sábado, 22 de setembro de 2012

Exercício



Pego num pedaço de silêncio. Parto-o ao meio,
e vejo saírem de dentro dele as palavras que
ficaram por dizer. Umas, meto-as num frasco
com o álcool da memória, para que se
transformem num licor de remorso; outras,
guardo-as na cabeça para as dizer, um dia,
a quem me perguntou o que significavam.
Mas o silêncio de onde as palavras saíram
volta a espalhar-se sobre elas. Bebo o licor
do remorso; e tiro da cabeça as outras palavras
que lá ficaram, até o ruído desaparecer, e só
o silêncio ficar, inteiro, sem nada por dentro.


 Nuno Júdice.


No centro da minha vida
no núcleo capital da minha vida
ha uma fonte luminosa um chafariz
que levanta conviccoes coloridas
E eh lindo contempla-las e segui-las

no centro da minha vida
no núcleo capital da minha vida
há uma dor que palmo a palmo
vai ganhando seu tempo
e eh útil aprender sua marca firme

no centro de minha vida
no núcleo capital da minha vida
a morte fica longe
a calma tem cheiro de chuva
a chuva tem cheiro de terra

isto me contaram por que eu
nunca estou no centro da mina vida

MARIO BENEDETTI


dia sem automóveis


Os ecologistas e outros irresponsáveis propõem que por um dia, no dia de hoje, os automóveis desapareçam do mundo.
Um dias sem automóveis? E se o exemplo se contagia e esse dia passa a ser todos os dias?
Que Deus não permita, e o Diabo tampouco.
Os hospitais e os cemitérios perderiam sua clientela mais numerosa.
As ruas se encheriam de ciclistas ridículos e patéticos pedestres.
Os pulmões já não poderiam respirar o mais saboroso dos venenos.
As pernas, que tinham se esquecido de caminhar, tropeçariam em qualquer pedrinha.
O silëncio aturdiria os ouvidos.
As autopistas seriam desertos deprimentes.
As rádios, as televisões, as revistas e os jornais perderiam seus mais generosos anunciantes.
Os países petroleiros ficariam condenados à miséria.
O milho e a cana-de-açucar, agora transformados em comida de automóveis, regressariam ao humilde prato humano.

 Galeano - 22 de setembro

La Danaide


Sobre os Ombros Dourados da Felicidade



O Marcelo Paiva que me disse: esse conto dá filme. A pulga instalou-se atrás da minha orelha. Deixei pra lá. Um pouco por orgulho besta, isto é, por achar que o texto bastava-se por si mesmo e não precisava virar filme para existir. E outro tanto porque ninguém se interessou mesmo. Pois bem. O tempo passou e “Sobre os Ombros Dourados da Felicidade” virou uma peça-punk nas mãos do Fernando Maatz e da Anti-companhia de Teatro, garotada aqui do Rio de Janeiro.
Fui ver o ensaio ontem e saí feliz da vida com o resultado. Eles tão mandando muito bem. Vendo os espasmos do Bruno Aragão que no palco é uma mistura de Cazuza com Darth Vader, em conjunto com a fúria erótica da Fabiana Russeff e mais a violência dos Dissidentes ( a banda ) bem, vendo isso tudo, cheguei a conclusão de que sou punk desde criancinha.
E foi só um ensaio. Os garotos fizeram uns ¾ do texto e ainda tem luz e os efeitos especiais na jogada. Vai ficar nervoso, com diria meu amigo Brecão. Estreiam agora, no primeiro dia de outubro. Toda segunda-feira no Reserva +, que fica no Arpoador quase Ipanema, lugar ideal, segundo Fernando me garantiu, para falar de uma bolota escrota com pelos grisalhos que vai crescer sobre os ombros dourados da felicidade de uma cidade que continua sendo o Rio de Janeiro, apesar da visão pessimista que temos( resolvi incluir a garotada) dos barquinhos a deslizar sobre o macio azul do mar.

Marcelo Mirisola

Não quero saber


Samba  de Paulo Marquez

Quando ela perguntar por mim,
Diga - "Foi para onde não sei"
Diga que eu morri,
Desapareci,
Que é para o nosso próprio bem.

Não quero nem saber se ela pensa ou não em mim,
Porque com ela seria triste meu fim.

Não quero nem saber seu endereço,
Faz de conta que nem a conheço,
Será bem melhor assim.
Pois não quero saber se ela pensa ou não em mim,
Porque com ela seria triste meu fim.



Vou-me embora


Samba de Paulo Marquez (Cyro Monteiro)

Eu vou-me embora,
Minh´alma chora,
Muita saudade vou sentir, minha querida,

Você foi boa,
Você foi grande,
Você foi tudo o que sonhei na minha vida.

Mas eu tenho que dizer antes de dar adeus
Que jamais esquecerei os lindos olhos teus
E por toda minha vida hei-de recordar
As nossas noites de luar.