sábado, 31 de março de 2012

Orgia

Gemidos
Sussurro
Lábios, pele, beijo
Em seus ouvidos
Ainda procuro
Como descrever o que vejo?
O que sinto ao te ver
Em meio a essa orgia
Nunca quis te pertencer
Tão livre, e você nem sabia
Tudo que poderia
Encontrar
Experimentar
Em si mesma, você
Minha nudez
Meu prazer
Você vê
Um engano? Talvez
Eu queira ser
Sua, talvez, eu nem sei
O que eu senti?
Ao te ver me olhando
Você beijando alguém
Uma pessoa gemendo
E eu gozando
Quero o seu beijo, vem
Estou dizendo
Sussurrando
Meus lábios te procurando
E outro corpo me domina
Outra língua me fascina
Vários corpos, sua mão
E eu tento dizer
Eu te amo
Amo sua mão
Mas você nem vai saber
Que era pra você que eu falei
E foi então
Nesse exato momento
Que escutei
Algum pensamento
Alguém pensando em voz alta
“aquela ali, a ruivinha
a ruivinha é a mais tarada”
Eu, tarada?
Nem vou responder
Te amo calada
E nem vou me arrepender
De estar te pervertendo
Você não era assim
Se liberte em mim
Amor, orgia
Talvez algum dia
Você saiba que eu sentia.

Liz Christine

terça-feira, 27 de março de 2012

TURBA

As ruas estão cheias de presságios
São vozes passeando pelo tempo
vozes de luzes vivas seculares
divulgando prazeres não vividos
anseios postergados manchas da alma

Há uma forte pressão rondando a vida
transformando pessoas iludidas
avivando conceitos e ideários
como se a nova era nos chegasse

Avenidas inteiras são tomadas
pelo grito aturdido das esperas
como se o pão e o vinho fossem sonhos

Da terra eclode a turba enfurecida
reclama o seu direito o que lhe cabe
nessa partilha ingrata tantas vezes
onde o pobre se esfuma ante os impérios.

Antonio Kleber

domingo, 25 de março de 2012

Quanto de ti, amor, me possuiu no abraço
em que de penetrar-te me senti perdido
no ter-te para sempre -
Quanto de ter-te me possui em tudo
o que eu deseje ou veja não pensando em ti
no abraço a que me entrego -
Quanto de entrega é como um rosto aberto,
sem olhos e sem boca, só expressão dorida
de quem é como a morte -
Quanto de morte recebi de ti,
na pura perda de possuir-te em vão
de amor que nos traiu -
Quanta traição existe em possuir-se a gente
sem conhecer que o corpo não conhece
mais que o sentir-se noutro -
Quanto sentir-te e me sentires não foi
senão o encontro eterno que nenhuma imagem
jamais separará -
Quanto de separados viveremos noutros
esse momento que nos mata para
quem não nos seja e só -
Quanto de solidão é este estar-se em tudo
como na auséncia indestrutível que
nos faz ser um no outro -
Quanto de ser-se ou se não ser o outro
é para sempre a única certeza
que nos confina em vida -
Quanto de vida consumimos pura
no horror e na miséria de, possuindo, sermos
a terra que outros pisam -
Oh meu amor, de ti, por ti, e para ti,
recebo gratamente como se recebe
não a morte ou a vida, mas a descoberta
de nada haver onde um de nós não esteja.

Jorge de Sena

quarta-feira, 21 de março de 2012

O Jogo dos ossos

"Tinha se refugiado no remanso atrás de uma rocha, e quando a bala entrou em seu cérebro, simplesmente se entregou, soutou-se e foi lentamente sendo levado corrente abaixo. D'Angelo se ajoelhou perto da barranca, e liquidou um par de peixes exaustos e acabados. Eles explodiram dentro das poças, e seu sangue foi ficando cor-de-rosa ao se misturar com o leite. "




trecho do conto "O jogo dos ossos", de Charles D'Ambrosio

Chutzpah

Um exemplo extremo do que os judeus chamam de “chutzpah” é o cara que mata o pai e a mãe e no tribunal pede clemência para um pobre órfão. “Chutzpah” é algo que ultrapassa o cinismo e provoca até uma certa admiração pela audácia. Se houvesse um prêmio para a “Chutzpah do Ano” de 2012 o vencedor já estaria decidido, pois ninguém poderia concebivelmente igualar o primeiro-ministro britânico David Cameron este ano. Quando Cameron chamou de “colonialista” a pretensão da Argentina de incorporar as Ilhas Malvinas, Falklands para os ingleses, ao seu território, estabeleceu um novo parâmetro para o “chutzpah” que humilha até o do órfão que pede clemência. As Ilhas Falklands são os últimos farelos do maior sistema colonial que o mundo já conheceu. Um sistema que levou a espoliação comercial, a prepotência e a morte — junto com o parlamentarismo, o críquete e o chá com bolinhos — a todos os limites da Terra, e ainda se apegava aos seus domínios, muitas vezes por puro orgulho imperial, quando outras potências coloniais já tinham desistido. Se há alguém que não pode xingar ninguém de colonialista é um inglês. Pelo menos não sem corar.

Você não precisa torcer pela Argentina para lamentar os ingleses no caso das Malvinas/Falklands. Ou vice-versa. As barbaridades de lado a lado se equivalem. A tentativa de tomada das ilhas pelo governo militar argentino de 1982 — decidida, segundo o folclore, durante uma bebedeira do general Galtieri — foi uma aventura desastrada, tornada ainda mais trágica pela desproporção de forças. As consequências da aventura também se equilibram. A derrota humilhante decretou o fim do regime militar argentino. A vitória fácil decretou a reeleição da Margaret Thatcher na Inglaterra. Entre os quase mil mortos argentinos e ingleses na rápida guerra, as razões geopolíticas e eleitorais para o seu sacrifício não fizeram nenhum sentido.
Num plebiscito, a população das ilhas certamente escolheria continuar fazendo parte do Reino Unido. Este é o principal argumento inglês para continuar lá. Tudo bem. Mas o David Cameron poderia ter ao menos corado um pouco

VERISSIMO – O GLOBO

Sonidos Del silencio

La BBC informa sobre un equipo de investigadores que ha logrado reconstruir palabras exclusivamente a partir de las ondas eléctricas emitidas por pacientes que las han pensado. El informe científico sobre el tema está en la revista PLOS Biology, y la página de la BBC presenta un audio con el desciframiento auditivo de estas palabras pensadas.
Las consecuencias médicas de este hallazgo en el campo de la expresión del lenguaje por un medio no vocal son espectaculares (por ejemplo para pacientes en coma). Pero sus perspectivas no se detienen allí. Vienen implícitas posibilidades como la lectura del pensamiento, y acaso también en algún momento la comunicación telepática.
El perfeccionamiento y la difusión de este hallazgo pueden cambiar radicalmente algunas realidades claves en la relación entre los humanos. Lo primero que viene a la mente es la frase según la cual somos dueños de nuestro silencio. El pensamiento podría dejar de ser el arca inexpugnable de nuestros secretos más profundos.
Quizás esta situación se veía venir. No solo en los avances de la neurociencia, sino también en el refinamiento creciente de los métodos tecnológicos para hurgar en la intimidad de las personas. Desde los escaneos hasta el chuponeo, pasando por el código genético, la humanidad ha venido despojándose de su lado desconocido.
Ya existen maneras parciales de “leer el pensamiento”. El psicoanálisis es una. La observación de la conducta del cuerpo es otra. El detector de mentiras es otra. Las resonancias magnéticas funcionales y la tomografía de emisión de positones son otras. La novedad en este caso es la posibilidad de un acceso al pensamiento en propias palabras.
El lingüista Noam Chomsky habla de un lenguaje de pensamientos (mentalese) que no requiere de palabras. En cambio para el psicoanalista Jacques Lacan no hay pensamiento sin palabras. ¿Pero cuáles son nuestras propias palabras cuando pensamos en palabras? No descartemos que el nuevo invento abra más incógnitas de las que resuelva.
En un plano más sencillo y cotidiano, ¿cómo vamos a defender nuestra intimidad craneana cuando llegue el día? La respuesta más fácil es manteniéndonos alejados del aparato descifrador. Pero hasta ahora casi no hay privacidad que no haya sido alcanzada por la tecnología. ¿O aprenderemos a moderar nuestras emisiones eléctricas?
Un dato que no debe pasar inadvertido es que en el experimento que comenta la BBC el primer caso demostrable de comunicación de palabras desde el cerebro (si bien limitada a palabras individuales y no a ideas) no habría sido entre dos personas, sino entre una persona y una máquina

Mirko Lauer – La República
Jueves, 02 de febrero de 2012

Mulher de Marte

Não me olhes com esses olhos de perigo:
cuidado comigo.
Se mergulho nos teus olhos, não consigo
...deixar de provocar-te.É um vício antigo,
e esse meu lado disfarçado, ambíguo,
tão diferente do meu jeito
usual de fazer tudo direito
é, dos meus defeitos,
talvez a pior parte.
Sei que dizem que as mulheres são de Vênus,
mas sei que eu, pelo menos,
sou de Marte.

