quinta-feira, 18 de abril de 2013

VERSOS ESCRITOS DA MARGEM D’UM MISSAL




(Antero de Quental)

Bem pode ser que nossos pés doridos
Vão errados na senda tortuosa,
Que o pensamento segue nos desertos,
Na viagem da Idéia trabalhosa...

Que a árvore da Ciência, sacudida
Com força, jamais deite sobre o chão,
Aos pés dos tristes que ali’stão ansiosos,
Mais do que o fruto negro da ilusão...

Que o livro do Destino esteja escrito
Sobre folhas de lava, em letra ardente,
E não chegue a fitá-lo o olho humano
Sem que ofusque e cegue de repente...

Pode ser que, na luta tenebrosa
Que este século move sob o céu,
Venha a faltar-lhe o ar, por fim, faltando-lhe
A terra sob os pés, bem como Anteu...

Que do sangue espalhado nos combates,
E do pranto que cai da triste lira,
No árido chão da esperança humana
Mais não nasça que a urze da mentira...

Que o mistério da vida a nossos olhos
Se torne dia a dia mais escuro,
E no muro de bronze do Destino
Se quebre a fronte — sem que ceda o muro...

Que o pensamento seja só orgulho,
E a ciência um sarcasmo da verdade,
E nosso coração louco vidente,
E nossas esperanças só vaidade...

E nossa luta, vã! talvez que o seja!
Cego andará o homem cada vez
Que vê o céu um astro! e os passos d’ele
Errados pelo mundo irão, talvez!

Mas, ó vós que pregais descanso inerte
No seio maternal da ignorância,
E condenais a luta, e dás ao homem
Por seu consolo o dormitar da infância;

Apóstolos da crença... na inércia...
Vós que tendes da Fé o ministério
E sois reveladores, dando ao mundo
Em lugar de um mistério... outro mistério;

Se quanto o Universo tem no seio,
E quanto o homem tem no coração,
O olhar que vê e a alma que adivinha,
O pensar grave e a ardente intuição,

Se nada — em terra e céu — pode ensinar-nos
Do fado humano o imortal segredo,
Nem os livros profundos da ciência,
Nem as profundas sombras do arvoredo,

Se não há mão audaz que possa erguê-lo
O tenebroso véu do Bem e Mal...
Se ninguém nos explica este mistério...
Também o não dirá nenhum missal!

- Odes Modernas, in "Antologia", [Org. José Lino Grunewald], Nova Fronteira, 1991.


Adeus as Ilusões


As ilusões políticas e econômicas desses últimos cem anos desmoronam uma após a outra, tornando ainda mais famigeradas as políticas neoliberais ou pseudo-socialistas. A 'New Economy', a sociedade da informação, enfim, estão solúveis na economia da dívida. As democracias que “triunfaram” do passado ao presente, no comunismo ou no capitalismo estão por aí com os seus funcionários do FMI, dos bancos centrais, e suas burocracias e planificações que decidem por todos o interesse de uma minoria. A imensa maioria é expropriada pela economia da dívida; expropriada de um já fraco poder político concedido por um hegemonia sistemática e sistematizadora; expropriada de uma parte cada vez maior da riqueza que se adquire na acumulação de mercado com suas múltiplas formas de subordinação mental ; expropriada sobretudo do futuro, ou seja, do tempo, como possível. phoda-se o capitalismo! e phodam-se também os marxistas!

Tullio Estef Sartini

A Holanda


É, é a Holanda... Tenho carinho e admiração, mas eles ficam com a parte 'chic' das drogas, enquanto arcamos com os trágicos problemas sociais oriundos do tráfico; também ficam com a parte 'chic' dos diamantes, enquanto África arca com trágicos problemas sociais oriundos das extrações das pedras em suas riquíssimas jazidas. Nessa perspectiva, ainda parece século XVII... (Posso estar falando bobagem, tendo em vista que minha especialidade é linguagem...)

