domingo, 23 de fevereiro de 2014

Poema porrada



Eu estou farto de muita coisa
não me transformarei em subúrbio
não serei válvula sonora
não serei paz
eu quero a destruição de tudo que é frágil:
cristãos fábricas palácios
juízes patrões e operários
uma noite destruída cobre os dois sexos
minha alma sapateia feito louca
um tiro de máuser atravessa o tímpano de
duas centopeias
o universo é cuspido pelo cu sangrento
de um Deus-Cadela
as vísceras se comovem
eu preciso dissipar o encanto do meu velho
esqueleto
eu preciso esquecer que existo
mariposas perjuram o céu de cimento
eu me entrincheiro no Arco-Íris
Ah voltar de novo à janela
perder o olhar nos telhados como
se fossem o Universo
o girassol de Oscar Wilde entardece sobre os tetos
eu preciso partir um dia para muito longe
o mundo exterior tem pressa demais para mim
São Paulo e a Rússia não podem parar
quando eu ia ao colégio Deus tapava os ouvidos para mim?
a Morte olha-me da parede pelos olhos apodrecidos
de Modigliani
eu gostaria de incendiar os pentelhos de Modigliani
minha alma louca aponta para a Lua
vi os professores e seus cálculos discretos ocupando
o mundo do espírito
vi criancinhas vomitando nos radiadores
vi canetas dementes hortas tampas de privada
abro os olhos as nuvens tornam-se mais duras
trago o mundo na orelha como um brinco imenso
a loucura é um espelho na manhã de pássaros sem Fôlego


Roberto Piva

sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

SÉTIMO DIA


Voltámos, um a um, da tua morte

para a nossa vida como quem regressa a casa
de uma longa viagem. Para trás ficaram recordações, países,
e agora é como se te tivéssemos sonhado.

A voz que, diante da escuridão, suspendemos
quando se desmoronou o mundo para o fundo de ti
erguêmo-la de novo para os afazeres diurnos
e para as horas comuns.

Ainda ontem estávamos sozinhos diante do Horror
e já somos reais outra vez.
A própria dor adormeceu no nosso colo
como um animal de companhia.


MANUEL ANTÓNIO PINA

Quem controla o sistema financeiro?

"Assim, a política econômica não é mais da jurisdição dos governos democraticamente eleitos, porque existe um determinado grupo de interesses que nunca pode ser derrotado. Não é somente a questão dos detentores de riqueza poderem evitar o ônus de qualquer política da qual não gostem. É pior do que isso: eles podem arruinar a economia no processo de evitar decisões locais, causando uma crise no balanço de pagamentos." (Quem controla o sistema financeiro? - Ibase)

Strophes pour se souvenir

Vous n'avez réclamé la gloire ni les larmes
Ni l'orgue ni la prière aux agonisants
Onze ans déjà que cela passe vite onze ans
Vous vous étiez servi simplement de vos armes
La mort n'éblouit pas les yeux des partisans

Vous aviez vos portraits sur les murs de nos villes
Noirs de barbe et de nuit, hirsutes, menaçants
L'affiche qui semblait une tache de sang
Parce qu'à prononcer vos noms sont difficiles
Y cherchait un effet de peur sur les passants.

Nul ne semblait vous voir Français de préférence
Les gens allaient sans yeux pour vous le jour durant
Mais à l'heure du couvre-feu des doigts errants
Avaient écrit sous vos photos morts pour la France
Et les mornes matins en étaient différents

Tout avait la couleur uniforme du givre
À la fin février pour vos derniers moments
Et c'est alors que l'un de vous dit calmement
Bonheur à tous Bonheur à ceux qui vont survivre
Je meurs sans haine en moi pour le peuple allemand

Adieu la peine et le plaisir Adieu les roses
Adieu la vie Adieu la lumière et le vent
Marie-toi sois heureuse et pense à moi souvent
Toi qui vas demeurer dans la beauté des choses
Quand tout sera fini plus tard en Erivan

Un grand soleil d'hiver éclaire la colline
Que la nature est belle et que le cœur me fend
La justice viendra sur nos pas triomphants
Ma Mélinée ô mon amour mon orpheline
Et je te dis de vivre et d'avoir un enfant

Ils étaient vingt et trois quand les fusils fleurirent
Vingt et trois qui donnaient leur cœur avant le temps
Vingt et trois étrangers et nos frères pourtant
Vingt et trois amoureux de vivre à en mourir
Vingt et trois qui criaient la France en s'abattant

Strophes pour se souvenir. Louis Aragon


Aujourd'hui l'Humanité rend hommage aux 23 résistants du groupe Manouchian, morts pour la France il y a 70 ans jour pour jour.



Fonte L’Humanité

quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

"A maravilhosa alteridade do outro foi banalizada e enturvecida em uma simples troca de cortesias estabelecida como um comércio interpessoal de alfândegas." [Emmanuel Lévinas, 1906-1995]
( Senhor, dá-me a faculdade de jamais rezar, poupa-me a insanidade de toda adoração, afasta de mim essa tentação de amor que me entregaria para sempre a Ti. Que o vazio se estenda entre o meu coração e o céu! Não desejo ver meus desertos povoados com Tua presença, minhas noites tiranizadas por Tua luz, minhas Sibérias fundidas sob Teu sol. Mais solitário do que Tu, quero minhas mãos puras, ao contrário das Tuas que sujaram-se para sempre ao modelar a terra e ao misturar-se nos assuntos do mundo. Só peço à Tua estúpida onipotência respeito para minha solidão e meus tormentos. Não tenho nada a fazer com Tuas palavras. Conceda-me o milagre recolhido antes do primeiro instante, a paz que Tu não pudeste tolerar e que Te incitou a abrir uma brecha no nada para inaugurar esta feira dos tempos, e para condenar-me assim ao universo, à humilhação e à vergonha de existir.)


Cioran
"É um silêncio que não dorme: é insone: imóvel mas insone; e sem fantasmas. É terrível – sem nenhum fantasma. Inútil querer povoá-lo com a possibilidade de uma porta que se abra rangendo, de uma cortina que se abra e diga alguma coisa. Ele é vazio e sem promessa. Se ao menos houvesse o vento. Vento é ira, ira é vida. Ou neve, que é muda, mas deixa rastro – tudo embranquece, as crianças riem, os passos rangem e marcam. Há uma continuidade que é a vida. Mas este silêncio não deixa provas. Não se pode falar do silêncio como se fala da neve."

- Clarice Lispector, em “Onde Estivestes de Noite”, 1998.
Voz já sem eco, só
visões de mescalina;

Minha pátria, o silêncio

— imagem desfocada
ou oblívio —
no transmutar-se em água.

(Um jogo de
decapitações:

extravio dos prováveis,
sem desfibrar a
rocha.)


(Yin Hsi, exaurido após luas e sóis de inútil leitura — tarefa insana como polir pedra com pluma, mover montanhas, secar o sol — incinera o códice de nós.)

fonte: Cláudio Daniel

MINHA PÁTRIA


Minha pátria não é a língua portuguesa.
Nenhuma língua é a pátria.
Minha pátria é a terra mole e peganhenta onde nasci
e o vento que sopra em Maceió.
São os caranguejos que correm na lama dos mangues
e o oceano cujas ondas continuam molhando os meus pés quando sonho.
Minha pátria são os morcegos suspensos no forro das igrejas carcomidas,
os loucos que dançam ao entardecer no hospício junto ao mar,
e o céu encurvado pelas constelações.
Minha pátria são os apitos dos navios
e o farol no alto da colina.
Minha pátria é a mão do mendigo na manhã radiosa.
São os estaleiros apodrecidos
e os cemitérios marinhos onde os meus ancestrais tuberculosos
[e impaludados não param de tossir e tremer nas noites frias
e o cheiro de açúcar nos armazéns portuários
e as tainhas que se debatem nas redes dos pescadores
e as résteas de cebola enrodilhadas na treva
e a chuva que cai sobre os currais de peixe.
A língua de que me utilizo não é e nunca foi a minha pátria.
Nenhuma língua enganosa é a pátria.
Ela serve apenas para que eu celebre a minha grande e pobre pátria muda,
minha pátria disentérica e desdentada, sem gramática e sem dicionário,
minha pátria sem língua e sem palavras.


