domingo, 13 de abril de 2014

PAIXÃO


um sol cego na sombra
miragem da imagem
areia
ar
crer por crer
viver de morrer
quem alcança esse fim?


( Ronald Polito, do livro VAGA)

Par les temps, je cours à l'expression
Chaque émotion ressentie me donne envie
D'exprimer les non-dits
Et que justice soit faite

Dans nos pauvres vies endormies.

Polina Efimova

Incompreensível para as massas




Entre escritor
e leitor
posta-se o intermediário,
e o gosto
do intermediário
é bastante intermédio.
Medíocre
mesnada
de medianeiros médios
pulula
na crítica
e nos hebdomadários.
Aonde
galopando
chega teu pensamento,
um deles
considera tudo
sonolento:
– Sou homem
de outra têmpera! Perdão,
lembra-me agora
um verso
de Nadson…
O operário
Não tolera
linhas breves.
E com tal
mediador
ainda se entende Assiéiev
Sinais de pontuação?
São marcas de nascença!
O senhor
corta os versos
toma muitas licenças.
Továrich Maiacóvski,
porque não escreve iambos?
Vinte copeques
por linha
eu lhe garanto, a mais.
E narra
não sei quantas
lendas medievais,
e fala quatro horas
longas como anos.
O mestre lamentável
repete
um só refrão:
– Camponês
e operário
não vos compreenderão.
O peso da consciência
pulveriza
o autor.
Mas voltemos agora
ao conspícuo censor:
Campones só viu
há tempo
antes da guerra,
na datcha,
ao comprar
mocotós de vitela.
Operários?
Viu menos.
Deu com dois
uma vez
por ocasião da cheia,
dois pontos
numa ponte
contemplando o terreno,
vendo a água subir
e a fusão das geleiras.
Em muitos milhões
para servir de lastro
colheu dois exemplares
o nosso criticastro.
Isto não lhe faz mossa -
é tudo a mesma massa…
Gente – de carne e osso!!
E à hora do chá
expende
sua sentença:
– A classe
operária?
Conheço-a como a palma!
Por trás
do seu silêncio,
posso ler-lhe na alma -
Nem dor
nem decadência.
Que autores
então
há de ler essa classe?
Só Gógol,
só os clássicos.
Camponeses?
Também.
O quadro não se altera.
Lembra-me e agora -
a datcha, a primavera…
Este palrar
de literatos
muitas vezes passa
entre nós
por convívio com a massa.
E impige
modelos
pré-revolucionários
da arte do pincel,
do cinzel,
do vocábulo.
E para a massa
flutuam
dádivas de letrados -
lírios,
delírios,
trinos dulcificados.
Aos pávidos
poetas
aqui vai meu aparte:
Chega
de chuchotar
versos para os pobres.
A classe condutora,
também ela pode
compreender a arte.
Logo:
que se eleve
a cultura do povo!
Uma só,
para todos.
O livro bom
é claro
e necessário
a vós,
a mim,
ao camponês

e ao operário.

Vladimir Maiakóvski
Tradução: Augusto e Haroldo de Campos

COLETA DE DADOS



(alguns momentos antes)
toda semente hesita
por duas vidas
ponteiros giram
porque não há retorno
entre arco e alvo
uma flecha de deslize
uma pálpebra uma nuvem
um oriente um atol
cada palavra sem papel
viver seria um jeito de desistir

(de Ronald Polito, do livro INTERVALOS)

ODE AO BURGUÊS



Eu insulto o burguês! O burguês-níquel,
O burguês-burguês!
A digestão bem-feita de São Paulo!
O homem-curva! o homem-nádegas!
O homem que sendo francês, brasileiro, italiano,
É sempre um cauteloso pouco-a-pouco!
Eu insulto as aristocracias cautelosas!
Os barões lampeões! os condes Joões! os duques zurros!
Que vivem dentro de muros sem pulos;
E gemem sangue de alguns milréis fracos
Para dizerem que as filhas da senhora falam o francês
E tocam o "Printemps" com as unhas!
Eu insulto o burguês-funesto!
O indigesto feijão com toucinho, dono das tradições!
Fora os que algarismam os amanhãs!
Olha a vida dos nossos setembros!
Fará Sol? Choverá? Arlequinal!
Mas à chuva dos rosais
O êxtase fará sempre Sol!
Morte à gordura!
Morte às adiposidades cerebrais!
Morte ao burguês-mensal!
Ao burguês-cinema! ao burguês-tílburi!
Padaria Suíça! Morte viva ao Adriano!
"- Ai, filha, que te darei pelos teus anos?
- Um colar... - Conto e quinhentos!!!
Mas nós morremos de fome!"
Come! Come-te a ti mesmo, oh! gelatina pasma!
Oh! purée de batatas morais!
Oh! cabelos nas ventas! oh! carecas!
Ódio aos temperamentos regulares!
Ódio aos relógios musculares! Morte e infâmia!
Ódio à soma! Ódio aos secos e molhados!
Ódio aos sem desfalecimentos nem arrependimentos,
sempiternamente as mesmices convencionais!
De mãos nas costas! Marco eu o compasso! Eia!
Dois a dois! Primeira posição! Marcha!
Todos para a Central do meu rancor inebriante!
Ódio e insulto! Ódio e raiva! Ódio e mais ódio!
Morte ao burguês de giolhos,
Cheirando religião e que não crê em Deus!
Ódio vermelho! Ódio fecundo! Ódio cíclico!
Ódio fundamento, sem perdão!

