sábado, 24 de outubro de 2009

Estepes e a Rota da Seda

Espaço de encontros e de intercâmbios, a Ásia Central também passou por períodos de isolamento. A “História das Civilizações da Ásia Central” mostra que, a despeito das barreiras ideológicas, os vínculos históricos e culturais entre as populações dessa região acabaram gerando uma identidade que lhes é peculiar.





Quando a entidade histórica não corresponde à área geográfica

Os sete volumes da "História das Civilizações da Ásia Central" cobrem o vasto território do Mar Cáspio à fronteira chinesa. Mais
Samarcanda, Bucara, Herat… cidades que nos fazem sonhar. Gengis Khan, Tamerlão, Akbar… personagens que marcaram a História. Avicena, Khayyam, Ulugh Beg... pensadores que mudaram a visão do mundo. No decorrer dos séculos, todos esses nomes balizam um espaço que, apesar de não constituir uma região bem definida no mundo antigo, ainda assim corresponde a um território de permanentes intercâmbios entre os povos: a Ásia Central. Desde a Antiguidade, os citas, os xiongnu e os membros do reino Khitai percorreram este espaço, que se estende do Mar Cáspio à fronteira com a China, lançando os alicerces das grandes civilizações da Ásia e da Europa.

A “História das Civilizações da Ásia Central” abrange esse imenso território que, até o século XVI, foi dominado amplamente pelo pastoreio e por uma agricultura cujos espaços mais acolhedores eram constituídos por raros oásis. Desta forma, os testemunhos originais da vida e da cultura humanas são igualmente modestos. Em compensação, por sua posição no centro do continente asiático, a região transformou-se em um corredor excepcional de circulação para diferentes povos, religiões e ideias, assim como para a cultura e a arte. No sul e no leste, determinadas regiões dotadas de maiores recursos e mais sedentárias – Oriente Próximo, Irã, Índia e China – deram origem, no decorrer dos últimos quatro ou cinco milênios, a religiões e civilizações que exerceram uma grande influência sobre a evolução desse núcleo central da Ásia.



A região das estepes serviu de ponte entre as grandes civilizações do sudoeste, sul e leste da Ásia que, durante muito tempo, haviam permanecido isoladas por cadeias de montanhas e por desertos. Basta pensar na famosa Rota da Seda que, nas vésperas e durante os primeiros tempos da expansão do cristianismo, foi tomando forma para atravessar, pela Ásia Central, todo o continente, desde o Extremo Oriente até o Irã, o Oriente Próximo e os mundos greco-bizantinos. Através dessa rota, tecidos preciosos da China eram encaminhados para o Mediterrâneo Oriental e, daí, para a Europa. No sentido oposto, a prataria sassânida da Pérsia tinha acesso à Sibéria e à atual Rússia, além do ouro romano que chegava à Ásia Central e ao noroeste da Índia.

As influências greco-romanas também foram um importante fator de desenvolvimento artístico, especialmente na região de Gandhara, nos limites atuais do leste do Afeganistão e do noroeste da Índia. Mais tarde, na época islâmica, outros produtos chineses de luxo, como as cerâmicas, empreenderam a longa e arriscada viagem através da Ásia Interior até os mercados de Nishapur, Rey, Ispahan, Bagdá e outras grandes cidades do califado e dos Estados que lhe sucederam, complementando assim o tráfego marítimo do Oceano Índico.
No plano das ideias, grandes religiões do mundo antigo disseminaram-se através da Ásia Central antes de abordarem outras regiões do continente. O zoroastrismo espalhou-se do Irã para a Transoxiana (que corresponde aproximadamente ao atual Uzbequistão) e para o Khwarezm (território entre os atuais Uzbequistão e Turcomenistão). O budismo saiu da Índia para conquistar a China e a Mongólia. Os negociantes sogdianos da Ásia Ocidental difundiram o cristianismo nestoriano e o maniqueísmo através da Ásia Central até o Turquestão Oriental (atual Xinjiang) e o norte da China.

Em seguida, foi a vez de a propagação da nova fé professada por Maomé passar pela Pérsia até as estepes e mais além, desencadeando frequentes processos sincréticos com crenças e rituais preexistentes, como os do xamanismo.

Do isolamento à abertura



A História das Civilizações da Ásia Central foi concebida, portanto, para restituir a este território aureolado de mistério por longos tempos a posição que lhe é devida por sua condição de entidade distinta da história humana, de cruzamento de civilizações e de passarela milenar entre o Oriente e o Ocidente.

Atualmente, esta região passa por um período de abertura exponencial depois da severa reclusão imposta pela dominação soviética e pelas rivalidades resultantes da Guerra Fria. Formada em grande parte por um território de amplos espaços abertos, ela constituiu em outros tempos o cenário para influências externas e movimentos de população. Na virada do século XX, porém, pesquisadores, arqueólogos, amadores de arte e outros entusiastas oriundos de diferentes horizontes desafiaram distâncias e a lentidão das comunicações e revelaram ao resto do mundo os fabulosos tesouros culturais, literários e artísticos dos povos da Ásia Central.

Depois, durante decênios, os fanatismos ideológicos e os distúrbios políticos isolaram esta região do mundo exterior. Nenhum organismo ou instituto de pesquisa – e, por maior força de razão, nenhum pesquisador ou grupo de pesquisadores – sentiu-se capaz de empreender a elaboração de uma história geral da região, desde a pré-história até a época contemporânea. Finalmente, na década de 1980, a UNESCO conseguiu reunir uma rica paleta de especialistas para delinear os planos da presente História das Civilizações da Ásia Central que mobilizou cerca de 180 autores.

Nesse meio tempo, quatro repúblicas da Ásia Central de etnia e língua turcas emergiram na cena internacional: Cazaquistão, Quirguizistão, Uzbequistão e Turcomenistão, além do Tajiquistão, na vertente iraniana. Independentes desde o início da década de 1990, estes Estados assumiram atualmente o controle de seus recursos, entre eles os minerais, e estão em condições de desempenhar um papel decisivo no comércio e na indústria em escala mundial. E o melhor: descobriram a continuidade cultural que os liga à sua periferia, em particular às repúblicas da Turquia e do Azerbaijão, assim como às repúblicas islâmicas do Irã e do Afeganistão. Durante algum tempo, eles foram dissuadidos ou até mesmo impedidos de tecer tais vínculos.

A “História das Civilizações da Ásia Central”, da UNESCO, revelará que o território outrora visto como região pouco conhecida do continente eurasiano e que adquiriu em alguns séculos sua identidade própria está, agora, preparado para participar plenamente das questões mundiais.

C. Edmund Bosworth professor emérito em estudos árabes na Universidade de Manchester. Com M.S. Asimov, dirigiu o volume IV da "História das Civilizações da Ásia Central".

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