Robert Kurz (1943 - 2012)
Carta aberta às pessoas interessadas na EXIT! na passagem de
2011 para 2012
A esquerda que cheira o traseiro de cada manifestação social
à vista na rua o que mais gostaria era de se regalar nas paisagens florescentes
de um ano revolucionário em 2011. Para além da falta de vergonha para voltar a
desenterrar e a remoer freneticamente a palavra começada por R, que estava
enterrada e esquecida, a mera adulação dos diversos protestos e levantamentos
não ajuda nada a causa da libertação social. Marx sublinhou com razão que uma
transformação verdadeiramente revolucionária apenas progride na medida em que
os seus começos e fases de transição são criticados sem dó nem piedade, para os
superar e para repelir as suas meias-verdades, falácias e aberrações. Se assim
não for, todo o empreendimento se pode transformar no seu contrário. Decisiva
aqui é a importância da reflexão teórica. Isto é especialmente verdade numa
situação como a de hoje, em que ainda não há uma ideia desenvolvida da ruptura
revolucionária com a ordem estabelecida. A forma de mediação é a polémica
contra o estado dos movimentos, e não o envolvimento disposto a adaptar-se,
reagindo de modo puramente táctico às dificuldades ideológicas e limitando-se a
reflectir afirmativamente para os intervenientes a sua falsa consciência
imediatista. Depois de mais de 250 anos de história da modernização não há mais
espontaneidade inocente...
Na história moderna a degradação social da juventude
estudantil sempre foi fermento de erupções revolucionárias. Mas para que a
partir daí ocorresse uma verdadeira revolução social teve de se criar em
primeiro lugar um esboço teórico actualizado e, em segundo lugar, teve de
realizar-se uma organização social abrangente, incluindo as classes mais
baixas. A este respeito se mostra a completa vergonha intelectual, social e
organizacional da geração Facebook. Em todos os movimentos não há vestígios de
uma ideia nova e revolucionária, a classe média académica comporta-se em grande
parte de modo auto-referencial e sem qualquer conexão sistemática com as
classes mais baixas e o encontro não vinculativo através da Internet permanece
sem força organizativa no domínio social. Além de frases democráticas ocas não
há mais nada. Portanto, também em lado nenhum se pode falar de uma revolução,
se se entender isso como mudança fundamental social e económica e não apenas
como substituição das personagens da administração da crise por outras ainda
piores.
Como não há qualquer dialéctica qualitativamente nova entre
reforma e revolução, mesmo as abordagens sindicalmente limitadas não
conseguiram implantar-se. A redistribuição dos rendimentos do petróleo e do
turismo não se concretizou. Na Europa e nos EUA nem sequer exigências sociais
específicas atingiram uma amplitude apreciável. Assim, a revolta está a ser
instrumentalizada por forças muito diferentes que fazem valer a sua tendência
para a barbarização perante o vazio ideal e organizacional. Nos países árabes
são os fascistas religiosos islamistas que vencem uma eleição após a outra,
assim pondo a descoberto a indiferença de conteúdo da democracia aridamente
formal como padrão de legitimação. Eles já usurparam em parte os sindicatos,
colocaram a sua política de caridade no lugar da emancipação social e, assim,
ganharam as classes mais baixas, puseram em marcha o seu terror virtuoso hostil
às mulheres e aos homossexuais e transformaram o incitamento anti-semita contra
Israel numa válvula de escape para a raiva contra a falta de melhorias
económicas. No sul e no leste da Europa está em grande ebulição o anacrónico
fascismo nacionalista, que oferece a superfície de projecção para as formas
bárbaras de digerir o vazio de ideias e a impotência social. Os pogroms contra
os roma na Itália e na Hungria ou o tratamento cruel de refugiados e migrantes
na Grécia falam por si. O complemento ideal para isso é dado pelo tom
inequivocamente anti-semita do movimento occupy...
Sem teoria revolucionária não há movimento revolucionário,
esta verdade antiga precisa de ser reinventada para a situação historicamente
mudada. É no desenvolvimento e disseminação de conteúdos inovadores de
reflexão, na própria intervenção teórica, que reside hoje a resposta à questão do
que fazer; não em pseudo-atividades inventadas, nem na actividade artesanal em
pequenos mundos ilusórios resguardados, que ainda ficam trás dos movimentos de
protesto. Somente quando estes se modificam a si mesmos, confrontando-se com a
teoria reformulada e justamente assim se mediando consigo mesmos, só então eles
deixam de funcionar no vazio. Não deixa de ser involuntariamente cómico que a
esquerda parada ao lado volte a tematizar outra vez a "questão da
organização" com grande vazio de conteúdo teórico e sem uma ruptura
fundamental com o padrão de pensamento falido do antigo marxismo e da
pós-modernidade. Isso já em 1968 correu horrivelmente mal.
A renovação teórica em atraso só pode visar negativamente o
falso todo de modo essencialista e anti-relativista. Quem não quiser apreender
e combater a totalidade capitalista já perdeu. A viragem culturalista e
desconstrutivista levou a um impasse, porque pretendeu fazer esquecer a lógica
objectivada do fetiche do capital para poder fazer desaparecer a crítica no
design das particularidades. Deve-se, pelo contrário, provocar uma espécie de
contenda do universalismo, que caracterize a abstracção categorial como
referência essencial da realidade. Não será com a barriga nem com os pés que se
tocará para as relações de crise a sua própria melodia...
Todo texto em: http://obeco.planetaclix.pt/
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