sábado, 6 de outubro de 2012

CLAMOR



Sono e morte, as águias da sombra
Esvoaçam noite adentro nesta fronte:
O dourado retrato dos homens
Teriam-no tragado as ondas gélidas
Da eternidade. Em recife horrível
Esfacela-se a carne púrpura
E a voz escura clama
Sobre o mar.
Irmã de irada angústia, mira:
Uma frágil jangada naufraga
Sob estrelas, face
A face da noite que se cala.

(Poema de Trakl traduzido por André Vallias)

RESTO



Ó rever-se em êxtase
No outono tardio.
Rosas amarelas
Desfolham no gradil,
Em lágrima escura
Derrete-se uma grande dor,
Ó irmã!
Tão calmo finda o dourado dia.

(Poema de Trakl traduzido por André Vallias)

EM VENEZA




Silente no quarto noturno
Tremula em prata o candelabro
Ante o sopro canoro
Do solitário;
Rosa enfeitiçante nuvem.

Negra névoa de moscas
Escurece o espaço pétreo
E enrija-se da tortura
Do dourado dia a fronte
Do expatriado.

Inerte anoitece o mar.
Estrela e negra viagem
Esvaneceram no canal.
Criança, teu sorriso doentio
Seguiu-me suave ao sono.

(Poema de Trakl traduzido por André Vallias)

O Presente não Existe



Não é extraordinário pensar que dos três tempos em que dividimos o tempo - o passado, o presente e o futuro -, o mais difícil, o mais inapreensível, seja o presente? O presente é tão incompreensível como o ponto, pois, se o imaginarmos em extensão, não existe; temos que imaginar que o presente aparente viria a ser um pouco o passado e um pouco o futuro. Ou seja, sentimos a passagem do tempo. Quando me refiro à passagem do tempo, falo de uma coisa que todos nós sentimos. Se falo do presente, pelo contrário, estarei falando de uma entidade abstrata. O presente não é um dado imediato da consciência.
Sentimo-nos deslizar pelo tempo, isto é, podemos pensar que passamos do futuro para o passado, ou do passado para o futuro, mas não há um momento em que possamos dizer ao tempo: «Detém-te! És tão belo...!», como dizia Goethe. O presente não se detém. Não poderíamos imaginar um presente puro; seria nulo. O presente contém sempre uma
partícula de passado e uma partícula de futuro, e parece que isso é necessário ao tempo.

Jorge Luís Borges,
in 'Ensaio: O Tempo'

4 de outubro - Dia dos animais



Até algum tempo atrás, muitos europeus suspeitavam que os animais fossem demönios disfarçados.
As execuções dos bichos endemoniados, pela forca ou pelo fogo, eram espetáculos públicos tão exitosos como a queimação das bruxas amantes de Satã.
No dia 18 de abril de 1499, na abadia francesa de Josafat, perto de Chartres, um porco de trës meses de idade foi levado a um processo criminal.
Como todos os porcos, ele não tinha alma nem razão, e havia nascido para ser comido. Mas em lugar de ser comido, comeu: foi acusado de ter almoçado um bebë.
A acusação não estava baseada em nenhuma evidëncia.
Na falta de provas, o porquinho passou a ser culpado quando o promotor, Jean Levoisier, formado di Direito, alcalde-mor do mosteiro de Saint Martin de Laon, revelou que a devoração tinha acontecido numa Sexta-Feira Santa.
Então, o juiz ditou a sentença. Pena capital.

Galeano

Podrías 1






Si no eres la persona libre que quieres ser, busca un lugar donde puedas contar la verdad sobre ello. Contar cómo te va con todo. La franqueza es como una madeja que se produce a diario en el vientre, tiene que desenrollarse en algún lado. Podrías susurrar de cara a un pozo. Podrías escribir una carta y mantenerla guardada en la gaveta. Podrías escribir una maldición en una cinta de plomo y enterrarla para que nadie la lea por mil años. No se trata de encontrar un lector, se trata de contar. Piensa en una persona de pie, sola en un cuarto. La casa está en silencio. La persona lee un pedazo de papel. No existe nada más. Todas sus venas se pasan al papel. Toma la pluma y escribe en él unos signos que nadie más va a ver, le confiere así como una plusvalía, y todo lo remata con un gesto tan privado y preciso como su propio nombre.

  by Anne Carson/ traductor venezolano Luis Moreno Villamediana