LÊDO IVO

Poema sobre a recusa



Como é possível perder-te
sem nunca te ter achado
nem na polpa dos meus dedos
se ter formado o afago
sem termos sido a cidade
nem termos rasgado pedras
sem descobrirmos a cor
nem o interior da erva.

Como é possível perder-te
sem nunca te ter achado
minha raiva de ternura
meu ódio de conhecer-te
minha alegria profunda.


Maria Teresa Horta

DEFESA DA ALEGRIA


Defender a alegria como uma trincheira
defendê-la do escândalo e da rotina
da miséria e dos miseráveis
das ausências transitórias
e das definitivas

defender a alegria como um princípio
defendê-la do pasmo e dos pesadelos
dos neutros e dos nêutrons
das doces infâmias
e dos graves diagnósticos

defender a alegria com uma bandeira
defendê-la do raio e da melancolia
dos ingênuos e dos canalhas
da retórica e da parada cardíaca
das endemias e das academias

defender a alegria como um destino
defendê-la do fogo e dos bombeiros
dos suicidas e dos homicidas
do descanso e do cansaço
da obrigação da alegria

defender a alegria como uma certeza
defendê-la da ferrugem e da sarna
da célebre pátina do tempo
do relento e do oportunismo
dos rufiões do riso

defender a alegria como um direito
defendê-la de deus e do inverno
das maiúsculas e da morte
dos sobrenomes e das lástimas
do acaso
e também da alegria

MARIO BENEDETTI


Tradução: Fabiano Calixto

OUTRE



Des fois, aussi,
tout irisée se
balade naïve
une bulle
en la fraîcheur
du vent,
pourquoi si beau
dehors oh
pourquoi enfermée
elle se dit
et explose
aussitôt
du plaisir
d'exploser

Un poema de Annie Salager


sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

A Criança e a Relva

 Walt Whitman - Tradução de Geir Campos

Uma criança disse:O que é a relva? - trazendo um tufo em suas mãos;
O que dizer a ela?... sei tanto quanto ela o que é a relva.
Vai ver é a bandeira do meu estado de espírito,
tecida de uma substância de esperança verde.
Vai ver é o lenço do Senhor,
Um presente perfumado e o lembrete derrubado por querer,
Com o nome do dono bordado num canto,
pra que possamos ver e examinar, e dizer:

- É seu?

O Louco

Gibran Khalil Gibran - Tradução de Mansour Challita.

Perguntais-me como me tornei louco.
Aconteceu assim:

Um dia, muito tempo antes
de muitos deuses terem nascido,
eu despertei de um sono profundo e notei que todas
as minhas máscaras tinham sido roubadas
- as sete máscaras que eu havia confeccionado
e usado em sete vidas -e corri sem máscara pelas
ruas cheias de gente, gritando:
"Ladrões, ladrões, malditos ladrões!"

Homens e mulheres riram de mim e alguns correram
para casa, com medo de mim e quando cheguei à praça
do mercado, um garoto trepado no telhado de uma
casa gritou: "Ele é um louco!".

Olhei para cima, pra vê-lo.
E pela primeira vez, o sol beijou minha face nua, e
minha alma inflamou-se de amor pelo sol,
e eu não desejei mais as minhas máscaras. E, como num
transe, gritei:

"Benditos, benditos os ladrões
que roubaram minhas máscaras!"
E foi assim que eu me tornei louco.

E encontrei tanto liberdade como segurança em minha loucura:
a liberdade da solidão e a segurança de não ser compreendido,

pois aquele que nos compreende escraviza alguma coisa em nós. 

Cap. III - Representar

"Com suas voltas e reviravoltas, as aventuras de Dom Quixote traçam o limite: nelas terminam os jogos antigos da semelhança e dos signos; nelas já se travam novas relações. Dom Quixote não é o homem da extravagância, mas antes o peregrino meticuloso que se detém diante de todas as marcas da similitude. Ele é o herói do Mesmo. Assim como de sua estrita província, não chega a afastar-se da planície familiar que se estende em torno do Análogo. Percorre-a indefinidamente, sem transpor jamais as fronteiras nítidas da diferença, nem alcançar o coração da identidade. Ora, ele próprio é semelhante a signos. Longo grafismo magro como uma letra, acaba de escapar diretamente da fresta dos livros. Seu ser inteiro é só linguagem, texto, folhas impressas, história já transcrita. É feito de palavras entrecruzadas; é ESCRITA ERRANTE no mundo em meio à semelhança das coisas. Não porém inteiramente: pois, em sua realidade de pobre fidalgo, só pode tornar-se cavaleiro, escutando de longe a epopéia secular que formula a Lei. O livro é menos a sua existência que se dever. Deve incessantemente consultá-lo, a fim de saber o que fazer e dizer, e quais signos dar a si próprio e aos outros para mostrar que ele é realmente da mesma natureza que o texto de onde saiu. [...]. Dom Quixote desenha o negativo do mundo do Renascimento; a escrita cessou de ser a PROSA DO MUNDO; as semelhanças e os signos romperam sua antiga aliança; as similitudes decepcionam, conduzem à visão e ao delírio.As coisas permanecem obstinadamente na sua identidade irônica: não são mais do que o que são; AS PALAVRAS ERRAM AO ACASO, sem conteúdo, sem semelhança para preenchê-las; não marcam mais as coisas; dormem entre as folhas dos livros, no meio da poeira."


(Início do Cap. III - Representar, do livro As Palavras e as Coisas, de Michel Foucault)

Desencanto


Eu faço versos como quem chora
De desalento... de desencanto...
Fecha o meu livro, se por agora
Não tens motivo nenhum de pranto.
Meu verso é sangue. Volúpia ardente...
Tristeza esparsa... remorso vão...
Dói-me nas veias. Amargo e quente,
Cai, gota a gota, do coração.
E nestes versos de angústia rouca,
Assim dos lábios a vida corre,
Deixando um acre sabor na boca.
- Eu faço versos como quem morre.

- Manuel Bandeira, em "A cinza das horas", 1917.

 ___
Manuel Bandeira no site:
http://www.elfikurten.com.br/2011/02/manuel-bandeira-estrela-da-vida-inteira.html

ESPLANADA



Naquele tempo falavas muito de perfeição,
da prosa dos versos irregulares
onde cantam os sentimentos irregulares.
Envelhecemos todos, tu, eu e a discussão,

agora lês saramagos & coisas assim
e eu já não fico a ouvir-te como antigamente
olhando as tuas pernas que subiam lentamente
até um sítio escuro dentro de mim.

O café agora é um banco, tu professora de liceu;
Bob Dylan encheu-se de dinheiro, o Che morreu.
Agora as tuas pernas são coisas úteis, andantes,
e não caminhos por andar como dantes.


MANUEL ANTÓNIO PINA

La guerra desconocida, 1914-1945


11 de febrero de 2014 Yaroslav Butakov, File.rf


Hace 100 años comenzó la Primera Guerra Mundial. Para muchos sigue siendo la Guerra Desconocida, aunque en 1914 se la conocía también en Rusia como la Guerra Patria.


