terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Se te pareço noturna e imperfeita
Olha-me de novo. Porque esta noite
Olhei-me a mim, como se tu me olhasses.
E era como se a água
Desejasse
Escapar de sua casa que é o rio
E deslizando apenas, nem tocar a margem.
Te olhei. E há tanto tempo
Entendo que sou terra. Há tanto tempo
Espero
Que o teu corpo de água mais fraterno
Se estenda sobre o meu. Pastor e nauta

Hilda Hilst

Carta de amor

CARTA DE AMOR

JORGE SOUSA BRAGA






(A Eugénio de Andrade)



Un día de estos

te voy a matar

Una mañana cualquiera en la que estés (como de costumbre)

midiendo el empalme de las flores

allí en el Jardín de San Lázaro

un tiro de pistola y…

No te voy a dar tiempo siquiera a que te fijes en mi rostro

Puedes invocar a Safo, Kavafis o San Juan de la Cruz

a todos los poetas celestiales

que ninguno vendrá en tu ayuda

Comprometidos definitivamente tus planes de eternidad

Adiós pues mares de septiembre y dunas de Fão

Un día de estos te voy a matar…

Una certera bala de polen

justo en el corazón



§



MUJER



Mitad mujer mitad pájaro

Mitad anémona mitad niebla

Mitad agua mitad amargura

Mitad silencio mitad concha

Mitad mañana mitad fuego

Mitad jade mitad tarde

Mitad mujer mitad sueño.



Fonte – Poesia & Lda.

segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

REGRESSO

Voltei a esse lugar

onde nunca tinha estado.

Do que não foi, nada mudado.

Sobre a mesa (de oleado

aos quadrados) meio vazio

encontrei o mesmo copo

nunca cheio. Tudo

permanece tal e qual

eu o não tinha deixado.

EXPERIÊNCIA

Todos os lugares que vi,

que visitei,

agora sei – estou certo:

nunca lá me encontrei.

CONDIÇÃO

Um homem só,

fechado no seu quarto.

Com todas as suas razões.

Com todos seus erros.

Só, nesse quarto vazio,

e falando. Aos mortos.

PEDRADAS

Também eu tentei falar.

Sem talvez saber a língua.

Todas as frases erradas.

Em resposta: só pedradas.

AMANHECER

Meu amor, nos vapores dum café

ao amanhecer, meu amor que inverno

longo e que calafrio estar à tua espera! Cá

aonde o mármore do sangue é gelo, e sabe

a frescura até o olho, agora no ermo

ruído além da geada eu que elétrico

ouço, abrindo e fechando eternamente

as portas desertas?… Amor, está parado

o meu pulso: e se o copo no fragor

subtil tem um tremor nos dentes, talvez

seja o eco dessas rodas. Mas tu, amor,

não me digas que agora em vez de ti está o sol

brotando, não me digas que daquelas portas,

eu cá, com teus passos, já estou a aguardar pela morte.

Giorgio Caproni – Poesia & Lda.






(de «Il passaggio d’Enea», 1956)

sábado, 28 de janeiro de 2012

Uma atordoante distopia

Ousadias e desencanto marcam ‘A Visita Cruel do Tempo’, de Jennifer Egan





Jennifer, que foi eleita uma das 100 pessoas mais influentes do mundo no ano passado



Manoela Sawitzki – O Estado SP

Para escrever seu quinto livro, a norte-americana Jennifer Egan afirma que se serviu de referências surpreendentemente distintas: Em Busca do Tempo Perdido, de Marcel Proust, Pulp Fiction, filme de Quentin Tarantino, e Família Soprano, uma série televisiva de sucesso. O resultado arrebatou o júri do Pulitzer Prize, que deu ao romance A Visita Cruel do Tempo (A Visit From the Goon Squad, no original) o prêmio de melhor ficção de 2011. A obra também recebeu outras premiações importantes, como o National Book Critics Circle, e tem se desdobrado numa profusão de traduções e vendagens substanciosas. Mas dizer isso tudo é somente sublinhar o que o leitor entenderá por si se deixando tragar pelo caleidoscópio humano de Egan.

A escritora ousa e se arrisca ao suspender noções cartesianas de espaço e tempo. Passado e futuro coexistem na alternância aparentemente caótica de episódios. Porções de um período estão contidas no outro, mesmo que sob o viés da contradição. A memória revela a argamassa original, matéria a partir da qual sujeitos são moldados e deformados. É construída assim uma narrativa fragmentada, polifônica, que subverte as fronteiras pacificadoras entre continuidade e descontinuidade de discurso. E há algo de autêntico, franco na forma como as muitas histórias e vozes ali contidas se desvelam e entrelaçam que garante uma unidade singular ao livro. Embora nem sempre o texto se mantenha fluente, o vigor narrativo acaba por se impor. Isto porque Jennifer Egan sabe ousar e se arriscar numa medida rara.

