terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Gnossienne nº 1

Eu acreditei que podia amar

o teu corpo, o teu modo de insinuar o coração

nas palavras. Mas era apenas a forma como a noite

sublinhava as superfícies, eu nunca pude atravessar

essa espessura. Estavas ali para te dispores aos meus sentidos

mas crescias fora de alcance no teu próprio

pensamento. Uma distância que só serviria

aos lobos, um mau caminho arrancado às fragas.

Já só conhecia os dias onde tu os frequentavas, o sítio

em que me mantinhas era mais urgente

que o sangue. Sem dúvida que vinhas pelo meu desejo

mas eu perdia sempre alguma coisa

quando te ganhava. Às vezes era só

a minha vontade, outras vezes era toda a frase

do meu nome.

Rui Pires Cabral

Alma

Reflexos

Olho-te pelo reflexo

Do vidro

E o coração da noite



E o meu desejo de ti

São lágrimas por dentro,

Tão doídas e fundas

Que se não fosse:



o tempo de viver;

e a gente em social desencontrado;

e se tivesse a força;

e a janela ao meu lado

fosse alta e oportuna,



invadia de amor o teu reflexo

e em estilhaços de vidro

mergulhava em ti


Ana Luísa Amaral

João de todo o Rio

Mais atual do que nunca, o jornalista e escritor que encantou e chocou o Brasil do início do século XX ganha nova versão de sua biografia e filme


Há casos em que o biógrafo pode virar uma espécie de parteiro do renascimento de seu personagem. Foi o que aconteceu com o jornalista e pesquisador João Carlos Rodrigues, que, na quarta-feira, lança na livraria DaConde “João do Rio: vida, paixão e obra” (Civilização Brasileira), nova versão do revelador livro “João do Rio: uma biografia”, que publicou em 1996 pela Topbooks. Na época, Rodrigues já tinha feito bastante pela recuperação da obra do jornalista, escritor, tradutor e dramaturgo

então quase esquecido, mas que, entre integrantes da sociedade carioca letrada do início do século XX, flanava com status de popstar.

— No fim dos anos 70, o jornal “Lampião”, de Aguinaldo Silva e João Silvério Trevisan, queria fazer uma editora e propus uma antologia de João do Rio, autor que eu era um dos poucos de minha geração a conhecer, e sabia sensacional — explica Rodrigues, de 61 anos, que, não tendo visto o projeto do “Lampião” avançar, resolveu aproveitar o centenário de nascimento de seu personagem, em 1981, e sondar outras opções. — Botei tudo num envelope e mandei pelo correio para três editoras importantes. Menos de uma semana depois, Ivan Cavalcanti Proença, então na José Olympio, me ligou. Fui lá, assinei o contrato, e o livro saiu com o título “Histórias da gente alegre”. Fácil assim. No entanto, despertou a ira de Josué Montello, mas recebi uma boa crítica de Silviano Santiago, e segui pesquisando.

No início dos anos 90, Rodrigues frequentou por dois anos, quase que diariamente, a Biblioteca Nacional atrás de textos inéditos de João do Rio para um novo trabalho. A coleta foi tão frutífera que rendeu um Catálogo Bibliográfico, editado pelo Arquivo da Cidade, hoje raríssimo. — Localizei cerca de 2.500 artigos e reportagens de jornal sobre variados assuntos, da crônica da cidade à política internacional. Poucos sabem, mas ele cobriu a Conferência de Versalhes, que definiu os rumos do mundo após a Primeira Guerra Mundial — relata Rodrigues, que também descobriu textos nos quais ele foi ghost writer, como as memórias do marinheiro João Cândido, ou o delicioso “Memórias de um rato de hotel”, ditado por um preso na cadeia. — Com tanta novidade, vi que havia material para uma biografia mais completa do que a existente, de Raimundo Magalhães Junior.

Com esse material nas mãos, Rodrigues concorreu à Bolsa Vitae, em 1993, e ganhou: — O livro foi editado em 1996 e despertou ódios e amores muito exacerbados, o que me espantou, pois se trata de um autor do tempo da Velha República! Uma famosa revista dedicou quatro páginas a falar mal de mim e dele. Um resenhista sugeriu que eu queimasse a edição.

Ou seja, foi a consagração. E assim virou uma espécie de clássico de referência, pois fala do autor, da obra e da época. Desde então, a redescoberta vem crescendo: o próprio Rodrigues preparou três reedições de textos de João do Rio, enquanto não param de surgir estudos acadêmicos — na Unicamp, na PUCRJ, na UFRJ, na Casa de Rui Barbosa.

No momento, o ator Marcus Alvisi tem lotado o Espaço Sesc, em Copacabana, com o monólogo “Dentro da noite”, que idealizou e montou pela primeira vez em 2002, a partir de dois contos de João do Rio. Agora com direção do cantor Ney Matogrosso, outro apaixonado pelo autor, a temporada vai até 19 de dezembro. Há também um filme em andamento, “Muitos homens num homem só”, coprodução da Conspiração com Flávio Tambellini, que será dirigido por Mini Kerti. — O roteiro é livremente inspirado em “Memórias de um rato de hotel”, mas tem personagens famosos e de outros livros dele, como o Barão Belford e Eva — diz a cineasta. — Além disso, eu e o roteirista Leandro Assis inserimos o Felix Pacheco, que sai no encalço do personagem principal, Dr. Antônio. O Dr. Antônio, aliás, é um personagem verídico, inclusive com fotos em jornal ilustrando o artigo do João do Rio sobre ele. Lemos vários livros dele para trazer o clima da época para o roteiro, que se passa no início do século passado, durante as renovações de Pereira Passos e as vacinas de Oswaldo Cruz.