Fora! Fu! Fora o bom burguês!...

Mário de Andrade
"Somos assim: sonhamos o voo, mas tememos a altura. Para voar é preciso ter coragem para enfrentar o terror do vazio. Porque é só no vazio que o voo acontece. O vazio é o espaço da liberdade, a ausência de certezas. Mas é isso o que tememos: o não ter certezas. Por isso trocamos o voo por gaiolas. As gaiolas são o lugar onde as certezas moram".


Dostoiévski em Os Irmãos Karamazov

ZERO GRAU


aqui --
casa quarto cadeira
aqui --
é possível deter
o mecanismo dos relógios
um a um
aqui --
depois das montanhas está o mar
depois do mar
não há nada
não se aproxima o céu
nem mesmo há
terra à vista
aqui
( Ronald Polito. do livro INTERVALOS)
"E de novo o povoado ficou quase deserto de homens. E outra vez as mulheres se puseram a esperar. E em certas noites, sentada junto do fogo ou à mesa, após o jantar, Ana Terra lembrava-se de coisas de sua vida passada. E quando um novo inverno chegou e o minuano começou a soprar, ela o recebeu como a um velho amigo resmungão que gemendo cruzava por seu rancho sem parar e seguia campo afora. Ana Terra estava de tal maneira habituada ao vento que até parecia entender o que ele dizia, nas noites de ventania ela pensava principalmente em sepulturas e naqueles que tinham ido para o outro mundo. Era como se eles chegassem um por um e ficassem ao redor dela, contando casos e perguntando pelos vivos. Era por isso que muito mais tarde, sendo já mulher feita, Bibiana ouvia a avó dizer quando ventava: "Noite de vento, noite dos mortos..."
Érico Veríssimo 
 "Qualquer um que procure pelo pensamento do autor nas palavras e pensamentos dos seus personagens está procurando no lugar errado. Procurar pelos “pensamentos” de um autor é violar a riqueza da mistura que é a característica mais essencial de um romance. O pensamento mais importante de um romancista é o pensamento que faz dele um romancista. O pensamento do romancista não está nos comentários feitos pelos seus personagens ou mesmo na sua introspecção, mas sim nas situações que ele inventa para os seus personagens, na justaposição desses personagens e nas ramificações realistas do conjunto que ele cria (…) A ferramenta com a qual o romancista pensa é a escrupulosidade do seu estilo. Em todas essas coisas está concentrada a magnitude que seu pensamento pode alcançar. O romance, então, é, em si mesmo, seu mundo mental. Um romancista não é uma pequena parte na grande engrenagem do pensamento humano. Ele é uma pequena parte na grande engrenagem da chamada literatura de ficção. Fim."

Philip Roth

MUDA


silêncio sem fim
um grito em um estojo
-- para não esquecer --
entre suspiros afora
rumores de golpes
-- ruídos

Ronald Polito. do livro VAGA
Nuestro pasado aún está por llegar...
Nuestro pasado aún está por llegar
preludio de un futuro ultramarino,
tú te fuiste tan lejos y al marchar
dijiste: "Nos vemos en el camino"
Deambulamos por mares y países
seducidos por los cantos de sirena,
pero no llegó hasta Ítaca Ulises
y Penélope descosía sus cadenas.
Porque nosotros, bien lo sabes tú,
nos alimentamos de ciudades,
desde Varsovia hasta el Perú
anclamos el corazón en mil lugares.
Cuando era invierno en Mar del Norte
transcurría el verano en Valparaíso, *
yo cruzaba la aduana sin pasaporte
y tú te olvidabas de pedir permiso.
Aunque siempre nos quedará un tren
con destino a las estrellas de Bagdad,
un reencuentro y un beso en el andén
tras más de cien años de soledad...

