quarta-feira, 20 de outubro de 2010

A rua

Bem sei que, muitas vezes,

O único remédio

É adiar tudo. É adiar a sede, a fome, a viagem,

A dívida, o divertimento,

O pedido de emprego, ou a própria alegria.

A esperança é também uma forma

De contínuo adiamento.

Sei que é preciso prestigiar a esperança,

Numa sala de espera.

Mas sei também que espera significa luta e não, apenas,

Esperança sentada.

Não abdicação diante da vida.



A esperança

Nunca é a forma burguesa, sentada e tranqüila da espera.

Nunca é figura de mulher

Do quadro antigo.

Sentada, dando milho aos pombos.

Cassiano Ricardo

Erótica é a alma

Pernas entrelaçadas

as minhas, as tuas

sem saber de quem são.

as mãos!



língua aventureira

desvenda meus sonhos

molha minha pele

Tesão!



jogado na cama

passeio em teu corpo

como tua carne

em ritual

Oração!



Eros nos move

Baco nos guia

ao prazer sem pressa

até que eu morra em teus braços

renasça em tua boca.

Para que morras em meu corpo

e renasças

dentro de mim.



Adélia Prado,

em Poesia reunida. São Paulo. Editora Siciliano