sábado, 14 de setembro de 2013

Apenas um vício

Bufões transvestidos de poetas
burocráticos arrogantes,
pedantes pregoeiros
vós sois os porta-flâmulas
brandindo insígnias desbotadas.
Ser poeta não é um título de glória.
Apenas um vício natural.
Um fardo que por medo
amarramos mal.

(...)

Mas há quem

Potius mori quam fiedari*
eis o sentido ilibado
da vida que me transmites
em mensagens cifradas.
Mas há quem não compreenda
e prefira o mundo
assim como é: imerso na imundície.


*antes morrer que macular-se

(...)

Mortais

Não possuímos a cognição
da futuração.
Nossa previsão é limitada.
Quanto ao livre-arbítrio
faço algumas exceções.
Não há bifurcação, mas
percurso obrigatório.

(...)

A conjetura de que o mundo
seja uma burla, nem mesmo assim
resolve o puzzle fundamental.
Se queres a minha opinião
a única via de saída é a ilusão,
porque a vida supera a cada dia
os limites que impõe.

(...)

É com a tentativa desastrosa
de explicar todos os significados possíveis
que o fino declamador acaba naufragando
nas praias supersabidas do banal.

O que poderá importar a um inepto ouvinte
ser um éon decaído* ou um homem
que por medo acabou ficando mudo.


*alusão à gnose e ao neoplatonismo

(...)

poemas de Eugenio Montale, do Diário Póstumo
trad. Ivo Barroso