quinta-feira, 1 de março de 2012

Tristesse de la Lune – Tristeza da lua – Tristeza de la luna

Português



Divaga em meio à noite a lua preguiçosa;

Como uma bela, entre coxins e devaneios,

Que afaga com a mão discreta e vaporosa,

Antes de adormecer, o contorno dos seios.



No dorso de cetim das tenras avalanchas,

Morrendo, ela se entrega a longos estertores,

E os olhos vai pousando sobre as níveas manchas

Que no azul desabrocham como estranhas flores.



Se às vezes neste globo, ébria de ócio e prazer,

Deixa ela uma furtiva lágrima escorrer

Um poeta caridoso, ao sono pouco afeito,



No côncavo das mãos torna essa gota rala,

De irisados reflexos como um grão de opala,

E bem longe do sol a acolhe no peito.



Español



Esta noche la luna sueña con más pereza,

Igual a una beldad que sobre muchos cojines

Con mano ligera y de abandono acaricia

La forma de sus senos antes de dormirse.



Sobre el dorso de seda de suaves avalanchas,

Muriente, se entrega a prolongados éxtasis,

Y pasea su mirada sobre visiones blancas

Que ascienden al azul, igual que floraciones.



Cuando algunas veces sobre esta forma, en su languidez ociosa,

Deja rodar una lágrima furtiva,

Un piadoso poeta, enemigo del ensueño,



Acoge esta pálida lágrima en el cuenco de su mano

Como un pedazo de ópalo de irisados reflejos.

Y en su corazón la guarda, lejos de los ojos del sol



français



Ce soir, la lune rêve avec plus de paresse ;

Ainsi qu’une beauté, sur de nombreux coussins,

Qui d’une main distraite et légère caresse

Avant de s’endormir le contour de ses seins,



Sur le dos satiné des molles avalanches,

Mourante, elle se livre aux longues pâmoisons,

Et promène ses yeux sur les visions blanches

Qui montent dans l’azur comme des floraisons.



Quand parfois sur ce globe, en sa langueur oisive,

Elle laisse filer une larme furtive,

Un poète pieux, ennemi du sommeil,



Dans le creux de sa main prend cette larme pâle,

Aux reflets irisés comme un fragment d’opale,

Et la met dans son coeur loin des yeux du soleil.
 
Charles Baudelaire

Relâmpago

Rompe-se a escuridão quando o olhar

para uma face o mundo se ilumina

com uma claridade repentina

capaz de, só por si, fazer brilhar



a substância tão irregular

de tudo o que se acende na retina

e através da luz se dissemina

por entre imagens vãs, até formar



um fluido movimento, uma paisagem

a que estes olhos quase não reagem

salvo se nesse instante o rosto for



transfigurado pela fantasia.

E às vezes é só isso que anuncia

aquilo a que chamamos o amor.



Fernando Pinto do Amaral,
Relâmpago, do livro Às Cegas, 1997