sexta-feira, 6 de junho de 2014

DA CONDIÇÃO HUMANA


Todos sofremos.
O mesmo ferro oculto
Nos rasga e nos estilhaça a carne exposta
O mesmo sal nos queima os olhos vivos.
Em todos dorme
A humanidade que nos foi imposta.
Onde nos encontramos, divergimos.
É por sermos iguais que nos esquecemos
Que foi do mesmo sangue,
Que foi do mesmo ventre que surgimos.
ARY DOS SANTOS

MUERTE DE ANTOÑITO EL CAMBORIO


Federico García Lorca

Voces de muerte sonaron
cerca del Guadalquivir.
Voces antiguas que cercan
voz de clavel varonil.
Les clavó sobre las botas
mordiscos de jabalí.
En la lucha daba saltos
jabonados de delfín.
Bañó con sangre enemiga
su corbata carmesí,
pero eran cuatro puñales
y tuvo que sucumbir.
Cuando las estrellas clavan
rejones al agua gris,
cuando los erales sueñan
verónicas de alhelí,
voces de muerte sonaron
cerca del Guadalquivir.
*
Antonio Torres Heredia,
Camborio de dura crin,
moreno de verde luna,
voz de clavel varonil:
¿Quién te ha quitado la vida
cerca del Guadalquivir?
Mis cuatro primos Heredias
hijos de Benamejí.
Lo que en otros no envidiaban,
ya lo envidiaban en mí.
Zapatos color corinto,
medallones de marfil,
y este cutis amasado
con aceituna y jazmín.
¡Ay Antoñito el Camborio
digno de una Emperatriz!
Acuérdate de la Virgen
porque te vas a morir.
¡Ay Federico García,
llama a la Guardia Civil!
Ya mi talle se ha quebrado
como caña de maíz.
*
Tres golpes de sangre tuvo
y se murió de perfil.
Viva moneda que nunca
se volverá a repetir.
Un ángel marchoso pone
su cabeza en un cojín.
Otros de rubor cansado,
encendieron un candil.
Y cuando los cuatro primos
llegan a Benamejí,
voces de muerte cesaron

cerca del Guadalquivir.

MANCHAS NA PAREDE


(Nicanor Parra)

Antes que caia a noite total
Estudaremos as manchas na parede:
Umas parecem plantas
Outras simulam animais mitológicos.
Hipogrifos,
dragões,
salamandras.
Mas as mais misteriosas de todas
São as que parecem explosões atômicas.
No cinematógrafo da parede
A alma vê o que o corpo não vê:
Homens ajoelhados
Mães com seus filhos nos braços
Monumentos equestres
Sacerdotes que erguem a hóstia:
Órgãos genitais que se reúnem.
Mas as mais extraordinárias de todas
São
sem sombra de dúvida
As que parecem explosões atômicas.

Fonte  Inimigo Rumor

Gargalhada

Gargalhada
Quando me disseste que não mais me amavas,
e que ias partir,
dura, precisa, bela e inabalável,
com a impassibilidade de um executor,
dilatou-se em mim o pavor das cavernas vazias...
Mas olhei-te bem nos olhos,
belos como o veludo das lagartas verdes,
e porque já houvesse lágrimas nos meus olhos,
tive pena de ti, de mim, de todos,
e me ri
da inutilidade das torturas predestinadas,
guardadas para nós, desde a treva das épocas,
quando a inexperiência dos Deuses
ainda não criara o mundo...

- João Guimarães Rosa, em 'Magma'.


O Amor Do Vermelho (Nevrose De Um Lord)


A ideia de teu corpo branco e amado,
beleza escultural e triunfante,
persegue-me, mulher, a todo o instante,
- como o assassino o sangue derramado!
Quando teu corpo pálido, beijado,
abandonas ao leito – palpitante,
quem jamais contemplou, em noite amante,
tentação mais cruel, tom mais nevado?
No entanto – duro, excêntrico desejo!
- quisera, às vezes, que a dormir te vejo,
tranquila, branca, inerme, unida a mim…
que o teu sangue corresse de repente,
fascinação da Cor! – e estranhamente,
te colorisse, pálido marfim.

