quinta-feira, 18 de julho de 2013

NÃO HÁ REVOLUÇÃO EM LADO NENHUM

Robert Kurz (1943 - 2012)



Carta aberta às pessoas interessadas na EXIT! na passagem de 2011 para 2012

A esquerda que cheira o traseiro de cada manifestação social à vista na rua o que mais gostaria era de se regalar nas paisagens florescentes de um ano revolucionário em 2011. Para além da falta de vergonha para voltar a desenterrar e a remoer freneticamente a palavra começada por R, que estava enterrada e esquecida, a mera adulação dos diversos protestos e levantamentos não ajuda nada a causa da libertação social. Marx sublinhou com razão que uma transformação verdadeiramente revolucionária apenas progride na medida em que os seus começos e fases de transição são criticados sem dó nem piedade, para os superar e para repelir as suas meias-verdades, falácias e aberrações. Se assim não for, todo o empreendimento se pode transformar no seu contrário. Decisiva aqui é a importância da reflexão teórica. Isto é especialmente verdade numa situação como a de hoje, em que ainda não há uma ideia desenvolvida da ruptura revolucionária com a ordem estabelecida. A forma de mediação é a polémica contra o estado dos movimentos, e não o envolvimento disposto a adaptar-se, reagindo de modo puramente táctico às dificuldades ideológicas e limitando-se a reflectir afirmativamente para os intervenientes a sua falsa consciência imediatista. Depois de mais de 250 anos de história da modernização não há mais espontaneidade inocente...

Na história moderna a degradação social da juventude estudantil sempre foi fermento de erupções revolucionárias. Mas para que a partir daí ocorresse uma verdadeira revolução social teve de se criar em primeiro lugar um esboço teórico actualizado e, em segundo lugar, teve de realizar-se uma organização social abrangente, incluindo as classes mais baixas. A este respeito se mostra a completa vergonha intelectual, social e organizacional da geração Facebook. Em todos os movimentos não há vestígios de uma ideia nova e revolucionária, a classe média académica comporta-se em grande parte de modo auto-referencial e sem qualquer conexão sistemática com as classes mais baixas e o encontro não vinculativo através da Internet permanece sem força organizativa no domínio social. Além de frases democráticas ocas não há mais nada. Portanto, também em lado nenhum se pode falar de uma revolução, se se entender isso como mudança fundamental social e económica e não apenas como substituição das personagens da administração da crise por outras ainda piores.

Como não há qualquer dialéctica qualitativamente nova entre reforma e revolução, mesmo as abordagens sindicalmente limitadas não conseguiram implantar-se. A redistribuição dos rendimentos do petróleo e do turismo não se concretizou. Na Europa e nos EUA nem sequer exigências sociais específicas atingiram uma amplitude apreciável. Assim, a revolta está a ser instrumentalizada por forças muito diferentes que fazem valer a sua tendência para a barbarização perante o vazio ideal e organizacional. Nos países árabes são os fascistas religiosos islamistas que vencem uma eleição após a outra, assim pondo a descoberto a indiferença de conteúdo da democracia aridamente formal como padrão de legitimação. Eles já usurparam em parte os sindicatos, colocaram a sua política de caridade no lugar da emancipação social e, assim, ganharam as classes mais baixas, puseram em marcha o seu terror virtuoso hostil às mulheres e aos homossexuais e transformaram o incitamento anti-semita contra Israel numa válvula de escape para a raiva contra a falta de melhorias económicas. No sul e no leste da Europa está em grande ebulição o anacrónico fascismo nacionalista, que oferece a superfície de projecção para as formas bárbaras de digerir o vazio de ideias e a impotência social. Os pogroms contra os roma na Itália e na Hungria ou o tratamento cruel de refugiados e migrantes na Grécia falam por si. O complemento ideal para isso é dado pelo tom inequivocamente anti-semita do movimento occupy...

Sem teoria revolucionária não há movimento revolucionário, esta verdade antiga precisa de ser reinventada para a situação historicamente mudada. É no desenvolvimento e disseminação de conteúdos inovadores de reflexão, na própria intervenção teórica, que reside hoje a resposta à questão do que fazer; não em pseudo-atividades inventadas, nem na actividade artesanal em pequenos mundos ilusórios resguardados, que ainda ficam trás dos movimentos de protesto. Somente quando estes se modificam a si mesmos, confrontando-se com a teoria reformulada e justamente assim se mediando consigo mesmos, só então eles deixam de funcionar no vazio. Não deixa de ser involuntariamente cómico que a esquerda parada ao lado volte a tematizar outra vez a "questão da organização" com grande vazio de conteúdo teórico e sem uma ruptura fundamental com o padrão de pensamento falido do antigo marxismo e da pós-modernidade. Isso já em 1968 correu horrivelmente mal.

A renovação teórica em atraso só pode visar negativamente o falso todo de modo essencialista e anti-relativista. Quem não quiser apreender e combater a totalidade capitalista já perdeu. A viragem culturalista e desconstrutivista levou a um impasse, porque pretendeu fazer esquecer a lógica objectivada do fetiche do capital para poder fazer desaparecer a crítica no design das particularidades. Deve-se, pelo contrário, provocar uma espécie de contenda do universalismo, que caracterize a abstracção categorial como referência essencial da realidade. Não será com a barriga nem com os pés que se tocará para as relações de crise a sua própria melodia...


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