Passado ou futuro?
ANDRÉ SINGER
O Ministério Público do Rio de Janeiro abriu inquérito
para investigar quatro clubes da cidade que teriam proibido o ingresso de babás
que não estivessem devidamente uniformizadas de branco. A ação partiu do frei
David dos Santos, da ONG Educafro, para quem, segundo "O Globo"
(17/1), a medida reproduziria "o cenário das célebres gravuras de Debret,
com a representação de 'sinhôs', 'sinhás', 'sinhozinhos' e suas 'mucamas', em
pleno século 21".
A persistência do passado, projetando sombras sobre
o futuro, inquieta, com razão, brasileiros do presente.
De acordo com a OIT (Organização Internacional do
Trabalho), o Brasil é o país com o maior número de empregados domésticos do
mundo. Seriam 7,2 milhões em 2010. Aqui, a instituição da trabalhadora que
dorme na casa do patrão, abolida há décadas do cotidiano da vasta classe média
em países mais igualitários, ainda responde pela maioria dos serviços do tipo.
Segundo o Ipea, só 30% seriam diaristas. Os dados constam de reportagem da
"Carta Capital" (23/1).
É verdade que, aos poucos, ocorrem transformações.
Com a crescente passagem para o regime de diarista, aumenta o registro em
carteira das que exercem funções domésticas. O problema está no vagar das
mudanças. O economista Marcio Pochmann chega a dizer que, nesse ritmo histórico,
vai demorar 120 anos para incluir todos os trabalhadores domésticos "na
proteção social e trabalhista".
O caso das domésticas é ilustrativo de fenômeno
mais geral. O lulismo impulsionou significativa redução da pobreza extrema. Na
última segunda, no Paraná, a presidente Dilma afirmou ter tirado quase 20
milhões de pessoas de tal condição e anunciou que, em março, nenhum dos
cadastrados pelo governo estará em situação de miséria. Isto é, todos contarão
com, pelo menos, R$ 70 ao mês.
Boa notícia, sem dúvida, e o Executivo deve ser
aplaudido por ela, uma vez que estende a mão a quem precisa de ajuda urgente.
Ocorre que um indivíduo que dispõe de R$ 2,30 por dia consegue comprar pouco
mais que um coco no interior do Piauí (Folha, 3/2). Saiu da emergência de não
ter o que comer, mas está muito distante dos confortos que o século 21 pode
proporcionar.
Em 1952, em plena época das melhores esperanças
getulistas, a poeta Elizabeth Bishop afirmava simplesmente não haver classe
média no Brasil. Transcorridos 60 anos, ainda estamos às voltas com o sonho de
constituir uma sociedade em que a classe média seja abrangente, como pode
constatar quem ler a íntegra do discurso paranaense de Dilma.
Conclusão: o Brasil caminha para a frente, mas a
passo tão lento que fica difícil distinguir se, nele, constrói o futuro ou
eterniza o passado.
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