Otto Leopoldo Winck
"Um deles vestia uma camisa do Atlético; o outro, uma camiseta
cinza. Ambos usavam bonés. Tinham em torno de 30 anos. Caminhavam por uma rua
do Caiçara, em Belo Horizonte, quando viram o ônibus que iriam pegar se
aproximando e, num impulso, dispararam em direção ao ponto.
Mal tinham corrido quatro metros quando foram abordados por
um camburão da PM e viram armas saindo da janela do veículo e apontadas para
suas cabeças.
Eles haviam se esquecido de uma regra básica de nossa
sociedade: homens negros não podem correr.
Ao menos, não em público.
Quatro policiais desceram e, com as armas ainda apontadas
para os dois amigos, puxaram seus braços com força - braços que os dois
sujeitos já haviam levado automaticamente para trás da cabeça.
O motorista do ônibus parou atrás do camburão enquanto os
aspirantes a passageiros eram revistados com brutalidade.
Do meu carro, assisti atônito à cena. Inicialmente assustado
- não em função dos "ameaçadores" corredores, mas ao ver armas
apontadas em público -, logo vi o susto ser substituído por imensa revolta. Era
patente o racismo envolvido: fosse eu o homem correndo pela rua, os PMs
dificilmente me abordariam daquela maneira.
No entanto, o que mais me doeu não foi sequer o ato da
polícia, mas a reação dos dois amigos: ao verem armas apontadas para seus
rostos, eles simplesmente fizeram um aceno negativo resignado com a cabeça,
como se dissessem "Não é possível; será sempre assim?", e assumiram a
postura para a revista sem que ninguém ordenasse.
Revistados, entregaram os documentos e apontaram para o
ônibus, explicando por que haviam corrido. Os policiais se entreolharam,
fizeram um comentário inaudível e atiraram os documentos de volta quase com
desprezo.
Do ônibus, o motorista acenou para os dois amigos num gesto
de "venham!" e abriu a porta. Havia esperado por eles ao perceber o
que ocorrera.
Também era negro.
Segui com o carro e passei ao lado da viatura. Havia
esquecido de prender o cinto de segurança, mas ninguém me incomodou."
(Ah, meu comentário
lá no início está no modo irônico.)
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