Resumir sem reduzir os saltos e conexões desse exercício de fabulação notável é tarefa inglória. Dividido em duas partes, A e B, compostas por pequenos capítulos, A Visita Cruel do Tempo dá conta de cerca de quatro décadas e mais de duas dezenas de personagens. Valendo-se ora da terceira, ora da primeira pessoa (e conseguindo utilizar a segunda com destreza em um trecho comovente do livro), a narração retrocede e avança por diferentes etapas dessas vidas com cortes precisos. Ao longo de 13 capítulos, coadjuvantes tornam-se protagonistas (e vice-versa). Cada capítulo possui tom próprio, cada época compõe seu elenco.

Começamos com Sasha, ex-assistente de Bennie Salazar, importante executivo da indústria musical americana. Diante do analista, ela discorre sobre um recente episódio envolvendo seu “problema” e a noite de sexo casual com Alex, jovem recém-chegado a Nova York que conheceu pela internet. Seu “problema” é a cleptomania. Na década anterior foi namorada de Drew e melhor amiga de Rob, que tentou o suicídio e parecia não estar de acordo com nada no mundo à sua volta. Bennie, aos 40 e poucos anos, se recupera do divórcio, salpica flocos de ouro em xícaras de café – receita afrodisíaca obtida num livro sobre medicina asteca – e ainda se embaraça com os vexames do passado, desde quando era o péssimo baixista da banda punk Flaming Dildos. Nessa época conheceu Lou, um produtor musical que tenta fugir do impacto da velhice cercando-se de namoradas e esposas muito jovens. Stephanie trai a juventude roqueira tornando-se parceira de tênis de uma loira republicana no Country Club de um bairro esnobe. Enquanto isso, Jules, seu irmão, jornalista especializado em celebridades, condenado à prisão por atacar uma jovem atriz de Hollywood durante uma entrevista, é solto. Músicos fazem sucesso, frequentam o ostracismo, engordam e ensaiam retornos – um deles assumidamente suicida. A assessora de imprensa Dolly é banida dos meios sociais e acaba trabalhando a imagem de um ditador genocida. A menina Alison inventaria o cotidiano da família Blake num diário escrito em PowerPoint. E ainda não estamos perto de abranger uma parte substanciosa da trama. De um safári na África de 1973, a um concerto de rock ao ar livre em uma Nova York futurista, repleta de helicópteros, o fôlego de Jennifer Egan parece inesgotável.

A Visita Cruel do Tempo trata da distopia de uma geração forjada em meio ao cenário musical underground dos anos 70, que chega despreparada à explosão consumista e à tirania do retoque do século 21, e terá que se confrontar com os novos parâmetros da cibercultura. E toma pelas mãos os herdeiros, crianças que crescem sob o impacto desse emaranhado de incertezas e reelaborações. Ao se questionar sobre que tipo de evento simbolizará o mundo novo que se desenha à sua frente, por exemplo, Dolly sabe que a resposta já não está consigo, mas com Lulu, sua filha. “Se existem crianças deve existir futuro, certo?”, quer acreditar Alex.

Entre encontros, separações, vidas perdidas e destinos às vezes magicamente reorganizados, um personagem é onipresente, central e contínuo em sua missão: o tempo. “O tempo é cruel, não é? Vai deixar ele intimidar você?”, pergunta Bennie ao guitarrista aterrorizado, incapaz de voltar ao palcos. “O tempo venceu”, ele responde. O esquadrão que nos impõe sua marcha sempre vencerá.

TRECHO

“Bennie deixou-o descer do carro e lhe deu um forte abraço. Como sempre, Chris se imobilizou em seus braços, mas Bennie nunca sabia dizer se estava aproveitando ou suportando o abraço. Ele recuou e olhou para o filho. O bebê que ele e Stephanie tinham afagado e beijado agora era aquela presença dolorosa, cheia de mistério.”

A VISITA CRUEL DO TEMPO
Autora: Jennifer Egan
Tradução: Fernanda Abreu
Editora: Intrínseca (336 págs., R$ 29; e-book: R$ 19,90)

MANOELA SAWITZKI É AUTORA DO ROMANCE SUÍTE DAMA DA NOITE (RECORD)

Para escapar do cárcere do real

A partir da análise de ‘Os Miseráveis’, de Victor Hugo, ‘A Tentação do Impossível’, de Mario Vargas Llosa, reflete sobre as ambições que norteiam a arte da escrita
28 de janeiro de 2012



Ensaio de Vargas Llosa é o testemunho de seu fascínio pela cultura francesa – Justin Lane/EFE – Arquivo



Carlos Granés – O Estado SP

A julgar pela vastidão da obra que deixou, pareceria que a vida de Victor Hugo se consagrou exclusivamente a compor poemas, redigir ensaios, escrever peças de teatro e planejar suas imensas criações literárias. Assim parece porque quem quisesse esgotar sua bibliografia teria de gastar pelo menos dez anos lendo seus romances e as milhares de páginas que foi redigindo com facilidade invejável desde que descobriu sua vocação literária, antes dos 15 anos de idade. O surpreendente é que não foi assim. Victor Hugo também teve tempo para participar dos acontecimentos que marcaram o curso do século 19 francês, e viver grandes aventuras amorosas com mulheres de todas as condições sociais, de damas da alta sociedade até criadas, às quais seduzia ou pagava para satisfazerem seus caprichos eróticos.

