sexta-feira, 6 de setembro de 2019

"JOSÉ BONIFÁCIO, RAZÃO E SENSIBILIDADE"




Argúcia do Patriarca reside em salvaguardar Brasil uno

GILBERTO FELISBERTO VASCONCELLOS

ESPECIAL PARA A FOLHA

A argúcia política do Patriarca foi salvaguardar a unidade nacional, evitando o esfacelamento da nação como pré-requisito à soberania e à homogeneidade social. O verbo que define o seu pensamento político é amalgamar: amalgamar elementos diversos para que daí resultasse um todo homogêneo.

Ele foi tomado pelo transe político da unidade nacional, batalhando por um Brasil uno e indiviso. É de uma atualidade irrefutável essa advertência, pois há o risco de os Estados serem substituídos pelas transnacionais.

Em 1963, Gondin da Fonseca escreveu um livro notável intitulado "A Vida de José Bonifácio: Nacionalista, Republicano, Homem de Esquerda", no qual coloca-o como "guia do nacionalismo brasileiro" por defender os direitos sociais de negros e amerabas, por investir contra o latifúndio, por ser a favor da abolição da escravatura, por enaltecer a expulsão dos invasores estrangeiros em nossa história e por defender relações de amizade com todos os países.

Sobre as forças políticas que derrubaram Bonifácio, Berenice Cavalcante assinala que tal fato se deu por causa dos "proprietários de terras, engenhos e escravos, que não aceitaram suas idéias de conteúdo progressista, e pelo imperador, que se rendera ao absolutismo monárquico".

José Bonifácio enxergou o problema nacional verticalmente ao atacar o latifúndio como a causa primária da escravidão do negro africano, sendo, nesse aspecto, muito mais contundente e profundo do que a maioria dos discursos abolicionistas, incluindo os de Joaquim Nabuco, sempre badalado como progressista e coberto de encômios oficiais, enquanto José Bonifácio amargou um ostracismo póstumo em sua própria província: São Paulo.

O seu legado virou letra morta nas últimas décadas. O nacionalismo em prol da soberania nacional tem sido levado na galhofa. Se porventura tivesse nascido no ferrado Piauí..., mas nasceu em Santos, paulista, de elite, fino, sofisticado, culto, alcançou brilho no exterior com a ciência da mineralogia e siderurgia e foi arredado do poder pela armação inglesa.

Ele encarnou o drama do conselheiro do príncipe, o assoprador de novidades em seus ouvidos: "Adota todas as minhas idéias: está traçado o caminho, manda, e eu me encarrego do bom sucesso". Cavalcante observa que nenhum projeto de José Bonifácio foi aprovado pela classe política brasileira. Até hoje continuamos uma nação de "homens doutíssimos e povo ignorantíssimo", no dizer de José Bonifácio.

Continuamos desprezando os bens locais e as tecnologias que daí adviriam. Impressionante sua percepção do que seria, no mundo colonial, alienação tecnológica e alienação energética. "A natureza fez tudo ao nosso favor, nós porém pouco ou nada temos a favor da natureza."

Cientista estudioso da flora e da fauna, José Bonifácio denuncia o desfloramento mediante o uso do "machado assassino" e do "fogo devastador", alertando que, com o andar do tempo, "faltarão as chuvas fecundantes que favoreçam a vegetação e alimentem nossas fontes e rios, sem o que nosso belo Brasil em menos de dois séculos ficará reduzido aos páramos e desertos áridos da Líbia". O conhecimento da agricultura leva-o a criticar a panaceia da solução posta no "comércio externo".
Diferentemente de outros intelectuais de sua época, ele não caluniou os trópicos: "No Brasil a natureza é amiga do homem; mas o homem é ingrato às meiguices da natureza; e todavia o homem vive aqui mais com a natureza que os outros homens". Acrescente-se o fato de que a relação social entre os homens, entre "irmãos e cidadãos", seja marcada pela insolidariedade por causa da existência da escravidão e sua herança até hoje.


Gilberto Felisberto Vasconcellos é professor de ciências sociais da Universidade Federal de Juiz de Fora (MG) e autor de "O Príncipe da Moeda"

José Bonifácio, Razão e Sensibilidade    
Autora: Berenice Cavalcante
Editora: FGV
Quanto: R$ 14 (126 págs.)

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