segunda-feira, 22 de abril de 2013


"O saber deve ser como um rio, cujas águas doces, grossas, copiosas, transbordem do indivíduo, e se espraiem, estancando a sede dos outros. Sem um fim social, o saber será a maior das futilidades."

- Gilberto Freyre, em discurso de "Adeus ao Colégio", novembro de 1917.

 “O meu amigo mais íntimo é o sujeito que vejo todas as manhãs no espelho do quarto de banho, à hora onírica em que passo pelo rosto o aparelho de barbear. Estabelecemos diálogos mudos, numa linguagem misteriosa feita de imagens, ecos de vozes, alheias ou nossas, antigas ou recentes, relâmpagos súbitos que iluminam faces e fatos remotos ou próximos, nos corredores do passado – e às vezes, inexplicavelmente, do futuro – enfim, uma conversa que, quando analisamos os sonhos da noite, parece processar-se fora do tempo e do espaço.”

- Erico Verissimo, em Solo de Clarineta – Memórias, 1º vol. 1973.

Orgulho


 Quando o soldado americano me contou / que as alemãs filhas de burgueses / vendiam-se por tabaco, e as filhas de pequeno burgueses por chocolate / as esfomeadas trabalhadoras escravas russas, porém, nao se vendiam / senti orgulho.
(Bertold Brecht)

partilha formal




Atravessar com o poema a pastoral dos desertos, o sacrifício às fúrias, o fogo bolorento das lágrimas. Correr atrás dele, implorar-lhe, injuriá-lo. Identificá-lo como sendo a expressão do nosso génio ou ainda o ovário esmagado da nossa penúria. Por uma noite irromper atrás dele, finalmente, nas núpcias da romã cósmica.


[Escrito por René Char/ Traduzido por Margarida Vale do Gato--
-- "Furor e mistério." Relógio d'Água Editores, 2000]

'' toda eleição é um leilão antecipado de bens roubados''

-H.L. Mencken.

Vida



Para um destino incerto caminhamos,
Tontos de luz, dentro de um sonho vão;
E finalmente, a gloria que alcançamos
Nem chega a ser uma desilusão!

Levanta-se da sombra, entre altos ramos,
Como um fumo a subir, lento, do chão,
A distancia que tanto procuramos,
E os nossos braços nunca atingirão.

Mas um dia, perdidos, hesitante,
A alma vencida e farta, as mãos tateantes,
De repente, paramos de lutar;

E ao nosso olhar, cansado de amargura,
As montanhas têm muito mais altura,
O céu mais astros, e mais água o mar!

- Ronald de Carvalho, no livro “Poemas e Sonetos”, 1919.

Soneto de Abril



Agora que é abril, e o mar se ausenta,
secando-se em si mesmo como um pranto,
vejo que o amor que te dedico aumenta
seguindo a trilha de meu próprio espanto.
Em mim, o teu espírito apresenta
todas as sugestões de um doce encanto
que em minha fonte não se dessedenta
por não ser fonte d'água, mas de canto.
Agora que é abril, e vão morrer
as formosas canções dos outros meses,
assim te quero, mesmo que te escondas:
amar-te uma só vez todas as vezes
em que sou carne e gesto, e fenecer
como uma voz chamada pelas ondas.

- Lêdo Ivo, in "Acontecimento do Soneto",1948.