Tudo isso e muito mais é contado por Mario Vargas Llosa em A Tentação do Impossível, seu ensaio sobre Os Miseráveis, a obra maior de Victor Hugo e do romantismo francês. Publicado originalmente em 2004, o ensaio de Vargas Llosa é o testemunho de seu fascínio pela cultura francesa e pelas criações literárias caracterizadas pela ambição descomunal, pelo desejo de recriar toda a vida em seus grandes e pequenos detalhes por meio da palavra escrita.

Três ideias fundamentais fazem deste um livro fascinante. A primeira é que Os Miseráveis marca o fim do romance clássico, isto é, aquele em que o narrador participa ativamente da história dando sua opinião sobre os acontecimentos ou explicando ao leitor por que as coisas sucedem tal como sucedem. Esse narrador consciente de si mesmo desaparecerá no romance moderno, inaugurado por Gustave Flaubert com Madame Bovary, no qual ele se fundirá com os eventos narrados para perder o protagonismo humano e ganhar clarividência divina: não o veremos, mas ele estará em todas as partes determinando tudo.

A segunda ideia fundamental diz respeito à maneira como o escritor transforma a realidade em material literário. Nenhum romance digno do nome, mesmo que narre episódios reais, pretende substituir a história vivida. O romancista emprega essa matéria-prima para criar uma realidade autônoma, irreal, fictícia; um cenário no qual poderá explorar não o que ocorreu na realidade, mas os dramas humanos, os dilemas morais, as perguntas fundamentais da vida que o perturbam e obcecam, e que são o tema essencial do romance. Se a história, a sociologia e a antropologia se ocupam dos fatos reais, o conhecimento que o romance projeta tem a ver com os anseios, ilusões, desejos, paixões e frustrações que assaltam homens e mulheres em determinado momento e em determinado lugar. No caso de Os Miseráveis, esse anseio é a perfeição humana, a redenção pelo sofrimento e a luta para alcançar o infinito, para tocar a divindade.

Essa última observação nos remete à terceira ideia cardeal que Vargas Llosa ressalta em A Tentação do Impossível. Inicialmente, Os Miseráveis não foi recebido pelos críticos como a obra imortal que hoje lemos, mas como um livro terrivelmente perigoso, escrito para provocar descontentamento e insatisfação nos leitores. Nada mais delicado, dizia o escritor Alphonse de Lamartine, um desses críticos, que criar um mundo literário povoado de personagens ideais, capazes de se comportar como santos laicos ou heróis justiceiros, porque o contraste entre essa ficção e a imperfeita realidade poderia causar tamanha frustração, tamanha irritação, que despertaria o desejo imperativo de revolta contra a sociedade.

Não é casual o fato de Vargas Llosa ter explorado esse tema na obra de Victor Hugo. Não o é porque entender o papel que tem a ficção na vida humana, entender por que romances são escritos e são lidos, entender esse impulso poderoso que move ele mesmo e outros romancista a desafiar a realidade real antepondo-lhe uma realidade fictícia, foi uma das grandes obsessões do escritor peruano. E a resposta que obtemos a essa interrogação em A Tentação do Impossível é tão sugestiva como a análise pormenorizada que seu autor faz de Os Miseráveis. Criamos ficções porque, por meio delas, saímos do cárcere do real e vivemos as mil vidas que de outra forma não poderíamos viver. Ademais, como antecipou Lamartine, porque no ir e vir da ficção vemos as imperfeições do mundo real e se afina nossa consciência crítica, a ferramenta que impede que as sociedades se paralisem na resignação e na apatia. Aspirar ao impossível, como fazem Victor Hugo e, em maior ou menor grau, todos os grandes criadores de ficção, é um antídoto contra o conformismo e a indolência. Esta é a razão de ser do romance, esta é a razão pela qual há escritores – entre os quais Vargas Llosa – que põem todo seu empenho em se deixar tentar pelo impossível.

Esse ensaio literário, como os muitos outros que Vargas Llosa escreveu ao longo de sua dilatada carreira, é uma chave extremamente útil para entender sua própria concepção de romance e os temas e problemas que lhe interessa abordar em seus projetos narrativos.

