Joe Sharkey
em São José dos Campos, Brasil
Era um vôo confortável, rotineiro.
Com o quebra-sol da janela fechado, eu estava descansando em
meu assento de couro a bordo de um jato executivo de US$ 25 milhões, voando a
mais de 11 mil metros acima da vasta floresta tropical Amazônica. Cada um dos
sete a bordo do jato para 13 passageiros estava na sua.
Sem aviso, eu senti um solavanco e ouvi uma forte batida,
seguida por um silêncio assustador, exceto pelo zunido dos motores.
E então vieram as três palavras que nunca esquecerei.
"Fomos atingidos", disse Henry Yandle, um outro passageiro que estava
em pé no corredor perto da cabine do jato Legacy 600 da Embraer.
"Atingidos? Pelo quê?" me perguntei. Eu levantei o
quebra-sol. O céu estava claro; o sol baixo no céu. A floresta tropical parecia
não acabar mais. Mas lá, na extremidade da asa, se encontrava uma aresta
dentada, talvez de 30 centímetros de altura, onde uma winglet (ponta da asa) de
1,5 metro devia estar.
E assim começaram os mais angustiantes 30 minutos da minha
vida. Me diriam várias vezes nos dias seguintes que ninguém jamais sobreviveu a
uma colisão no ar. Eu tinha sorte de estar vivo - e apenas posteriormente é que
tomaria conhecimento de que 155 pessoas, a bordo do Boeing 737 em um vôo
doméstico que aparentemente se chocou conosco, não estavam.
Os investigadores ainda estão tentando descobrir o que
aconteceu, e como - por algum milagre - nosso jato menor conseguiu se manter no
ar enquanto o 737 que era mais longo, mais largo e três vezes mais pesado caiu
do céu verticalmente.
Mas às 15h59 da tarde da última sexta-feira, tudo o que pude
ver, tudo o que sabia, era que parte da asa tinha sido perdida. E estava claro
que a situação piorava rapidamente. A borda da asa estava perdendo rebites e
começando a se desfazer.
Surpreendentemente, ninguém entrou em pânico. Os pilotos
calmamente começaram a estudar seus controles e mapas em busca de sinais de um
aeroporto próximo ou, pela janela, um lugar para pousar.
Mas à medida que os minutos passavam, o avião continuava a
perder velocidade. Àquela altura todos nós sabíamos que a situação era grave.
Eu me perguntava quão dolorida seria uma aterissagem - um termo otimista para
queda.
Eu pensei na minha família. Não havia sentido em tentar
telefonar com meu celular - não havia sinal. E à medida que nossas esperanças
diminuíam, alguns de nós escreveram bilhetes para esposas e entes queridos e os
colocaram nas carteiras, na esperança de serem encontrados posteriormente.
Eu estava concentrado em notas diferentes quando o vôo teve
início. Eu escrevo semanalmente a coluna "On the Road" para a seção
de viagem de negócios do "New York Times", publicada às
terças-feiras, há sete anos. Mas eu estava no Embraer 600 para um artigo
freelance para a revista "Business Jet Travel".
Os demais passageiros incluíam executivos da Embraer e de
uma empresa de vôos charter chamada ExcelAire, a nova dona do jato. David
Rimmer, o vice-presidente sênior da ExcelAire, me convidou para pegar uma
carona para casa no jato que sua empresa tinha acabado de adquirir na sede da
Embraer aqui.
E a viagem até então tinha sido boa. Minutos antes da
colisão, eu fui até a cabine para conversar com os pilotos, que disseram que o
avião estava voando perfeitamente. Eu li o mostrador que apontava nossa
altitude: 37 mil pés (11.277 metros).
Então o choque, que também arrancou parte da cauda de nosso
avião.
Imediatamente após, não houve muita conversa.
Rimmer, um homem grande, estava debruçado no corredor à
minha frente olhando pela janela para a asa danificada.
"Quão ruim ela está?" eu perguntei.
