sábado, 19 de outubro de 2013

Dolências


Oh! Lua morta de minha vida,
Os sonhos meus
Em vão te buscam, andas perdida
E eu ando em busca dos rastos teus...

Vago sem crenças, vagas sem norte,
Cheia de brumas e enegrecida,
Ah! Se morreste pra minha vida!
Vive, consolo de minha morte!

Baixa, portanto, coração ermo
De lua fria
À plaga triste, plaga sombria
Dessa dor lenta que não tem termo.

Tu que tombaste no caos extremo
Da Noite imensa do meu Passado,
Sabes da angústia do torturado...
Ah! Tu bem sabes por que é que eu gemo!

Instilo mágoas saudoso, e enquanto
Planto saudades num campo morto,
Ninguém ao menos dá-me um conforto,
Um só ao menos! E no entretanto

Ninguém me chora! Ah! Se eu tombar
Cedo na lida...
Oh! Lua fria vem me chorar
Oh! Lua morta da minha vida!


- Augusto dos Anjos, in "Eu e outras poesias". 42ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1998.
["Ao longo do primeiro ano em que o Sr. Wordsworth e eu fomos vizinhos, nossas conversas com frequência se voltaram para os dois pontos cardeais da poesia, o poder de excitar a empatia do leitor, através de uma aderência fiel à verdade da natureza, e o poder de conceder o interesse da novidade através das cores modificadoras da imaginação. O encanto súbito, cujos acidentes de luz e sombra, cujo luar ou arrebol difusos sobre uma paisagem conhecida e familiar, parecia representar a praticalidade de se combinar a ambos. Tal é a poesia da natureza."]

samuel taylor coleridge por Ade Scndlr, no escamandro.

sobre a recepção crítica de sua poesia.

"Só vejo vantagens nessa 'confusão' [entre música popular e poesia]. Ela foi desvantajosa, a certa altura, para a carreira literária do Vinicius, que foi muito esnobado pela universidade, pela crítica. Eu sou professor da UFRJ e até quatro, cinco anos atrás não existia uma única tese sobre Vinicius. Isso não corresponde ao seu tamanho como poeta nem à sua popularidade. Só que exatamente porque ele era um poeta popular demais, ainda que isso nunca tivesse sido dito, está na cara de que a questão é: “Se é tão popular, não pode ser bom”. Então, a idéia da poesia como uma coisa para poucos, como luxo, não combinava com esse negócio de um poeta de que todo mundo fala. Ao mesmo tempo, foi essa popularidade do Vinicius, essa junção cantor-sambista, que fez com que ele se mantivesse como poeta na memória das pessoas. Elas podem até não saber os sonetos inteiros, mas sabem meia dúzia de poemas ou de versos soltos. E mesmo que não conheçam os livros, conhecem o nome, há um carinho por Vinicius, os livros são lidos, as escolas adotam, estão nas coletâneas. Então, ele se manteve como autor mesmo com todo o desprezo que a universidade lhe deu. (...) para ele foi desvantajoso. Mas para nós é só vantagem. É só vantagem que uma dona de casa semi-alfabetizada possa cantar Dolores Duran e Vinicius."

Eucanaã Ferraz, coordenador da coleção de Vinicius de Moraes na Companhia das Letras, sobre a recepção crítica de sua poesia.



Pneumotórax



Febre, hemoptise, dispnéia e suores noturnos.
A vida inteira que podia ter sido e que não foi.
Tosse, tosse, tosse.

Mandou chamar o médico:
- Diga trinta e três.
- Trinta e três... trinta e três... trinta e três...
- Respire.

- O senhor tem uma escavação no pulmão esquerdo e o pulmão direito infiltrado.
- Então, doutor, não é possível tentar o pneumotórax?
- Não. A única coisa a fazer é tocar um tango argentino.


Autor: Manuel Bandeira

O sertanejo falando


A fala a nível do sertanejo engana:
as palavras dele vêm, como rebuçadas
(palavras confeito, pílula), na glace
de uma entonação lisa, de adocicada.
Enquanto que sob ela, dura e endurece
o caroço de pedra, a amêndoa pétrea,
dessa árvore pedrenta (o sertanejo)
incapaz de não se expressar em pedra.

2.
Daí porque o sertanejo fala pouco:
as palavras de pedra ulceram a boca
e no idioma pedra se fala doloroso;
o natural desse idioma fala à força.
Daí também porque ele fala devagar:
tem de pegar as palavras com cuidado,
confeitá-la na língua, rebuçá-las;
pois toma tempo todo esse trabalho.


- João Cabral de Melo Neto, in “Melhores Poemas de João Cabral de Melo Neto". [Seleção Antônio Carlos Secchin], São Paulo: Global Editora, 8ª ed., 2001, pag. 184.
“Todas as coisas que me rodeiam são raízes. A jabuticabeira que deve ter quase cem anos, a caramboleira, os baús, os móveis e todos os objetos antigos não são uma forma triste de memória mas uma afirmação de que, num crescimento espiritual, num crescimento humano não podemos jogar nada pela janela ou no lixo. Não podemos jogar fora as raízes - elas nos preservam e elas se preservam conosco, na memória ou dentro da terra, seja onde for, mas elas também nos projetam porque, à medida que elas se preservam na terra, elas crescem fazem a gente crescer, como uma árvore. O homem é uma árvore que abriga amores, lembranças, outros seres, uma árvore que dá sombra e luz, e é para isso que a gente nasceu, fundamentalmente. Isso eu aprendi, é claro convivendo com meus pais e também com os vizinhos, que tinham maneiras semelhantes de viver e conviver, maneiras simples mas definitivas.”


- Lindolf Bell, em “entrevista” à Fundação Catarinense de Cultura. Publicado: em “Lindolf Bell: estudo biobibliográfico: antologia”. (Escritores catarinenses - Série hoje nº 2). Florianópolis: FCC, 1990.