Helena S Britto

MAIS UM POEMA E UMA OBSERVAÇÃO CRÍTICA SOBRE JORGE DE LIMA

2
Tu és, ó Mira-Celi, a repercutida e o leitmotiv
que aparece ao longo do meu poema.
Nele estás construída à semelhança de um imenso órgão
movimentado pelo meu espírito.
Cresces nele paralelamente a teu desenvolvimento físico
mas incognitamente, como uma órfã dentro da multidão
Às vezes, quando dobras uma página , perguntas: "Sou eu?"
Mas olhando depois a paisagem mudar tanto, no espaço de um segundo
encontras os teus membros na nudez de uma frase.
Nunca te libertarás deste parque em que nos encerramos
fingindo dois desaparecidos,
e em que nos nutrimos um do outro contra as leis naturais.
Outras vêzes te encolhes em mim, ó minha pequena maré;
e basta que eu abra as pálpebras e a minha memória te encontre
para te recompores imediatamente
em minha maior dimensão.
As nossas respirações enchem o mundo,
achatam o mar,
agitam as palmas e as areias.
Pairamos em planos irrealizáveis à maioria das aves
com outra visão oculta em cada palavra.
Pouca gente encontrará a chave deste mistério.
E os olhos que perpassarem através de tantos poemas que não
findam e que se transformam de momento a momento,
não compreenderão o movimento perpétuo
em que nos perseguimos e nos superpomos.
Outras vezes ainda, as minhas mãos são um disfarce de ti,
escrevendo tua história ou me sustentando a face.
Ora parece marcha nupcial; és, no entanto, elegia.
Ora és sacerdotisa, musa, louca, pastora ou apenas ave.
Dei-te diversos nomes para que ninguém te acompanhe.
Anuncio que morreste para que ninguém te convide.
Quase sempre te transformo, para te distribuir.
E quando me resta uma única migalha, reconstituo-te como uma
catedral
e alimento-te como uma criancinha.
Figuramos no mapa como um sol gêmeo que num perpétuo eclipse
desse a impressão de um só núcleo.
Gravidades estranhas nos atraem; sombras tutelares protegem
a nossa rotação, em que tudo são coincidências de duas asas num corpo.
Algum sacerdote antigo já nos tinha visto, por acaso uma noite,
e morreu sem nos decifrar, pois não voltamos ainda
nem à primeira página, nem à primeira estrofe
do imenso e misterioso poema sempre por terminar.

(" Um novelo de equívocos motiva o silêncio injusto que esconde a poesia de Jorge de Lima, cujo centenário de nascimento completou-se na sexta-feira, de seu público potencial. Enterrado em parte pela vastidão e diversidade de sua obra, desigual, em que a garimpagem crítica do regionalismo e do nacional popular tem prevalecido,
jaz um filão mais raro e precioso: a poesia visualista e órfica de seu momento
final." Fábio de Souza Andrade, Folha de São Paulo, caderno Mais, 7/11/1993)

Carta no. 147


"O meu mundo não é como o dos outros, quero demais, exijo demais, há em mim uma sede de infinito, uma angústia constante que eu nem mesmo compreendo, pois estou longe de ser uma pessimista; sou antes uma exaltada, com uma alma intensa, violenta, atormentada, uma alma que não se sente bem onde está, que tem saudades...sei lá de quê!"

- Florbela Espanca

ESTILHAÇOS DA NOTICIA


Affonso Romano Santanna


Impossivel (por causa da globalização) escapar deste atentado em Boston.
Uma bomba, várias bombas, explodem nos EUA e seus estilhaços chegam em toda parte. Você não estava naquela rua, naquela esquina, naquela maratona, talvez esteja no interior da Bahia cuidando da sua pacata vida ou dentro de um taxi em Salvador, mas a nefasta bomba atinge você de qualquer modo.
A notícia estoura como uma bomba nas redações, ouvidos e olhos de todo o mundo. Então, estamos numa situação duplamente sem saída. Qualquer um pode fabricar uma bomba. Como dizem os jornais há inúmeros sites ensinando detalhadamente isto, e, por outro lado, o sistema de informação espalha pelos ares pedaços de acontecimentos, que nos perfuram, nos deformam e tumultuam nosso dia a dia. É a sina do jornalismo. É a sina de viver nestes tempos atuais.
Quando ocorre um atentado no Afeganistão ou no Iraque e morrem muitas pessoas, a gente tem um escudo de defesa, pensa: isto lá é comum, vivem em guerra. É como se a gente dissesse que a vida deles vale menos. Pensamos e esquecemos.
Quando a tragédia ocorre nos EUA a repercussão é maior : é como se a casa do vizinho tivesse se incendiado. A gente sente as labaredas mais de perto.
Os próprios americanos vivem. por isto, uma experiência muito estranha: tocam a vida normalmente, mas desconfiam que há um atirador ou terrorista em algum lugar. Pode ser no campus universitário, num cinema ou numa simples cafeteria. Quando a gente assiste a filmes Americanos ( por causa da maneira que têm de fazer os roteiros) sente que alguma coisa imprevista, desagradável pode acontecer a qualquer momento. O roteiro exige isto. Isto virou um sintoma de algo mais
Isto tem a ver com uma tensão, uma guerra informal que ocorre dentro da banalidade mais cotidiana. Agora, contudo, a guerra para os americanos não se dá alhures. Não é do outro lado do oceano, como foi durante a primeira e segunda guerras mundiais, nem na Coréia, Vietnam, Iraque, etc. O inimigo internalizou-se. E a noticia globalizou-se, irradia-se na mesma hora em que explode em algum lugar.


(Radio Metrópole,16.04.2013)