sexta-feira, 3 de julho de 2015

PRECISAMOS SUPERAR O MEDO


“A produção do medo é o grande obstáculo pra que a gente possa viver em uma sociedade mais democrática e igualitária. O medo nos une e nos divide de uma forma perversa. Não tem vencedor nesta lógica da produção do medo.

A redução da maioridade penal seria a institucionalização deste medo contra uma juventude que é vitima de uma sociedade cada vez mais desigual. Nós temos problemas e eles precisam ser tratados com boas propostas. Vencemos uma votação, mas isso não resolve o problema brasileiro, que é o da produção do medo contra aqueles que precisam fazer parte da sociedade”.


(Marcelo Freixo)
...o homem é uma junção de mal e bem. Tanto os tais “homens de bem” que legislam e aplicam as leis contra os jovens "maus" que cada vez mais cedo se tornarão vítimas de suas manipulações eleitoreiras.
O jovem violento não surge do acaso, como a chuva que cai do céu. Somos todos culpados, junto com eles, por construirmos uma sociedade violenta, individualista e impiedosa.

(Luis Alberto Mendes Junior)
"A alma da gente, como sabes, é uma casa assim disposta, não raro com janelas para todos os lados, muita luz e ar puro. Também as há fechadas e escuras, sem janelas ou com poucas e gradeadas, à semelhança de conventos e prisões. Outrossim, capelas e bazares, simples alpendres ou paços suntuosos."

- Machado de Assis em "'Dom Casmurro' - Capítulo LVI".

Mélange

Sob o sol
Sob o sol em meu leito após a água -
Sob o sol e sob o reflexo enorme do sol sobre o mar,
Sob a janela,
Sob os reflexos e os reflexos dos reflexos
Do sol e dos sóis sobre o mar
Nos vidros,
Após o banho, o café, as ideias,
Nu sob o sol em meu leito todo iluminado
Nu - só - louco -
Eu!
- Paul Valéry,. [tradução Augusto de Campos].


http://www.elfikurten.com.br/2014/06/paul-valery.html
“Eu precisaria de alguém que me ‘ouvisse’, mas que me ouvisse sentindo cada palavra como um tiro ou uma facada. Porque é assim que eu ouço as palavras ligadas a esta história. Cada uma tem seu significado sangrento, no estranho ‘Sertão’ que venho edificando aos poucos, ao som castanho e rouco do meu canto, como um Castelo de pedra erguido a partir do Sertão real.”

- Ariano Suassuna, em “História d’O Rei Degolado nas Caatingas do Sertão ao Sol da Onça Caetana”. Rio de Janeiro: José Olympio, 1977, p. 80.


http://www.elfikurten.com.br/2013/09/ariano-suassuna.html

'Em 1948, Israel matou milhares de inocentes e aterrorizou outros milhares em nome da criação de um estado de maioria judaica numa terra com 65% de árabes. Em 1967, desalojou centenas de milhares de palestinos novamente, ocupando o território que até hoje controla, em grande medida, 47 anos depois.
Em 1982, numa cruzada para expulsar a Organização pela Liberação da Palestina e extinguir o nacionalismo palestino, Israel invadiu o Líbano, matando 17 mil pessoas, a maioria civis.
Desde os anos 80, com o levante da ocupação palestina, de forma geral atirando pedras e organizando greves gerais, Israel prendeu dezenas de milhares de palestinos: mais de 750.000 pessoas foram para prisões israelenses desde 1967, um número equivalente a 40% da população adulta hoje.
Eles sairam da prisão com depoimentos de tortura, fundamentados por grupos de direitos humanos como o B’tselem.
Durante a segunda intifada, que começou em 2000, Israel invadiu novamente a Cisjordânia (de onde de fato nunca saiu). A ocupação e colonização das terras palestinas continuou ininterruptamente através do “processo de paz” dos anos 90, e até os dias de hoje. E, ainda assim, nos Estados Unidos a discussão ignora esse contexto opressivo crucial, e está sempre limitada à “auto-defesa” de Israel e à suposta responsabilidade de palestinos por seu próprio sofrimento.
Nos últimos sete anos ou mais, Israel sitiou, atormentou e atacou regularmente a Faixa de Gaza.
Os pretextos mudam: eles elegeram o Hamas; eles se recusam a ser dóceis; eles se recusam a reconhecer Israel; eles lançam foguetes; eles constroem túneis para contornar o estado de sítio etc.
Mas cada pretexto é uma falácia, porque a verdade dos guetos – o que acontece quando você aprisiona 1,8 milhão de pessoas em 225 mil metros quadrados, quase um terço da área da cidade de Nova York, com controle de fronteiras, quase sem acesso ao mar para pescadores (apenas três de 20 quilômetros são permitidos, segundo o Acordo de Oslo), sem meio de entrada ou saída e com mísseis guiados sobre suas cabeças noite e dia – é que eles acabarão contra-atacando. Isso aconteceu em Soweto e Belfast e acontece em Gaza'
--Por Rashid Khalidi, na New Yorker, via Viomundo