Betty Vidigal

terça-feira, 20 de março de 2012

Não,hoje não saio

Não, hoje não saio
eu quero ficar
no espaço
dum cantinho
que é só meu

Não, hoje não falo
eu quero escutar
as palavras floridas
dum canto
que me entonteceu

Não, hoje não vou respirar
eu quero confundir
a minha vertigem
com a tua vertigem
e ser só um todo
ou um nada
num mundo que emudeceu…

Maria Teresa M Carrilho

O Esplendor das Madrugadas, 1998 – Lisboa, Portugal

O marxismo é a chave para o entendimento e eventual superação do capitalismo, avalia historiador

Não há nenhum deus além de Karl Marx, e Eric Hobsbawm é seu profeta. Maior historiador marxista ainda em atividade, aos 94 anos, o inglês Hobsbawm dedica sua última obra – Como Mudar o Mundo – Marx e o Marxismo – a mostrar que o filósofo alemão, tido como soterrado pelos escombros do Muro de Berlim, continua a ser a chave para o entendimento do capitalismo e para sua superação, agora em tempos de aquecimento global.
Já em seu livro A Era dos Extremos, Hobsbawm colocou a Revolução Bolchevique como o principal evento do “breve século 20″ – que em sua visão acaba, justamente, na implosão da URSS. “O mundo que se esfacelou no fim da década de 1980 foi o mundo formado pelo impacto da Revolução Russa de 1917″, escreveu ele, para elaborar a teoria segundo a qual todos os processos históricos do período – das alianças diplomáticas aos desdobramentos econômicos globais – tiveram como eixo a instalação do comunismo na Rússia. Trata-se, obviamente, de um exagero. Mas o Marx que Hobsbawm tenta resgatar em seu novo livro não é o de Lenin e de Stalin, nem o dos marxistas contemporâneos, e sim a essência de seu pensamento.


Em Como Mudar o Mundo, reedição de textos escritos entre 1956 e 2009, Hobsbawm trata de diferenciar Marx do marxismo e de sua aplicação extrema, o comunismo – o que é conveniente, ao se observar as atrocidades cometidas em nome da igualdade. Para ele, dizer que o marxismo é responsável por essas tragédias “é o mesmo que afirmar que o cristianismo levou ao absolutismo papal”.
Hobsbawm se localiza entre aqueles que veem Marx como um mapa do caminho para a revolução e os que o encaram simplesmente como teoria. Mostra a ruptura dele com os socialistas utópicos, mas deixa claro o tributo que Marx lhes paga na forma da ideia de que é “inevitável” mudança não apenas de regime de governo, mas de todo o modo de vida sobre a Terra. Nos últimos 130 anos, diz o historiador, Marx foi o tema central da paisagem intelectual e, graças à sua capacidade de mobilizar forças sociais, foi uma presença crucial na história. No entanto, o desgaste provocado pelo colapso da URSS expôs, nas palavras de Hobsbawm, o “fracasso das predições” das teorias marxistas.
De tempos em tempos, anuncia-se que o capitalismo está no fim. Como a história mostra, porém, o moribundo arruma um jeito de se recuperar, entre outras razões porque a classe trabalhadora, que seria o esteio da revolução, sofreu mudanças dramáticas no último meio século, ao ponto de se tornar irreconhecível como “proletariado”. Mas Hobsbawm, em meio à crise global deflagrada em 2008, não resistiu à tentação e escreveu que, desta vez, vai: “Não podemos prever as soluções dos problemas com que se defronta o mundo no século 21, mas quem quiser solucioná-los deverá fazer as perguntas de Marx, mesmo que não queira aceitar as respostas dadas por seus vários discípulos”. Para ele, o futuro do marxismo e da humanidade estão intimamente vinculados.
No entanto, convém relevar o entusiasmo de Hobsbawm. A história mostra que é prudente ler Marx mais como uma forma de entender o mundo do que de mudá-lo

Marcos Guterman.O Estado de S.Paulo
17/12/11

A esperança de vencer as cercas e dominar as secas

Passadas as eleições, é importante não esquecermos o papel dos aparelhos ideológicos. Se na idade média, a Igreja era o grande veículo da classe dominante (senhores feudais e clero) e, na idade moderna, a Escola foi a grande reprodutora das idéias dos capitalistas, hoje pode-se dizer que este grande meio é a mídia (revistas, jornais, TV, etc.).

-se e produz-se verdades em cima de técnicas de reprodução (algumas explícitas e vergonhosas como as denunciadas abaixo; outras subliminares).
Os valores humanos são cotidianamente atacados, desqualificados, em função dos valores do mercado. Mente
Quando falamos de consciência política, não estamos tratando de oposição governamental, tampouco de um jogo de tabuleiros. Estamos falando de vidas humanas.

A mídia nas mãos dos ricos é uma bomba poderosa. Mas pode ser um instrumento de emancipação nas mãos daqueles que têm consciência histórica e que não vêem a construção da humanidade como um jogo de tabuleiros ou como um negócio.Precisamos estar cada vez mais atentos. A eleição terminou, a luta pela construção de um novo mundo está apenas começando. E quem sabe o grito do nordeste brasileiro seja o marco do início de uma nova nação brasileira.


Ana Ines
ana@cefuria.org.br

segunda-feira, 19 de março de 2012

Mario Vargas Llosa: “La política se ha banalizado y frivolizado”

El escritor peruano y premio Nobel de Literatura, analiza el gobierno de Sebastián Piñera y explica por qué cree que la crispación social es un problema propio de los países desarrollados. Rechaza el igualitarismo como solución al malestar y señala que “Chile es un ejemplo de que el desarrollo económico, por sí solo, no basta”.


por C. Boffil, R. Montes y H. Soto – La Tercera (Chile)

