Argúcia do Patriarca reside em salvaguardar Brasil uno
GILBERTO FELISBERTO VASCONCELLOS
ESPECIAL PARA A FOLHA
A argúcia política do Patriarca foi salvaguardar a unidade
nacional, evitando o esfacelamento da nação como pré-requisito à soberania e à
homogeneidade social. O verbo que define o seu pensamento político é amalgamar:
amalgamar elementos diversos para que daí resultasse um todo homogêneo.
Ele foi tomado pelo transe político da unidade nacional,
batalhando por um Brasil uno e indiviso. É de uma atualidade irrefutável essa
advertência, pois há o risco de os Estados serem substituídos pelas
transnacionais.
Em 1963, Gondin da Fonseca escreveu um livro notável
intitulado "A Vida de José Bonifácio: Nacionalista, Republicano, Homem de
Esquerda", no qual coloca-o como "guia do nacionalismo
brasileiro" por defender os direitos sociais de negros e amerabas, por
investir contra o latifúndio, por ser a favor da abolição da escravatura, por
enaltecer a expulsão dos invasores estrangeiros em nossa história e por
defender relações de amizade com todos os países.
Sobre as forças políticas que derrubaram Bonifácio, Berenice
Cavalcante assinala que tal fato se deu por causa dos "proprietários de
terras, engenhos e escravos, que não aceitaram suas idéias de conteúdo
progressista, e pelo imperador, que se rendera ao absolutismo monárquico".
José Bonifácio enxergou o problema nacional verticalmente ao
atacar o latifúndio como a causa primária da escravidão do negro africano,
sendo, nesse aspecto, muito mais contundente e profundo do que a maioria dos
discursos abolicionistas, incluindo os de Joaquim Nabuco, sempre badalado como
progressista e coberto de encômios oficiais, enquanto José Bonifácio amargou um
ostracismo póstumo em sua própria província: São Paulo.
O seu legado virou letra morta nas últimas décadas. O
nacionalismo em prol da soberania nacional tem sido levado na galhofa. Se
porventura tivesse nascido no ferrado Piauí..., mas nasceu em Santos, paulista,
de elite, fino, sofisticado, culto, alcançou brilho no exterior com a ciência
da mineralogia e siderurgia e foi arredado do poder pela armação inglesa.
Ele encarnou o drama do conselheiro do príncipe, o
assoprador de novidades em seus ouvidos: "Adota todas as minhas idéias:
está traçado o caminho, manda, e eu me encarrego do bom sucesso".
Cavalcante observa que nenhum projeto de José Bonifácio foi aprovado pela classe
política brasileira. Até hoje continuamos uma nação de "homens doutíssimos
e povo ignorantíssimo", no dizer de José Bonifácio.
Continuamos desprezando os bens locais e as tecnologias que
daí adviriam. Impressionante sua percepção do que seria, no mundo colonial,
alienação tecnológica e alienação energética. "A natureza fez tudo ao
nosso favor, nós porém pouco ou nada temos a favor da natureza."
Cientista estudioso da flora e da fauna, José Bonifácio
denuncia o desfloramento mediante o uso do "machado assassino" e do
"fogo devastador", alertando que, com o andar do tempo,
"faltarão as chuvas fecundantes que favoreçam a vegetação e alimentem
nossas fontes e rios, sem o que nosso belo Brasil em menos de dois séculos
ficará reduzido aos páramos e desertos áridos da Líbia". O conhecimento da
agricultura leva-o a criticar a panaceia da solução posta no "comércio
externo".
Diferentemente de outros intelectuais de sua época, ele não
caluniou os trópicos: "No Brasil a natureza é amiga do homem; mas o homem
é ingrato às meiguices da natureza; e todavia o homem vive aqui mais com a
natureza que os outros homens". Acrescente-se o fato de que a relação
social entre os homens, entre "irmãos e cidadãos", seja marcada pela
insolidariedade por causa da existência da escravidão e sua herança até hoje.
Gilberto Felisberto Vasconcellos é professor de ciências
sociais da Universidade Federal de Juiz de Fora (MG) e autor de "O
Príncipe da Moeda"
José Bonifácio, Razão e Sensibilidade
Autora: Berenice Cavalcante
Editora: FGV
Quanto: R$ 14 (126 págs.)
Nenhum comentário:
Postar um comentário