Se em 1975, quando publicou um ensaio sobre Flaubert e Madame Bovary intitulado La Orgia Perpetua, ele refletia sobre o desejo individual e a possibilidade de vencer os determinismos sociais, temas que apareceriam em seus romances seguintes, em 2004, ao mergulhar em Os Miseráveis, Vargas Llosa nos revela sua paixão pelas personagens exacerbadas que desafiam a condição humana com condutas extremas e paixões inquebrantáveis. Essas personagens enfeitiçam Vargas Llosa porque, como Flora Tristán, Paul Gauguin ou Roger Casement, protagonistas de O Paraíso na Outra Esquina e O Sonho do Celta, dois de seus últimos romances, não se rendem às exigências da realidade e se empenham em viver, sem se importar com as consequências, de acordo com seus sonhos e ideais. Nesses romances aflora esse traço humano, a possibilidade de viver uma vida iluminada pela ficção ou por princípios morais inquebrantáveis. Com eles, Vargas Llosa explorou as venturas e desventuras que vivem, e os benefícios e tragédias que produzem essas personagens que vão além da realidade tentando transformar o mundo para que se pareça mais com os sonhos e fantasias tecidos pela imaginação. Isto é, o que ocorre quando alguém, cuja finalidade não é escrever romances, se nega a se render à realidade e cai sob o influxo sedutor do impossível. / TRADUÇÃO DE CELSO PACIORNIK

CARLOS GRANÉS É DOUTOR EM ANTROPOLOGIA SOCIAL PELA UNIVERSIDADE COMPLUTENSE DE MADRI E AUTOR, ENTRE OUTROS, DE LA IMAGINACIÓN – ANTROPOLOGIA DE LOS PROCESOS CREATIVOS: MARIO VARGAS LLOSA Y JOSÉ ALEJANDRO RESTREPO (CONSEJO SUPERIOR DEINVESTIGACIONES CIENTÍFICAS DE MADRID)

domingo, 22 de janeiro de 2012

O premiado Yu Hua fala de Crônica de Um Vendedor de Sangue e da realidade do país

Sob o signo da política

Filho de médicos, o escritor Yu Hua passou a infância em um hospital e todos os dias via filas de camponeses que vendiam sangue para complementar sua escassa renda e sustentar suas famílias nos turbulentos anos do regime maoista.

Dessa visão saiu o personagem principal de Crônica de Um Vendedor de Sangue, Xu Sanguan, que descobre nas visitas regulares a bancos de sangue o caminho para sobreviver e alimentar seus três filhos.

O pano de fundo da saga do camponês são os anos do Grande Salto Adiante (1958-1962) – quando 30 milhões de pessoas morreram de fome – e a Revolução Cultural (1966-1976), que fechou escolas, queimou livros e deixou o tecido social chinês à beira da ruptura.

“A venda de sangue era extremamente comum naquela época e ainda é hoje, apesar de ser ilegal”, disse Yu Hua em entrevista ao Estado. Entre os mais festejados escritores chineses contemporâneos, ele nasceu em 1960 e cresceu durante a Revolução Cultural, quando o mais inocente gesto ou frase poderia ser tachado de “burguês” ou “contrarrevolucionário” e dar margem a uma perseguição implacável pelos temidos guardas vermelhos de Mao Tsé-tung (1893-1976).

“Foi um período deprimente e muito repressivo. É por isso que na minha obra não há enredos muito felizes”, disse o escritor, que fuma cigarros Panda e se veste com simples sobriedade.

Mas Yu Hua é hábil no uso do humor, que ganha um tom ligeiramente negro em meio à precariedade em que vivem seus personagens. Em Crônica de Um Vendedor de Sangue, a saga de Xu Sanguan é temperada por traições, intrigas e a diversidade dos habitantes de uma típica vila rural chinesa em um período de alta voltagem política.

Editada pela Companhia das Letras, a obra é a terceira de Yu Hua a ser lançada no Brasil, depois de Viver e Irmãos, seu mais ambicioso trabalho, que apresenta de maneira épica a trajetória de dois irmãos dos anos 60 até o período de abertura econômica nos quais o enriquecer passou a ser glorioso.

A improvável sucessão de eventos que marcaram a história chinesa das décadas de 1950 a 1980 são o pano de fundo da maior parte da obra do escritor, que trabalha em um novo livro ambientado no mesmo período, que viu o igualitarismo maoista ser substituído pela busca desenfreada da prosperidade material.

Na sua mais recente obra, China in Ten Words (sem tradução para o português), Yu Hua provoca risos no leitor ao lembrar da impossibilidade de acesso a livros durante a Revolução Cultural. Os únicos disponíveis eram as Obras Selecionadas de Mao Tsé-tung e o Livro Vermelho, que trazia citações do líder comunista.

Quando a loucura daqueles dez anos chegou ao fim, Yu Hua mergulhou na leitura de obras estrangeiras, que exerceram influência determinante sobre seu trabalho. Sua primeira fonte de inspiração foi o japonês Yasunari Kawabata (1899-1972), vencedor do Prêmio Nobel de Literatura em 1968, a quem ele tentou imitar na habilidade de descrever detalhes e ainda deixar espaço para a imaginação do leitor.

A fase durou até 1986, quando Yu Hua conheceu a obra de Franz Kafka (1883-1924), que segundo ele “libertou” sua maneira de criar. “Aprendi com Kafka que o ato de escrever não deve ter limites e que eu deveria escrever qualquer coisa que quisesse.”