La guerra desconocida, 1914-1945
Fuente: RIa Novosti

En Rusia buena parte de la conciencia colectiva la considera una guerra desprovista de sentido; engendró la Revolución y supuso una pérdida de territorio. ¿Es, por tanto, necesario recordarla? Sí, lo es. Aunque solo sea porque cerca de dos millones de rusos sucumbieron en los campos de batalla de esta Primera Guerra Mundial.
“En este momento no solo tenemos la obligación de defender nuestro país, injustamente agraviado, sino que también debemos proteger el honor, la dignidad y la integridad de Rusia, así como su posición entre las grandes potencias del mundo…”, declaró el 20 de julio (2 de agosto según el calendario juliano que se utilizaba entonces en el país eslavo) de 1914 el zar Nicolás II en un manifiesto publicado al día siguiente de que Alemania declarara la guerra a Rusia.
Proteger el honor, la dignidad y la integridad. No son palabras vacías. La agresión de la Alemania imperial a Rusia fue, sin duda, un hecho histórico. El desmembramiento de Rusia fue fraguado por los pangermanistas ya en los años 80 del siglo XIX.
En 1914, el káiser Guillermo II recibió un memorándum que sugería la ‘limpieza’ de los países Bálticos, Bielorrusia y el territorio de la entonces conocida como Gran Rusia (Velíkaya Rus en ruso) desde la línea de Petrogrado-Smolensk hacia el oeste para el asentamiento de alemanes en esas tierras.
En verano de 1915, se celebró un congreso en Berlín en el que 1.347 profesores alemanes firmaron otro memorándum que sostenía que todo el territorio al oeste del Volga debía quedar bajo colonización alemana. El ejército ruso, por tanto, combatió en aquella guerra principalmente por la libertad y la independencia de su patria.
En su día, nada menos que Winston Churchill se sintió en la obligación de recordar a los ciudadanos del Imperio británico y a los estadounidenses la contribución de Rusia en la victoria de la Triple Entente. A principios de los años 30, se recopilaron varios fragmentos de toda su obra en un libro dedicado a la Primera Guerra Mundial bajo el título La guerra desconocida: el frente occidental. El nombre fue muy acertado... desconocida.
En Francia, por ejemplo, hay un monumento a los soldados de las brigadas especiales rusas. Pero en Grecia y en Macedonia, donde las brigadas especiales rusas también combatieron como parte de las fuerzas aliadas multinacionales, sigue sin haber ningún recordatorio. En general, las proezas de los soldados rusos en los Balcanes entre 1916 y 1918 no han sido inmortalizadas.
De los rusos que perdieron la vida en los campos de batallas de Francia se ha filmado alguna película y se han escrito numerosos libros; sobre las tropas rusas del Frente de Salónica no hay más que dos o tres artículos.
En Turquía, en el extremo de la península de Galípoli — a la entrada de Dardanelos—, donde tuvo lugar en 1915 una de las batallas más conocidas de la Primera Guerra Mundial, se erigió aún en tiempos de Kemal Atatürk un enorme complejo en memoria de los soldados turcos y británicos.
En uno de sus monumentos se puede leer la siguiente frase: “Descansen en paz. A todos los John y los Mehmed sin distinción; ambos yacen juntos en nuestro país”. Qué impide levantar monumentos similares en aquellos lugares donde se libraron las mayores batallas entre los ejércitos de Rusia y Turquía en la Primera Guerra Mundial: lugares como Sarighamish, Erzurum, Trebisonda o Erzincan.
Para Rusia el fin de la guerra no llegó con la firma del tratado de paz de Brest, sino que continuó posteriormente. En invierno de 1918 y 1919, las tropas soviéticas regresaron a las fronteras occidentales del antiguo Imperio ruso. De hecho, la guerra con Polonia de 1920 también cumple todos los requisitos para ser considerada como continuación de la Primera Guerra Mundial.
Si se contempla a una escala mayor, toda esta guerra se podría considerar simplemente como la primera fase de la Gran Guerra Patria de los 30 años, de 1914 a 1945 (Gran Guerra Patria es el nombre con el que se conoce comúnmente a la Segunda Guerra Mundial en Rusia).

De esos 32 años, a Rusia le corresponden 14 años de importantes guerras externas y, si a estas se le suman las guerras locales, en total fueron 22 años de contiendas. Solo en 1925 se marcharon los últimos invasores del territorio ruso (los japoneses del norte de Sajalín); en 1929, sin embargo, tuvo lugar un conflicto en la línea transmanchuriana (rama del transiberiano que une Rusia con China); y en 1937 volvieron los conflictos con Japón en el Extremo Oriente (el incidente de Blagovéshchensk). Después llegaron los acontecimientos que todos conocemos y que se prolongaron hasta el año 1945.
La denominación de Guerra Patria alude a que no se trató de una guerra librada para la conquista de tierras extranjeras, sino para la de la independencia nacional.
Yaroslav Butakov, doctorando en Historia.

Artículo publicado originalmente en ruso en File-RF.

quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

Sociedade do Espetáculo

[O espetáculo não é um conjunto de imagens, mas uma relação social entre pessoas, mediada por imagens.

Compreendido em sua totalidade, o espetáculo é tanto o resultado como a meta do modo de produção dominante. Ele não é uma mera decoração acrescentada ao mundo real. É o próprio coração do irrealismo desta sociedade real. Em todas suas manifestações particulares -- notícias, propaganda, anúncios, entretenimento -- o espetáculo representa o modelo dominante de vida. É a afirmação onipresente das escolhas que já foram feitas na esfera da produção e do consumo resultante de tal produção.]



Gui Debord 

A Palavra


Eleva-se entre a espuma, verde e cristalina
e a alegria aviva-se em redonda ressonância.
O seu olhar é um sonho porque é um sopro indivisível
que reconhece e inventa a pluralidade delicada.
Ao longe e ao perto o horizonte treme entre os seus cílios.

Ela encanta-se. Adere, coincide com o ser mesmo
da coisa nomeada. O rosto da terra se renova.
Ela aflui em círculos desagregando, construindo.
Um ouvido desperta no ouvido, uma língua na língua.
Sobre si enrola o anel nupcial do universo.

O gérmen amadurece no seu corpo nascente.
Nas palavras que diz pulsa o desejo do mundo.
Move-se aqui e agora entre contornos vivos.
Ignora, esquece, sabe, vive ao nível do universo.
Na sua simplicidade terrestre há um ardor soberano.


- António Ramos Rosa, in "Volante Verde".

psiquê do ódio

Para entender o curioso fenômeno em que Dilma se consolida como favorita e aumenta o ódio das fragmentadas oposições. Entrevisto eleitores falando que a Dilma é razoável, mas os outros candidatos são todos seguramente muito piores e por isso é que ela vai se reeleger. A forte base social e força eleitoral do voto no PT motiva reações desesperadas, violentas e desconexas. Os movimentos de protesto amanhã serão menores, muito menores porque já se formou um grande e vigoroso anticorpo político contra black blocs, anonymous e outras velhacarias em rede de 2013. Marina e Heloísa Helena não repetirão 2010 e 2006 como já se sabia naquelas eleições. Órfãos da ditadura, alguns dos mesmos que patrocinaram agosto de 54, Jânio Quadros, a Redentora de 64 e Fernando Collor imaginam inventar um neo-velho simulacro desgastado de "Salvador da Pátria" autoritário, tipo Idi Amin Dada, outra manobra fadada ao fracasso. O PSDB traz sólida rejeição nacional a quem apoiar no primeiro e no segundo turno. Para quem viveu e sobreviveu aos governos Figueiredo, Sarney, Collor, Fernando Henrique Cardoso - sabe-se que a situação hoje é muito melhor (ou bem menos pior) do que durante os períodos anteriores a 2003. Quem está individualmente pior hoje em relação a 2002, 1992, 1982 ? A grande maioria do povo brasileiro melhorou bastante de vida em relação aos últimos 10, 20, 30 anos. Para entender a curiosa psiquê do ódio. http://www.domtotal.com/noticias/detalhes.php?notId=719590&fb_action_ids=10201527525175980&fb_action_types=og.likes&fb_source=other_multiline&action_object_map=[355654764577474]&action_type_map=[%22og.likes%22]&action_ref_map=[]

Ricardo Costa de Oliveira

O impossível carinho


Escuta, eu não quero contar-te o meu desejo
Quero apenas contar-te a minha ternura
Ah se em troca de tanta felicidade que me dás
Eu te pudesse repor
- Eu soubesse repor -
No coração despedaçado
As mais puras alegrias de tua infância!