António Gomes Leal


in Antologia de Poesia Portuguesa Erótica e Satírica, selecção prefácio e notas de Natália Correia; Antígona Frenes, Lisboa 2005

PORTUGAL

 Ó Portugal, se fosses só três sílabas,
linda vista para o mar,
Minho verde, Algarve de cal,
jerico rapando o espinhaço da terra,
surdo e miudinho,
moinho a braços com um vento
testarudo, mas embolado e, afinal, amigo,
se fosses só o sal, o sol, o sul,
o ladino pardal,
o manso boi coloquial,
a rechinante sardinha,
a desancada varina,
o plumitivo ladrilhado de lindos adjectivos,
a muda queixa amendoada
duns olhos pestanítidos,
se fosses só a cegarrega do estio, dos estilos,
o ferrugento cão asmático das praias,
o grilo engaiolado, a grila no lábio,
o calendário na parede, o emblema na lapela,
ó Portugal, se fosses só três sílabas
de plástico, que era mais barato!
Doceiras de Amarante, barristas de Barcelos,
rendeiras de Viana, toureiros da Golegã,
não há "papo-de-anjo" que seja o meu derriço,
galo que cante a cores na minha prateleira,
alvura arrendada para ó meu devaneio,
bandarilha que possa enfeitar-me o cachaço.
Portugal: questão que eu tenho comigo mesmo,
golpe até ao osso, fome sem entretém,
perdigueiro marrado e sem narizes, sem perdizes,
rocim engraxado,
feira cabisbaixa,
meu remorso,
meu remorso de todos nós...

ALEXANDRE O´NEILL

Poemas do Cárcere


Ho Chi Min 

“Um dia encarcerado:
Mil anos lá fora”.
Não é vã palavras
este provérbio antigo.
Quatro meses na cela
destruíram meu corpo
mais que dez anos de vida.
Quatro meses de fome,
quatro meses de insônia,
sem mudar de roupa
sem poder me lavar.
Abandonou-me um dente,
cabelos branquearam,
negro, magro, faminto,
vestido de sarna e de feridas.
Mas paciente sou,
duro, rijo,
sem recuar um palmo.
Materialmente miserável,

o moral, firme."

CANGACEIRO ZÉ SERENO


O baiano Zé Sereno esteve presente no combate de Angico no dia 28 de julho de 1938 e conseguiu fugir com sua companheira Sila. O seu bando chegou ao lugar dia 26, portanto dois dias antes da Morte de Lampião, Maria Bonita e mais 9 cabras, que foram vitimados pela fuzilaria da volante de Zé Bezerra.
Depois da morte de Lampião os cangaceiros dos diversos grupos ficaram desorientados. Os chefes resolveram se encontrar em Pinhão, Sergipe, em 15 de outubro de 1938, para combinara maneira como iam se entregar a polícia.
Lá estavam reunidos os grupos de Zé Sereno, Ângelo Roque (Labareda) e o de Corisco. Enquanto esperavam as autoridades para indicar os procedimentos foram atacados pelos soldados sergipanos, comandados pelo cabo Zé Grande. Morreram metralhados três cangaceiros que estavam desarmados: Amoroso, Cruzeiro e Bom-de-Veras.