Pioneiro nesse movimento, Rodrigues comemora e quer mais: — João do Rio é tão complexo que dá para todos. Mulato, gordo, homossexual — um dândi, que escandalizava a sociedade da época com seu vestuário extravagante e suas falas e posturas afetadas —, João Paulo Emílio Cristóvão dos Santos Coelho Barreto veio de família pobre e, ainda adolescente, mostrou seus dotes literários. Talento que o levaria à Academia Brasileira de Letras, em 1910, aos 29 anos, na sua terceira tentativa,

sendo o primeiro a tomar posse usando o “fardão dos imortais”. Reconhecido em Portugal, que visitou pela primeira vez em 1908, quando também conheceu a França, cicerone e amigo de Isadora Duncan na passagem da bailarina pelo Rio, ele estava em todas. Mas, da mesma forma como rapidamente ascendeu socialmente, João do Rio (um de seus muitos pseudônimos, o mais famoso, criado em 1903) foi logo esquecido após sua morte precoce, vítima de um ataque cardíaco, em junho de 1921, a menos de dois meses de seus 40 anos. Além dos livros fora de catálogo, era apenas o nome da Rua Paulo Barreto, em Botafogo.

No mundo do início do século XX, homossexualidade, mais do que tabu, era crime. Daí, como Rodrigues comenta, João do Rio não assumir a sua orientação sexual: — Ele se aborrecia quando alguém tocava no assunto. Mas, por outro lado, provocava. Raspou a cara quando todo homem que se prezava, fora os padres, usava barba ou

bigode. Vestia um fraque todo branco, outro todo verde, e os homens respeitáveis só vestiam preto, marrom ou cinza. Falava de forma muito afetada, e Gilberto Amado conta que juntavam curiosos na porta dos jornais onde trabalhava apenas para vê-lo falar, cheio de caras e bocas. Isso provocou uma reação homofóbica dos jacobinos, como era conhecida a extrema direita da época. João do Rio foi espancado num restaurante do Largo da Carioca por oficiais da Marinha. Enquanto Humberto de Campos e Antonio Torres encabeçaram uma das campanhas mais sórdidas já feitas contra um jornalista por seus colegas de profissão. Típico bullying.

Apesar desses incidentes, Rodrigues não acredita que a homossexualidade tenha contribuído para o esquecimento de João do Rio. Em contrapartida, influiu decisivamente

nesse redescobrimento dos últimos anos. Detalhe pessoal que o aproximaria do escritor inglês Oscar Wilde, num paralelo que também é possível ao analisar sua obra literária. — A comparação é pertinente porque realmente há mais do que simples coincidências. O estilo camp, a ironia, as frases de efeito, os adornos de estilo que quase escondem a preocupação social e as simpatias libertárias. E ele traduziu Wilde, “Intenções”, “O retrato de Dorian Gray” e “Salomé” — lista Rodrigues.

— Susan Sontag afirmou serem o camp e o art nouveau formas de expressão da sensibilidade homossexual. Certíssima. Mas o paralelo com Wilde pode também ser redutor porque João do Rio foi bem mais que um pastiche da cultura estrangeira. É o cronista carioca por excelência, ao lado de Machado de Assis, Lima Barreto, Noel Rosa, Nelson Rodrigues. Boa parte da mitologia da cidade foi criada por ele. Se não tivesse existido, teria de ser inventado.

João do Rio era tão enfronhado na vida carioca que, ainda segundo Rodrigues, teria antecipado a ideia da “cidade partida” cunhada por Zuenir Ventura nos anos 90. Daí a permanência de sua obra, um século depois: — Bem, vivemos na “lesma lerda”, e a mesma maravilha. Injustiça social num belo cenário natural. Seres humanos interessantes e imprevisíveis na sua mistura de raças e cores e religiões. Bela cultura popular, interessante cultura decadente das elites. Em 1908, ele já acenava com o conceito de “uma cidade dentro da outra cidade”, falando de uma favela no morro de Santo Antonio.

Em seus textos, João do Rio também, de alguma forma, antecipa o novo jornalismo: — Na verdade, o jornalismo moderno nasceu em Paris e Londres no fim do século XIX e daí influenciou o mundo inteiro. Surgiram as manchetes, as fotografias, as charges, o lead, o subtexto, e principalmente a crônica e a reportagem. João do Rio foi um mestre nas duas. Visitou in loco centros de candomblé, subiu morros e favelas, frequentou casas de tias baianas na Saúde, fez crônica social entre grã-finos, entrou em todos os ambientes, escrevendo quase sempre na primeira pessoa. Ou seja, João de todo o Rio

Fonte – O GLOBO

Cuento de horror

La señora Smithson, de Londres (estas historias siempre ocurren entre ingleses) resolvió matar a su marido, no por nada sino porque estaba harta de él después de cincuenta años de matrimonio. Se lo dijo:



-Thaddeus, voy a matarte.



-Bromeas, Euphemia -se rió el infeliz.



-¿Cuándo he bromeado yo?



-Nunca, es verdad.



-¿Por qué habría de bromear ahora y justamente en un asunto tan serio?



-¿Y cómo me matarás? -siguió riendo Thaddeus Smithson.



-Todavía no lo sé. Quizá poniéndote todos los días una pequeña dosis de arsénico en la comida. Quizás aflojando una pieza en el motor del automóvil. O te haré rodar por la escalera, aprovecharé cuando estés dormido para aplastarte el cráneo con un candelabro de plata, conectaré a la bañera un cable de electricidad. Ya veremos.



El señor Smithson comprendió que su mujer no bromeaba. Perdió el sueño y el apetito. Enfermó del corazón, del sisema nervioso y de la cabeza. Seis meses después falleció. Euphemia Smithson, que era una mujer piadosa, le agradeció a Dios haberla librado de ser una asesina.

FIN


Fonte : Ciudad Seva