- Manuel Bandeira, no livro "Libertinagem e Estrela da Manhã". 14ª ed., Editora Nova Fronteira, 2000, pág. 68.

Black Bloc é uma tática e não uma organização política. Não existe, portanto, os Black Blocs.
O que há são pessoas ou pequenos grupos dispersos que se intitulam assim, numa heterogeneidade de motivações, condutas, trajetórias.
O que dá identidade para quem se diz um Black Bloc são os rostos cobertos e a ação de enfrentamento direto aos aparelhos estatais, sobretudo a polícia, em diferentes níveis.
Esse anonimato e essa forma de atuação criam um terreno fértil para a reunião de jovens inconsequentes, que agem por revolta e desorganizados, atraídos pela ousadia Black Bloc e repelidos pela inércia das instituições políticas tradicionais, principalmente os partidos políticos.
Mas também é o terreno ideal para a infiltração da polícia e de mercenários pagos para incitar conflitos, com o intuito de justificar o aumento da repressão e de afastar a massa dos protestos. Por isso, a violência policial e a ação de grupos violentos em meio às multidões, invariavelmente, são movimentos articulados e planejados para criminalizar e dissipar movimentos legítimos de contestação.

Aqueles que ainda acreditam nas transformações sociais e na força das mobilizações populares precisam dedicar seu tempo para discutir com essa juventude e apontar caminhos consequentes de luta organizada.

André Castelo Branco Machado



Visualize 2014 em Curitiba: cidade mais atrasada para a Copa e com menor volume de obras para a Copa; risco de implosão no sistema integrado de transporte público e sobra de vagas em hotéis porque os turistas não se interessaram pela cidade. Ou seja, ano em que todo o mito da capital europeia escoa rapidamente ralo da realidade. Esse é o ano da "brasileirização" de Curitiba. Cidade dos atrasos, dos superfaturamentos, da inexistência de prestação de contas do uso do dinheiro público, do transporte coletivo caro e ruim, dos coronéis na política, dos políticos mandões e dos políticos fracotes. Depois dessa, chega! Estamos no Brasil, moçada, com tudo o que isso significa. Essa ladainha da cidade evoluída não se sustenta mais. Não somos - tenho dúvidas que um dia tenhamos sido - mais avançados e organizados do que outras cidades do mesmo porte do País.
Emerson Urizzi Cervi

discussões políticas

Jose Alvaro Moises
10 de fevereiro próximo a São Paulo
Não estou seguro de que todas as pessoas responsáveis desse país - inclusive meus colegas da universidade e, especialmente, os cientistas políticos - estão se dando conta de modo completo das implicações e das consequências do retorno da violência na vida pública brasileira. Só não vê quem não quer que o clima de mal estar com o funcionamento da democracia - e em grande parte com o governo de Dilma Roussef e do PT - está dando lugar a iniciativas as mais variadas que, antes de se apoiar no diálogo, na negociação e nas instituições de representação - usam a violência como forma de protesto, de ação e de expressão. A morte de um jornalista, os ônibus queimados, os abusos das milícias, e também das polícias, o pânico da população - tudo está dando sinais de que, aos poucos, em todas as esferas da vida o conflito legítimo de sociedades complexas como a nossa está sendo tratado como se sua única solução fosse o uso da força, da violência e da depredação. Não me digam, por favor, que os governos ditos de esquerda ou seus opostos, os conservadores, estão sabendo o que fazer, nem que os partidos de qquer orientação estão conectados com a população. Não importa mais a controvérsia se o presidencialismo de coalizão funciona ou não, o que precisamos perceber é que o país está entrando em um clima e em uma atmosfera perigosa, que ameaçam a democracia, a convivência social e tranquilidade das pessoas. Acho melhor olhar isso de frente logo, com clareza e percepção, e começar a pensar em saídas para tudo isso do que esperar o caos se instalar. Desculpem-me o desabafo, mas estou sufocado pela apreensão pelo que estou vendo ocorrer no Brasil contemporâneo, sem vislumbrar saídas de lado nenhum. Queria saber aonde estão as nossas lideranças, e o que elas têm a dizer de tudo isso.
Vera Zaverucha "Que ameaçam a democracia, a convivência social e a tranquilidade das pessoas"..

Na verdade, a força, a violência e depredação são artifícios de guerra para espantarem a população. Ninguém quer mais ir às ruas pois temem serem rechaçadas. Os black blocs são uma farsa. São pessoas programadas para desfazer manifestações e causar transtornos.

.