Enciclopédia Nordeste: Biografia de Zé Sereno - http://goo.gl/Zoe8kc

Azar no Algarve



 Mohammed Hadjab

No Algarve, Almansur, almoxarife da alfândega, armazenava damascos na Alcova do seu alcázar. Sentado numa almofada de algodão bebendo xarope de limão e lendo um almanaque. O xerife chegou e, com ele, o pobre alazão do Alfaiate, cheio de garrafas de álcool. O alazão magrinho deu pena ao xeique que ofereceu ao pobre djinn um pouco de alface com um resto de almôndegas.
Almansur gritou ao xerife: Alferes que me vale a honra da tu visita no amanhecer?
O xerife com as mãos nas algibeiras não se atreveu em responder, mas, finalmente, à noite no seu zênite, respondeu: Eu estava na cidade de Alcobaça, na mesquita com o alfarrabista, bebendo um chá de tâmara, sentado numa almofada de arroz tratando de resolver algoritmos e álgebra, quando ouvi o grito terrível que me fez cair nos azulejos do chão.
Fora da mesquita jazia nos azulejos de cor alfazema, o alfaiate cujo nome era Ibn Almeida, assassinado com haxixe na boca e mãos algemadas, vestido de uma camisa azul.
A pele do pobre era de cor azul e brilhava como o azeite produzido nas azenhas do seu alcázar. Seu corpo açoitado não se mexia mais.
O almoxarife, agora de cor açafrão, vestiu seu Albornoz e foi beber água do chafariz.
E o assassino? Perguntou o xeique.
Chamem o alquimista, por favor!
Ali, meu vizir, me traz um café com cardamomo e muito açúcar!
E música, por favor, quero ouvir alaúde e tambores!
O Alquimista chamado de Alquimarra, Almirante em alquimia, chegou ao alcázar com seus alambiques, seu alcorão debaixo do braço e um jarra de álcool. Ele parecia dormir e seus cabelos levantados o faziam parecer com uma alcachofra.
Ele examinou o moribundo jogando no corpo álcool de flor de laranjeira para dissipar o cheiro da morte enquanto o Almansur jogava xadrez.
Ele examinou o corpo, à hora ajudando-se do seu astrolábio e começou a preparar um elixir afundando os dedos do moribundo nele.
Não ha assassino não. O alfaiate trespassou naturalmente e já está nos jardins de Allah comendo kibe ao escabeche e bebendo xarope de damasco. Com um Amalgame de algodão e de pedra esmeralda consegui ver que ele faleceu do coração!
Xeque-mate! Gritou o Emir Almansur!
Hoje nem usarei da minha matraque para castigar o assassino!
Pra agradecer o nobre alquimista, o xeique organizou um bazar cheio de kibe, de cuscus árabe, de alfajorras e de xarope de caramelo para honrar o alquimista, oferecendo a ele a honra de se deitar no divã do xeique.
O papagaio do vizir cantava no alcázar da Alhambra as lendas do esperto alquimista.

NB: Esse texto é constituído de 433 palavras, cujas 120 são de origem árabe.

Fonte : Presença Árabe no Brasil

O SORRISO DO PAPA NOS PREOCUPA


Nicanor Parra

ninguém tem o direito de sorrir
em um mundo tão podre como este
a não ser que tenha pacto com o Diabo
S.S. deveria chorar oceanos
e arrancar os cabelos que lhe restam
diante das câmeras de TV
em vez de sorrir pra um lado e pro outro
como se em Chile estivesse tudo bem
É tudo muito suspeito senhoras e senhores!
S.S. deveria condenar
o ditador em vez de fazer vista grossa
S.S. devia perguntar
por suas ovelhas desaparecidas
S.S. deveria pensar um pouquinho
foi para isso que os Cardeais
o coroaram Rei dos Judeus
não para andar de farra com o lobo
que ria então da Santa Mãe se acha engraçado

mas que não zombe assim de nós

'To Scherbinin'


Житье тому, любезный друг,
Кто страстью глупою не болен,
Кому влюбиться недосуг,
Кто занят всем и всем доволен;
Кто Наденьку, под вечерок,
За тайным ужином ласкает
И жирный страсбургский пирог
Вином душистым запивает;
Кто, удалив заботы прочь,
Как верный сын пафосской веры,
Проводит набожную ночь
С младой монашенкой Цитеры.
Поутру сладко дремлет он,
Читая листик «Инвалида»;
Весь день веселью посвящен,
А в ночьвновь царствует Киприда.
И мы не так ли дни ведем,
Щербинин, резвый друг забавы,
С Амуром, шалостью, вином,
Покамест молоды и здравы?
Но дни младые пролетят,
Веселье, нега нас покинут,
Желаньям чувства изменят,
Сердца иссохнут и остынут.
Тогдабез песен, без подруг,
Без наслаждений, без желаний,
Найдем отраду, милый друг,
В туманном сне воспоминаний!
Тогда, качая головой,
Скажу тебе у двери гроба:
«Ты помнишь Фанни, милый мой?» —
И тихо улыбнемся оба.