O que é de (des)conhecimento geral

'O ambiente comunicacional organizado e pautado pela mídia tradicional é o reino das obviedades, terreno fértil para o populismo e a manipulação. Nesse território se edificam não apenas as carreiras políticas inexplicáveis, como algumas fortunas que desafiam as teorias de sustentabilidade do capitalismo.
Parte dos conflitos que vimos crescer nas ruas a partir de junho de 2013 tem origem nessa incapacidade das instituições de aprofundar a compreensão do Brasil contemporâneo.
Presos a essa roda de ignorâncias por aceitarem a dependência de um sistema de mídia limitador e intelectualmente modesto, governantes que deveriam tomar a iniciativa da mudança não se mostram capazes de inovar. Os candidatos ao cargo mais elevado do sistema de poder, colocados diante da oportunidade de expor o que se espera sejam ideias inovadoras, repetem velhas receitas genéricas.
A imprensa compra qualquer coisa e repassa ao público o que é o desconhecimento geral do Brasil sobre si mesmo'


--por Luciano Martins Costa, via Observatório da Imprensa [título original: 'O que é de (des)conhecimento geral']

Paisagem Marajoara


Da migração úmida e mansa do crepúsculo
ficou um olor de maresia brava,
lambendo o limo lodoso das raízes.
A lua, ciumenta e oca,
encolhida e acuada,
espia desconfiada,
pelas frestas da mata,
a terra grávida de sombras e silêncios…
O vento é um passarão agourento
voando por sobre os contornos ondulantes
da grande ilha supersticiosa
de litorais iluminados
pelos olhos da boiúna.

- Adalcinda Camarão, do livro "Poesia do Grão-Pará" (seleção e notas de Olga Savary). Rio, Graphia, 2001.


http://www.elfikurten.com.br/2014/04/adalcinda-magno-camarao-luxardo.html
Fayad Jamis
México – 1930 -1988- Cuba

¿Qué es para usted la poesía además de una piedra horadada por el sol y la lluvia,
Además de un niño que se muere de frío en una mina del Perú,
Además de un caballo muerto en torno al cual las tiñosas describen eternos círculos de humo,
Además de una anciana que sonríe cuando le hablan de una receta nueva para hacer frituras de sesos
(A la anciana, entretanto, le están contando las maravillas de la electrónica, la cibernética y la cosmonáutica),
Además de un revólver llameante, de un puño cerrado, de una hoja de yagruma, de una muchacha triste o alegre,
Además de un río que parte el corazón de un monte?
¿Qué es para usted la poesía además de una fábrica de juguetes,
Además de un libro abierto como las piernas de una mujer,
Además de las manos callosas del obrero,
Además de las sorpresas del lenguaje -ese océano sin fin totalmente creado por el hombre-,
Además de la despedida de los enamorados en la noche asaltada por las bombas enemigas,
Además de las pequeñas cosas sin nombre y sin historia
(un plato, una silla, una tuerca, un pañuelo, un poco de música en el viento de la tarde)?
¿Qué es para usted la poesía además de un vaso de agua en la garganta del sediento,
Además de una montaña de escombros (las ruinas de un viejo mundo abolido por la libertad),
Además de una película de Charles Chaplin,
Además de un pueblo que encuentra a su guía
y de un guía que encuentra a su pueblo
en la encrucijada de la gran batalla,
Además de una ceiba derramando sus flores en el aire
mientras el campesino se sienta a almorzar,
Además de un perro ladrándole a su propia muerte,
Además del retumbar de los aviones al romper la barrera
del sonido (Pienso especialmente en nuestro cielo y
nuestros héroes)?
¿Qué es para usted la poesía además de una lámpara encendida,
Además de una gallina cacareando porque acaba de poner,
Además de un niño que saca una cuenta y compra un helado de mamey,
Además del verdadero amor, compartido como el pan de cada día,
Además del camino que va de la oscuridad a la luz (y no a la inversa),
Además de la cólera de los que son torturados porque
luchan por la equidad y el pan sobre la tierra,
Además del que resbala en la acera mojada y lo están viendo,
Además del cuerpo de una muchacha desnuda bajo la lluvia,
Además de los camiones que pasan repletos de mercancías,
Además de las herramientas que nos recuerdan una araña o un lagarto,
Además de la victoria de los débiles,
Además de los días y las noches,
Además de los sueños del astrónomo,
Además de lo que empuja hacia adelante a la inmensa humanidad?
¿Qué es para usted la poesía?

Conteste con letra muy legible, preferiblemente de imprenta.


