terça-feira, 12 de fevereiro de 2019

DE CABEÇA


Poema de Ocean Vuong, traduzido por Rogério Galindo:



Você não sabe? O amor de mãe
ignora o amor-próprio
como o fogo ignora
os gritos sonoros
daquilo que queima. Meu filho,
mesmo amanhã
você vai ter o hoje. Você não sabe?
Alguns homens tocam seios
como tocassem
o topo de crânios. Homens
que ultrapassam montanhas
levando seus sonhos, seus mortos
nas costas.
Mas só uma mãe pode andar
com o peso
de um segundo coração que bate.
Garoto tolo.
Talvez você se perca em todo livro
mas jamais vai se esquecer de si
como deus esquece
as próprias mãos.
Quando alguém te perguntar
de onde você é,
responda sempre que o teu nome
virou carne na boca banguela
de uma mulher da guerra.
Que você não nasceu
que você rastejou, de cabeça —
rumo à fome dos cães. Meu filho, responda
que o corpo é uma lâmina que se afia
cortando.





"Se vamos à essência da nossa formação, veremos na realidade que nos constituímos para fornecer açúcar, tabaco, alguns outros gêneros; mais tarde ouro e diamantes; depois, algodão e, em seguida, café, para o comércio europeu. Nada mais que isto. É com tal objetivo, exterior, voltado para fora do país e sem atenção a considerações que não fossem o interesse daquele comércio, que se organizarão a sociedade e a economia brasileiras."

Caio Prado Jr., 'Formação do Brasil Contemporâneo'.

Paris, a "capital infame"


Baudelaire e sua relação de amor e ódio com Paris, a "capital infame":

EPÍLOGO

De coração contente escalei a montanha,
De onde se vê – prisão, hospital, lupanar,
Inferno, purgatório – a cidade tamanha,

Em que o vício, como uma flor, floresce no ar.
Bem sabes, ó Satã, senhor de minha sina,
Que eu não vim aqui para lacrimejar.

Como o amásio senil de velha concubina,
Vim para me embriagar da meretriz enorme,
Cujo encanto infernal me remoça e fascina.

Quer quando em seus lençóis matinais ela dorme,
Rouca, obscura, pesada, ou quando em rosicleres
E áureos brilhos venais pompeia multiforme,

– Amo-a, a infame capital! Às vezes dais,
Ó prostitutas e facínoras, prazeres
Que nunca há de entender o comum dos mortais.

Trad.: Manuel Bandeira

El corazón roto



John Donne

Demente está quien afirma
haber estado una hora enamorado,
mas no es que el amor así se desvanezca,
sino que, de hecho, en menos tiempo puede devorar.
¿Quién osará creerme si juro
haber sufrido un año de esta plaga?
¿Quién no se reiría de mí si yo dijera
que vi arder todo un día la pólvora de un frasco?

¡Ay, qué insignificante el corazón,
si llega a caer en manos del amor!
Cualquier otro pesar deja sitio
a otros pesares, y para sí reclama solo una parte.
Vienen hasta nosotros, pero a nosotros el Amor arrastra,
y, sin masticar, nos absorbe.
Por él, como por el infame hierro, tropas enteras caen.
Él es el esturión tirano; nuestros corazones, la morralla.

Si así no fue, ¿qué le sucedió
a mi corazón cuando te vi?
A la alcoba traje un corazón,
pero de ella emergí vacío, desolado.
Si contigo hubiera ido, sé
que a tu corazón el mío le habría enseñado
la compasión.
Pero, ¡ay!, Amor, de una herida lacerante la felicidad
se ha quebrado.

Más la Nada en Nada puede convertirse,
ni sitio alguno puede del todo vaciarse,
así, pues, pienso que aún posee mi pecho todos
esos fragmentos, aunque no estén reunidos.
Y ahora, como los espejos rotos muestran
cientos de rostros más menudos, así
los añicos de mi corazón pueden sentir agrado,
deseo y adoración,
pero después de tal Amor, jamás volverán a amar.

“The Broken Heart”, 1633