Fiel a esse princípio, Yu Hua disse não se influenciar pela existência da censura chinesa, que impediu a publicação de China in Ten Words, um trabalho de não ficção que tenta fazer um retrato de temas fundamentais do país. “Nunca mudei nada por causa da censura. Se um livro é proibido, eu sempre posso lançá-lo em Taiwan”, observou.

O principal motivo do veto à obra é a maneira explícita com que o autor relata os protestos pró-democracia realizados em 1989 na praça Tiananmen, que terminaram em uma sangrenta repressão no dia 4 de junho daquele ano.

“Essa é a diferença entre ficção e não ficção. Na China não se pode falar do dia 4 de junho, mas em uma obra como Irmãos eu posso me referir ao mesmo evento como o dia 35 de maio”, exemplifica, mencionando a data fictícia que muitos chineses usam para se referir ao massacre de Tiananmen.

Com 14 milhões de seguidores em uma das versões chinesas do Twitter, Yu Hua é um ativo crítico do governo chinês na internet, onde vários de seus posts acabam deletados pela censura. “O futuro político da China é muito claro e só há uma opção: ou o país caminha na direção da democracia ou haverá outra revolução.”

Em sua opinião, a disseminação de informação na rede e o crescente número de chineses que desafiam os limites impostos pelo governo tornam insustentável a manutenção de um regime autoritário. “Mais e mais pessoas estão dispostas a manifestar suas opiniões e não é possível controlar todas elas.”

A censura também afetou de maneira oblíqua Viver, a obra que projetou Yu Hua internacionalmente e que o autor considera como o trabalho que lhe trouxe sorte. “Quase 20 anos depois de sua publicação, o livro ainda vende 100 mil cópias ao ano na China, o que é extraordinário”, ressaltou.

Parte do sucesso se deve à adaptação para o cinema realizada pelo mais célebre diretor chinês, Zhang Yimou. Mesmo com uma série de mudanças no roteiro, o filme até hoje é proibido na China, mas pode ser encontrado em qualquer das inúmeras lojas de DVDs piratas do país.


Cláudia Trevisan – O Estado de S.Paulo. 21 de janeiro de 2012

quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

Nunca te hagas policía

Y con los pies

por delante llevo,

al ritmo de la música

del himno español.



Y en el casco de entierro

no brilla el sol,

lo tapan guardias civiles, militares

y el ministro del Interior.



¡Ay qué asco!

Morir de un atentado acribillado en este país de asco.

Y por mal hijo,

si hubieras hecho caso a tu familia cuando te decía:

Nunca te hagas policía.



¿Cómo pudiste hacerle esto a la sangre de tu sangre?

Pobre mamá...

Y al borracho de tu tío y a tu padre el asesino,

y a la loca de tu abuelita cuando te decía:

Nunca te hagas policía.



Y conste que te avisamos

del riesgo que corría este trabajo,

jodiendo el mundo a porrazos.



Y por olvidar quién eres,

de quién eres, por llevar uniforme

mientras tu gente se pudre.



Y el invierno en una celda,

y el otoño en las mazmorras,

y el verano en las galeras,

pero libre por primavera…

(Albert Pla)

quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

A carícia perdida

Alfonsina Storni

Tradução de Carlos Seabra



Sai-me dos dedos a carícia sem causa,

Sai-me dos dedos… No vento, ao passar,

A carícia que vaga sem destino nem fim,

A carícia perdida, quem a recolherá?

Posso amar esta noite com piedade infinita,

Posso amar ao primeiro que conseguir chegar.

Ninguém chega. Estão sós os floridos caminhos.

A carícia perdida, andará… andará…

Se nos olhos te beijarem esta noite, viajante,

Se estremece os ramos um doce suspirar,

Se te aperta os dedos uma mão pequena

Que te toma e te deixa, que te engana e se vai.

Se não vês essa mão, nem essa boca que beija,

Se é o ar quem tece a ilusão de beijar,

Ah, viajante, que tens como o céu os olhos,

No vento fundida, me reconhecerás?

segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

Antínoo (trechos)

Era em Adriano fria a chuva fora



Jaz morto o jovem

No raso leito, e sobre o seu desnudo todo,

Aos olhos de Adriano, cuja cor é medo,

A umbrosa luz do eclipse-morte era difusa



Jaz morto o jovem, e o dia semelhava noite lá fora

A chuva cai como um exausto alarme

Da Natureza em acto de matá-lo.

Memória do que el´ foi não dava já deleite,

Deleite no que el´ foi era morto e indistinto.



Oh mãos que já apertaram as de Adriano quentes,

Cuja frieza agora as sente frias!

Oh cabelo antes preso p´lo penteado justo!

Oh olhos algo inquietantemente ousados!

Oh simples macho corpo feminino

qual o aparentar-se um Deus à humanidade!

Oh lábios cujo abrir vermelho titilava

os sítios da luxúria com tanta arte viva!

Oh dedos que hábeis eram no de não ser dito!

Oh língua que na língua o sangue audaz tornava!

Oh regência total do entronizado cio

Na suspensão dispersa da consciência em fúria!