Adilson Simonis Caro Professor, solidarizo-me com seu oportuno desabafo. Apenas tento agregar a ideia de que este lamentável episódio dos Blacs está muito parecido com o assassinato em Sarajevo do Arquiduque Império Austro-Húngaro Francisco Ferdinando pelo sérvio nacionalista Gavrillo.
Adilson Simonis Continuando: não foi a causa mas uma manifestação de muitas variáveis que levaram ao ato violento. Cabe-nos trazer a complexidade a toma. Você tem um papel merecido neste aspecto. Abraços
Jose Alvaro Moises Pois é Adilson, tem algo de muito estranho nisso, tudo a indicar que se trata de algo articulado e não espontâneo, embora não seja claro ainda com que objetivos. E a perplexidade parece ser geral, porque agora, com exceção de uma ou outra pessoa públic...Ver mais
Jose Alvaro Moises A esquerda tem medo de constatar a violência e suas consequências por que já flertou e ainda flerta com ela. A direita só vai até o pedido de repressão sem querer olhar as causas. M
Jose Alvaro Moises Mas o mais grave é que as chamadas lideranças democráticas não tenham nada a dizer, estão guardando um silêncio sepulcral como se o país não estivesse entrando - em ritmo ainda local e de pequenas proporções - em convulsão.
Jose Alvaro Moises Não acho que seja o caso de exagerar no diagnóstico, mas os sinas não são bons e pedem atenção e soluções, rápidas, eficazes, antes que se acumulem os efeitos negativos do que está ocorrendo.
Adilson Simonis Pois caro amigo, a questão econômica está pegando. A incapacidade do modelo vigente se sustentar e a falta de proposta da oposição (no máximo manter o tripé do Palocci via Rede) fazem que a pasmaceira reine. O que tah pegando como dizem os jovens eh a crise energética (dizem que o apagão derrubou FHC) . Pois bem, cade os pensadores para propor avanços sociais aos que terão que devolver o carrinho pois não conseguem pagar o Ipva (35 porcento do Pibinho em postos) significa uma barreira capitalista de acumulação que, mesmo ela, não pode gerar riquezas sem estabilidade política. Vocês sociólogos tem que se manifestarem; nos estatísticos estamos vendo a coisa feia e pode piorar. Abraço
Ernesto Heine O grande trunfo do governo é ter amarrado muitos setores da indústria ao BNDES e a empréstimos com prazos a vencer em período que precede eleições. O BNDES, empreiteiras, imprensa e etc são máquinas muito eficientes de manipulação e em um período de crise a quantidade de setores endividados é imensa. Ninguém quer abrir a boca e ser liquidado. Como as lideranças políticas tem uma corda atrelada ao setor econômico.... não restam dúvidas que está tudo muito amarrado. Esta corda precisa ser rompida através da reforma política. É o ponto alto da questão.
Adilson Simonis Caro Ernesto; defina reforma política, por favor. Voto distrital, fundo partidário diferente do de hoje ou manter o financiamento público. Onde reformaram?
Jose Alvaro Moises Adilson, ao menos penso que não podemos mais continuar com financiamento privado no volume que ocorre no Brasil. A França e a Alemanha proibiram as empresas de financiar partidos e candidatos. Pode ser um começo. E precisamos mudar o sistema político, o sistema proporcional atual retira poder dos eleitores, não é bom. E o presidencialismo de coalizão concentra poderes demais nas mãos do Executivo, enfraquece no Legislativo e estimula o Judiciário a judicializar a política. Temos de reequilibrar o balanço de poderes republicanos, e restaurar o interesse público na vida política.
Claudia N. Paiva Eu não entendo quem é chamado de direita ou esquerda nesse caso, pq o grupo no poder se diz esquerda, e os manifestantes nas ruas, anarquistas.
As manifestações começaram pacíficas e foram reprimidas violentamente até que só sobrassem black blocs nas ruas. Essa repressão foi aceita pela opinião pública, única revista a reclamar foi a isto é. Agora está formada a confusão.
Ernesto Heine Adilson Simonis, estava escrevendo, mas o Prof. Moisés respondeu de modo ainda mais completo. Restaurar o interesse público na vida política é essencial também. A juventude está muito despolitizada. Não há uma geração de pensadores e quem é mais pensante, hoje tem medo de opinar... ou então carece de liderança.
Adilson Simonis O setor privado não joga dinheiro fora. O estado deve intervir onde falta dinheiro (Monte Belo jah deveria estar pronta). Na época da UDN havia tão pouco dinheiro que chamar aquilo de financiamento privado foge ao meu entendimento histórico. De qualquer maneira, gostei da sua resposta.
Para a Claudia Paiva, chamo a atenção ao conceito que ajudou a condenar alguns no processo do mensalão; domínio do fato.
Adilson Simonis Ernesto, obrigado pela resposta. Eu não procuro lideranças (jah basta minha mulher que manda em mim) e como dizia um personagem de quadrinhos; soja tenho medo que o céu caia na minha cabeça. Boa noite a todos, sempre aprendo com os amigos da área de Humanas...
Jose Alvaro Moises A esquerda está no governo, mas não no poder, embora compartilhe partes dele. A direita está em alguns estados, tem poder econômico e dirige o capitalismo no país. Os manifestantes não são todos anarquistas, apenas alguns, a maioria pediu mais democracia. Agora, os black blocs... além de vândalos são provocadores, mas não está bem claro a serviço de quem... talvez do crime organizado, os traficantes e contrabandeadores de armas.
Jose Alvaro Moises E também expressam um fenômeno mais profundo de marginalidade, desigualdade e deslocamento social - mas nada disso justifica o uso da violência e da força. Isso é próprio da direito, como fizeram durante a ditadura, no nazismo e na fascismo; e, infelizmente, as vezes também na antiga União Soviética.

Angélica Salazar Pessôa Mesquita Prof. Jose Álvaro Moisés, como sempre o senhor foi brilhante nos seus comentários. Mas, na minha opinião a esquerda já deixou de flertar com a violência. Elas estão de braços dados, defendendo direitos para bandidos e mais deveres para os cidadãos de bem.
Claudia N. Paiva Duvido muito q black blocs estejam a serviço de quem quer q seja. Acompanhei as discussões das pag do anonymous e dos black blocs, fui as manifestações maiores. Houve um momento (está no youtube) em frente a prefeitura em q acredito q a guera começou. Um homem bombado (e talvez cheirado) q a multidão pedia à polícia p retirar e a polícia ameaçava quem pedia de cadeia. Depois a polícia usou esse homem de pretexto p iniciar a repressão. Acho q existiu uma sensação de massacre e injustiça pela polícia quando eles começaram a reprimir as manifestações sem nenhuma justificativa moral razoável, e mais revolta ainda quando ficou patente o uso de p2 pela polícia para culpar manifestantes. O caso do Bruno mostrou q a polícia pode incriminar um inocente a hora q quiser. Muitas prisões injustificadas foram flagradas por populares. Os black blocs tomaram a função de "defesa da multidão", são equivocados no seu entendimento do problema e nas suas táticas q estão longe de ser só defesa, mas não são coesos, de fato, pela própria natureza anarquista da maioria de seus integrantes.
Renato Perissinotto Penso que existem diferentes violências oriundas de diversos lugares na sociedade, mas me parece que elas se unificam a partir de um lugar: o Estado brasileiro. Seja pela presença seja pela ausência, o Estado brasileiro é fonte/incentivo à violência. Quando ausente, cria uma estrutura de oportunidades para que a violência entranhada na sociedade brasileira se manifeste, como no caso do garoto amarrado ao poste; quando se faz presente humilha a população pela ineficiência (seja ao prestar serviços, seja quando os regula) ou pela repressão. Como você disse, isso gera um ambiente perverso, em que a direita demanda mais repressão e parte da esquerda (?), ultraminoritária, aposta na violência como fim em si mesmo, como um primeiro recurso. Na minha opinião, o problema da reforma do Estado brasileiro, para além da bobagem do Estado mínimo ou da antinomia infrutífera entre empresas estatais ou privadas, é o tema ausente mais importante da agenda política. Reforma no sentido de, por um lado, recapacitá-lo a ser coordenador de ação coletiva e implementador de um projeto de longo prazo que transcenda o curto prazo das eleições e, por outro, no sentido de republicanizá-lo, de colocá-lo a serviço da população e não contra ela. Mas para isso, seria preciso um pacto entre lideranças políticas e forças socioeconômicas em nome de um projeto de longo prazo. Quem seria capaz de encaminhar isso? Não vejo ninguém à altura e isso também me preocupa muito.

Alba Zaluar Em março do ano passado fui gratuitamente ofendida e agredida por jovens, aliás com sotaque paulista, alguns com máscaras, na saída da inauguração do MAR, museu na cidade do Rio de Janeiro. Barraram a minha passagem por um corredor (polonês), depois me deixaram passar gritando que eu fedia e era uma burguesa! Portanto muito antes de qualquer manifestação de rua no Rio de Janeiro. Não havia PMs no local, apenas a segurança da presidente Dilma que nada fez. E eu saí mais cedo porque cansei de esperar pela comitiva dela para ouvir os discursos e finalmente visitar o museu. Esse movimento estava sendo gestado há muito, alimentado lamentavelmente pelas ideias de alguns professores. A partir desse momento, comecei a me perguntar o que estava acontecendo e, claro, me postei contra essa inútil forma de agredir quem não tem nada com quem manda no país.

Jose Alvaro Moises Me solidarizo inteiramente com minha querida colega Alba Zaluar. O relato dessa experiência humana horrível que a atingiu é um exemplo importante dos riscos que estão surgindo ao direito à vida, à livre expressão e à participação irrestrita na vida política e social. Quando um de nós é ameaçado, todos estamos sendo ameaçados e, nesse caso, é sinal de desconhecimento e de desprezo pela inestimável contribuição da Alba, precisamente ao nosso tema, o uso da violência na vida pública.

