sábado, 13 de outubro de 2012

Química



Sublimemos, amor. Assim as flores
No jardim não morreram se o perfume
No cristal da essência se defende.
Passemos nós as provas, os ardores:
Não caldeiam instintos sem o lume
Nem o secreto aroma que rescende.

José Saramago

Alcoólicas (I)




É crua a vida. Alça de tripa e metal.
Nela despenco: pedra mórula ferida.
É crua e dura a vida. Como um naco de víbora.
Como-a no livor da língua
Tinta, lavo-te os antebraços, Vida, lavo-me
No estreito-pouco
Do meu corpo, lavo as vigas dos ossos, minha vida
Tua unha plúmbea, meu casaco rosso.
E perambulamos de coturno pela rua
Rubras, góticas, altas de corpo e copos.
A vida é crua. Faminta como o bico dos corvos.
E pode ser tão generosa e mítica: arroio, lágrima
Olho d'água, bebida. A vida é líquida.

in HILST, Hilda. Do desejo. São Paulo: Globo, 2004

ENTRE OS MORTOS NUM BOMBARDEIO AO AMANHECER




HAVIA UM HOMEM DE CEM ANOS

Quando a manhã despertava sobre a guerra

Ele vestiu as calças e caminhou para a morte,

Suas madeixas bocejaram soltas e uma rajada de vento as dispersou,

Tombou onde amava, sobre as pedras arrancadas à calçada

E as fúnebres sementes do solo massacrado.

Dizei à sua rua lá no fundo que ele deteve um sol

E que da cratera de seus olhos brotaram fogos e balaços

Quando todas as chaves saltaram das fechaduras e retiram.

E não mais escaveis em defesa das algemas de seu grisalho coração.

A ambulância celeste arrancada por uma constelação de chagas

Aguarda o tinir da espada na gaiola.

Oh retirai seus ossos desse veículo banal,

a manhã está voando com as asas de sua idade

E uma centena de cegonhas pousa na mão direita do sol.

(Dylan Thomas)