Estas coisas que não mais serão.

A chuva é silenciosa, e o Imperador descai ao pé do leito.

A sua dor é fúria,

Porque levam os deuses a vida que dão

e a beleza destroem que fizeram viva.

Chora e sabe que as épocas futuras o fitam do âmago do vir a ser;

O seu amor está num palco universal;

Mil olhos não nascidos choram-lhe a miséria.



Antínoo é morto, é morto para sempre,

É morto para sempre, e os amor´s todos gemem.

A própria Vénus, que de Adónis foi amante,

Ao vê-lo então revivo, ora morto de novo,

Empresta renovada a sua antiga mágoa

Para que seja unida à dor de Adriano.



Agora Apolo é triste porque o roubador

Do corpo branco seu ´stá para sempre frio.

Não beijos cuidadosos na mamílea ponta

Sobre o pulsar silente lhe restauram

Sua vida que abra os olhos e a presença sinta

Dela por veias ter o reduto do amor.

Nenhum de seu calor, calor alheio exige.

Agora as suas mãos não mais sob a cabeça

Atadas, dando tudo menos mãos,

Ao projectado corpo mãos imploram.



A chuva cai, e el´ jaz

como alguém que de seu amor ´squeceu todos os gestos

E jaz desperto à espera que regressem quentes.

Suas artes e brincos ora são c´o a Morte.

Humano gelo é este sem calor que o mova;

Estas cinzas de um lume não chama há que acenda.



Que ora será, Adriano, a tua vida fria ?

Quão vale ser senhor dos homens e das coisas ?

Sobre o teu império a ausência dele desce como a noite.

Nem há manhã na esp´rança de um deleite novo;

Ora de amor e beijos viúvas são as tuas noites;

Ora os dias privados de a noite esperar;

Ora os teus lábios não têm fito em gozos,

Dados ao nome só que a Morte casa

À solidão e à mágoa e ao temor



Tuas mãos tacteiam vagas alegria em fuga

Ouvir que a chuva cessa ergue-te a cabeça,

E o teu relance pousa no amorável jovem.

Desnudo el´ jaz no memorado leito;

Por sua própria mão el´ descoberto jaz.

Aí saciar cumpria-lhe teu senso frouxo,

Insaciá-lo, mais saciando-o, irritá-lo

Com nova insaciedade até sangrar teu senso.



Suas boca e mãos os jogos de repôr sabiam

Desejos que seguir te doía a exausta espinha.

Às vezes parecia-te vazio tudo

A cada novo arranco de chupado cio.

Então novos caprichos convocava ainda

À de teus nervos, carne, e tombavas, tremias

Nos teus coxins, o imo sentido aquietado.







E de pensar, essa luxúria que é

memória de luxúria revive e toma-Lhe os sentidos p´la mão,

desperta a carne ao toque,

E tudo é outra vez o que era dantes.

No leito o corpo morto se soergue e vive

E vem com el´ deitar-se, junto, muito junto,

E uma invisível mão e rastejante e sábia

A cada uma do corpo entrada da luxúria

Vai murmurar carícias que se esvaem, mas

Se demoram que sangre a derradeira fibra.

Oh doces, cruéis da Párthia fugitivas!



Assim um pouco se ergue, olhando o amante

Que ora não pode amar senão o que se ignora.

Vagamente, mal vendo o que comtempla tanto,

Perpassa os frios lábios pelo corpo todo.

E tão de gelo insensos são os seus lábios que, ai!

Mal à morte lhe sabe o frio do cadáver,

E é qual mortos ou vivos que ambos foram

E amar inda é presença e é motor.

Na dos do outro incúria fria os lábios param

O hálito ausente aí recorda-lhe a seus lábios

Que de pra lá dos deuses uma névoa veio

Entre ele e o jovem. Mas as pontas de seus dedos,

Ainda ociosas perscrutando o corpo, aguardam

Uma reacção da carne ao despertante jeito.

Mas não é compreendida essa de amor pergunta:

É morto o deus que era seu culto o ser beijado!



Levanta a mão pra onde o céu estaria

E pede aos deuses mudos que sua dor lhe saibam.

Que a súplica lhe atendam vossas faces calmas,

Oh poder´s outorgantes! Dá em troca o reino

Nos desertos quietos viverá sequioso,

Nos longes trilhos bárbaros mendigo ou escravo,

Mas a seus braços quente o jovem devolvei!

Renunciai ao espaço que entendeis seu túmulo!



Tomai da terra a graça feminina toda

E num lixo de morte o que restar vertei!

Mas, pelo doce Ganímedes, distinguido

Por Jove acima de Hebe para encher-lhe

A taça nos festins e pra instilar

O amor de amigos que enche o vácuo do outro,

O nó de amplexos femininos resolvei

Em poeira, oh pai dos deuses, mas poupai o jovem

E o alvo corpo e o seu cabelo de oiro!

Ganímedes melhor talvez tu pressentiste

Seria acaso, e por inveja essa beleza

Dos braços de Adriano para os teus roubaste.