Evelyn Levy Me identifico com aqueles que estão perplexos e igualmente expresso minha profunda preocupação. Também acredito que não estão surgindo lideranças para interpretar e propor caminhos. Nesse sentido seria muito bom se você, Moisés - e o NUPPs- pudessem abrir o espaço para o debate. Especialmente por que acho que a situação é mais complexa do que estamos acostumados: há novos atores e novas formas de expressão se misturando a velhos interesses. Também não acredito que possamos atribuir a responsabilidade exclusivamente ao Governo Federal. Acredito que se não formos capazes de fazer uma interpretação correta dessas múltiplas influências - a economia da droga, por exemplo, como indicou ontem o Governador Anastasia -não saberemos formular propostas eficazes de ação política.

Wagner Iglecias Caro Prof. José Jose Alvaro Moises, sua preocupação é muito legítima e pertinente, ainda mais neste momento em que o ambiente político-partidário anda tão envenenado. Entendo sua mensagem como um convite a que todos aqueles da comunidade acadêmica interessados em debater de maneira franca o país e saídas para seus problemas que o façam. Apenas não creio que avançaremos se partimos da premissa de que o esgotamento da paciência da população é com o partido A ou o partido B. Parece-me que é geral, e não apenas com partidos ou com este ou aquele nível de governo. Muita gente anda farta do governo federal, dos governadores, dos prefeitos. E não só. As pessoas estão também cansadas do Congresso Nacional, dos deputados estaduais, vereadores, juízes, promotores de justiça, de certos comunicadores da midia etc. Estão ainda fartas da forma como são tratadas pelas empresas de telefonia, bancos, operadoras de cartão de crédito, companhias aéreas, TVs a cabo e tantos outros segmentos.

Jose Alvaro Moises O debate está aberto e todos podem participar dele. Por outro lado, concordo que a insatisfação é geral, atinge a todos. Mas alguns tem mais responsabilidade do que outros, especialmente, os que fizeram o seu prestígio e sucesso eleitoral em torno da ideia de que estavam reformando a política. Ao não reformarem, e pelo contrário a degradarem mais ainda, deixaram um vazio ético, moral e político que agora está deixando o país sem rumo e as pessoas sem esperança. Todos os partidos estão falhando e são deficitários, mas alguns são mais do que outros, a história registra isso sem piedade. Temos de ter clareza e cobrar isso de quem deve ser cobrado, sob pena de fraudarmos a nossa própria percepção, mas não acho mais que o momento é para isso.


Jose Alvaro Moises João, não dou brecha nenhuma, sou bem conhecido - e, aliás, criticado - por ser um crítico duro do PT, não apenas por causa da sua política nos últimos 11 anos, mas por causa do seu projeto de poder, e dos seus objetivos de longo prazo. Como fui fundador do partido, e participei dele por mais de 10 anos, sei bem do que estou falando. Quanto ao mais, respeito suas opiniões e da maior parte dos que tem participado do debate, embora não de todos.
João Weber Jose Alvaro Moises, meu ponto não é esse, e nem você especificamente. O "projeto de poder" do PT é o projeto de poder da esquerda por excelência.

Os governos Lula e Dilma representam DE FATO a esquerda - em todos os aspectos. Dissociar o "projeto de poder" petista da esquerda é problemático. Não acho possível separar uma coisa da outra, assim como não é possível dissociar a TFP da "direita".

Sei que não há mais consenso acadêmico a respeito dos termos "direita" e "esquerda", e portanto trato a dicotomia como uma questão autointitulada. É de esquerda quem se diz de esquerda.


Jose Alvaro Moises Então, aos poucos o mistério está se revelando... resta saber como o governo vai reagir, assim como os líderes da oposição - o momento exige uma tomada de posição clara das pessoas responsáveis

Ernesto Heine Isso no fundo é bom. Antes da copa e bem próximo às eleições, está se desenhando um clima de novos protestos. Desta vez com envergadura ainda maior. A mudança acontecerá.

Os pedidos dos manifestantes não foram atendidos. Nenhum... Apenas alguns elementos de agenda foram apressados. Para piorar a questão da copa está machucando demais. Pensou-se que o povo queria só futebol. Isso acabou.

Seria muito bom que estas investigações sejam concluídas rapidamente, para que o momento eleitoral seja ao gosto da população. Para que haja um clima de confraternização, de alegria democrática...
Joel Formiga Acreditar que os black blocs são um movimento popular legítimo, independente do julgamento que se faça dos seus métodos e táticas, seria um ato de fé e uma esperança na capacidade de mobilização política da população da qual não comungo. Infelizmente, são, na minha opinião, jovens alienados comoois demais brasileiros, aliciados por uma remuneração, e no máximo unidos por uma aversão à Polícia e às autoridades. Movimento legítimo seria o dos rolezinhos, interessados em fazer uma farra aqui ou ali, e indiferentes às questões sociais, raciais ou políticas que, por mais que a mídia tenha tentado, não colaram. Legitimamente apolíticos.

Me resta compartilhar das preocupações e do pessimismo do Prof. Moisés - ainda vai piorar muito antes de melhorar. O atual ambiente tem potencial explosivo e destrutivo na hipótese possível se não improvável de uma crise econômica.

terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

QUERO CHEGAR



Quero chegar em tudo ao cerne,
ao mais oculto.
Buscando a rota, no afazer, no
peito em tumulto.

Ao bojo dos dias de outrora,
ao próprio centro,
justo às raízes e às escoras,
medula adentro.

Sempre agarrando toda a série
de sinas, fatos,
sentir, pensar, amar, viver e
fazer achados.

E escreveria, ah, se o lograsse,
sobre os diversos
dons da paixão, de todo ou quase,
em oito versos.

Seus crimes, fugas e caçadas,
seus atropelos
acidentais, mãos espalmadas
e cotovelos.

Deduziria a essência inata
e as suas leis,
diria a inicial de cada
nome outra vez.

Dispondo cantos em canteiros,
com veias tensas,
veria as tílias: o horto inteiro
posto em seqüência.

E verteria, em verso, aromas
de rosa e menta,
prado, flor, feno e quanto assoma
numa tormenta.

Assim Chopin verteu – portento
vivo – seu mundo,
sítios, jazigos, bosques, dentro
de seus estudos.

O jogo e o suplício do afã de
vencer de fato –
a corda retesa e vibrante

do arco dobrado.

Boris Pasternak
Manchei o mapa quotidiano
jogando-lhe a tinta de um frasco
e mostrei oblíquas num prato
as maçãs do rosto do oceano.

Nas escamas de um peixe de estanho
li lábios novos chamando.

E você? Poderia
algum dia
por seu turno tocar um noturno
louco na flauta dos esgotos?

Vladimir Maiakovski


Tradução: Haroldo de Campos
Lençóis de água sob um ventre pando.
Rasgam-se em ondas contra dentes brancos.
Amor. Lascívia. Como o uivo que escorre
das chaminés por gargalos de cobre.
No berço-embocadura barcos presos
aos mamilos de madres de ferro.
À orelha surda dos navios agora
rebrilham brincos de âncora.

Vladimir Maiakovski


Tradução: Haroldo de Campos
Esta noite ficará na História.
Hoje executarei meus versos
na flauta de minhas próprias vértebras.

Vladimir Maiakovski

Tradução: Haroldo de Campos






Desatarei a fantasia em cauda de pavão num ciclo de matizes,
entregarei a alma ao poder do enxame das rimas imprevistas.
Ânsia de ouvir de novo como me calarão das colunas das revistas
esses
que sob a árvore nutriz es-
cavam com seus focinhos as raízes.

