domingo, 14 de outubro de 2012

Serenata




Íbamos a vivir toda la vida juntos.
Íbamos a morir toda la muerte juntos.
Adiós.

No sé si sabes lo que quiere decir adiós.
Adiós quiere decir ya no mirarse nunca,
vivir entre otras gentes,
reírse de otras cosas,
morirse de otras penas.
Adiós es separarse ¿entiendes?, separarse,
olvidando, como traje inútil, la juventud.

¡Íbamos a hacer tantas cosas juntos!
Ahora tenemos otras citas.
Estrellas diferentes nos alumbran en noches diferentes.
La lluvia que te moja me deja seco a mí.
Está bien: adiós.
Contra el viento el poeta nada puede.

A la hora en que parten los adioses,
el poeta sólo puede pedirle a las golondrinas
que vuelen sin cesar sobre tu sueño.

 Manuel Scorza. Perú

Uma derrota da Civilização



No ano de 2002 fecharam as portas os oito restaurantes McDonald's na Bolívia.
Apenas cinco anos durou essa missão civilizadora.
Ninguém a proibiu. Aconteceu simplesmente que os bolivianos lhe deram as costas, ou melhor, se negaram de dar-lhes a boca. Os ingratos se negaram a reconhecer o gesto da empresa mais exitosa do planeta, que desinteressadamente honrava o país com sua presença.
O amor ao atraso impediu que a Bolívia se atualizasse com a comida de plástico e os vertiginosos ritmos a vida moderna.
As empanadas caseiras derrotaram o progresso. Os bolivianos continuam comendo sem pressa, em lentas cerimônias, teimosamente apegados aos antigos sabores nascidos no fogão domiciliar.
Foi-se embora, para nunca mais, a empresa que no mundo inteiro se dedica dar felicidade para as crianças, a mandar embora os trabalhadores que se sindicalizam e a multiplicar os gordos.


 Galeano - 14 de outubro

"Amor é água que corre"



Amor é água que corre
Tudo passa, tudo morre
Que me importa a mim morrer
Adeus cabeçita louca
Hei-de esquecer tua boca
Na boca d´outra mulher

Amor é sonho, é encanto
Queixa, mágoa, riso ou pranto
Que duns lindos olhos jorre
Mas tem curta duração
Nas fontes da ilusão
Amor é água que corre

Amor é triste lamento
Que levado p´lo vento
Ao longe se vai perder
E assim se foi tua jura
Se já não tenho ventura
Que me importa a mim morrer

Foi efémero o desejo
Do teu coração que vejo
No bulício se treslouca
Onde nascer a indiferença
Há-de morrer minha crença
Adeus cabeçita louca

Tudo é vário neste mundo
Mesmo o amor mais profundo
De dia a dia se apouca
Segue a estrada degradante
Que na boca d´outra amante
Hei-de esquecer tua boca

Hei-de esquecer teu amor
O teu corpo encantador
Que minha alma já não quer
Hei-de apagar a paixão
Que me queima o coração
Na boca d´outra mulher

fado  de Alfredo Marceneiro

NÃO SE MATE





Carlos, sossegue, o amor
é isso que você está vendo:
hoje beija, amanhã não beija,
depois de amanhã é domingo
e segunda-feira ninguém sabe
o que será.

Inútil você resistir
ou mesmo suicidar-se.
Não se mate, oh não se mate,
reserve-se todo para as bodas
que ninguém sabe quando virão,
se é que virão.

O amor, Carlos, você telúrico,
a noite passou em você,
e os recalques se sublimando,
lá dentro um barulho inefável,
rezas,
vitrolas,
santos que se persignam,
anúncios do melhor sabão,
barulho que ninguém sabe
de quê,
pra quê.

Entretanto você caminha
melancólico e vertical.
Você é a palmeira, você é o grito
que ninguém ouviu no teatro
e as luzes todas se apagam.
O amor no escuro, não, no claro,
é sempre triste, meu filho, Carlos,
mas não diga nada a ninguém, ninguém sabe nem saberá.

 Carlos Drummond de Andrade

A dama que atravessou três séculos




Alice nasceu escrava, em 1886, e escrava viveu cento e dezesseis anos.
Quando morreu, em 1802, morreu com ela uma parte da memória dos africanos na América. Alice não sabia nem ler nem escrever, mas estava toda cheia de vozes que contavam e cantavam lendas vindas de longe e também histórias vividas de perto. Algumas dessas histórias vinham dos escravos que ela ajudava a fugir.
Aos noventa anos, ficou cega.
Aos cento e dois, recuperou a visão:
- Foi Deus - disse. - Ele não podia me falhar.
Era chamada de Alice do Ferry Dunks. Ao serviço de seu dono, trabalhava no ferry que levava e trazia passageiros pelo rio Delaware.
Quando os passageiros, sempre brancos, debochavam daquela velha velhíssima, ela os deixava abandonados na outra margem do rio. Eles a chamavam aos gritos, mas não tinha jeito. Era surda a que havia sido cega.


Galeano - 11 de outubro 

estilo



estilo é a resposta para tudo –
um novo jeito de encarar algo estúpido ou
perigoso.
é preferível fazer algo estúpido com estilo
do que fazer algo perigoso
sem estilo.

Joana d’Arc tinha estilo
João Batista
Cristo
Sócrates
César,
García Lorca.

estilo é o que faz a diferença,
um jeito de realizar,
um jeito de estar realizado.

6 garças paradas numa lagoa
ou você saindo nua do banheiro
sem me
ver.

 Charles Bukowski/ tradução: Fernando Koproski
 AMOR É TUDO QUE NÓS DISSEMOS QUE NÃO ERA (7 Letras, 2012)