Era um gato brincando co´a luxúria,

A de Adriano e a sua própria, às vezes um

E às vezes dois, ora se unindo, ora afastado;

A luxúria largando, ora o àpice adiando;

Ora fitando-a não de frente mas de viés

Ladeando o sexo que semi não espera;

Ora suave empolgado, ora agarrando em fúria,

Ora brinca brincando, agora a sério, ora

Ao lado da luxúria olhando-a, agora espiando

O modo de tomá-la no aparar da sua.



Assim as horas se iam das mãos dadas de ambos,

E das confusas pernas momentos resvalam.

Seus braços folhar mortas, ou cintas de ferro;

Agora os lábios taças, agora o que liba;

Olhos fechados por de mais, de mais fitantes;

Ora o vai-vém frenético operando;

Ora suas artes pluma, ora um chicote.



Viveram esse amor como religião

Oferta a deuses que, em pessoa, aos homens descem.

Às vezes adornado, ou feito enfiar

Meias vestes, então numa nudez de estátua

Imitava algum deus que de homem ser parece

Pela do mármore virtude exacta.

Agora Vénus era, alva dos mar´s saindo:

E agora Apolo ele era, jovem e dourado;

E agora Júpiter julgando em troça

A presença a seus pés do escravizado amante;

Agora agido de rito, por alguém seguido,

Em mistérios que são sempre repostos.



Agora é algo que qualquer ser pode.

Oh, crua negação da coisa que é!

Oh de aurea coma sedução fria de lua!

Fria de mais! De mais! E amor como ela frio!

O amor pelas memórias do amor seu vagueia

Como num labirinto, alegre, louco, triste,

E ora clama o seu nome e lhe pede que venha,

E ora sorrindo está à sua imagem-vinda

Que está no coração quais rostos na penumbra,

Meras luzentes sombras das formas que tinham…







Erguer-te-ei uma estátua que será

Prova, para o contínuo das futuras eras,

Do meu amor, tua beleza e do sentido

Que à divindade p´la beleza é dado.

Que a Morte com subtis mãos desnudantes tire

A nosso amor as vestes do império e da vida,

Ainda a dele estátua que só tu inspiras,

As futuras iades, quer queiram, quer não,

Hão-de, qual dote por um deus imposto,

Inevitavelmente herdar.







Como o amante que agurada, assim ele ia de

Canto a canto do em dúvida confuso de espírito.

Ora sua esperança um grande intento era

De que o anseio fosse, ora ele cego se

Sentia algures no visto indefinido anseio.

Se o amor conhece a morte, que sentir se ignora.

Se a morte frustra amor, que saber não sabemos.

A dúvida esperava, ou duvidava a esp´rança;

Ora o de sonhar senso ao que sonhava anseio

Escarnecia e congelava em vácuo

De novo os deuses sopram a mortiça brasa.



A tua morte deu-me alta luxúria mais

Um carnal cio em raiva por eternidade.

No meu imperial fado a confiança ponho

Que os altos deuses, por quem César fui,

Não riscarão de vida mais real

Meu voto de que vivas para sempre e sejas

Na deles melhor terra uma carnal presença,

Amável mais, mais amorável não, pois lá

Não coisas impossíveis nossos votos jaçam

Nem corações nos ferem com a mudança e tempo.



Amor, amor, Oh, meu amor! Já és um Deus.

Minha esta ideia, que por voto eu tomo,

Voto não é, mas vista que me é permitida

Pelos grãos deuses, que amor amam e dar podem

A corações mortais, sob a forma de anseios,

De anseios que alvos têm indescobertos,

Uma visão reais coisas para além

De nossa vida em vida aprisionada, nosso sentido no sentido preso

Ai, o que anseio que tu sejas, és tu já.

Pois já o Olimpo o território tu pisaste e és perfeito, sendo tu embora

Pois excesso de ti não precisas vestir

Perfeito para ser, a perfeição que és.







Amor, meu amor-deus! Que eu beije, em frios teus

Lábios, teus quentes lábios imortais agora,

Saudando-te beato nos portais da Morte.

Pois que pra deuses são portais da Vida.







E aqui, memória ou estátua, ficaremos

O mesmo um só, qual de mãos dadas éramos

Nem as mãos se sentiam por sentir sentir.

Ver-me-ão os homens quando o que és entendam.

Podiam ir-se os deuses, no vasto rodar

Das curvas eras. Só por ti apenas,

Que, um deles, no ido bando houveras ido,

Viriam, qual dormissem, para despertar







E se a nossa memória a pó se reduzisse,

Uma divina raça do fim das idades

Nossa unidade dual ressuscitava.



Ainda chovia. Em leves passos veio a noite

Fechando as pálpebras cansadas dos sentidos.

A mesma consciência de eu e de alma

Tornou-se, qual paisagem vaga em chuva, vaga.

O Imperador imóvel jaz, e tanto que

Semiesqueceu onde ora jaz, ou de onde vem

A dor que era inda sal nos lábios seus.