Vladimir Maiakovski


Tradução: Augusto de Campos e Boris Schnaiderman

sábado, 8 de fevereiro de 2014

Ternura


Enquanto nesta atroz demora,
Que me tortura, que me abrasa,
Espero a cobiçada hora
Em que irei ver-te à tua casa;

Por enganar o meu desejo
De inteira e descuidada posse,
Ai de nós! que não antevejo
Uma só vez que ao menos fosse;

Sentindo em minha carne langue
Toda a volúpia do teu sonho,
Toda a ternura do teu sangue,
Minh'alma nestes versos ponho;

Por que os escondas de teu seio
No doce o pequenino vale,
— Por que os envolva o teu enleio,
Por que o teu hálito os embale;

E o meu desejo, que assim foge
Ao pé de ti e te acarinha,
Possa sentir que minha és hoje,
E és para todo o sempre minha...


- Manuel Bandeira, em "A cinza das horas", 1917.

Miscelânea de Opiniões e Sentenças

«Acreditamos que os contos e os brinquedos são coisas da infância. Como temos vista curta! Como poderíamos viver, não importa em que idade da vida, sem contos e sem brinquedos? É verdade que damos outros nomes a tudo isso e que o consideramos de outra forma, mas essa é precisamente uma prova de que é a mesma coisa, pois a criança, ela também considera seu brinquedo como um trabalho e o conto como uma verdade. A brevidade da vida deveria eliminar a separação pedante das idades - como se cada idade trouxesse algo de novo - e caberia a um poeta nos mostrar um dia o homem de duzentos anos de idade, que vivesse sem contos e sem brinquedos.


[Friedrich Wilhelm Nietzsche, in “Miscelânea de Opiniões e Sentenças”]

O conceito do Brasil cordial



Sergio Buarque de Holanda, o pai do Chico, formulou já faz um tempo o conceito do Brasil cordial. Precisa ser revisto. Deixamos de ser amistosos. Substituímos o carinho com que tratávamos uns aos outros por leis bem mais mesquinhas. Venceu a de Gerson: “farinha pouca meu pirão primeiro”. Lutamos para levar vantagem, passamos por cima de quem estiver no caminho, quase sempre com pouca ética. E na sanha de ganhar acabamos endurecendo o coração, perdendo a gentileza, estranhando quem está ao nosso lado. Talvez por termos tão pouco em todas as áreas. O resultado é uma sociedade assustadora em muitos sentidos. Violenta, conservadora, incapaz de observar com sensibilidade qualquer problema. A nossa gente continua não fugindo à luta. Mas tornou-se belicosa e cruel. Alia-se ao que há de mais reacionário em termos de pensamento. A merencoria luz da lua entranhou-se nos espíritos. Há uma dura melancolia nos envolvendo.

Ricardo Ramos Filho

Sono das Águas


Há uma hora certa,
no meio da noite, uma hora morta,
em que a água dorme. Todas as águas dormem:
no rio, na lagoa,
no açude, no brejão, nos olhos d'água.
nos grotões fundos.
E quem ficar acordado,
na barranca, a noite inteira,
há de ouvir a cachoeira
parar a queda e o choro,
que a água foi dormir...

Águas claras, barrentas, sonolentas,
todas vão cochilar.
Dormem gotas, caudais, seivas das plantas,
fios brancos, torrentes.
O orvalho sonha
nas placas da folhagem.
E adormece
até a água fervida,
nos copos de cabeceira dos agonizantes...
Ma nem todas dormem, nessa hora
de torpor líquido e inocente.
Muitos hão de estar vigiando,
e chorando, a noite toda,
porque a água dos olhos
nunca tem sono...


- João Guimarães Rosa, em 'Magma'.

Grande Sertão: veredas

"Que era: que a gente carece de fingir às vezes que raiva tem, mas raiva mesmo nunca se deve de tolerar de ter. Porque, quando se curte raiva de alguém, é a mesma coisa que se autorizar que essa própria pessoa passe durante o tempo governando a idéia e o sentir da gente; o que isso era falta de soberania, e farta bobice, e fato é."


- João Guimarães Rosa, em "Grande Sertão: veredas".

Memórias do Cárcere

"Queria endurecer o coração, eliminar o passado, fazer com ele o que faço quando emendo um período — riscar, engrossar os riscos e transformá-los em borrões, suprimir todas as letras, não deixar vestígio de idéias obliteradas."


- Graciliano Ramos, em "Memórias do Cárcere", cap. 5, 1953

O povo Latino-Americano

"Nunca, em nossa história, nos faltaram tanto a lucidez e a clarividência indispensáveis para equacionar os nossos problemas. Nunca foi tão escasso o sentido de bem comum, a noção de interesse público, que é o ponto de vista do povo inteiro. O que nos sobra, nesses tristes dias, são as vozes de irresponsáveis só sensíveis aos interesses minoritários, às razões do lucro. É a consciência culposa do colonizado, querendo reinterar o velho projeto do Brasil servil."


- Darcy Ribeiro, “O povo Latino-Americano”, (p. 22). Brasília, nº 2, 1991, pp. 15-29.

sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

Nombrarte



No el poema de tu ausencia,
sólo un dibujo, una grieta en un muro,
algo en el viento, un sabor amargo.

Alejandra Pizarnik, La extracción de la piedra de la locura. Otros poemas



NOSSO AMOR RIDÍCULO SE ENQUADRA NA MOLDURA DOS SÉCULOS

NOSSO AMOR RIDÍCULO SE ENQUADRA
NA MOLDURA DOS SÉCULOS

NOSSO AMOR RIDÍCULO SE ENQUADRA NA MOLDURA DOS SÉCULOS
SUGO ESPIRAIS DAS NUVENS DE CIGARRO QUE FUMO
SOFRO BAFORADAS-CARAMUJO POR ENTRE VOLUTAS DO UNIVERSO
EU, PEQUENINO GRÃO DE AREIA-POETA, PLASMO RIMA ALITERAÇÃO
METÁFORA OXIMORO VERSO
PASTO PALAVRA: QUINQUILHARIA NINHARIA PALÁCIO DO NENHURES
Ó CASTELO
DE VENTO
PASTEL DE BRISA
MONTE DE GANGA BRUTA
ESTUÁRIO DE BUGINGANGA NONADA
EM CONFRONTO COM MANADAS MIRÍADES D´ESTRELAS ESPOUCADAS
SOBRE OS SETE DIFERENTES MARES QUE SETE ESPELHOS SÃO PARA
ALGUM MAR
ABSOLUTO
(ROMA E BAALBECK E BAGDAD E BABILÔNIA E BABEL SIDERAL)
E É NOSSO AMOR TÃO DIMINUTO
LAMPEJO DE SEGUNDO
RELÂMPAGO DISSOLUTO
FILETE DUM RIO MINÚSCULO
MICROSCÓPIO LEITO
AMOR .....................................................NOSSO SÉCULO:
BURACO NEGRO SORVEDOURO DE VULTO AROMA LUZ
BAGAÇOS DE ROLHA BOLHA BORRA PORRA PÓ
BEBO VINHO PRECIOSO COM MOSQUITOS DENTRO
MURIÇOCA MARUIM POT


[waly salomão]

quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

DESEJO DE SER PELE-VERMELHA



A planície infinita e o céu seu reflexo.
Desejo de ser pele-vermelha.
Às cidades sem ar chega às vezes sem ruído
o relincho de um onagro ou o trotar de um bisonte.
Desejo de ser pele-vermelha.
Sitting Bull está morto: não há tambores
que anunciem sua chegada às Grandes Pradarias.
Desejo
de ser pele-vermelha.
O cavalo-de-ferro cruza agora sem medo
desertos abrasados de silêncio.
Desejo de ser pele-vermelha.
Sitting Bull está morto e não há tambores
para fazê-lo voltar dos reinos das sombras.
Desejo de ser pele-vermelha.
Um último cavaleiro cruzou a infinita
planície, deixou atrás de si vã
poeira, que logo se desfez no vento.
Desejo de ser pele-vermelha.
A Reserva não aninha
serpente cascavel e sim abandono.
DESEJO DE SER PELE-VERMELHA.
(Sitting Bull está morto, os tambores
gritam sem esperar resposta.)

