sexta-feira, 21 de abril de 2017

A quitanda.


Muito sol
e a quitandeira à sombra
da mulemba.
– Laranja, minha senhora,
laranjinha boa!
A luz brinca na cidade
o seu quente jogo
de claros e escuros
e a vida brinca
em corações aflitos
o jogo da cabra-cega.
A quitandeira
que vende fruta
vende-se.
– Minha senhora
laranja, laranjinha boa!
Compra laranja doces
compra-me também o amargo
desta tortura
da vida sem vida.
Compra-me a infância do espírito
este botão de rosa
que não abriu
princípio impelido ainda para um início.
Laranja, minha senhora!
Esgotaram-se os sorrisos
com que chorava
eu já não choro.
E aí vão as minhas esperanças
como foi o sangue dos meus filhos
amassado no pó das estradas
enterrado nas roças
e o meu suor
embebido nos fios de algodão
que me cobrem.
Como o esforço foi oferecido
à segurança das máquinas
à beleza das ruas asfaltadas
de prédios de vários andares
à comodidade de senhores ricos
à alegria dispersa por cidades
e eu
me fui confundindo
com os próprios problemas da existência.
Aí vão as laranjas
como eu me ofereci ao álcool
para me anestesiar
e me entreguei às religiões
para me insensibilizar
e me atordoei para viver.
Tudo tenho dado.
Até mesmo a minha dor
e a poesia dos meus seios nus
entreguei-as aos poetas.
Agora vendo-me eu própria.
– Compra laranjas
minha senhora!
Leva-me para as quitandas da Vida
o meu preço é único:
– sangue.
Talvez vendendo-me
eu me possua.
– Compra laranjas!


(Agostinhao Neto, in Sagrada esperança)

Todo mundo tem algo mais sério a fazer e quase todo mundo gosta de brincar.



Todo mundo tem algo mais sério a fazer e quase todo mundo gosta de brincar. Acredito que a grande maioria dos adultos brinca no facebook para protelar algo mais sério, uma técnica antiga (e legítima) tornada estranhamente pública e por isso mais incômoda. Sem falar que a contradição entre seriedade e brincadeira é sempre um pouco falsa, sobretudo quando a brincadeira envolve autoexposição e confissões íntimas no espaço público. Nada de novo por aqui. E talvez a brincadeira das verdades & mentiras apenas explicite e dê forma a um dos principais modus operandi das redes sociais. Uma frase feita e um pouco irritante que circulava bastante na minha adolescência: "tempo a gente cria". Infelizmente para quase todo mundo hoje o tempo é uma questão de administração ou de gerência, como as crises. O facebook talvez seja uma tentativa agoniada, teimosa ou infantil de criar tempo numa época onde isso já não soa mais viável, nem mesmo numa frase feita. O tempo da bobagem, do meme, da corrente, da treta, do debate estéril e da brincadeira exibicionista deve ter uma função nessa economia temporal asfixiante e que talvez seja ainda pouco clara pra nós. Não deixa de ser curioso no entanto que a gente critique e questione tanto o ideal produtivista sendo ao mesmo tempo tão intolerantes em relação à perda de tempo alheia. Perder tempo talvez seja agora a nossa maneira contraditória de tentar criar o tempo que falta.

Laura Erber

Artigo do grande advogado e intelectual, Ricardo Mendonça:


"A classe média brasileira – majoritariamente trabalhadora - experimentará um estado de instabilidade social e empobrecimento crescente e verá os “afortunados” cada vez mais ricos e poderosos. Não haverá investimento suficiente em “empregabilidade” – seja lá o que isso for – que seja capaz de alterar sistemicamente esse quadro".

Tiradentes não foi herói e não me representa!


Sua trajetória esteve ligada as tramas do poder da elite mineira do século XVIII. Suas alianças com magnatas e poderosos buscavam o contrabando do ouro, de escravos e de outros artigos. Esteve desde sempre envolvido com a corrupção, com os desvios e aos interesses exclusivamente pessoais. Continuamos até hoje a tornar herói o corrupto e excluir aqueles que de fato lutam, labutam e pelejam no cotidiano.
Seu movimento se preocupou aos interesses políticos, econômicos e sociais de seu grupo e não se tinha como pauta o fim da escravidão ou projeto de independência, mas sim, o alívio dos tributos da Coroa.
Também não tinham interesses patrióticos, muito menos preocupavam-se na construção de um projeto de nação.
Morreu por ser o menos rico dos ricos e o único a confessar.
Tornou-se herói apenas cem anos depois de sua morte no processo de construção da República e até hoje permanece.
Sua imagem foi cuidadosamente construída para forjar a ideia de herói e patriótico, atributos que nunca teve.
Os meus heróis? São homens e mulheres reais, escondidos da história oficial e verdadeiros responsáveis pela construção desse país.
Sabotados pela historiografia, marginalizados e excluídos, mas resistentes e existentes na memória, na oralidade e nos documentos não oficiais.
Não estão nos livros didáticos ou nos memoriais, mas uma busca, uma fuçada permite conhece-los e se encantar com suas histórias e bravuras.
A estes, um brinde. A Tiradentes...ficaria tranquilamente sem seu feriado.

Vagner Marques

aforismos

A História é uma fábula sem moral na qual nós é que falamos como bichos.
*
A História é o prefácio dum livro ainda nem escrito.
*
No mundo da pós-verdade, os alunos vão ter aula de Estória Contemporânea?
*
Na era da pós-verdade, o importante é ensinar a Pré-Estória.
*
Pós-verdade – s.f. (2016) período de histeria entre o fim da pré-mentira e o início da pós-empulhação.


Rodrigo Madeira 
Vem viver comigo. Temos todos os livros de poesia que existem no mundo. Toda a música. Todos os álcoois que ardem os olhos e corrói o ódio. Curtimos até balançar como seres de uma matéria fosforescente, e diremos tantos poemas que nossas línguas se incendiarão como rosas. 

Alejandra Pizarnik