10.02
- Há 115 anos nascia Bertolt Brecht
(dramaturgo, poeta e encenador alemão)
Aos que vierem depois de nós
Realmente, vivemos muito sombrios!
A inocência é loucura. Uma fronte sem rugas
denota insensibilidade. Aquele que ri
ainda não recebeu a terrível notícia
que está para chegar.
Que tempos são estes, em que
é quase um delito
falar de coisas inocentes.
Pois implica silenciar tantos horrores!
Esse que cruza tranqüilamente a rua
não poderá jamais ser encontrado
pelos amigos que precisam de ajuda?
É certo: ganho o meu pão ainda,
Mas acreditai-me: é pura casualidade.
Nada do que faço justifica
que eu possa comer até fartar-me.
Por enquanto as coisas me correm bem
(se a sorte me abandonar estou perdido).
E dizem-me: "Bebe, come! Alegra-te, pois tens
o quê!"
Mas como posso comer e beber,
se ao faminto arrebato o que como,
se o copo de água falta ao sedento?
E todavia continuo comendo e bebendo.
Também gostaria de ser um sábio.
Os livros antigos nos falam da sabedoria:
é quedar-se afastado das lutas do mundo
e, sem temores,
deixar correr o breve tempo. Mas
evitar a violência,
retribuir o mal com o bem,
não satisfazer os desejos, antes esquecê-los
é o que chamam sabedoria.
E eu não posso fazê-lo. Realmente,
vivemos tempos sombrios.
Para as cidades vim em tempos de desordem,
quando reinava a fome.
Misturei-me aos homens em tempos turbulentos
e indignei-me com eles.
Assim passou o tempo
que me foi concedido na terra.
Comi o meu pão em meio às batalhas.
Deitei-me para dormir entre os assassinos.
Do amor me ocupei descuidadamente
e não tive paciência com a Natureza.
Assim passou o tempo
que me foi concedido na terra.
No meu tempo as ruas conduziam aos atoleiros.
A palavra traiu-me ante o verdugo.
Era muito pouco o que eu podia. Mas os governantes
Se sentiam, sem mim, mais seguros, — espero.
Assim passou o tempo
que me foi concedido na terra.
As forças eram escassas. E a meta
achava-se muito distante.
Pude divisá-la claramente,
ainda quando parecia, para mim, inatingível.
Assim passou o tempo
que me foi concedido na terra.
Vós, que surgireis da maré
em que perecemos,
lembrai-vos também,
quando falardes das nossas fraquezas,
lembrai-vos dos tempos sombrios
de que pudestes escapar.
Íamos, com efeito,
mudando mais freqüentemente de país
do que de sapatos,
através das lutas de classes,
desesperados,
quando havia só injustiça e nenhuma indignação.
E, contudo, sabemos
que também o ódio contra a baixeza
endurece a voz. Ah, os que quisemos
preparar terreno para a bondade
não pudemos ser bons.
Vós, porém, quando chegar o momento
em que o homem seja bom para o homem,
lembrai-vos de nós
com indulgência.
- Bertolt Brecht (Tradução de Manuel Bandeira)
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Breve Biografia
Bertolt Brecht nasceu em Augsburg, Alemanha, em
1898. Em 1917 inicia o curso de medicina em Munique, mas logo é convocado pelo
exército, indo trabalhar como enfermeiro em um hospital militar. Aquele que
iria se tornar uma das mais importantes figuras do teatro do século XX, começa
a escrever seus primeiros poemas e cedo se rebela contra os "falsos
padrões" da arte e da vida burguesa, corroídas pela Primeira Guerra. Tal
atitude se reflete já na sua primeira peça, o drama expressionista
"Baal", de 1918. Colabora com os diretores Max Reinhardt e Erwin
Piscator. Recebe, no fim dos anos 20, instruções marxistas do filósofo Karl
Korsch. Em 1928, faz com Kurt Weill a "Ópera dos Três Vinténs". Com a
ascensão de Hitler, deixa o país em 1933, e exila-se em países como a Dinamarca
e Estados Unidos da América, onde sobrevive à custa de trabalhos para
Hollywood. Faz da crítica ao nazismo e à guerra tema de obras como "Mãe
coragem e seus filhos" (1939). Vítima da patrulha macartista, parte em
1947 para a Suíça — onde redige o "Pequeno Organon", suma de sua
teoria teatral. Volta à Alemanha em 1948, onde funda, no ano seguinte, a
companhia Berliner Ensemble. Morre em Berlim, em 1956.
- O poema acima foi extraído do caderno
"Mais!", jornal Folha de São Paulo - São Paulo (SP), edição de
07/07/2002, tendo sido traduzido pelo grande poeta brasileiro Manuel
Bandeira./Fonte: Releituras
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