Aitor Cuervo, poema de 2011 corregido y aumentado en 2014.

* Guiño a Ángel González.

Os desafios do socialismo no século XXI

"A prática é a base do conhecimento, no entanto, é a teoria que generaliza a experiência, revela as leis objetivas em atuação e dá ao homem a consciência da necessidade."

(João Amazonas, in Os desafios do socialismo no século XXI)

ABAIXO A ARTE, VIVA A VIDA!

"Dentre os que estão hoje presentes neste teatro, ninguém vai se vangloriar perante seus conhecidos pelo fato que seu filho, filha ou sobrinha sabem coser bem umas botas ou preparar comida gostosa, mas se vangloriam em toda parte se eles sabem, no dia dos anos de alguém, escrever duas coluninhas de versos num álbum ou desenhar a cabeça de um gatinho.
O primeiro (coser umas botas, preparar comida) era considerado 'trabalho comum', e disto se ocupava o operário.
O segundo se chamava 'criação artística' e disto se ocupavam os eleitos, os 'intelectuais'.(…)"

(foi publicado em O Casulo como resumo da palestra "Abaixo a arte, viva a vida!" de Vladímir Maiakóvski, 16 de janeiro de 1924; tradução de Boris Schnaiderman. Fotos encontrei na internet: o poeta na multidão e ele com Lili Brik, em 1926)

Cientista político afirma que Primeira Guerra teve caráter de alerta


Em entrevista, Herfried Münkler, professor de Ciências Políticas da Universidade Humboldt de Berlim, reflete sobre a importância de se pensar hoje sobre a Primeira Guerra Mundial.

Autor do volume Der Grosse Krieg: Die Welt 1914 - 1918 (A Grande Guerra: O Mundo entre 1914 e 1918), o cientista político Herfried Münkler fala à Deutsche Welle sobre a memória da Primeira Guerra, o papel desempenhado pela Alemanha no contexto do conflito armado e as lições que a Guerra deixou.
Münkler é um dos mais importantes especialistas alemães que se dedicaram a uma análise profunda da Primeira Guerra Mundial e do significado do conflito para a história posterior da humanidade.
Deutsche Welle: Desde o início de 2014 a mídia tem lembrado a eclosão da Primeira Guerra Mundial, há 100 anos. A razão disso é realmente o centenário da Guerra ou estamos vivenciando uma nova forma de elaboração da história?
Herfried Münkler: Uma coisa não exclui a outra. Muitas vezes essas comemorações são uma oportunidade de se debruçar com calma e de maneira mais profunda sobre um tema. E isso mostra que a "Grande Guerra", como os britânicos, franceses e italianos chamam o conflito, deu o tom da violência que assolaria o século 20. É possível aprender muito estudando sobre a guerra, sobretudo sobre o que não se deve fazer. Penso que este tenha sido realmente um grande acontecimento, ao qual a Europa deve se deter para avaliar o que aconteceu de errado no século 20, e fazer melhor no século 21.
Na Alemanha, chamamos essa guerra que aconteceu entre 1914 e 1918 de "Primeira Guerra Mundial". Por que o título do seu livro é "A Grande Guerra"?

