domingo, 15 de janeiro de 2017

O PALÁCIO DE INVERNO



Muitos se dizem mais sábios na velhice:
a mim isso parece-me uma tolice.
No meu segundo quarto de século perdi
tudo o que na universidade aprendi.
E no que se passou depois, a minha mente nem pensa.
Já não conheço os que saem na imprensa
e as pessoas ofendem-se pois esqueço as suas caras
e juro que nunca estive em suas casas.
Valeria a pena se conseguisse eliminar
o que quer que seja que me começa a prejudicar.
E no final não saberei nada.
A minha mente encerrar-se-á como um campo, uma nevada.


- in Antología Poética, Cátedra, 2016.

Philip Larkin (1922-1985) poeta inglês. 
Tradução :Fátima Diogo .

a classe dominante tem um projeto

 Embora as pessoas não reconheçam, a classe dominante tem um projeto muito bem elaborado para o país (e o está aplicando com bastante sucesso). Este projeto é o de acabar com a ideia de desenvolvimentismo, ou seja, a ideia de que Estado deve induzir o desenvolvimento, em detrimento de uma ideia de que o Estado deve garantir as condições de funcionamento do mercado; acabar com a ideia de Estado de bem-estar social, ou seja, que o Estado tem a função de garantir alguns direitos sociais aos cidadãos - e, para isso, não estão preocupados com a degradação da democracia -; e o retorno a um tipo de sociedade em que o Estado tem a única função de garantir a segurança e o controle orçamentário. Esta classe pretende acabar com a ideia de que os cidadãos têm qualquer direito a ser garantido pelo Estado, para que o setor privado possa vir a suprir as necessidades das pessoas e obter lucros com isso, e também que o Estado tem qualquer função de administrar empresas públicas, que devem ser privatizadas. Para que as pessoas possam adquirir planos de saúde, pagar pela educação e pela previdência privada, enfim, tudo o que precisam, este projeto inclui o estímulo à iniciativa privada, as pessoas devem abrir seus próprios negócios e assim se dará a manutenção da economia. Os cortes dos gastos primários (sem contar os juros da dívida) tem isso como objetivo, a única função do Estado é a segurança e o pagamento dos juros da dívida pública, e, para pagá-los, o Estado deve arrecadar impostos, que servirão apenas para isso, para o pagamento dos juros para os detentores da dívida pública. Isso é o Consenso de Washington, uma receita de desregulamentação financeira, em que é preconizado um conjunto de 10 medidas para o ajustamento econômico, e significa uma reconfiguração do capital, que exige a disciplina fiscal, realinhamento dos gastos públicos, a liberalização financeira, a liberalização comercial, a desregulamentação e a questão da propriedade intelectual. Enfim, estamos em um momento em que os interesses financeiros dominam todas as sociedades, que devem canalizar toda a arrecadação para o sistema financeiro, e a sociedade acabar com toda a regulação e controle do Estado para que os investidores privados possam atender às necessidades das pessoas por meio da iniciativa privada. Por fim, não vemos resistência porque para isso precisamos de uma classe trabalhadora forte, e a classe trabalhadora se torna forte com a garantia e a proteção de direitos - sobretudo a garantia de emprego, e com o crescimento da economia; com a política, ou seja, a disputa do Estado através da organização de partidos políticos capazes de apresentar um projeto e obter apoio de massa; e com a mobilização dos movimentos sociais. Não há outro caminho para lidar com estas questões, mas a economia e as condições de emprego estão degradadas, e a classe trabalhadora, frágil; e a política, e, sobretudo, os partidos de origem popular, foi deliberadamente deslegitimada pela classe dominante exatamente para impedir a resistência aos seus interesses... Mais especificamente, acho que o objetivo é que o atual governo aprove essas medidas duras e estruturais (o teto dos gastos, a reforma da previdência, a flexibilização das leis trabalhistas, e, também, a privatização das empresas públicas) já que ele não tem condições de disputar eleições e, portanto, não tem problema em sofrer com o desgaste político, e depois o PSDB deve entrar para controlar essa sociedade. Em geral, apenas os setores das classes populares são prejudicados. O único setor da classe dominante que também está sendo prejudicado é o da indústria, e não sei porquê eles aderem a esse projeto. Mas, de qualquer forma, esse é um projeto do setor financeiro internacional, que a mídia, a política, os poderes constitucionais, e a sociedade em geral, entram de roldão... Enfim, houve um setor da classe dominante, o setor financeiro internacional, que ascendeu ao domínio, e que esta situação, embora ruim para a sociedade como um todo, e mesmo para a manutenção do capitalismo e da democracia, é bom para esse setor, e, enquanto for bom para esse setor, este continuará impondo os seus interesses sobre o restante da sociedade.


 Mauro Costa Assis




O FIM DO NEOLIBERALISMO PROGRESSISTA

Publicado por Gilberto Maringoni e o Opera Mundi: uma análise de Nancy Fraser sobre o significado da vitória de Donald Trump

Já publiquei aqui este ótimo artigo de Nancy Fraser, em inglês. Agora o Opera Mundi lança sua tradução.
Trata-se de texto fundamental para se perceber o crescimento de um movimento anti-globalização pela direita que pode também auxiliar a identificação de suas decorrências aqui no Brasil. (Indicação de Breno Altman).

"Ao longo dos anos, à medida que o setor industrial ruía, o país ouviu falar muito de “diversidade”, “empoderamento” e “não discriminação”. Ao identificar “progresso” com meritocracia, em vez de igualdade, o discurso igualou o termo “emancipação” à ascensão de uma pequena elite de mulheres “talentosas”, minorias e gays na hierarquia corporativista exclusivista.
Esta compreensão individualista e liberal de “progresso” gradualmente substituiu o entendimento de emancipação mais abrangente, anti-hierárquico, igualitário, sensível às questões de classe e anticapitalista, que prosperou nos anos 1960 e 70.

À medida que a Nova Esquerda sucumbia, sua crítica estrutural da sociedade capitalista desapareceu, e o pensamento individualista e liberal característico de nosso país se reafirmou, abalando imperceptivelmente as aspirações dos “progressistas” e autodeclarados esquerdistas. O que selou o acordo, no entanto, foi o fato de tais acontecimentos terem sido simultâneos à ascensão do neoliberalismo. Um partido que apoie a liberalização da economia capitalista é o parceiro perfeito para o feminismo corporativo e meritocrático focado em “assumir riscos” e “superar as barreiras da discriminação de gênero no trabalho”"