Ele se voltou para mim com olhar firme e disse: "Eu não
sei".
Eu vi a linguagem corporal dos dois pilotos. Eles pareciam
soldados de infantaria trabalhando em uma situação difícil, como foram
treinados a fazer.
Nos 25 minutos seguintes, os pilotos, Joe Lepore e Jan
Paladino, analisaram seus instrumentos à procura de um aeroporto. Nada
aparecia.
Eles enviaram um pedido de socorro, que foi recebido por uma
avião de carga em alguma parte da região. Não houve contato com nenhum outro
avião e certamente não com um 737 no mesmo espaço aéreo.
Lepore então avistou uma pista em meio à mata escura.
"Eu consigo ver um aeroporto", ele disse.
Eles tentaram contatar a torre de controle, que era de uma
base militar escondida Amazônia adentro. Ele fizeram uma curva acentuada para
reduzir a pressão na asa.
Enquanto se aproximavam da pista, eles receberam o primeiro
contato do controle de tráfego aéreo.
"Nós não sabíamos qual era a extensão da pista ou se
tinha algo nela", disse Paladino posteriormente, naquela noite na base do
Cachimbo na floresta.
A descida foi brusca e rápida. Eu assisti os pilotos lutarem
com a aeronave porque muitos dos controles automáticos tinham se perdido. Eles
conseguiram parar o avião restando ainda um bocado de pista. Nós cambaleamos
para a saída.
"Bela pilotagem", eu disse aos pilotos ao passar
por eles. Na verdade, eu inseri uma palavra impublicável entre "bela"
e "pilotagem".
"Ao seu dispor", disse Paladino com um sorriso
nervoso.
Posteriormente naquela noite, eles nos serviram cerveja
gelada e comida na base militar. Nós especulamos interminavelmente sobre o que
causou o impacto. Um balão meteorológico desgarrado? Um caça militar cujo
piloto ejetou? Um avião nas proximidades que explodiu, lançado destroços contra
nós?
Seja qual fosse a causa, ficou claro que estivemos
envolvidos em uma colisão no ar da qual nenhum de nós devia ter sobrevivido.
Em um momento de humor negro no quartel onde dormiríamos, eu
disse: "Talvez a gente esteja realmente morto e isto seja o inferno
-revivendo papos furados de faculdade com uma lata de cerveja pela
eternidade".
Por volta das 19h30, Dan Bachmann, um executivo da Embraer e
o único entre nós que falava português, veio à mesa na sala com notícias do
escritório do comandante. Um Boeing 737 com 155 pessoas a bordo tinha
desaparecido no local onde fomos atingidos.
Antes daquele momento, nós todos estávamos brincando e rindo
do apuro do qual escapamos. Nós éramos os 7 da Amazônia, vivendo agora um tempo
precioso que não mais nos pertencia, mas que de alguma forma tínhamos
adquirido. Nós nos encontraríamos anualmente para narrar que uso fizemos deste
tempo.
Em vez disso, naquele momento nós baixamos nossas cabeças em
um longo momento de silêncio, com o som de lágrimas abafadas.
Ambos os pilotos, com extensa experiência em jatos
executivos, ficaram abalados com a situação. "Se alguém devia ter caído
deveria ter sido nós", ficava repetindo Lepore, 42 anos, de Bay Shore,
Nova York.
Paladino, 34 anos, de Westhampton, Nova York, mal conseguia
falar. "Eu estou tentando digerir a perda de todas aquelas pessoas. Está
realmente começando a doer", ele disse.
Yandle lhe disse: "Vocês são heróis. Vocês salvaram
nossas vidas". Eles sorriram de forma abatida. Estava claro que o peso de
tudo aquilo permaneceria com eles para sempre.
No dia seguinte, a base estava repleta de autoridades
brasileiras investigando o acidente e dirigindo as operações de busca pelo 737,
que um oficial me disse que se encontrava em uma área a menos de 160
quilômetros ao sul de onde estávamos, mas cujo acesso só era possível abrindo
densa mata à mão.