Desmerece salir y sembrar una espina,
que la rosa es el pez alongado a las tejas
y le duele a mi voz su fragancia de escama.
Quien la arranque del quicio no abrirá más la puerta,
no girará el ocaso en la jamba absoluta
porque el ocaso es jamba en las redes del hambre.
No clavarla ni hundirla al dolor de los pétalos,
ni escanciar sus axilas en las lluvias sangradas
cuando la aurora fulja en espaldas de nube.
Desmerece salir a nombrar lo innombrable.
Nada dice al bejeque, no le importa siquiera
ser la oreja del sueño o el refugio del grillo.
REGRESA solitaria y, al despuntar la noche,
ya se ha ido a otra parte a desangrar su hondura.
Nada esperan las uñas. Del tiempo, nada arañan
sino aquella soledad de regresar al nido
de una fila azulada de cartones y palos
que apilan las gavillas, las atongan y orean,
hacen nudos y enhebran la desazón a sales
secundarias del sueño. Avellanar la sombra
y que corran chavetas por los peces del humo.
Coletea el cuchillo y el ensueño detrás
cuando la piel regresa solitaria y desnuda
a envolver el abismo en cajitas de nube.
Islas Canarias - 1957
De: Poética de Esther Hughes


"Li algures que os gre Isla Negra 383

5 años



5 años
5 copas de alcohol, cinco velas, cinco años
cuarenta y tres años de edad, una ráfaga de sudor a medianoche
las palmas de cincuenta manos golpean contra la mesa
una bandada de pájaros con las garras cerradas viene volando desde ayer
5 cohetes resuenan en el mes cinco, en cinco dedos el trueno retumba
pero en el mes cuatro cuatro hongos alimentándose
de la lengua de cuatro caballos muertos no mueren
en el día cinco cinco velas se apagan a las cinco y cinco
pero el paisaje vociferante del amanecer no muere
el pelo muere pero la lengua no muere
el temperamento recuperado de una carne bien cocida no muere
cincuenta años el mercurio infiltra el esperma pero el esperma no muere
el feto se pare a sí mismo y no muere
cinco años pasan, cinco años no mueren
en cinco años, veinte generaciones de insectos mueren.

DUO DUO (Pekin, 1951)
Trad. Ángel Petrecca.


Mahmud Darwish

Palestina – 1942 - 2008

Todos los pájaros que ha perseguido
la palma de mi mano a la entrada del lejano aeropuerto, todos los campos de trigo,
todas las cárceles
todas las tumbas blancas
todas las fronteras todos los pañuelos que se agitaron,
todos los ojos
estaban conmigo, pero ellos
los borraron de mi pasaporte.
¿Despojado de nombre, de pertenencia,
en una tierra que ha crecido con mis propias manos?
Job ha llenado hoy el cielo con su grito:
¡no hagáis de mí un ejemplo otra vez!
Señores, señores profetas,
no preguntéis su nombre a los árboles,
no preguntéis por su madre a los valles:
de mi frente se escinde la espada de la luz,
y de mi mano brota el agua del río.
Todos los corazones del hombre… son mi nacionalidad: ¡retiradme el pasaporte!

Traducción de Luz Gómez Garcíagos


antigos não escreviam necrológios,
quando alguém morria perguntavam apenas:
tinha paixão?
quando alguém morre também eu quero saber da qualidade da sua paixão:
se tinha paixão pelas coisas gerais,
água,
música,
pelo talento de algumas palavras para se moverem no caos,
pelo corpo salvo dos seus precipícios com destino à glória,
paixão pela paixão,
tinha?
e então indago de mim se eu próprio tenho paixão,
se posso morrer gregamente,
que paixão?
os grandes animais selvagens extinguem-se na terra,
os grandes poemas desaparecem nas grandes línguas que desaparecem,
homens e mulheres perdem a aura
na usura,
na política,
no comércio,
na indústria,
dedos conexos, há dedos que se inspiram nos objectos à espera,
trémulos objectos entrando e saindo
dos dez tão poucos dedos para tantos
objectos do mundo
e o que há assim no mundo que responda à pergunta grega,
pode manter-se a paixão com fruta comida ainda viva,
e fazer depois com sal grosso uma canção curtida pelas cicatrizes,
palavra soprada a que forno com que fôlego,
que alguém perguntasse: tinha paixão?
afastem de mim a pimenta-do-reino, o gengibre, o cravo-da-índia,
ponham muito alto a música e que eu dance,
fluido, infindável,
apanhado por toda a luz antiga e moderna,
os cegos, os temperados, ah não, que ao menos me encontrasse a paixão
e eu me perdesse nela
a paixão grega"

 (Herberto Hélder, A Faca Não Corta o Fogo)



En el hospital


Sacás de adentro de la sábana blanca una mano,
seca y delgada, las uñas cubiertas de esmalte
igual que las flores del cerezo
iluminando las ramas en invierno.
Estas uñas, estas flores, una y otra vez te las recortás,
una y otra vez dejás que crezcan furiosas
Ubicadas en la frontera entre tu cuerpo y la nada
aparecen siempre tan
impecables, tan flamantes, incluso en este hospital
caótico como nuestro país. Agarro tu mano
y siento cómo las venas se hinchan, se contraen
mientras la sangre repta hasta la punta roja del dedo y da la vuelta
Recuerdo entonces lo que escribiste en un poema:
que en el cuerpo muerto las uñas
son lo último que se pudre.
Trad Ángel Petrecca.

Isla Negra, nº 383