Algo distante fora tudo: um manuscrito

Que se enrolou. E o que sentira a fímbria era

Que halo é em torno à lua quando a noite chora.



A cabeça pousava sobre os braços, estes

No baixo leito, alheios a senti-lo, estavam.

Os seus olhos fechados cria abertos, vendo

O nu chão negro, frio, triste, sem sentido.

Doer-lhe o respirar tudo era que sabia.

Do tombante negrume o vento ergueu-se

E tombou; lá no pátio ecoou uma voz;

E o Imperador dormia…

Os deuses vieram….

E algo levaram, qual não senso sabe,

Em braços de poder e de repouso invisos.

Fernando Pessoa


(poesia originalmente escrita em inglês, tradução de Jorge de Sena)

sábado, 7 de janeiro de 2012

“Lascia ch’io pianga
mia cruda sorte
e che sospiri
la libertà…”

Lyrics

Nous sommes deux
Nous sommes deux
Huit heures vont bientot sonner.
Teins la lampe, le gardien frappe
Ce soir ils reviendront nous voir.
Lun va devant, lun va devant
Et les autres suivent derrire
Puis le silence et puis voici
La meme chanson qui revient
Il frappe deux
Il frappe trois
Il frappe mille vingt et trois
Tu as mal, toi
Et jai mal, moi
Qui de nous deux a le plus mal?
Cest lavenir qui le dira
Nous sommes deux
Nous sommes trois
Nous sommes mille vingt et trois
Avec le temps, avec la pluie
Avec le sang qui la seche
Et la douleur qui vit en nous
Qui nous transperse et qui nous clou.
Notre douleur nous guidera
---------------------------------------------------
Yussef Mustacchi, ( Georges Moustaki )

Assim se faz o homem


Assim se faz o homem:
dizendo sim e dizendo não,
batendo e apanhando,
unindo-se a uns aqui, a outros acolá.
Assim se faz o homem: transformando-se:
assim e forma em nós a sua imagem,
igual à nossa, no entanto diversa.

Bertolt Brecht

Dio come ti amo



Nel cielo pasano le nuvole che vanno
Verso il mare sembrano fazzoleti bianchi
Che salutano il nostro amore

Dio come ti amo non e possibile
Avere fra le braccia tanta felicita
Baciare le tue labra che odorano
Di vento noi dui innamorati come
Nessuno al mondo

Dio come ti amo mi vien di piangere
In tutta la mia vita non ho provato mai
Un bene cosi caro un bene cosi vero
Chi puo fermare il fiume che corre verso il mare

Le rondine nel cielo che vanno
Verso il sole chi piu cambiar l’amore
L’amore mio perte
Dio come ti amo.

Un bene cosi caro un bene cosi vero
Chi puo fermare il fiume che corre verso il mare

Le rondine nel cielo che vanno
Verso il sole chi piu cambiar l’amore
L’amore mio perte
Dio come ti amo.
Dio come ti amo.





Una furtiva lagrima

Una furtiva lagrima
negli occhi suoi spuntò…
quelle festose giovani
invidiar sembrò…
Che più cercando io vo?
M’ama, lo vedo.
Un solo istante i palpiti
del suo bel cor sentir!..
Co’ suoi sospir confondere
per poco i miei sospir!…
Cielo, si può morir;
di più non chiedo.

Eccola… Oh! qual le accresce
beltà l’amor nascente!
A far l’indifferente
si seguiti così finché non viene
ella a spiegarsi.









Tristeza da lua

Tristeza da lua
de Charles Baudelaire

Divaga em meio à noite a lua preguiçosa;
Como uma bela, entre coxins e devaneios,
Que afaga com a mão discreta e vaporosa,
Antes de adormecer, o contorno dos seios.

No dorso de cetim das tenras avalanchas,
Morrendo, ela se entrega a longos estertores,
E os olhos vai pousando sobre as níveas manchas
Que no azul desabrocham como estranhas flores.

Se às vezes neste globo, ébria de ócio e prazer,
Deixa ela uma furtiva lágrima escorrer
Um poeta caridoso, ao sono pouco afeito,

No côncavo das mãos torna essa gota rala,
De irisados reflexos como um grão de opala,
E bem longe do sol a acolhe no peito.







Tristesse de la lune

Ce soir, la lune rêve avec plus de paresse;
Ainsi qu’une beauté, sur de nombreux coussins,
Qui d’une main distraite et légère caresse
Avant de s’endormir le contour de ses seins,

Sur le dos satiné des molles avalanches,
Mourante, elle se livre aux longues pâmoisons,
Et promène ses yeux sur les visions blanches
Qui montent dans l’azur comme des floraisons.

Quand parfois sur ce globe, en sa langueur oisive,
Elle laisse filer une larme furtive,
Un poète pieux, ennemi du sommeil,

Dans le creux de sa main prend cette larme pâle,
Aux reflets irisés comme un fragment d’opale,
Et la met dans son coeur loin des yeux du soleil.

Charles Baudelaire