quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

DESEJO DE SER PELE-VERMELHA



A planície infinita e o céu seu reflexo.
Desejo de ser pele-vermelha.
Às cidades sem ar chega às vezes sem ruído
o relincho de um onagro ou o trotar de um bisonte.
Desejo de ser pele-vermelha.
Sitting Bull está morto: não há tambores
que anunciem sua chegada às Grandes Pradarias.
Desejo
de ser pele-vermelha.
O cavalo-de-ferro cruza agora sem medo
desertos abrasados de silêncio.
Desejo de ser pele-vermelha.
Sitting Bull está morto e não há tambores
para fazê-lo voltar dos reinos das sombras.
Desejo de ser pele-vermelha.
Um último cavaleiro cruzou a infinita
planície, deixou atrás de si vã
poeira, que logo se desfez no vento.
Desejo de ser pele-vermelha.
A Reserva não aninha
serpente cascavel e sim abandono.
DESEJO DE SER PELE-VERMELHA.
(Sitting Bull está morto, os tambores
gritam sem esperar resposta.)

Leopoldo María Panero
traduzido por Joca Reiners Terron



NA FAZENDA NORTE



Algures alguém viaja furiosamente até você,
numa velocidade incrível, viaja dia e noite,
pelas borrascas e desertos, pelas torrentes, pelos estreitos,
mas vai saber onde te encontrar,
vai te reconhecer quando te vir,
dar o que trouxe pra você?

Quase nada cresce aqui,
mas os celeiros estão repletos de farinha,
as sacas de farinha se empilham até os caibros.
As correntes seguem docemente, peixes na engorda;
aves escurecem o céu. Será que basta
ficar a louça de leite pra fora à noite,
pensarmos nele alguns dias,
alguns dias e sempre, na confusão dos sentimentos?

(John Ashbery  em tradução de Guilhrme Gontijo Flores)