quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

Trabalhem, proletários, trabalhem para aumentarem a fortuna social e as vossa misérias individuais, trabalhem, trabalhem, para que, ficando mais pobres, tenham mais razões para trabalhar e ser mais miseráveis. É essa a lei inexorável da produção capitalista.




Lafargue - Direito à preguiça



Poema Enjoadinho



Autor: Vinícius de Morais



Filhos... Filhos?

Melhor não tê-los!

Mas se não os temos

Como sabê-lo?

Se não os temos

Que de consulta

Quanto silêncio

Como os queremos!

Banho de mar

Diz que é um porrete...

Cônjuge voa

Transpõe o espaço

Engole água

Fica salgada

Se iodifica

Depois, que boa

Que morenaço

Que a esposa fica!

Resultado: filho.

E então começa

A aporrinhação:

Cocô está branco

Cocô está preto

Bebe amoníaco

Comeu botão.

Filhos? Filhos

Melhor não tê-los

Noites de insônia

Cãs prematuras

Prantos convulsos

Meu Deus, salvai-o!

Filhos são o demo

Melhor não tê-los...

Mas se não os temos

Como sabê-los?

Como saber

Que macieza

Nos seus cabelos

Que cheiro morno

Na sua carne

Que gosto doce

Na sua boca!

Chupam gilete

Bebem shampoo

Ateiam fogo

No quarteirão

Porém, que coisa

Que coisa louca

Que coisa linda

Que os filhos são!





"Antologia Poética", Editora do Autor - Rio de Janeiro, 1960, pág. 195.

Quem agora chora em algum lugar do mundo,


Sem razão chora no mundo,

Chora por mim.

Quem agora ri em algum lugar na noite,

Sem razão ri dentro da noite,

Ri-se de mim.

Quem agora caminha em algum lugar no mundo,

Sem razão caminha no mundo,

Vem a mim.

Quem agora morre em algum lugar no mundo,

Sem razão morre no mundo,

Olha para mim.

Rainer Maria Rilke

(Tradução: Paulo Plínio Abreu)

dias há em que me parece


(a ventania em crescendo)

ser por fim quem me apetece

quando o apetite é ir sendo



dias há em que suponho

(acontece, não sei quando)

ser por fim quem já me sonho

sendo quem me vou sonhando



dias há em que acredito

(sob o sonho que soprei)

ser por fim quem me reflicto

no espelho do que serei



*

(António Gil, in Caixa de Jóias, a publicar)



Eu amo tudo o que foi


Tudo o que já não é

A dor que já não me dói

A antiga e errónea fé

O ontem que a dor deixou

O que deixou alegria

Só porque foi, e voou

E hoje é já outro dia.



(Fernando Pessoa)

Ficção de que começa alguma coisa!


Nada começa: tudo continua.

Na fluida e incerta essência misteriosa

Da vida, flui em sombra a água nua.

Curvas do rio escondem só o movimento.

O mesmo rio flui onde se vê.

Começar só começa em pensamento



Fernando Pessoa