Nós também tivemos acesso ao nosso avião, que estava sendo
estudado minuciosamente pelos inspetores. Ralph Michielli, vice-presidente de
manutenção da ExcelAire e um passageiro do vôo, me levou em um elevador para
ver o dano na asa perto da winglet partida.
Um painel perto da borda da asa estava separado em mais de
30 centímetros. Manchas escuras perto da fuselagem mostravam que combustível
tinha vazado. Partes do estabilizador horizontal na cauda foram esmagadas, um
pedaço pequeno estava faltando no elevador esquerdo.
Um inspetor militar brasileiro ao lado me surpreendeu com
sua disposição de conversar, apesar das limitações da conversa devido ao seu
fraco inglês e meu português inexistente.
Ele especulava sobre o que tinha acontecido, mas foi isto o
que ele disse: ambos os aviões estavam, inexplicavelmente, na mesma altitude e
no mesmo espaço no céu. Os pilotos do 737 a caminho do sudeste avistaram nosso
Legacy 600, que estava voando para noroeste rumo a Manaus, e fizeram uma
manobra evasiva frenética. A asa do 737 -se precipitando no espaço entre nossa
asa e a cauda alta, nos atingiu duas vezes, e o avião maior mergulhou em sua
espiral fatal.
Soava como uma situação impossível, reconheceu o inspetor.
"Mas eu acho que foi isto o que aconteceu", ele disse. Apesar de
ninguém ainda ter dito ao certo como o acidente ocorreu, três outros oficiais
brasileiros me disseram que foram informados que ambos os aviões estavam na
mesma altitude.
Por que eu - o passageiro mais próximo do impacto - não ouvi
nenhum som, nenhum barulho de um grande 737?
Eu perguntei a Jeirgen Prust, o piloto de teste da Embraer.
Isto ocorreu no dia seguinte, quando fomos transferidos da base em uma aeronave
militar para a sede da polícia em Cuiabá. Foi lá que as autoridades
estabeleceram a jurisdição e onde pilotos e passageiros do Legacy 600,
incluindo eu, seríamos interrogados até o amanhecer por um intenso comandante
da polícia e seus tradutores.
Prust pegou uma calculadora e digitou, imaginando o tempo
disponível para ouvir o barulho de um jato vindo na direção de outro jato, cada
um voando a mais de 800 km/h em direções opostas. Ele me mostrou os números.
"É bem menos do que uma fração de segundo", ele disse. Ambos olhamos
para os pilotos desabados nos sofás do outro lado da sala.
"Eles e aquele avião salvaram nossas vidas", eu
disse.
"Segundo meus cálculos", ele concordou.
Eu posteriormente pensei que talvez o piloto do avião
comercial brasileiro tenha salvo nossas vidas, devido ao seu reflexo rápido.
Pena que seus próprios passageiros não poderiam dizer o mesmo.
Na sede da polícia, nós fomos obrigados a escrever em uma
folha de papel nossos nomes, endereços, datas de nascimento, ocupações e
escolaridade, além do nome de nossos pais. Também fomos obrigados a passar por
um exame com um médico de cabelo comprido, que vestia uma avental que chegava
quase à sua canela. Nós fomos obrigados a nos despir até a cintura para
fotografias de frente e costas.
Isto, explicou o médico, cujo nome eu não entendi mas que se
descreveu como um "médico perito", era para provar que não tínhamos
sido torturados.
O humor negro voltou apesar de nossas tentativas de
contê-lo.
"Este sujeito é um legista", me explicou Yandle
posteriormente, "eu acho que isto significa que nós estamos realmente
mortos".
Mas os risos agora desapareceram, ao nos lembrarmos
constantemente dos corpos ainda não recuperados na selva, e como suas vidas e
as nossas se cruzaram, literal e metaforicamente, por uma terrível fração de
segundo.
Tradução: George El Khouri Andolfato
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