EN el living de una habitación del hotel Hyatt de Santiago, donde se aloja el escritor peruano Mario Vargas Llosa (Arequipa, 1936), el teléfono empieza a sonar insistentemente. El premio Nobel de Literatura, nervioso ante el sonido, se levanta del sillón para contestar. Sin embargo, la llamada se corta apenas toma el auricular. “Yo no contesto jamás el teléfono”, dice, entre riéndose y excusándose mientras regresa a su sitio. “Le tengo un terror supersticioso, porque solo me trae problemas. Nunca en la vida tendría celular, ¡qué horror!”.
A Vargas Llosa no le gusta la tecnología, por lo que no usa tabletas ni notebooks. “No tengo nada de eso, solamente lápiz y libreta de papel. Yo escribo mis libros a mano y después los paso a una computadora, que uso solamente como máquina de escribir”, relata el escritor. De hecho, dice que desconfía del mundo de internet: “Hace poco, una señora me escribió para felicitarme por el texto tan bonito que yo había escrito en homenaje a la mujer. Me lo envió y era una cursilería monstruosa, una huachafería, como decimos en Perú. Y estaba firmado por mí. ¿Cómo te defiendes contra eso? Llegas a perder tu identidad, se apropian de tu nombre. Es desmoralizador”.
Aterrizó el miércoles en Santiago, para participar en el homenaje que el Centro de Estudios Públicos (CEP) organizó para conmemorar el cumpleaños 80 del escritor y embajador chileno en Francia, Jorge Edwards. Les une una amistad de medio siglo, que se mantiene intacta. “Hace un mes, sin que nadie supiera, salvo Jorge, pasé un mes en París escribiendo. El Premio Nobel es una semana de cuento de hadas, pero un año de pesadilla absoluta. Te paraliza la vida y te llena de obligaciones”, relata Vargas Llosa.
En los dos últimos años ha visitado Chile en tres ocasiones. A comienzos de 2010, antes de la segunda vuelta presidencial, vino para apoyar al candidato Sebastián Piñera.
Usted tenía muchas expectativas puestas en el gobierno de Piñera. ¿Cómo se explica la crispación que se ha visto en los últimos meses en Chile?
Una de las cosas que me llamó la atención cuando vine a apoyar a Piñera fue ver que el plan de gobierno tenía como primera prioridad la política educativa. Era considerada la cuestión neurálgica para la conversión definitiva del país. Entonces, que haya surgido este conflicto me ha sorprendido mucho. Y mi impresión es que Chile está viviendo problemas que no había tenido antes y que, en buena parte, son producto de su desarrollo.
La gran paradoja es que los buenos índices económicos no se reflejan en la popularidad del gobierno ni han contribuido a apaciguar las movilizaciones sociales.
Hay que tener claro que Chile no está entrampado en un hueco, en absoluto. Es inconcebible una regresión hacia el caos allendista o la dictadura pinochetista, no veo ninguna posibilidad. El país ha dado un salto en lo que se refiere a sus instituciones democráticas y políticas económicas, y lo que importa es que esa dirección no cambie en el futuro. Al mismo tiempo, en América Latina, y por eso Chile tiene una problemática de primer mundo, hay un gran optimismo. Existe la sensación de que está saliendo adelante, de que hay oportunidades, que ha quedado atrás lo peor y que lo que viene es para mejor. Es algo que se vive en Perú, Colombia, Uruguay, Brasil e incluso en Venezuela, donde hasta hace poco parecía imposible salir de Chávez. Yo creo que no hay razones para sentirse pesimista. Incluso en Chile que, con toda la problemática que tiene, sigue creciendo.
¿A qué atribuye los problemas que ha debido enfrentar el gobierno chileno?
A la política del corto plazo. El tener que resolver los problemas del día a día provoca que los grandes lineamientos queden como obnubilados.
Tras el triunfo de Piñera, usted manifestó su esperanza de que hiciera un gobierno de centroderecha que fuera capaz de irradiar con su ejemplo a otros países de Latinoamérica. Algunos analistas tienen la impresión de que eso se frustró.
Da la impresión, desgraciadamente, pero lleva solamente dos años y queda la mitad del período para lograrlo. Es muy importante que un gobierno de centroderecha muestre que no solamente cree en la libertad, sino que tiene gran conciencia de tipo social y trabaja por la igualdad de oportunidades, que es un principio liberal básico. Mi gran esperanza era que el gobierno de Piñera reflejara, precisamente por el nivel de desarrollo que ha alcanzado, la mejor cara del liberalismo. Pero repito que quedan dos años para resucitar esa idea.
¿Habla habitualmente con el Presidente?¿Han mantenido el contacto luego de la elección?
No, no lo he visto.
¿A qué cree que responde el malestar social que se ha visto en Chile y en otros lugares del mundo?
El gran problema es que el desarrollo no se debe medir estrictamente por índices económicos, estadísticos. Es uno de los grandes errores de la concepción puramente economicista del desarrollo. Si detrás de eso no se ejercita la igualdad de oportunidades, que es un principio absolutamente fundamental de la cultura democrática, eso crea una gran frustración. La calidad de vida también es una cosa muy importante, y en eso juega un papel central la cultura, que desgraciadamente no figura en los planes de desarrollo como una prioridad para ningún gobierno, ni de derecha ni de izquierda. Algo de eso se refleja en ese malestar, desasosiego, frustración, que es una característica tan grande hoy día en diversas sociedades. Chile es un ejemplo de que el desarrollo económico, por sí solo, no basta, no es suficiente.
El analista Moisés Naím baraja la tesis de que la indignación que ha brotado en diversos lugares del mundo está gatillada por la desigualdad.
No es el igualitarismo el que resuelve los problemas. Primero, porque el igualitarismo no existe, es un mito, y crea sociedades donde algunos son mucho más iguales que otros. Lo fundamental es que la gente tenga las oportunidades para corregir la desigualdad, que inevitablemente existe, gracias a su talento y esfuerzo. Que las personas tengan la posibilidad de crecer, subir y alcanzar sus propios objetivos. En Estados Unidos ha habido desigualdad toda la vida, pero, sin embargo, el optimismo es la gran característica de la sociedad norteamericana. Los estadounidenses piensan que trabajando, rompiéndose el alma, sacrificándose, pueden llegar a la cúspide. Y hay casos inmensos de que es así, de que es verdad y cierto.
¿Sigue siendo cierto?
Eso sigue siendo cierto en la sociedad norteamericana. La europea, a medida que se ha ido modernizando, ha ido rompiendo esas estructuras rígidas que otorgan ciertos privilegios a la hora de competir. Pero nada comparable a Estados Unidos. Es cosa de observar los últimos casos de grandes millonarios estadounidenses y la mayoría ha salido de abajo. Es gente que ha aprovechado ese espacio grande que hay para inventar y crear.
El ranking de millonarios cambia mucho de una década a otra.
Hay que fijarse en lo ocurrido con Steve Jobs y cómo se ha convertido en el gran mito moderno. Su caso es típicamente norteamericano. Warren Buffett, otro mito. Bill Gates, otro. Ellos son la prueba de que existe ese margen.
Los gobiernos, entonces, según plantea, no deben focalizarse en la igualdad.
No hay que buscar una igualdad que es imposible de conseguir sin establecer un sistema de una ferocidad y un control e intervencionismo estatal que acaba con la libertad. Eso fue Rusia y eso fueron todos los países socialistas. Hay que crear una sociedad en que las desigualdades parecen obedecer a un cierto esquema de justicia, en el que realmente quienes tienen más éxito son los que alcanzan los niveles más altos de vida. Porque si el problema son las desigualdades, ¿cuál es la solución? ¿Crear la sociedad soviética? ¿Volver a China?
Quizás volver al Estado de bienestar.
Pero tienes que justificarlo. La tragedia que vive actualmente Europa es que creó unos estados de bienestar que eran completamente irreales, que no había cómo financiarlos. Eso ha generado una crisis económica espantosa, que ha aumentado las injusticias y las desigualdades. No puedes abandonar el realismo a la hora de organizar la sociedad. Y el Estado de bienestar fue una ilusión que no estaba sostenida en análisis económicos serios sobre lo posible y lo imposible. Si crees que puedes trabajar 35 horas al mes y mantener los mismos niveles de vida, y no puedes, eso te genera una enorme frustración.
Naím también plantea que el malestar mundial tiene que ver con la rebelión generalizada contra el poder, que hoy se encuentra en manos de más personas.
Si lo fuera, tendríamos que alegrarnos, ¿no? Cuánto mejor si el poder se diluye. Pero no sé si corresponde a la realidad del mundo de hoy.
Muchos atribuyen los cambios actuales a las redes sociales: la gente, al informarse rápidamente, ahora podría cuestionar las decisiones públicas.
Es un paso fantástico el de la revolución de las comunicaciones. Pero, al mismo tiempo, eso ha venido acompañado de una falta de discriminación muy grande con respecto a la información. Y en muchos casos, en vez de más conocimiento, provoca una gran confusión. Toda la revolución informativa está acompañada de una frivolización y banalización de la cultura. ¿Y a qué se llega? A una sociedad confusa, completamente desbrujulada.
Usted es crítico de Wikileaks.
Controlar el poder y fiscalizarlo es fundamental. Ahora, anularlo es algo terrible. Wikileaks llega a hurgar de tal manera en la privacidad, que el poder pasa a estar completamente indefenso y paralizado para actuar. Todo paso que da pasa a ser automáticamente de propiedad pública. Eso al final conspira contra la cultura democrática, ya que las dictaduras no son víctimas de eso. ¿China? ¿Qué se sabe sobre los secretos de China? Esos antecedentes no salen a la luz.
Usted habla de la banalización de la cultura. ¿Cree también que hay una frivolización de la política?
Sí, naturalmente. La banalización, la frivolización, es un fenómeno que abarca todos los aspectos de la vida social e individual: la política, la religión, la cultura en general, la creación, las artes. Y la política. Basta ver las campañas electorales hoy, que están guiadas por los creativos de las agencias de publicidad y no por los programas.
Lo que parece estar hundiéndose es el concepto del liderazgo. Antes eran más sólidos y generaban confianza. Hoy, en cambio, provocan sospechas.
Porque las ideas tenían mayor protagonismo. Hoy son más importantes los eslóganes, las caras, los gestos, la publicidad. Ahí sí hay una crisis que podría afectar profundamente la cultura democrática, sin duda.
¿Es la banalización política la que permite, por ejemplo, que el Presidente de Perú, Ollanta Humala, salga de un extremo político y se instale en otro?
No ha sido de un día para otro. En 2006 era el candidato chavista de ideas confusas. Pero luego de la derrota, Humala comenzó a advertir que por ese camino no iba a llegar a la presidencia. Desde entonces, con mucha discreción, para no perder la base de izquierda, empezó a moverse discretamente hacia el centro. Y la persona que se presentó a las elecciones en 2011 era más moderada. Cuando en la segunda vuelta se enfrentó a Keiko Fujimori, él dio un paso importantísimo: marcar una hoja de ruta en San Marcos. Y ha respetado tanto las instituciones democráticas como las políticas de mercado.
¿Cuáles son los principales problemas que enfrenta hoy Perú?
Lo que hay son problemas menores que hoy se han convertido en problemas mayores, como la minería informal. Y hay una movilización muy fuerte en su defensa, pese a que no sólo es catastrófica para el Estado, sino también para la naturaleza. Luego hay una izquierda radical que ha encontrado en el ecologismo una bandera que le permite resucitar los viejos problemas. Es lo que ha ocurrido con la resistencia de algunos grupos al proyecto minero de Conga, en Cajamarca, que implica una inversión de 4.500 millones de dólares para una región muy pobre. Hay una confrontación que puede tener consecuencias serias.
¿El refugio de ciertos grupos en el ambientalismo es una tendencia que usted observa solamente en Perú?
No. Yo creo que está en todas partes. En Europa, por supuesto. Hoy, salvo que seas un ser completamente fuera de la realidad, es muy difícil defender la vieja agenda de la izquierda: cerrarse al mundo, ensimismarse, levantar fronteras económicas, redistribuir la riqueza y nacionalizar. Por eso el refugio es ahora el ambientalismo.
¿Qué opina del gobierno de Cristina Fernández en Argentina?
Se necesitan brujos y chamanes para entender lo que sucede en Argentina. Eso es un galimatías y yo renuncio: no entiendo el país. Para mí es algo indescifrable, incomprensible. ¿Por qué el país más culto de América Latina, que tuvo una tradición tan notable no sólo de desarrollo económico, sino cultural, ha podido caer en lo que ha caído? Hoy Argentina es el peronismo. Derecha, centro, izquierda… todo es peronismo. Un sistema de poder tal no se ha visto nunca tan absolutamente generado en un país y ha llegado a posicionarse en toda la sociedad con graves consecuencias. ¿Y cuál es la salida? No lo sé, pero no se ve.
Usted está a punto de lanzar su próximo libro, que es un ensayo.
Voy a lanzar un ensayo que se llama La civilización del espectáculo, que analiza justamente la banalización de la cultura en el siglo XXI. Qué consecuencias puede tener esta situación y la importancia de la cultura en el desarrollo. Un crecimiento sin cultura, que es perfectamente posible, es un crecimiento con pies de barro. Un país puede alcanzar una gran modernidad, pero una modernidad donde no hay valores, alma y vida espiritual, al final es algo terrible.
¿Muchos reproches a los intelectuales?
Al fraude artístico e intelectual. En campos como la pintura se ha llegado a extremos increíbles. Los valores estéticos estallaron y lo que se impuso es la publicidad, la frivolidad más absoluta. En la literatura, afortunadamente todavía hay ciertos patrones que se respetan y te permiten decir “esto es bueno, esto es malo”. Tú puedes señalar que a Dan Brown lo leen muchos, pero no puedes afirmar que es el Cervantes del siglo XXI.
Está preparando también una novela.
La estoy escribiendo y se va a llamar, creo, El héroe discreto. Transcurre en el Perú de hoy, entre Piura y Lima, donde se viven problemas que no se han visto antes. Conflictos propios de un país que está en pleno desarrollo, donde hay una violencia criminal muy fuerte, que es una gran protagonista de la vida social y política.
“Me dio mucha pena la muerte de Pilarcita Donoso”
¿Cómo afrontó el suicidio de la hija de José Donoso?
Me afectó mucho, porque yo no solamente había sido muy amigo de los Donoso, sino que había visto a la Pilarcita desde niñita, desde que la adoptaron. Una historia muy triste, trágica. La última vez que estuve en Chile la vi y tenía el proyecto de irse a España, para intentar identificar a su madre biológica. Quería irse a vivir a Calaceite. La impresión que me dio es que estaba perdida, insegura. Me dio mucha pena la muerte de la Pilarcita Donoso.
Usted elogió su libro Correr el tupido velo, donde Pilar Donoso reveló los secretos de la familia.
A mí me impresionó muchísimo. Yo creo que el libro fue un acto de coraje extraordinario. Nunca me hubiera imaginado, habiendo frecuentado a los Donoso casi a diario en Barcelona, que vivían ese drama tan desgarrador que guardaban en las sombras. No podíamos sospechar que había ese drama de alcoholismo, la confrontación entre Pepe y su esposa. Y la historia de la niña que es desgarradora. Era maltratada por su madre y su padre, los dos tenían celos de ella. Y al mismo tiempo la quisieron mucho, porque la verdad es que la chiquita les cambió la vida.
¿Alguna vez advirtió frustración en José Donoso, porque el boom de alguna manera pasó por el lado suyo?
Pepe era una persona complicada, que tenía un mundo interior tortuoso, enrevesado. Ningún buen escritor es una persona fácil y Pepe particularmente, porque cultivaba sus neurosis. María del Pilar, su esposa, lo acompañaba, lo seguía. Ellos contaban anécdotas que probablemente eran falsas, pero que revelaban mucho el estado de tensión en la que vivía la familia. Decían que cuando invitaban a comer, luego del postre, así como se distribuyen chocolatitos, ellos ofrecían Valium.

Foi um beijo…

foi um beijo onde não importava a boca
só tuas mãos quentes me apertando pelas costas
nada estava acontecendo na minha frente
e a ansiedade que havia não era pouca
teus dedos perguntavam pra minha blusa
se meu corpo acolheria um delinqüente
descoladas as línguas um instante
minha resposta saiu um tanto rouca

Martha Medeiros

Minha boca…

minha boca
é pouca
pro desejo
que anda à solta

Martha Medeiros

O medo de esquecer tira a vontade de lembrar

Imaginação
Prosa, poesia e tradução


RONALDO BRESSANE

POR QUE VOCÊ não entra?, diz Hannah. Você sabe que não sei nadar, responde Fabrizio. Não precisa nadar pra ficar aqui, Hannah insinua. Você pode nadar cachorrinho. Eu o faço boiar, é só usar meu nariz. Prometo não fazer cócegas… Obrigado, não estou com vontade, diz Fabrizio, distraindo-se na observação das próprias rugas refletidas no vidro do aquário.
Você tem medo, diz Hannah. Eu sei, li seu diário enquanto você dormia. Você é intrometida, diz Fabrizio, sem mover um músculo da face. E você não deve ter lido de verdade o que escrevi. Não pode ter lido enquanto eu dormia só porque pensa que consegue ler meu pensamento quando estou sonhando. E se eu estivesse pensando em outra coisa enquanto escrevia?, diz Fabrizio. Bom, essa é a prerrogativa dos maus escritores, diz Hannah; se você mentiu pra si mesmo enquanto escrevia, já começou errado. Hum, então você agora virou crítica literária, ironiza Fabrizio.
Só temos você e eu aqui; tenho que ler alguma coisa, não? Já que você tem preguiça de ler pra mim…, diz Hannah. Você não se esforça pra nada. Nem vem nadar comigo… Ah, que saco, por que não fica quieta?, diz Fabrizio, levantando-se -e, pela primeira vez, se dá conta de que soltou a voz, não usou a telepatia para conversar com Hannah.
Ela percebe o ato falho. Puxa, isso realmente o incomoda, diz Hannah. Você não gostou de eu ter lido seu diário. Mas pra que escrever algo que ninguém vai ler? Diário é a forma mais hipócrita de literatura: se pretende isenta e sincera, mas nada pode ser mais pedante ou cheio de autocomplacência -nem a poesia beatnik do século passado, diz Hannah.
Se você tivesse lido o “Diário de Anne Frank”, não falaria essa besteira, diz Fabrizio. Tem aí?, diz Hannah. Se não, baixa na Psico5 pra mim? Sobre o que é? É a história de uma menina judia que se escondeu dos nazistas com a família, diz Fabrizio. Passou um ano até ser denunciada, o diário ficou no esconderijo.
Isso é só desespero, grafomania, o marquês de Sade também tinha isso, escrevia diário com a própria merda na cela lá na Bastilha, diz Hannah. Isso não tem nada a ver com literatura.
E quem disse que o que escrevo tem a ver com literatura?, diz Fabrizio. Você claramente quer deixar um testemunho do que trama e fazer isso com estilo, diz Hannah. Pretende ser objetivo, o que não passa de mentira. Pior, pura vaidade, diz Hannah. O Antonio Maria fez um diário por pouco mais de um ano e nunca publicou, só descobriram quando ele morreu, diz Fabrizio. Decerto a vaidade dele não deixou de atentar para esse detalhe, diz Hannah. Mas isso não é o que mais me espanta no seu diário. E sim essa ideia louca que você escreveu… Sobre manipular esse pobre programador de palavras cruzadas, diz Hannah.
Bobagem, diz Fabrizio. Você ficou irritada porque não consegue escrever; se enciumou com o que escrevi e agora me critica. Você só escreveu porque sabia que eu ia ler, diz Hannah, e só teve a ideia de titerar o pobre Adavilson porque leu a existência dele no meu corpo, durante o Rubi de ontem. Fabrizio sorri: Quer dizer que você se acha minha musa inspiradora?
Então Hannah corcoveia rapidamente, a barbatana dorsal revelando-se por sobre a lâmina do grande tanque e, com um golpe da cauda, gira 180º, mostrando a Fabrizio o seu lado direito -não sem antes oferecer sutilmente uma visão do oviduto oculto sob seu clasper. Ele sempre fica fascinado com essa contradição. Por que não tinham feito Hannah assexuada? Quem foi o sarcástico bioengenheiro da Divisão que teve a cruel ideia de criar um tubarão-tigre hermafrodita para lhe fazer companhia? O mesmo Mengele que lhe havia extraído a memória anterior à sua vida neste apartamento no edifício Copan?
Olha, Hannah, diz Fabrizio, bufando: Só escrevo o diário por um motivo -o tédio. Descobri que, assim como você, se parar não consigo respirar. E escrever é o que me dá um mínimo de calma. Ou melhor, o que me permite não ficar maluco enquanto estamos confinados aqui.
Quanto ao pobre Adavilson, foi uma ideia que tivemos juntos, lembra? Esse programador de palavras cruzadas que trabalha naquela megacorporação de comunicação, a TXT, inventou um jogo em que controla telepaticamente os jogadores de futebol do Campeonato. Se alguém passar a ele a ideia de exportar seu jogo para as colônias chinesas na Lua… Quem sabe em dois anos não temos uma guerrinha entre Xangai e São Paulo. Vou mandar esse tema, junto com nossa predição, para nosso chefinho Mark Sandman.
O que foi exatamente que você leu no meu corpo ontem?, Hannah para, encarando-o com seus olhos prateados. Quando a luz do sol caiu, às cinco e meia da tarde, li nas manchas das suas costas sobre esse homem amargurado que criou um jogo para ser vendido só nos territórios dos Coisos, diz Fabrizio. Ele resgatou o conceito de torcida, extinta quando os jogos começaram a ocorrer em estádios fechados, por causa do terrorismo. Se ele puder fazer com que os Coisos manipulem os jogadores, pode influenciar na loteria esportiva.
É uma ideia genial pra ganhar dinheiro: seu jogo telepático só será vendido aos Coisos -que não usam créditos, só dinheiro vivo. Agora, imagina esse jogo vendido às colônias chinesas. Aí teremos duas torcidas trabalhando mentalmente os jogos do Campeonato. A Divisão vai achar divertido. Quando os chineses descobrirem que o jogo foi criado numa empresa de entretenimento de São Paulo…
E como você vai fazer Adavilssom exportar esse jogo pra Lua?, diz Hannah. Adavilson é um frustrado, diz Fabrizio. No fundo, só quer que a TXT, onde ele trabalha, se dê mal com sua invenção. Vamos enfiar essa ideia na cabeça dele e ele vai achar que pensou sozinho. Entendi, diz Hannah. Assim como acha que a ideia do jogo telepático foi dele, e não algo que sugerimos a ele. Mas não sugerimos, espanta-se Fabrizio. Ah, não?, diz Hannah. E se eu disser que essa ideia está no seu diário de um ano atrás?
Confuso, Fabrizio levanta-se, vai até a mesa, abre o caderno: 25 de abril de 2054. Hoje o Rubi tuniu com a visão de um homem chamado Adavilson Félix Tristão. Ele é um programador de jogos que trabalha na corporação TXT. Um sujeito solitário como eu -com a diferença de que não tem um tubarão-tigre como companhia. Ele tem algumas das características que a Divisão aponta como necessárias para um “agent provocateur”. E se dermos uma ideiazinha a ele? Fabrizio para de ler, horrorizado.
Hannah riu. Agora você lembrou por que faz o diário. Não é por vaidade, para espantar o tédio ou praticar literatura. É para ter a ilusão de que controla essa sua memoriazinha fraca infeliz. Se é assim, você leu na minha mente antes que eu escrevesse, diz Fabrizio. A pior solidão do mundo deve ser essa: um escritor que vive com seu crítico literário, diz, abaixando os olhos. Como escapar?
Vou citar o Mark Sandman: Não há respostas, só escolhas, diz Hannah. Sei por que faz isso; quer inventar uma máquina de memória. Melhor dizendo, uma mnemomáquina, não? Lembrando o instante anterior, quer apreender o instante anterior ao anterior e aí voltar àquele tempo do qual não lembra nada. Aquele tempo em que não era um velhote cheio de manias morando num apartamento enorme com um tubarão. Mas tem uma coisa. O medo de esquecer tira a vontade de lembrar. Você sempre pode viver num doce esquecimento, assim como eu… É tão… Gostoso…
Fabrizio derruba os ombros: Bom, parece que é xeque de novo. Que escolha eu tenho? O sol cai, dando às três fileiras de dentes de Hannah um lindo efeito avermelhado, como frases escritas numa língua antiga. Ela diz: Que tal tirar esse pijama e vir nadar comigo?

Sou uma gata…

sou uma gata
que cruza
outros gatos
na rua
quem vê gata
assanhada
logo fica
engatado

Martha Medeiros

Bicho papão

bicho papão
viu moça em flor
e papoula

Martha Medeiros

Smetana: Má Vlast - Harnoncourt/RCO(2010Live)

sábado, 10 de março de 2012

Seios

Sofia, eu no teu rosto busco espelho,
Enquanto beijo os nós dos teus artelhos,
Enquanto tocas com teus pés meus seios.

E o corpo sabe: sou-te assemelhada,
E leva o pé à tua coxa amada,
Sou presa seduzida por teus cheiros.

E o corpo sabe o quanto é aquecido
Meu pé que sobe dentro do vestido,
Sorrindo do macio dos teus pentelhos.

E o corpo sabe: sou-te parecida,
Toco a mim mesma ao te tocar, amiga,
Se pouso, enfim, os dedos nos teus seios.

E o corpo sabe bem que sou-te gêmea
Me fazes louca, lúcida ou boêmia,
No gesto em que se unem nossos seios.

Sofia, no meu rosto tens espelho,
De quanto bem me faz amar teus seios.

Patricia Clemente

Виа Гра - Сумасшедший

segunda-feira, 5 de março de 2012

Era só para dizer

Era só para dizer

William Carlos Williams

THIS IS JUST TO SAY

I have eaten
the plums
that were in
the icebox

and which
you were probably
saving
for breakfast

Forgive me
they were delicious
so sweet
and so cold

ERA SÓ PARA DIZER

Eu comi
as ameixas
que estavam
no frigorifico

as quais estarias
provavelmente
a guardar para
o pequeno-almoço

Perdoa-me
eram deliciosas
tão doces
e tão frias

Maria Bonita

Esta noite em Angico
a brisa é calma.
No silêncio farfalham
Minhas anáguas
Como farfalham asas
E no escuro minha carne
Cheira a mato.

Vem meu amor e lavra
Este roçado
Como quem quebra
Um cântaro,
Como que lava
A casa;
Águas frescas na tarde.

Tuas límpias carícias,
Teus dedos como pássaros
E teu corpo que arde
Como estrelas
No espaço.

Não quero tua candeia,
Só meus sonhos acesos
E eu te direi de nácar
Terciopelo,
Coisas antigas, pelo de
Leoa; voz de cego na feira,

Não quero teu braseiro,
Tua intensa
Cintilação que queima
Meus vestidos

Só quero a tua volta,
Tua presença
Iluminando a noite
Que me cerca
Como uma luz acesa
No postigo.

Que sabes de minha vida
Além da morte
Inquieta que me ronda?
Que sabe desta chita
Destes panos
Que envolvem minha nudez
Como uma chama?

São teu olhos
Carvões que me devoram,
São teus beijos
Fosforescências de mel,
Travo forte das frutas.

Teus dedos como setas
Apontam meu destino:
Meu caminho,
Na planta de teus pés;
Meu horizonte,
No risco de tuas mãos
E meus cabelos
Esparsos sobre a relva
Em que me habitas.

Sou teu medo, teu sangue,
Sou teu sono,
Tua alpercata
De couro,
Teu olho cego, miragem
Dos vidros
Com que miras
A mira do mosquete.

Sou teu sabre,
Facão com que degolas.
Sou o gosto de sal,
Veneno que espalharam
No prato.
Sou a colher de prata
Azinhavrada. Sou teu laço

Teu lenço
No pescoço.
Sou teu chapéu de couro
Constelado
Com estrelas de prata
Sua a ponta
Do teu punhal buscando
O peito dos macacos.
Sou teu braço,
A cartucheira cruzada
Sobre o peito,
Sou teu leito
De angico e alecrim

Sou a almofada
Em que deitas a face,
O cheiro agreste
Dos homens que mataste.
sou a bainha
E a lâmina é meu resgate.

Sou tua fera. Sussuarana
No escuro – bote e salto.
Jaguatirica acesa nestes altos
Mundéus de teu alarme. Sou o parto
Da morte que te espreita.

Sou teu guia
Tua estrela, teu rastro, tua corja.
Sou tua mãe que chora,
Sou tua filha. Teu cachorro fiel,
Tua égua parida.
Sou a roseta na carne,
O lombo nas esporas.

Sou montaria e cavalo,
Fúria e faca.
Ferro em brasa na espádua
Sou teu gado,
Tua mulher, tua terra,
Tua alma,
Tua roça. Coivara
Que incendeias e apagas,
Tua casa.

Areia no sapato.
Sou a rede
Aberta como um fruto,
Sou soluço. Fome escura
De poço. Sou a caça
Abatida. Lebre e gato,
Coisas quentes ao tato.

Vem, meu dono, meu sócio,
Meu comparsa.
Desarma o teu cansaço,
Desata a cartrucheira,
A noite é farta
Como besta no cio,

A noite é vasta.
Vem, devagar
E habita meu silêncio
Como se habita
Um claustro.

Lâminas. Como espadas.
Pasto de aves meu corpo
Que trabalhas
Como quem corta e lavra.

Desata a cartucheira,
Teu campo de batalha
Sou eu.
Por um momento
Esquece o que te mata
- fúria e falta -
E enquanto a noite é calma
Vem e apaga
Na pele do meu peito
Esta fome sem data.

Myrian Fraga

sábado, 3 de março de 2012

"e a outra,
camuflagem final:
a memória
se dissipa."

Thomas Kling (1957–2005)poeta austríaco

Grupo 47

O Grupo 47 – um círculo literário criado em 1947 para resgatar a língua alemã da contaminação pela propaganda nazista – nunca foi homogêneo, conforme ressaltou Rühmkorf. Basta lembrar que o grupo também incluiu, além de autores mais conformes com as tendências da época, escritores tão inovadores como Paul Celan, Arno Schmidt e Peter Handke. "Nós três sempre nos entendemos bem. Reagimos contra a poesia vigente na década de 50 e tivemos trajetórias semelhantes. É isso que nos une", explicou Grass. Foi por isso que resolveram reeditar o "café central de uma literatura sem capital", como já havia denominado Enzensberger o Grupo 47.
Digitando define: (com dois pontos) e logo depois o termo em questão, a busca se restringe a enciclopédias. Geralmente se obtêm referências a artigos da Wikipedia alemã; em alguns casos, o usuário também é remetido a outras fontes.
O site www.msn.com, por sua vez, abriu recentemente a opção de consultar o dicionário enciclopédico Encarta em diversas línguas, inclusive em alemão.

Para além da compreensão

Livro aborda vantagens de se aceitar a incompreensão como algo inevitável e insolúvel.


'Kultur Nicht Verstehen' (Não Entender Cultura)
Kultur Nicht Verstehen: Pruduktives Nichtverstehen und Verstehen als Gestaltung (Não Entender Cultura: Não-Compreensão Produtiva e Compreensão como Princípio Configurador). Org. Juerg Albrecht, Jörg Huber, Kornelia Imesch, Karl Jost, Philipp Stoellger. Viena / Nova York: Springer (Zurique: Edition Voldemeer), 2005; 347p.

Um dos argumentos mais freqüentes usados na caracterização da cultura de entretenimento, em oposição à chamada "alta cultura", é o fato de aquela ser acessível a todos, ou seja, perfeitamente inteligível. Por outro lado, as manifestações culturais que não se compreendem tão facilmente são consideradas elitistas e deliberadamente direcionadas a um reduzido grupo de iniciados.



Lutero traduz a Bíblia, gravura de Gustav König, (1808–1869), 1847
Para escapar a este antagonismo muitas vezes empobrecedor, seria interessante questionar de onde vem a exigência de que a arte seja perfeitamente compreensível. Uma coletânea de textos teóricos publicada pela Edition Voldemeer (Springer Verlag) discute o conceito de cultura, incorporando a interferência do ininteligível. O livro inclui contribuições de intelectuais de diversas áreas, como teoria literária, filosofia, teoria da ciência, filosofia da religião, teologia, teoria da arte e do cinema.

Arte é feita para ser entendida

"A arte, por exemplo, não se realiza através da compreensão, mas sempre desperta perplexidade e reflexão, na melhor das hipóteses, ou mera incompreensão até o tédio, na pior das hipóteses. A produtiva irritação provocada pelo não compreendido sempre incita à releitura", constata Philipp Stoellger, professor de Teologia do Instituto de Hermenêutica e Filosofia da Religião da Universidade de Zurique.

A releitura talvez seja o critério essencial para diferenciar objetos de arte descartáveis daqueles que desafiam o leitor, observador ou espectador a retornar àquilo que se manteve enigmático durante a apreciação. Mas será que o desafio, neste caso, seria reler e reler e reler, até se desvendar o mistério? É justamente isso que desmente esta coletânea de textos.

Não entender faz parte



Hans-Georg Gadamer, 2000
A Hermenêutica, ciência da compreensão dos textos, desenvolvida tanto como pressuposto teológico da exegese bíblica como método de reflexão filosófica e científica (desenvolvido por Friedrich Schleiermacher, Wilhelm Dilthey, Martin Heidegger, Hans-Georg Gadamer, entre outros) parte do pressuposto de que tudo o que não foi compreendido pode ser desvendado por uma leitura cíclica.

O ciclo descreve um movimento da parte ao todo e à parte e ao todo e assim por diante, até se chegar a uma totalidade do objeto apreciado. Neste modelo, a não compreensão é apenas um momento temporário do processo de comunicação, a ser eliminado ou minimizado através deste círculo hermenêutico.

Contra esta posição se voltou não apenas o Pós-Estruturalismo francês, sobretudo a Deconstrução protagonizada pelo filósofo Jacques Derrida. Diferentes correntes teóricas atuais questionam a possibilidade de a comunicação eliminar mal-entendidos ou a própria incompreensão. Ao invés de tentar eliminar o "incômodo" daquilo que não foi compreendido, a idéia seria incorporá-lo como parte essencial do processo comunicativo e sobretudo da apreciação artística.

Do nome secreto ao signo enigmático



Elvis Presley subindo no trem em Bremerhaven (Alemanha), 1958, rumo a Friedberg, onde ficou 18 meses estacionado como soldado
O volume Kultur Nicht Verstehen (Não Comprender Cultura), organizado por diversos teóricos de língua alemã, compreende diferentes visões deste dilema entre comunicação e incompreensão. As contribuições abordam as questões mais diversas, desde as formas de lidar com a denomimnação de Deus na teologia medieval até a historiografia do fenômeno pop Elvis Presley, passando pela função do riso em O Nome da Rosa, de Umberto Eco, e pela linguagem corporal das artes marciais.

Eliminando qualquer dissociação entre uma "alta cultura" incompreensível e uma cultura de entretenimento acessível, esta publicação compreende uma grande diversidade de repertórios, do pop ao erudito, através da abordagem de uma questão que poderá vir a mudar a forma de apreciar e criticar arte.

Data 27.01.2006
Autor Simone de Mello

Poesia na rede e a malha da palavra

Coluna de Literatura 2006
Após uma fase de experimento com a internet como mídia lúdica de poesia, a rede passa a servir de suporte para projetos literários de maior consistência.


A internet oferece um milhão de respostas para perguntas que ninguém jamais fez (Sir Peter Ustinov)
Doze poetas de língua alemã se juntaram há mais de um ano na plataforma neuedichte.de (novadensidade), para gerar um intercâmbio espontâneo de reflexões circunstanciais e experimentos poéticos. Cada texto se linca a outras contribuições, compondo um diálogo em off, por assim dizer. Em off, porque nem sempre são referências explícitas e frontais que coligam os textos, mas sim contingências e detalhes, nem sempre transparentes ao leitor / usuário à primeira vista.

Ao penetrar neste labirinto, fica claro que o processo de contínua lincagem na internet é correlato ao movimento da linguagem poética, que sempre adia o significado, como se as palavras fossem escorregadias. Estas "afinidades seletivas" entre uma dúzia de poetas geram uma textura bem amarrada, uma consistência densa, lembrando que a palavra Dichtung (poesia, literatura) provém de dicht (denso).

Poesia como resposta à globalização



Cybercafé na Arábia Saudita, 2000
"Este mundo novo [no início do terceiro milênio] não deve e não pode ser descrito apenas por processos econômicos, estratégias de mercado e pelas mídias globais de entretenimento. Ele precisa, na mesma medida, de vozes individuais que se manifestem no singular potencial lingüístico e reflexivo do poema."

"Estas vozes falam a todos. Queremos localizá-las, tanto em sua inovação como em seu vínculo com todas as línguas do mundo, inserindo-as numa mídia mundial a ser acessada de quase todos os cantos da Terra", diz o programa da neuedichte.de.

A iniciativa reúne os poetas Ulrike Draesner, Oswald Egger, Elke Erb, Birgit Kempker, Ursula Krechel, Brigitte Oleschinski, Ilma Rakusa, Monika Rinck, Ferdinand Schmatz, Kathrin Schmidt, Ulf Stolterfoht e Peter Waterhouse.

Antologia poética in progress



Fontshop International, em Berlim, desenvolve novas fontes do alfabeto cirílico
Enquanto os poetas parecem perder gradativamente o interesse pelo potencial meramente lúdico da internet, aumenta a importância da rede como banco de dados e suporte para works in progress. De fevereiro de 2003 a final de 2005, o poeta alemão Ron Winkler (33) criou a antologia online Lyrik.Log, lançando um poema a cada semana.

A coletânea, publicada na revista eletrônica satt.org, inclui quase cem poetas. Encerrada em dezembro passado, é uma amostragem relativamente representativa da produção poética contemporânea de língua alemã.

Ao lado de alguns nomes estrangeiros, a antologia inclui autores como Friederike Mayröcker, Kurt Drawert, Gerhard Falkner, Franzobel, Günter Kunert, Marcel Beyer, Oskar Pastior, Mirko Bonné, Raoul Schrott, Marion Poschmann, entre muitos outros.

Ron Winkler – mestre em literatura alemã com uma tese sobre o poeta Durs Grünbein, editor da revista intendenzen desde 1997 e autor de vereinzelt Passanten (isolados passantes, kookbooks 2004) – resume a intenção do projeto: "O que originalmente foi pensado como um esboço temporário, a Lyrik.Log acompanhou os caminhos e sinais da poesia contemporânea, tornando-se uma pequena biblioteca, não apenas da poesia de língua alemã".

"Autores australianos, poloneses, lituanos, dinamarqueses, russos, ingleses e americanos se inscreveram neste espaço. E como um projeto como este jamais pode prometer ser completo, sua forma fechada pode ser entendida como janela para um universo maior."

Poesia na escrita e na fala

Um outro work in progress poético, porém mais enciclopédico, é o site lyrikline.org. A escolha de poetas representados neste banco de dados é submetida à curadoria de autores alemães e estrangeiros. O repertório ainda não pode ser considerado representativo, dado o caráter progressivo do projeto.



Poesia Digital, Giselle Beiguelmann, Poétrica
As grandes lacunas nas literaturas estrangeiras se devem ao fato de o site ter se iniciado em 1999 exclusivamente como plataforma de língua alemã. O interessante é o foco multilingual do projeto, que inclui poemas na língua original, oferecendo traduções existentes em outros idiomas.

Cada poeta é representado com uma breve biografia, uma lista de publicações e uma seleção de textos acompanhados de áudio. Este é um dos poucos sites em que é possível conferir a sonoridade dos textos lidos, um pressuposto fundamental na apreciação de poesia.

Autor Simone de Mello

via oral perde a fala

Tradição experimental da poesia perde um de seus maiores porta-vozes, o decompositor de palavras Oskar Pastior.

Oskar Pastior

Duas semanas antes de receber oficialmente o prêmio literário Georg-Büchner, um dos mais renomados da Alemanha, o poeta romeno-alemão Oskar Pastior morreu aos 78 anos. Com Pastior, a literatura alemã perde um dos mais radicais representantes da poesia experimental.

O romeno de língua alemã nascido na Transilvânia e residente em Berlim desde 1969 marcou a poesia alemã com sua escrita lúdica de vanguarda, consagrando-se como um dos mais apreciados recitadores contemporâneos. Pertencente a uma geração que cresceu durante a Segunda Guerra, Pastior foi deportado em 1945 para um campo de trabalho forçado soviético na Ucrânia, onde passou cinco anos.

Retornando à Romênia, completou seus estudos secundários e cursou Letras Germânicas, tornando-se radialista. Em 1968, Pastior aproveitou uma estadia como bolsista em Viena para fugir para o Ocidente. Após ter passado por Munique, ele se instalou em Berlim Ocidental, onde viveria até sua morte, no dia 4 passado.

Desde seus dois primeiros livros, escritos na Romênia ainda sob pressão de fidelidade ao realismo socialista, Oskar Pastior já demonstrava sua preferência pela poesia das vanguardas modernistas. Enquanto sua obra inicial foi marcada pela linguagem mais simbólica da poesia expressionista e surrealista, os livros escritos depois de sua migração para a Alemanha demonstram cada vez mais um gosto pelo absurdo, o nonsense, a tautologia, inserindo-se na tradição dadaísta com sua denúncia à ausência de lógica na linguagem.

Membro do grupo literário francês OULIPO (Ouvroir de Littérature Potentielle), ao qual também pertenceram escritores como Georges Perec e Italo Calvino, Pastior enveredou de forma cada vez mais decidida pela poesia fonética, com a qual passou a ser diretamente identificado.

Apesar de a língua alemã, com suas possibilidades combinatórias, ter sido seu maior material de experimento, o poliglota Pastior explorou com ímpeto investigativo um amplo universo interlingual. Em suas próprias palavras, sua Babel particular se constituía do "dialeto transilvânio e saxão dos avós, o alemão levemente arcaico dos pais, o romeno das ruas e das repartições públicas, um pouquinho de húngaro, um russo primitivo adquirido no campo de trabalho, um resto de latim de escola, grego de bula de remédio, alemão antigo da universidade, francês e inglês de leituras". Pastior também fez traduções inovadoras de Petrarca, Velimir Khlebnikov e Gertrude Stein.

Cracking molecular

"Cracking molecular" era a expressão que Pastior usava para descrever seus procedimentos de desintegração da linguagem. Sua grande predileção por listas de palavras de sonoridade análoga, por palíndromos, anagramas e outros jogos autopoéticos de linguagem perpassa quase toda sua produção poética.

Diferentemente da vertente mais radical da poesia fonética, que reduz a linguagem à pura sonoridade, Pastior compunha textos híbridos, nos quais uma ponta de sentido se fazia escutar em meio ao expressivo ruído da fala. O mérito de Pastior foi ter mantido com insistência uma tradição da poesia experimental alemã bastante esquecida, fazendo a ponte entre as inovações das vanguardas do início do século 20 e o revival da poesia oral nos poetry slams desde década de 90.

Data 11.10.2006
Autor Simone de Mello

bolero libido bolero Libido

bolero libido

do bobi le liro

rodo libo lebi

biro ledo boli

libi borodo le

leli do bi robo

dobile.

Oskar Pastior

sempre

o poema não existe. só

existe este poema que

estás te lendo. mas como

tu podes dizer neste poema

vide acima que não existe

o poema e só existe mesmo

este poema que estás te lendo

também pode ser que o poema

que tu não lês possa te ler e

este poema aqui não existir

mesmo. ambos tu e tu lêem

isso e aquilo. trate ambos por

tu pois eles te lêem mesmo se

tu não existires só aqui.

Oscar Pastior.poeta romeno de expressão alemã

Criticada por erros de informação

Coluna de Literatura 2006

Será que o saber enciclopédico pode manter a credibilidade num projeto de escritura coletiva e numa mídia tão dinâmica como a internet? Imprensa alemã lança caça aos erros da Wikipédia.


Enciclopédia coletiva em mais de 220 línguas
A discussão internacional relativamente contida em torno da inconfiabilidade da Wikipédia escalou na Alemanha nas últimas semanas. A enciclopédia coletiva online entrou na mira da grande imprensa, decidida a denunciar a falta de seriedade com que os verbetes são escritos e a gravidade dos erros conseqüentemente veiculados.

O Süddeutsche Zeitung inseriu propositalmente erros em diversos verbetes, a fim de controlar quanto tempo eles permaneceriam online, chegando à conclusão de que parte deles não foi corrigida até hoje. E o Bild, fazendo jus a seu registro populista, resolveu convocar seus leitores a ajudar a redação a denunciar os erros da Wikipédia.

"Vocês podem imaginar que alguém invada a redação da [enciclopédia] Brockhaus à noite, adultere alguns volumes e eles então passem a ser impressos assim?", polemizou o Bild, o maior órgão da imprensa marrom alemã, listando informações errôneas e absurdas na maior enciclopédia da internet.

"Maoísmo cultural"

Não é por acaso que a Alemanha, uma cultura em que a palavra escrita tem grande autoridade e a crítica à mídia tem longa tradição, se mostre vigilante em relação aos riscos de uma produção coletiva de saber enciclopédico numa mídia de informações efêmeras e mutantes.



Qualquer um pode intervir no conteúdo da Wikipédia
O que mais parece incomodar a opinião pública não é o desmando que impera na internet, um dos efeitos colaterais do livre fluxo de informação sem precedentes que esta mídia permite, mas sim o fato de esta falta de controle ter atingido o saber enciclopédico, um âmbito de produção de saber ainda pouco questionado em seu teor de "veracidade".

O teórico da realidade virtual Jaron Lanier, um dos críticos da Wikipédia, qualificou como "maoísmo cultural" a predominância da informação produzida pela massa anônima na internet, em detrimento da individualização do saber. Fato, no entanto, é que os erros mais graves e comprometedores da enciclopédia online são evidentemente uma sabotagem deliberada ou uma contribuição errônea ainda não corrigida, ou seja, uma interferência individual na dinâmica da escritura coletiva.

"Nenhum monstro descontrolado"

Ao contrário do que possa parecer, a Wikipédia é um projeto bastante individualizado. A metade dos 750 mil verbetes da versão alemã, por exemplo, foi escrita por cerca de 500 autores, o que contraria a idéia de uma produção inteiramente massificada da informação. Isso não altera, no entanto, o fato de este canal permitir a rápida propagação de informação não comprovada e manipulada.



Jimmy Wales, um dos fundadores da Wikipédia
Mesmo não sendo um "monstro descontrolado" – um argumento usado em defesa da Wikipédia por seu fundador Jimmy Wales –, o que distingue a maior enciclopédia online da Brockhaus, por exemplo, é naturalmente a ausência de um cânon. A relevância da informação não é determinada pela tradição cultural, mas pela dinâmica da mídia.

Isso aumenta evidentemente o risco de desequilíbrios, a margem para escolhas arbitrárias e supervalorização de contingências. A ausência de hierarquia na estruturação das informações veiculadas pela internet se choca com o repertório bem mais canonizado da cultura escrita.

Wiki wiki

Talvez o dilema da Wikipédia esteja contido no próprio nome: "wiki wiki" significa "rápido" em idioma havaiano. Mas será que o saber enciclopédico não se configura apenas com o tempo, após as irrelevâncias caírem em esquecimento? Além do mais, como localizar fontes confiáveis para acontecimentos contemporâneos, dificilmente arquiváveis em sua mobilidade?



Estande da Brockhaus na Feira de Livros de Frankfurt 2005
O que pode assustar na Wikipédia é seu potencial de divulgar dados errôneos com eficiência máxima e de se tornar uma fonte de informação hegemônica apesar da inconfiabilidade. A versão inglesa, com 1,4 milhão de verbetes, é 12 vezes maior que a Enciclopédia Britânica; a alemã, a segunda maior com 750 mil entradas, tem o triplo de informação da enciclopédia DTV e um terço a mais que a Brockhaus.

De acordo com o ranking de tráfico da Alexa, a Wikipédia é o 15º link mais acessado na internet; na busca do Google, não é raro ela constar entre as primeiras entradas.

Compêndio do cidadão x tradição

Com uma nova enciclopédia online, a Citizendium, o co-fundador da Wikipédia Larry Sanger, que abandonou o projeto original por discordar da excessiva liberdade na produção das informações, pretende garantir a qualidade dos verbetes veiculados. Na Alemanha, a própria Wikipédia já reagiu às denúncias de falta de credibilidade, anunciando a criação de uma categoria extra de verbetes bem revisados. Se a iniciativa der certo, deverá ser implementada em inglês.

No entanto, o risco continua existindo mesmo se o controle de qualidade dos verbetes se tornar mais rígido. O problema não é a Wikipédia veicular informações errôneas, pois este risco é imanente ao projeto, mas sim o fato de ela passar a ser usada como fonte de informação autorizada – e muitas vezes como única fonte de informação.

Usar a Wikipédia como fonte de trabalhos acadêmicos não é nenhuma raridade na Alemanha. Justamente na universidade, onde teoricamente se deveria produzir o saber a ser compilado numa enciclopédia. O problema, portanto, é delegar a autoridade do saber enciclopédico a um experimento que, apesar de sua legitimidade, está naturalmente exposto a manipulações e propagação de erros.

Neste ponto, as editoras de enciclopédias impressas já vêm despertando para a necessidade de explorar todas possibilidades digitais e a internet, a fim de não serem desbancadas por sua concorrente online.

Data 24.11.2006

Autor Simone de Mello

Interculturalidade na criação literária

Especial: Idiomas e variedade


Literatura 'nacional' ou 'universal'?
Aos escritores "cuja língua materna não é o alemão", embora escrevam no idioma do país, é destinado anualmente o Prêmio Adelbert von Chamisso, concedido desde 1985. Os autores em questão, embora tematizem com freqüência, em suas obras, questões relacionadas à construção da identidade cultural, costumam demonstrar uma certa resistência a rótulos como Migrantenliteratur (literatura de migrantes).

Essa denominação certamente pareceria absurda nos países vizinhos França e Reino Unido, onde não seria bem visto categorizar a obra de um escritor nascido no país, que domine perfeitamente o idioma, de "literatura de migrante".

Transição de culturas



Wladimir Kaminer: 'Meus leitores gostam do que escrevo. A eles não importa minha origem'
"Decisivo para a concessão do Prêmio Adelbert von Chamisso é, além da qualidade literária, o câmbio de idioma e cultura pelo qual estes autores, via de regra, passaram. Há também casos limítrofes, como o de escritores que nasceram na Alemanha, mas cresceram bilíngues, como o de Zsuzsa Bánk [filha de imigrantes húngaros nascida em Frankfurt]. E outros que, embora tenham vindo ainda na infância para a Alemanha, mantêm o outro idioma, como [o turco-alemão] Feridun Zaimoglu", diz Klaus Hübner, um dos organizadores do prêmio concedido pela Fundação Bosch.

Ser considerado "escritor alemão não-alemão", apesar do toque aburdo da denominação, acaba muitas vezes se tornando um bônus para estes autores no mercado. O russo Wladimir Kaminer, que se mudou já adulto para Berlim e é autor de diversos livros publicados no país, acredita que rotular um autor pela sua origem é mais uma tendência da mídia que da opinião pública.

Mudança de percepção



Adel Karasholi: 'significados e associações comuns'

Alteridade e estranhamento



Terézia Mora
Alguns dos escritores que receberam o Prêmio Chamisso no passado pertencem a minorias alemãs fora do país, como é o caso da húngara radicada em Berlim, Terézia Mora. A família da mãe da escritora é de croatas que falam alemão. Mesmo tendo crescido em um pequeno povoado húngaro, Mora falou alemão em casa e freqüentou uma escola onde aperfeiçoou o aprendizado do idioma.

Talvez por isso a escritora, que vive há 16 anos em Berlim, reaja com uma certa hostilidade ao ser questionada sobre seu nome entre os de escritores "não-alemães" que publicam no país. "Não tenho tempo para questões deste tipo", reage Mora, que em seus livros, porém, tematiza com freqüência a alteridade e o estranhamento desencadeados pelo trânsito entre culturas.

Em Alle Tage (Todos os dias), por exemplo, o protagonista Abel Nema domina com perfeição dez idiomas, embora não consiga dialogar com ninguém, vivendo no limiar da sociedade, entre traficantes de drogas e músicos outsiders. Uma figura sem origem, incapaz de se comunicar e de se sentir em casa em qualquer lugar.

Influências formais

A lista dos "escritores estrangeiros" é grande e o assunto chegou no decorrer das últimas décadas à vida acadêmica. Nas universidades, cresce também o interesse pela literatura daqueles considerados "de língua não-alemã", principalmente pelo caráter estético e formal, muitas vezes influenciado pelo "outro idioma" do escritor em questão.



Yoko Tawada: 'sons estranhos'
Yoko Tawada é outro exemplo. A japonesa vive há 24 anos na Alemanha e é autora de diversos livros no idioma do país. O estranhamento da língua estrangeira é explícito na obra de Tawada. "Todo som estranho, todo olhar estranho e todo sabor estranho surtiam efeitos desconfortáveis em meu corpo. Havia também provérbios dos quais eu sentia arrepios", escreve a autora de, entre outros, Das Fremde aus der Dose (O Outro que vem da lata).

Apesar das trajetórias de interculturalidade, é evidente que o rótulo "literatura da migração" acaba sendo pertinente apenas em relação a poucos escritores. "Literatura é literatura. A literatura é capaz de quebrar fronteiras despreocupadamente. Ela não precisa de visto ou nacionalidade. Sua identidade é estética e não sociológica", observa Karasholi.

O brasileiro Zé do Rock, por exemplo, vive há vários anos em Munique e tem livros publicados no país, nos quais cria neologismos unidos sob os rótulos de ultradoitsh ou wunschdoitsh. No entanto, Zé do Rock acredita que seus livros tenham pouco ou nada a ver com a situação dos imigrantes na Alemanha. "Eu cataloguizaria meus livros como deutsche Literatur, já que são escritos em alemão", diz.

Sem chão



Vilém Flusser (1920–1991): 'sem chão'
Ignorar as dores de uma transição cultural seria tão estúpido, porém, quanto fechar os olhos para a riqueza da herança cultural presente nas gerações de migrantes. O filósofo Vilém Flusser, que passou sua vida transitando entre pelo menos quatro idiomas (tcheco, alemão, português e francês) e vários países, descreve em sua autobiografia Bodenlos (Sem chão), que ao passar de um universo cultural e lingüístico a outro, o "novo" idioma acaba reprimindo, passo a passo, a língua materna como estrutura de pensamento. Para Flusser, quando o indivíduo "paira sobre um complexo de culturas", ele perde o chão.

Uma situação de dualidade que pode também ser vista com menos pessimismo, como observa Adel Karasholi, que hoje escreve tanto em árabe quanto em alemão: "No fim dos anos 70, tentei não ler mais o livro do mundo, mas como diz Proust, o meu livro interior. O destinatário do que escrevo se tornou menos importante e, com isso, também a escolha do idioma. Aí surgiram até mesmo ciclos poéticos como os presentes em meu último livro de poemas Also sprach Abdulla (Assim falou Abdulla), escrito parcialmente em árabe, parcialmente em alemão. Pois, no íntimo, vocifera não apenas uma luta contínua entre os dois pólos, mas também, depois de tanto tempo, um abraço entre eles".

Fonte Deutche welle

quinta-feira, 1 de março de 2012

Tristesse de la Lune – Tristeza da lua – Tristeza de la luna

Português



Divaga em meio à noite a lua preguiçosa;

Como uma bela, entre coxins e devaneios,

Que afaga com a mão discreta e vaporosa,

Antes de adormecer, o contorno dos seios.



No dorso de cetim das tenras avalanchas,

Morrendo, ela se entrega a longos estertores,

E os olhos vai pousando sobre as níveas manchas

Que no azul desabrocham como estranhas flores.



Se às vezes neste globo, ébria de ócio e prazer,

Deixa ela uma furtiva lágrima escorrer

Um poeta caridoso, ao sono pouco afeito,



No côncavo das mãos torna essa gota rala,

De irisados reflexos como um grão de opala,

E bem longe do sol a acolhe no peito.



Español



Esta noche la luna sueña con más pereza,

Igual a una beldad que sobre muchos cojines

Con mano ligera y de abandono acaricia

La forma de sus senos antes de dormirse.



Sobre el dorso de seda de suaves avalanchas,

Muriente, se entrega a prolongados éxtasis,

Y pasea su mirada sobre visiones blancas

Que ascienden al azul, igual que floraciones.



Cuando algunas veces sobre esta forma, en su languidez ociosa,

Deja rodar una lágrima furtiva,

Un piadoso poeta, enemigo del ensueño,



Acoge esta pálida lágrima en el cuenco de su mano

Como un pedazo de ópalo de irisados reflejos.

Y en su corazón la guarda, lejos de los ojos del sol



français



Ce soir, la lune rêve avec plus de paresse ;

Ainsi qu’une beauté, sur de nombreux coussins,

Qui d’une main distraite et légère caresse

Avant de s’endormir le contour de ses seins,



Sur le dos satiné des molles avalanches,

Mourante, elle se livre aux longues pâmoisons,

Et promène ses yeux sur les visions blanches

Qui montent dans l’azur comme des floraisons.



Quand parfois sur ce globe, en sa langueur oisive,

Elle laisse filer une larme furtive,

Un poète pieux, ennemi du sommeil,



Dans le creux de sa main prend cette larme pâle,

Aux reflets irisés comme un fragment d’opale,

Et la met dans son coeur loin des yeux du soleil.
 
Charles Baudelaire

Relâmpago

Rompe-se a escuridão quando o olhar

para uma face o mundo se ilumina

com uma claridade repentina

capaz de, só por si, fazer brilhar



a substância tão irregular

de tudo o que se acende na retina

e através da luz se dissemina

por entre imagens vãs, até formar



um fluido movimento, uma paisagem

a que estes olhos quase não reagem

salvo se nesse instante o rosto for



transfigurado pela fantasia.

E às vezes é só isso que anuncia

aquilo a que chamamos o amor.



Fernando Pinto do Amaral,
Relâmpago, do livro Às Cegas, 1997