quarta-feira, 6 de fevereiro de 2019


Avaro,
conto as palavras
com que pretendo dizer
algo
-- quase nada --
do tudo que quisera.

(Raras, as palavras
não vingaram na primavera.)

Vai vir o dia
em que não direi nada,
não serei nada:
partícula abismada no tudo.

Aí tudo estará bem.
Ou nada.

Avaro,
me calo
ante o mistério do nada.

(Nada
é
tudo.

Tudo
é
nada.)

E apago as palavras
em que sobrenado.

Otto Leopoldo Winck

MAUDITS



Mallarmé na cabeça
Rimbaud no coração
eu vou
quebrando a cara
nas quebradas do mundo

o alvo
uma nova constelação
no branco da folha
ou então
obscuros negócios
na Abissínia

o que vale
é virar a última página
do livro burguês
e cair na esbórnia
de signos e sentidos
da comuna de todos os vates

(ó sociedade:
aqui pra vocês)

assim
enquanto eu puder
beberei até a última gota
do doce absinto
do mestre de todos
Charles Baudelaire

Otto Leopoldo Winck


Mallarmé na cabeça
Rimbaud no coração
eu vou
quebrando a cara
nas quebradas do mundo

o alvo
uma nova constelação
no branco da folha
ou então
obscuros negócios
na Abissínia

o que vale
é virar a última página
do livro burguês
e cair na esbórnia
de signos e sentidos
da comuna de todos os vates

(ó sociedade:
aqui pra vocês)

assim
enquanto eu puder
beberei até a última gota
do doce absinto
do mestre de todos
Charles Baudelaire

Otto Leopoldo Winck

Pássara



passarás?

Tuas asas
tuas sobrancelhas
tuas cores
Orlanda.

Flor e país
caveira e acontecimento.
Dia do juízo final.

Não te recolho ao nome
misturo teus gestos
à casa azul.

Metamorfoseio
identidades.

O que és
o que não és
está neste quadro.

Pássara
que fica
Frida.
RTD


Não sei se o teu nome é um véu
ou uma máscara. Uma chave
ou uma lápide.
Sei que em manhãs antigas
eu procurei, na água dos regatos
ou nos seixos da alameda,
o rastro de teus passos por esta parte do mundo.
Sei também -- e como dói a consciência deste saber! --
que tudo passa, ou melhor:
tudo é passagem e passado.
Até a voz com que te grito,
até o gesto com que, de joelhos, me desmereço.
Não, não sei se o teu nome é o véu
que obscurece o céu às seis da tarde
ou o clarão de cem mil sóis
que me cegará um dia.
Sei que é tarde para voltar.
E cedo, muito cedo, para partir.
(Quisera permanecer aqui, e montar uma cabana para mim, outra para ti
e uma terceira para meus medos.)
Mas sei -- e como é cruel este saber! --
que não virás nunca
porque no fundo, lá no fundo,
tu nunca partiste.

Otto Leopoldo Winck


NA BOCA



Manuel Bandeira

Sempre tristíssimas estas cantigas de carnaval
Paixão
Ciúme
Dor daquilo que não se pode dizer

Felizmente existe o álcool na vida
E nos três dias de carnaval éter de lança-perfume
Quem me dera ser como o rapaz desvairado!
O ano passado ele parava diante das mulheres bonitas
E gritava pedindo o esguicho de cloretilo:
- Na boca! Na boca!
Umas davam-lhe as costas com repugnância.
Outras porém faziam-lhe a vontade.

Ainda existem mulheres bastante puras para fazer
[a vontade aos viciados

Dorinha meu amor...
Se ela fosse bastante pura eu iria agora gritar-lhe como
[o outro: - Na boca! Na boca!


quero me cortar
com gilete farpas lascas latas
e cacos de vidro
quero sangrar
chorar estrebuchar dançar
e grafar no muro mais sujo
teu santo nome em vão
quero viver morrer matar
me alistar na legião estrangeira
farcs hezbolah pkk
só pra aflorar
teu instinto maternal
e te ouvir gritar
meu bem meu bem
não vá

Otto Leopoldo Winck