sábado, 6 de outubro de 2012

ZARPA… QUE INCOMODA!


(Rogério Martins Simões)

O que pensas quando estás só?
Que notícias trazem de ti as horas?
Por que suspendes os minutos
e desprezas os segundos?

Secundaram a tua imagem
numa versão de cárcere.
Que sabem de ti os amigos?
Que dúvidas escorrem
nos confins da tua mente?
- Mentias se falasses!
Por isso nada dizes
e o silêncio incomoda.

Morrias se ouvisses um grito!
Chorarias
se escutasses uma criança!
Que criança tem o teu coração?
Ainda, assim, escutas
o teu próprio silêncio.
Resta-te um velho cão…


Continuas só,
escutando nada!?
Lá fora uma multidão,
danada,
apedreja um ladrão…
À luz de uma velha cidade
florescem cimentos
e as gentes passam por edifícios
construídos nos penhascos dos lucros…
Parecem feras enjauladas
que se soltam
e percorrem, na rotina,
o caminho contrário.

Contrariamente à sorte
não se fala na mesma língua…
O regresso é o inverso e o verso
de uma partida desesperada…

A todo o tempo se remexe
em papéis,
em contas,
e se contam os tostões
para pagar as dívidas!

Que dívida tens para com a sorte
em teres nascido?

Zarpa que incomoda!
Resta-te um velho cão…








Andam aos tiros nas ruas.
Apontam as espingardas
às casas vazias.
Vivem agora nos fundos…
a fugir às bombas.
Não oiço nada cá em baixo!
Não oiço nada cá em cima!

O hospital tresanda
a fétida melena
de sangue cozido pelo sol.
O sol não nasceu para todos!
Estendem-se redes,
pelos telhados,
para aprisionar a luz.

Falta-me a lucidez!

Zarpa que incomoda!
Resta-me um velho cão…


O cão sacode a pulga.
E a pulga regressa ao homem
de onde nunca deveria ter saído.

Na barraca, de tabique,
há sempre correntes de ar
e cheiros pestilentos
das canseiras.


No bidão
improvisa-se um lavatório.
Emprenha-se um buraco…
que faz de latrina…

Ao lado, prego com prego,
cheira a catinga.
E uma velha mulher
canta
uma desconhecida
canção de embalar.

Todas as manhãs
são escurecidas
com excrementos escorridos….
Cheira a merda!

Zarpa que incomoda…
Resta-me um velho cão…

Hoje não penso
nas quatro paredes
que me cercam.
Corri meus olhos numa cotovia
Que voava apressada...

Bateram à porta.
Foi engano!
Lá fora, nas cartilagens da agonia,
há tanta luta!

Movimento as minhas mãos
E conforto o velho cão
Que não se mexe.
Sucumbia a uma lambidela...

Zarpa que incomoda…

Que sorte
ter um cão por amigo…



Lisboa, 31/08/2006


(Registado no Ministério da Cultura
Inspecção-Geral das Actividades Culturais I.G.A.C.
Processo n.º 2079/09)

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