"É na câmara escura dos teus olhos
que se revela a água
água imagem
água nítida e fixa
água paisagem
boa nariz cabelos e cintura
terra sem nome
rosto sem figura
água móvel nos rios
parada nos retratos
água escorrida e pura
água viagem trânsito hiato.
Chego de longe. Venho em férias. Estou cansado.
Já suei o suor de oito séculos de mar
o tempo de onze meses de ordenado;
por isso, meu amor, viajo a nado
não por ser português mal empregado
mas por sofrer dos pés
e estar desidratado.
Chego. Mudo de fato. Calço a idade
que melhor quadra à minha solidão
e saio a procurar-te na cidade
contrastada violenta negativa
tu única sombra murmurada
única rua mal iluminada
única imagem desfocada e viva.
Moras aonde eu sei.
É na distância
onde chego de táxi.
Sou turista
com trinta e seis hipóteses no rolo;
venho ao teu miradoiro ver a vista
trago a minha tristeza a tiracolo.
Enquadro-te regulo-te disparo-te
revelo-te retoco-te repito-te
compro um frasco de tédio e um aparo
nas tuas costas ponho uma estampilha
e escrevo aos meus amigos que estão longe
charmant pays
the sun is shining
love.
Emendo-te rasuro-te preencho-te
assino-te destino-te comando-te
és o lugar concreto onde procuro
a noite de passagem o abrigo seguro
a hora de acordar que se diz ao porteiro
o tempo que não segue o tempo em que não duro
senão um dia inteiro.
Invento-te desbravo-te desvendo-te
surges letra por letra, película sonora,
do sendo à vogal do tema à consoante
sem presença no espaço sem diferença na hora.
És a rota da Índia o sarcasmo do vento
a cãibra do gajeiro o erro do sextante
o acaso a maré o mapa a descoberta
dum novo continente itinerante."
Ary dos Santos
sábado, 5 de fevereiro de 2011
SOL de SESTA
a gata preta prenha
dorme à sombra da lenha
descansa da fadiga
que é esperar que a prole
um dia venha
negra como ela
sugar-lhe as mamas
na base
da barriga
Platero
(h)ortografias
dorme à sombra da lenha
descansa da fadiga
que é esperar que a prole
um dia venha
negra como ela
sugar-lhe as mamas
na base
da barriga
Platero
(h)ortografias
MUBARAK
Hosni Said Mubarak
não descobriu ainda
que chegou o tempo
de abandonar o fraque?
trocá-lo pelo pijama
pelos chinelos
cuidar mais do conforto na cama
do que da pintura dos cabelos?
não descobriu ainda que o seu povo
cansou de si
- antes que o maltrate
ponha-se a milhas Mubarak
é que
tempo de ser ouro já lá vai
os anos passam sobre nós
sejamos escravos
ou gloriosos Faraós
pechisbeque
Mubarak
Hosni Said Mubarak
eis o que resta
a quem em altiva testa
nascem rugas de basbaque
hoje agora você não vale nada
antes que o povo o pegue
e o enforque
ponha-se a milhas Mubarak
veja-se ao espelho
não há nenhum retoque
que o liberte
da máscara de velho
ponha-se a milhas Mubarak
para milhões e milhões de de ex-escravos seus
hoje você
não vale um traque
pense bem Mubarak
hoje você
não vale um traque
Platero
(h)ortografias
não descobriu ainda
que chegou o tempo
de abandonar o fraque?
trocá-lo pelo pijama
pelos chinelos
cuidar mais do conforto na cama
do que da pintura dos cabelos?
não descobriu ainda que o seu povo
cansou de si
- antes que o maltrate
ponha-se a milhas Mubarak
é que
tempo de ser ouro já lá vai
os anos passam sobre nós
sejamos escravos
ou gloriosos Faraós
pechisbeque
Mubarak
Hosni Said Mubarak
eis o que resta
a quem em altiva testa
nascem rugas de basbaque
hoje agora você não vale nada
antes que o povo o pegue
e o enforque
ponha-se a milhas Mubarak
veja-se ao espelho
não há nenhum retoque
que o liberte
da máscara de velho
ponha-se a milhas Mubarak
para milhões e milhões de de ex-escravos seus
hoje você
não vale um traque
pense bem Mubarak
hoje você
não vale um traque
Platero
(h)ortografias
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