sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

Olor de fábulas ladinas...

Como alguém que se belisca pra verificar se acordado sonha
Compulsivo você ladainha o dito por Plutarco
De que 'nascer é penetrar em uma pátria estranha'


[Wally Sailormoon | Nomadismos]

EU

Florbela Espanca


Eu sou a que no mundo anda perdida,
Eu sou a que na vida não tem norte,
Sou a irmã do Sonho, e desta sorte
Sou a crucificada... a dolorida...

Sombra de névoa ténue e esvaecida,
E que o destino amargo, triste e forte,
Impele brutalmente para a morte!
Alma de luto sempre incompreendida!...

Sou aquela que passa e ninguém vê...
Sou a que chamam triste sem o ser...
Sou a que chora sem saber porquê...

Ler mais:
http://www.portaldaliteratura.com/poemas.php?id=212

Publicado por Fidelizarte Lda

Lavoura arcaica

“... rico só é o homem que aprendeu, piedoso e humilde, a conviver com o tempo, aproximando-se dele com ternura, não contrariando suas disposições, não se rebelando contra o seu curso, não irritando sua corrente, estando aberto para o seu fluxo, brindando-o antes com sabedoria para receber dele os favores e não a sua ira; o equilíbrio da vida depende essencialmente deste bem supremo, e quem souber com acerto a quantidade de vagar, ou a de espera, que se deve pôr nas coisas, não corre nunca o risco, ao buscar por elas, de defrontar-se com o que não é.”

- Raduan Nassar, in: Lavoura arcaica, 1975.


http://www.elfikurten.com.br/2013/05/raduan-nassar-tradicao-e-vanguarda.html

Corvo Negro



Corvo negro, por que você rodopia
Sobre a minha cabeça?
Você não obterá a presa,
Corvo negro, eu não sou teu!
Você não obterá a presa,
Corvo negro, eu não sou teu!

Por que você estica as garras
Sobre a minha cabeça?
Ou você aspira à presa para si?
Corvo negro, eu não sou teu!

Voe para a minha terra,
Diga para a minha mãezinha,
Diga-lhe, meu querido,
Que pela pátria eu caí.

Leve o lenço ensanguentado
Para a minha doce amada
Diga a ela que ela está livre,
Eu me casei com outra.

Uma flecha incandescente coroou-nos*
Em meio à batalha fatal.
Vejo que a minha morte está chegando, -
Corvo negro, eu sou todo seu!
Vejo que a minha morte está chegando, -
Corvo negro, eu sou todo seu!

~em russo~

Черный ворон

Черный ворон, что ты вьешься
Над моею головой?
Ты добычи не добьешься,
Черный ворон, я не твой!
Ты добычи не добьешься,
Черный ворон, я не твой!

Что ж ты когти распускаешь
Над моею головой?
Иль добычу себе чаешь?
Черный ворон, я не твой!

Полети в мою сторонку,
Скажи маменьке моей,
Ей скажи, моей любезной,
Что за родину я пал.

Отнеси платок кровавый
К милой любушке моей.
Ей скажи — она свободна,
Я женился на другой.

Калена стрела венчала
Нас средь битвы роковой.
Вижу, смерть моя приходит, —
Черный ворон, весь я твой!
Вижу, смерть моя приходит, —
Черный ворон, весь я твой...

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*"Uma flecha incandescente coroou-nos" = Na cerimônia de casamento cristã ortodoxa (a religião predominante na Rússia), o sacerdote coroa os noivos no momento de casá-los. No caso em questão, ele quer dizer que a flecha "casou-o" com a Morte, que seria a "outra" referida na estrofe anterior.

http://www.youtube.com/watch?v=02auog110xY
Tu que vives e passas, sem saber
O que é a vida nem porque é, que ignoras
Todos os fins e que, pensando, choras
Sobre o mistério do teu próprio Ser,

Não sofras mais à espera das auroras
Da suprema verdade a aparecer:
A verdade das coisas é o prazer
Que elas nos possam dar à flor das horas...

Essa outra que desejas, se ela existe,
Deve ser muito fria e quase triste,
Sem a graça encantada da incerteza...

Vê que a Vida afinal, — sombras, vaidades —
É bela, é louca e bela, e que a Beleza
___________R. De Leoni; Luz Mediterrânea

É a mais generosa das verdades...
Nós, incautos e efêmeros passantes,
Vaidosas sombras desorientadas,
Sem mesmo olhar o rumo das passadas,
— Vamos andando para fins distantes...

Então, sutis, envolvem-nos ciladas
De pequenos acasos inconstantes,
Que vão desviando, a todos os instantes,
A linha leviana das estradas...

Um dia, todo o fim a que chegamos,
Vem de um nada fortuito, entretecido
Nas surpresas das horas em que vamos...

Para adiante! Ó ingênuos peregrinos!
Foi sempre por um passo distraído
Que começaram todos os destinos...

____________________Raul De Leoni


Esta noite sonhei - não é literatura - esta noite sonhei que não estava a sonhar. E afirmo que os pesadelos, mesmo para os mais assombrados de nós, apenas são ausências de pesadelo. A girar no vazio, o nosso espírito não poderia fazer-se à ideia de nunca mais girar. E na família dos nossos pensamentos, dos nossos amores, dos nossos ódios, é perpétua a história daquele homem que comia os filhos numa época de fome, para lhes preservar um pai.

____________________René Crevel

De um fantasma



Na minha vida fluida de fantasma
Sou tão leve que quase nem me sinto.
Nem há nada mais leve nem tão leve.
Sou mais leve do que a euforia de um anjo,
Mais leve do que a sombra de uma sombra
Refletida no espelho da Ilusão.



Nenhuma brutal lei do Universo sensível
Atua e pesa e nem de longe influi
Sobre o meu ser vago, difuso, esquivo
E no éter sereníssimo flutuo
Com a doce sutileza imponderável
De uma essência ideal que se volatiza...



Passo através das cousas mais sensíveis
E as cousas que atravesso nem se sentem,
Porque na minha plástica sutil
Tenho a delicadeza transcendente
Da luz, que flui través os corpos transparentes.
Sou quase imaterial como uma idéia...

E da matéria cósmica que tem

Tantos e variadíssimos estados

Eu sou o estado-alma, quer dizer
O último estado rarefeito, o estado ideal:
Alma, o estado divino da matéria!


_________________Raul De Leoni.