sábado, 5 de fevereiro de 2011

A Máquina Fotográfica

"É na câmara escura dos teus olhos

que se revela a água



água imagem

água nítida e fixa

água paisagem

boa nariz cabelos e cintura

terra sem nome

rosto sem figura

água móvel nos rios

parada nos retratos

água escorrida e pura

água viagem trânsito hiato.



Chego de longe. Venho em férias. Estou cansado.

Já suei o suor de oito séculos de mar

o tempo de onze meses de ordenado;

por isso, meu amor, viajo a nado

não por ser português mal empregado

mas por sofrer dos pés

e estar desidratado.



Chego. Mudo de fato. Calço a idade

que melhor quadra à minha solidão

e saio a procurar-te na cidade

contrastada violenta negativa

tu única sombra murmurada

única rua mal iluminada

única imagem desfocada e viva.



Moras aonde eu sei.

É na distância

onde chego de táxi.

Sou turista

com trinta e seis hipóteses no rolo;

venho ao teu miradoiro ver a vista

trago a minha tristeza a tiracolo.



Enquadro-te regulo-te disparo-te

revelo-te retoco-te repito-te

compro um frasco de tédio e um aparo

nas tuas costas ponho uma estampilha

e escrevo aos meus amigos que estão longe

charmant pays

the sun is shining

love.



Emendo-te rasuro-te preencho-te

assino-te destino-te comando-te

és o lugar concreto onde procuro

a noite de passagem o abrigo seguro

a hora de acordar que se diz ao porteiro

o tempo que não segue o tempo em que não duro

senão um dia inteiro.



Invento-te desbravo-te desvendo-te

surges letra por letra, película sonora,

do sendo à vogal do tema à consoante

sem presença no espaço sem diferença na hora.

És a rota da Índia o sarcasmo do vento

a cãibra do gajeiro o erro do sextante

o acaso a maré o mapa a descoberta

dum novo continente itinerante."

Ary dos Santos

SOL de SESTA

a gata preta prenha

dorme à sombra da lenha

descansa da fadiga



que é esperar que a prole

um dia venha

negra como ela

sugar-lhe as mamas

na base

da barriga



Platero

(h)ortografias

MUBARAK

Hosni Said Mubarak

não descobriu ainda

que chegou o tempo

de abandonar o fraque?



trocá-lo pelo pijama

pelos chinelos

cuidar mais do conforto na cama

do que da pintura dos cabelos?



não descobriu ainda que o seu povo

cansou de si

- antes que o maltrate

ponha-se a milhas Mubarak



é que

tempo de ser ouro já lá vai

os anos passam sobre nós

sejamos escravos

ou gloriosos Faraós



pechisbeque

Mubarak



Hosni Said Mubarak

eis o que resta

a quem em altiva testa

nascem rugas de basbaque



hoje agora você não vale nada

antes que o povo o pegue

e o enforque

ponha-se a milhas Mubarak



veja-se ao espelho

não há nenhum retoque

que o liberte

da máscara de velho



ponha-se a milhas Mubarak

para milhões e milhões de de ex-escravos seus

hoje você

não vale um traque



pense bem Mubarak

hoje você

não vale um traque



Platero

(h)ortografias