado de sociologia do conhecimento. Petrópolis: Vozes, 1973.
BERGER, Peter L. O dossel sagrado: elementos para uma teoria
sociológica da religião. São Paulo: Paulinas, 1985.
____. Rumor de anjos: a sociedade moderna e a redescoberta
do sobrenatural. 2 ed. Petrópolis: Vozes, 1997.
____. Le piramidi del sacrificio: etica politica e
trasformazione sociale. Torino: Einaldi, 1981.
____. & BERGER, Brigitte. Sociologia: la dimensione sociale
della vita quotidiana. Bologna: Il Mulino, 1995.
BERGER, Peter. L’imperativo eretico: possibilità
contemporanee di affermazione religiosa. Torino: Editrice Elle Di Ci, 1987.
____. Una gloria remota: avere fede nell’epoca del
pluralismo. Bologna: Il Mulino, 1994.
____. Homo ridens: la dimensione cosmica dell’esperienza
umana. Bologna: Il Mulino, 1999.
____. A dessecularização do mundo: uma visão global.
Religião e Sociedade, v. 21, n. 1, p. 9-23, 2001.
2) Sobre Berger
GRASSI, Piergiorgio. Secolarizzazione e teologia: la
questione religiosa in Peter L. Berger. Urbino: Quattro Venti, 1992.
MARIZ, Cecília Loreto. Peter Berger: uma visão plausível da
religião. In: ROLIM, Francisco Cartaxo (Org.) A religião numa sociedade em
tranformação. Petrópolis: Vozes, 1997, p. 91-111.
____. Secularização e dessecularização: comentários de um
texto de Peter Berger. Religião e Sociedade, v. 21, n. 1, p. 25-39, 2001.
MARTELLI, Stefano. A religião na sociedade pós-moderna. São
Paulo: Paulinas, 1995, p. 287-295.
NICOLÒ, Giancarlo. Introduzione. In: BERGER, Peter L.
L’imperativo eretico. Torino: Editrice Elle Di Ci, 1987, p. 5-35.
(Publicado no livro: Faustino TEIXEIRA (Org). Sociologia da
religião: enfoques teóricos. Petrópolis: Vozes, 2003, pp.218-246)
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