quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Sobre o amor

"Começaram a falar do amor.
- Como nasce o amor – dizia Aliókhin -, porque razão não se afeiçoou Pelagueia a qualquer outro que lhe fosse mais próximo pelas qualidades físicas e espirituais, mas se apaixonou precisamente por este Nikanor, por estas ventas (aqui toda a gernte lhe chama o «Ventas»), tendo em conta que, no amor, o essencial são as questões da felicidade pessoal… tudo isso é uma incógnita e pode-se interpretá-lo como quisermos. Até hoje, apenas foi dita do amor uma verdade incontestável: «é um grande mistério»; de resto, tudo o que tem sido e escrito do amor nunca foi a solução, mas apenas um levantamento de questões a que nunca se deu resposta. Uma explicação que, aparentemente, serve para um caso já não se aplica a dez outros, e o melhor, a meu ver, é esclarecer cada caso em separado, sem o melhor, a meu ver, é esclarecer cada caso em separado sem tentar generalizar. Como dizem os médicos, é necessário individualizar cada caso concreto.
- Tem toda a razão – concordou Búrkin.
- Nós, os russos polidos, temos propensão para estas questões irresolúveis. Por norma, o amor é poetizado, enfeitado de rosas e rouxinóis; ora nós, os russos, enfeitamos o nosso amor com essas questões fatais, e escolhemos entre elas as menos interessantes. Em Moscovo, quando ainda era estudante, tinha uma namorada, senhora muito querida que, sempre que a apertava nos meus braços, pensava em quanto eu lhe daria por mês e em qual era, na altura, o preço da libra de vitela. Também nós, quando estamos apaixonados, não paramos de nos interrogar: se é honesto ou desonesto, se é inteligente ou estúpido, aonde nos levará este amor, etc. Se isso é bom ou mau, não sei dizer, sei apenas que incomoda, não satisfaz, irrita.
Dava a ideia de que Aliókhin queria contar alguma coisa. Um solitário há-de ter sempre na alma alguma coisa que lhe apetece contar. Na cidade, os sozinhos vão de propósito aos banhos públicos e aos restaurantes para conversarem, e às vezes contam aos banheiros e aos empregados de mesa histórias muito curiosas; na aldeia, habitualmente, abrem-se com os convidados. Via-se agora através das janelas o céu cinzento e as árvores molhadas da chuva, não havia onde a gente se meter com este tempo, não se achando portanto outra hipótese que não fosse contar e ouvir. (…)

Quando, no compartimento, os nossos olhares se cruzaram, a força de alma abandonou-nos aos dois, abracei-a, ela apertou o rosto contra o meu peito, as lágrimas corriam-lhe dos olhos; beijando-a no rosto, nos ombros, nas mãos molhadas de lágrimas – oh, que infelizes nós estávamos! – declarei-lhe o meu amor e compreendi, com uma dor pungente no coração, como era inútil, mesquinho e enganador tudo o que nos impedia de amar. Compreendi que, ao amarmos, temos de reflectir sobre o maor numa base mais elevada, mais importante do que a felicidade ou a infelicidade, o pecado ou a virtude no seu sentido corrente, ou então não vale a pena, sequer, reflectir sobre ele."

TCHÉKHOV, Anton (trad. Nina Guerra e Filipe Guerra), “Contos”, Vol. III, Lisboa, Relógio D`Água, 2002, p.p. 258, 259 e 268.

Nenhum comentário: