Brasileiro que chefia comissão da ONU sobre o conflito critica inércia do Conselho de Segurança e afirma que, devido a divisões entre potências, comunidade internacional é também responsável pelas atrocidades.
A comissão da ONU responsável por investigar as violações dos direitos humanos na guerra síria divulgou um relatório nesta quarta-feira (05/03) no qual critica a inércia da comunidade internacional em agir para solucionar o conflito.
Em entrevista à DW Brasil, o brasileiro Paulo Sérgio Pinheiro, que chefia a comissão, diz que "a impunidade foi consagrada" na Síria, em parte devido a divisões entres os membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU (EUA, Rússia, China, Reino Unido e França).
"Os crimes e violações vêm sendo cometidos, e os perpetradores estão totalmente tranquilos porque não precisam enfrentar qualquer nível de justiça", afirma Pinheiro.
Deutsche Welle: No relatório divulgado nesta quarta-feira foi citado que houve negligência das grandes potências em relação ao conflito da Síria. De que forma as grandes potências falharam?
Paulo Sérgio Pinheiro: Nós chamamos a atenção para a incapacidade do Conselho de Segurança em referir o caso da Síria para o Tribunal Penal Internacional (TPI). Isso porque a Síria não faz parte do Estatuto de Roma, que criou o TPI e, desta forma, o único órgão dentro da comunidade internacional e da ONU que poderia fazer isso seria o Conselho de Segurança.
Mas, por causa da divisão dentro do Conselho, especialmente entre os membros permanentes, a impunidade foi consagrada na Síria. Os crimes e violações vêm sendo cometidos, e os perpetradores estão totalmente tranquilos porque não precisam enfrentar qualquer nível de justiça.
O relatório terá consequências políticas práticas?
O que estamos fazendo é documentando as violações aos direitos humanos e ao direito internacional humanitário, para que, no futuro, quando o TPI, que nós esperamos que em algum momento possa atuar, possa abrir investigações criminais. Nosso único mandato é primeiro reconstruir os fatos relativos às violações e, em segundo lugar, indicar quando possível os autores, o que nós temos feito.
O senhor disse a jornalistas que países que têm influência sobre os grupos em guerra na Síria deveriam tentar persuadi-los a chegar a uma solução para o conflito. Como isso seria possível?
Não é uma questão de possibilidade. Essa guerra continua porque os dois lados – governo e grupos não estatais armados – são subsidiados por Estados-membros das Nações Unidas. E nós chamamos a atenção para que os que estão apoiando as duas partes do conflito poderão ser responsabilizados no futuro. De certa forma, aqueles que subsidiam o governo e os grupos não estatais armados tem a corresponsabilidade na prática eventual dos crimes de guerra e nas violações de direitos humanos.
O senhor vê uma solução para o conflito a médio prazo? Como ela seria?
A solução está encaminhada. Desde 2011 nós temos repetido que não há nenhuma solução militar para o conflito. Pode haver uma solução militar daqui a 20 anos, mas a Síria já estará totalmente destruída. Esse processo de certa forma começou, na conferência Genebra II há um mês. Eu não diria que este primeiro round fracassou. Nunca tivemos a ilusão de que a negociação seria fácil. Mas a via para a negociação está aberta. Agora, é lamentável que enquanto se faz essa negociação que o governo e os grupos não estatais armados continuem a combater. Enfim, sírios matando sírios, o que é lamentável.
O senhor é a favor de uma missão de paz da ONU na Síria? Acredita que a ONU receberia o aval de países como China e Rússia?
Não. Por isso que estamos muito longe [de uma solução]. Ainda que em algum momento possa haver alguma força de interposição organizada pela ONU, isso não pode ser excluído, mas não é absolutamente o caso. Sem o cessar-fogo das hostilidades, sem a suspensão dos combates, não há nenhum sentido em pensar numa força das Nações Unidas. Isso é algo extremamente remoto para o panorama atual.
A crise na Ucrânia retirou um pouco o foco do conflito na Síria. Há agora um grande empenho de forças como EUA e Rússia na Ucrânia e parece haver um esquecimento do conflito sírio.
O que eu espero é que essa crise será resolvida diplomaticamente e que a responsabilidade tanto dos EUA como da Federação Russa continuará em termos do papel que as duas potências vinham exercendo no processo de negociação na Síria juntamente com a ONU. São dois países extremamente importantes e que têm condições de lidar com mais de uma crise. Eu não creio que o fato de ter sido aberta outra crise na Europa que a Síria vai ser esquecida.
DW.DE
Data 05.03.2014
Autoria Fernando Caulyt
Edição Rafael Plaisant