6 июня 1799 года родился Александр Сергеевич Пушкин
А.С. Пушкин. "Щербинину". Стихотворение. Автограф. 9 июля 1819. Ф.1336. Оп.1. Ед.хр.76. РГАЛИ

June 6, 1799 is a birthday of Alexander Pushkin
Alexander Pushkin. 'To Scherbinin'. Poem. Autograph. July 9, 1819. F.1336. Ind.1.Folder 76. RGALI

Fonte : Russian State Archive of Literature and Art


A ma femme endormie


Tu dors en croyant que mes vers
Vont encombrer tout l'univers
De désastres et d'incendies ;
Elles sont si rares pourtant
Mes chansons au soleil couchant
Et mes lointaines mélodies.
Mais si je dérange parfois
La sérénité des cieux froids,
Si des sons d'acier ou de cuivre
Ou d'or, vibrent dans mes chansons,
Pardonne ces hautes façons,
C'est que je me hâte de vivre.
Et puis tu m'aimeras toujours.
Éternelles sont les amours
Dont ma mémoire est le repaire ;
Nos enfants seront de fiers gas
Qui répareront les dégâts,
Oue dans ta vie a faits leur père.
Ils dorment sans rêver à rien,
Dans le nuage aérien
Des cheveux sur leurs fines têtes ;
Et toi, près d'eux, tu dors aussi,
Ayant oublié, le souci
De tout travail, de toutes dettes.
Moi je veille et je fais ces vers
Qui laisseront tout l'univers
Sans désastre et sans incendie ;
Et demain, au soleil montant
Tu souriras en écoutant

Cette tranquille mélodie.

Charles CROS

Mesmo sem guerras, Brasil é o país mais violento do mundo


"apelar somente para políticas repressivas como mecanismo de freio dos níveis de violência, reduzirá drasticamente as chances de resolver o problema em sua raiz, além de seguir alimentando uma cultura política favorável à lógica do castigo. A América Latina, e suas cidades em particular possuem marcas dolorosas do que significa aprofundar esse caminho (...) a melhor maneira de combater o crime é desenhar políticas preventivas, como oferecer oportunidades reais de formação, de atenção básica e de emprego digno para milhares de jovens (...) sem essas políticas, os jovens acabam virando presa fácil para o crime organizado, que, de maneira ilegal, proporciona a essas pessoas bens e serviços que o Estado não dá."
Leia em: http://site.adital.com.br/site/noticia.php?lang=PT&langref=PT&cod=80925

Diário Ontológico III

A vida dos livros não é uma expansão da vida do autor dos livros como pensam muitos por aí, no caso dos bons livros de poesia , que tudo indica serem escritos mais por um não-eu do que mediados pelo ego dos poetas, isto é mais evidente ainda, deve existir um além-nome de onde se originam os grandes poemas e passamos a vida intercambiando palavras a partir de um impessoal-abissal com este além-nome, com este não-eu que pode até ser o Daimon e as Musas ao mesmo tempo, ao mesmo interioridade-exterior do mundo e exterioridade-interior do ser dialogando através das linguagens...Tive uma vez um sonho com Jorge Luís Borges em que eu perguntava a ele o que ele sentia quando via seu nome na capa de um livro e ele me respondia : ' lo mismo que cuando se sueña con mi nombre en las lápidas'


Marcelo Ariel 

Amor de Mis Entrañas
Amor de mis entrañas, viva muerte,
en vano espero tu palabra escrita
y pienso, con la flor que se marchita,
que si vivo sin mí quiero perderte.
El aire es inmortal. La piedra inerte
ni conoce la sombra ni la evita.
corazón interior no necesita
la miel helada que la luna vierte.
Pero yo te sufrí. Rasgué mis venas,
tigre y paloma, sobre tu cintura
en duelo de mordiscos y azucenas.
Llena, pues, de palabras mi locura
o déjame vivir en mi serena
noche del alma para siempre oscura.


Federico García Lorca