sexta-feira, 22 de março de 2013



Eu atravesso as coisas – e no meio da travessia não vejo! – só estava era entretido na idéia dos lugares de saída e de chegada. ... Viver nem não é muito perigoso?"

- João Guimarães Rosa, em Grande Sertão: veredas



Nua és azul como a noite em Cuba,
tens trepadeiras e estrelas no pelo,
nua és enorme e amarela
como o verão numa igreja de ouro.

Pablo Neruda

Tradução: Carlos Nejar

Amo teus dons puros, tua pele de pedra intacta,
tuas unhas oferecidas no sol de teus dedos,
tua boca derramada por toda a alegria,

mas, para minha casa vizinha do abismo,
dá-me o atormentado sistema do silêncio,
o pavilhão do mar esquecido na areia.

Pablo Neruda

Tradução: Carlos Nejar

Diego Rivera com a paciência do osso
buscava a esmeralda do bosque na pintura
ou o vermelhão, a flor súbita do sangue,
recolhia a luz do mundo em teu retrato.

Pablo Neruda

Tradução: Carlos Nejar

Tenho fome de tua boca, de tua voz, de teu pelo,
e pelas ruas vou sem nutrir-me, calado,
não me sustenta o pão, a aurora me desequilibra,
busco o som líquido de teus pés no dia.

Pablo Neruda

Tradução: Carlos Nejar

OUTRA CANÇÃO



Com as quatro folhas
dos trevos do verão
farei uma casa
sem portas sem janelas
para te esconder,
farei um rio
de sombra onde dormir
contigo nos olhos
para não morrer.

Eugênio de Andrade

VERÃO




Era verão, pela varanda entrava
a madura ondulação do trigo,
o grito lancinante dos pavões,
o cavalo na sombra ardendo em cio.

Eugênio de Andrade
Poema da despedida
Não saberei nunca
dizer adeus

Afinal,
só os mortos sabem morrer

Resta ainda tudo,
só nós não podemos ser

Talvez o amor,
neste tempo,
seja ainda cedo

Não é este sossego
que eu queria,
este exílio de tudo,
esta solidão de todos

Agora
não resta de mim
o que seja meu
e quando tento
o magro invento de um sonho
todo o inferno me vem à boca

Nenhuma palavra
alcança o mundo, eu sei
Ainda assim,
escrevo.
- Mia Couto, no livro "Raiz de Orvalho e Outros Poemas".

EROS




Nunca o verão se demorara
assim nos lábios
e na água
-- como podíamos morrer,
tão próximos
e nus e inocentes?

Eugênio de Andrade


ADÁGIO




O outono é isto –
apodrecer de um fruto
entre folhas esquecido.
Água escorrendo,
quem sabe donde,
ocasional e fria
e sem sentido.

Eugênio de Andrade