O conceito "Grande Guerra" tem, a princípio, algo estranho. E tem também um caráter de alerta, pelo menos para os ouvidos alemães. Pois foi a Guerra que, como guerra europeia, determinou o século 20. É possível dizer: sem esta guerra, não teria havido a Segunda Guerra Mundial, possivelmente também não teria havido o nazismo, nem o stalinismo, nem a tomada de poder bolchevique em Petrogrado [hoje São Petersburgo]. Ou seja, teria sido um século totalmente diferente. De forma que o termo "Grande Guerra" é adequado.
Se a Primeira Guerra Mundial teve esse efeito de alerta para todo o século 20 que se seguiu, por que ela é tão pouco presente na elaboração do passado alemão? Pelo menos muito menos que a Segunda Guerra Mundial.
É preciso diferenciar: nos países vizinhos da Europa Ocidental, como Itália, França e Reino Unido, a Primeira Guerra Mundial está muito presente como a Grande Guerra. Isso tem a ver com o fato de que as perdas humanas causadas por esta guerra foram maiores para estes países do que as da Segunda Guerra.
Na Alemanha isso é diferente, pois a Segunda Guerra Mundial estava atrelada a deslocamentos forçados, às destruições causadas pelos bombardeios, aos crimes praticados pelos alemães e à culpa alemã. Quanto mais você se locomove rumo ao Leste Europeu, mais presente é a Segunda Guerra Mundial na memória. É possível falar de um abismo entre Leste e Oeste na cultura da memória na Europa.
Um século depois da eclosão da Guerra, ressurge o debate sobre a culpa pelo conflito. O livro Os Sonâmbulos, do historiador australiano Christopher Clark, desencadeou esta discussão. Ele revida a tese, aceita há tempos, de que a culpa teria sido somente dos alemães, apontando como as grandes potências estavam inaptas a evitar a Guerra que começou nos Bálcãs. Qual é sua posição nesse debate sobre a culpa pela Guerra? Esse debate leva a algum lugar?
Não acho que o conceito de culpa seja útil neste contexto. Trata-se de um conceito moral ou talvez jurídico, formulado no artigo 231 do Tratado de Versalhes, segundo o qual toda a culpa é creditada à Alemanha. Mas esta é uma discussão que não precisamos levar adiante hoje em dia. Ou seja, faz mais sentido falar sobre a responsabilidade e voltar os olhos para as estimativas e decisões incorretas daquele momento. Isso é o que acredito ser útil hoje para aprender alguma coisa 100 anos depois da Guerra.
Qual foi o papel do Império Alemão naquela época na Europa Central?
A Alemanha não compreendeu seu papel peculiar de centro geopolítico. Não se pode dizer que não teria acontecido uma guerra aqui ou outra acolá no século 20, mas teria sido possível localizar essas guerras. O que os alemães fizeram foi reunir diversos caldeirões de conflito, ou seja, o conflito manifesto nos Bálcãs, com o conflito latente, mas de forma alguma agudo em torno da Alsácia-Lorena, e também o conflito em torno do controle do Mar do Norte. Isso foi uma burrice política óbvia.
O senhor diz que não se deve perder a periferia de vista. Devemos nos preocupar atualmente com o que acontece na Crimeia? Pode eclodir lá uma nova guerra mundial, 100 anos depois da Primeira?

Precisamos nos preocupar, mas não por causa da ameaça de uma guerra, mas pelas tensões políticas e pelas consequências das sanções econômicas. Mas principalmente porque fica claro aqui que o poder militar ainda é um fator determinante da política europeia – naturalmente apenas na periferia. O governo alemão não deixou o conflito acontecer, mas se envolveu em suas diversas etapas várias vezes como mediador – e isso não porque tenha relevância militar, mas apenas por causa de seu peso econômico e político.
No seu livro, o senhor aponta também a Ásia como região de conflito em potencial. O senhor chega a comparar a China de hoje com o Império Alemão da época.
Digno de nota é o fato de a China ser um país tão grande e tão forte, sobretudo economicamente, embora não se sinta reconhecida do ponto de vista político. Essa é uma situação que se assemelha em muitos aspectos ao Império Alemão de 1914. Pode-se dizer: muita coisa que deu errado na Europa de 1914 poderia também dar errado na China hoje. Ou seja, os políticos e estadistas chineses deveriam analisar detalhadamente a história que precedeu a Primeira Guerra Mundial e a Crise de Julho [desencadeada pelo atentado contra o casal herdeiro da coroa austríaca] a fim de não cometerem os mesmos erros de então.
Ressurgiu na Alemanha a discussão a respeito de uma participação mais intensa do país nas missões militares europeias. Como o senhor vê isso, tendo em vista nosso próprio passado? Fica bem para a Alemanha participar destas missões exatamente por causa do seu passado? Ou não?
Invertemos a pergunta: Fica bem para a Alemanha, tendo em vista seu passado, ficar de fora de tudo e, aos olhos dos vizinhos europeus, parecer covarde ou oportunista? Os outros puxam o carro em que os alemães seguem sentados e vão ficando cada vez mais gordos e se deliciando. Ou seja, acredito que esse papel especial, que tanto a Alemanha Ocidental quanto a extinta Alemanha Oriental desempenharam ,e com razão, precisa definitivamente acabar 25 anos depois da Queda do Muro de Berlim. Precisamos ser um povo, uma nação como as outras. Não precisamos nos destacar, mas não devemos fugir da raia quando somos requisitados.

Herfried Münkler é professor de Ciências Políticas na Universidade Humboldt de Berlim.É autor de A Grande Guerra: O mundo entre 1914 e 1918. Editora Rowohlt, 2013.

DW.DE


SEU NOME



(numa fração de segundo)
passou
entre os dedos
uma palavra e
dois silêncios
a presença
de uma ausência.


Ronald Polito. do livro INTERVALOS