Leopoldo María Panero
traduzido por Joca Reiners Terron



NA FAZENDA NORTE



Algures alguém viaja furiosamente até você,
numa velocidade incrível, viaja dia e noite,
pelas borrascas e desertos, pelas torrentes, pelos estreitos,
mas vai saber onde te encontrar,
vai te reconhecer quando te vir,
dar o que trouxe pra você?

Quase nada cresce aqui,
mas os celeiros estão repletos de farinha,
as sacas de farinha se empilham até os caibros.
As correntes seguem docemente, peixes na engorda;
aves escurecem o céu. Será que basta
ficar a louça de leite pra fora à noite,
pensarmos nele alguns dias,
alguns dias e sempre, na confusão dos sentimentos?

(John Ashbery  em tradução de Guilhrme Gontijo Flores)



segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

A palavra escava a madeira, entra
na água, relâmpago enterrado no
ar castanho, palmas esculpidas,
banho de osso e lentamente extrai
a dádiva dos seios macilentos, ímã
dos fogos assimétricos. Vozes mer-
gulhadas mansamente no amarelo.


Arturo Gamero
As unhas crescendo na parede
das casas, os pássaros saindo
pela boca com o sexo das
sombras tocando
na vidraça,
a urina nas cadeiras
penduradas pelo entardecer.


Arturo Gamero
minha especialidade é viver -- era a legenda
de um homem (que não tinha renda
porque não estava à venda)

olhar à direita -- replicaram num segundo
dois bilhões de piolhos púbicos do fundo
de um par de calças (moribundo)

e. e. cummings

Tradução: Augusto de Campos


olho de lince

quem fala que sou esquisito hermético
é porque não dou sopa estou sempre elétrico
nada que se aproxima nada me é estranho
fulano sicrano beltrano
seja pedra seja planta seja bicho seja humano
quando quero saber o que ocorre à minha volta
ligo a tomada abro a janela escancaro a porta
experimento invento tudo nunca jamais me iludo
quero crer no que vem por aí beco escuro
me iludo passado presente futuro
urro arre i urro
viro balanço reviro na palma da mão o dado
futuro presente passado
tudo sentir total é chave de ouro do meu jogo
é fósforo que acende o fogo de minha mais alta razão
e na sequência de diferentes naipes
quem fala de mim tem paixão


[olho de lince | waly salomão]

domingo, 2 de fevereiro de 2014

A Fuga



A criança põe a boneca na mala.
A mãe põe a criança na mala.
O pai põe a mãe e a casa na mala.

O exterior põe o pai com a mala na mala.
E envia tudo de volta.

Escondem-se na floresta:

1 boneca
1 criança
1 mãe
1 pai
1 casa
2 malas
1 fuga.

Poema de Aglaja Veteranyi


Tradução de Fabiana Macchi
Esse homem esqueceu o próprio nome.
O importante, diz ele, é ter um passado. Isto é
fundamental.
Ele bebe chá de uma garrafa térmica vermelha.
A sala de espera está vazia, sempre vazia.
As pessoas não têm tempo para esperar o trem, pensa ele.

Quando criança, certa vez ele escreveu uma redação.
Com uma frase.
Minha meta, escreveu, é o asilo de velhos.

O sem-nome sorri. Ele olha o grande relógio na parede
e pensa em todos os trens que já perdeu hoje.
Minha profissão, diz ele, é ficar aqui sentado neste banco.
Minha profissão é perder trens.
Minha profissão é esquecer o meu nome.

Aglaja Veteranyi

Tradução Fabiana Macchi

Publicado na revista Coyote N. 11, 2005

PRESENTES


Um homem parou na beira de uma mulher e atirou uma pedra para dentro dela.

4 anos depois a mulher disse: eu amo pedras.
4 anos depois o homem disse: quero minhas pedras de volta.
A mulher deixou-se operar.
O homem embrulhou as pedras em papel de seda vermelho e deu-as de presente à mulher.
A mulher deu de presente ao homem a conta do hospital.
O homem deu de presente à mulher de 1 a 2 filhos.
Os filhos deram de presente ao casal 1,6 kg de alegria.
O casal, de alegria, pulou da janela.

A repartição de enterros deu de presente aos filhos um caixão duplo.
Os filhos deram de presente aos seus filhos a história de seus alegres pais.
Um filho deu ao outro filho uma lágrima.
O filho chorou-se todo e afogou-se no choro.

120 anos depois uma mulher parou na beira de um homem e
atirou uma pedra para dentro dele.
O homem disse: não gosto de pedras.
A mulher tentou com um pedaço de pau.
A felicidade deles tornou-se insuportavelmente bela.

Aglaja Veteranyi

Tradução Fabiana Macchi

(publicado na Sibila - Revista de Poesia e Cultura N. 2, 2002)

O Livro



Ontem Ângela sonhou com seus pais. Não tenham
medo, disse ela, antes de ir, vou cozinhar uma cova
para vocês. Ontem os pais de Ângela morreram. On-
tem Ângela ganhou um filho, e o filho completou on-
tem 59 anos. Ontem Ângela disse:
a pele não sabe quando deve parar de morrer.
Ontem saiu no jornal: Ontem Ângela mor-
reu.

Ontem a filha disse: eu quero um livro cheio de
neve.

Aglaja Veteranyi

Tradução Fabiana Macchi

Publicado na revista Coyote N. 11, 2005

O CONTRATO



Ele a traía sempre às terças-feiras. Ela o traía às quintas.
Certo sábado ele pediu: ponha percevejos no meu arroz.
Ela fez uma comida picante. Acendeu velas azuis. Colocou um tango.
Eles se abraçaram. Sem sentidos.
E aí veio o sangue.
Na sua boca.
Das suas entranhas.
Ela raramente o achara tão sensual.
No domingo ela pediu: espanque-me.
Ele bateu de cinta no seu rosto. Arrancou-lhe um dedo
com o alicate.
Às 10 em ponto eles apagaram as luzes.
Segunda-feira ambos tinham de levantar cedo.

Aglaja Veteranyi

Tradução Fabiana Macchi

Publicado na revista Coyote N. 11, 2005

A MORTE O AMOR A VIDA



Paul Éluard

Julguei que podia quebrar a profundeza a imensidade
Com o meu desgosto nu sem contacto sem eco
Estendi-me na minha prisão de portas virgens
Como um morto razoável que soube morrer
Um morto cercado apenas pelo seu nada
Estendi-me sobre as vagas absurdas
Do veneno absorvido por amor da cinza
A solidão pareceu-me mais viva que o sangue

Queria desunir a vida
Queria partilhar a morte com a morte
Entregar meu coração ao vazio e o vazio à vida
Apagar tudo que nada houvesse nem o vidro nem o orvalho
Nada nem à frente nem atrás nada inteiro
Havia eliminado o gelo das mãos postas
Havia eliminado a invernal ossatura
Do voto de viver que se anula


Paul Èluard
algumas palavras (antologia)
tradução antónio ramos rosa e luiza neto jorge
dom quixote

1977

Mandarim

"Ideias exatas, expressas numa forma sóbria, não nos interessam: o que nos encanta são emoções excessivas traduzidas com um grande fausto plástico de linguagem.

Espíritos assim formados devem sentir necessariamente um distanciamento por tudo o que é realidade, análise, experimento, certeza objetiva. O que os atrai é a fantasia, sob todas as formas, desde a canção até a caricatura; também em arte, somos sobretudo, líricos e satíricos. Ou ficamos com os olhos voltados em direção às estrelas, deixando nossos corações murmurar; ou, se lançamos um olhar para o mundo que nos rodeia, é para rir dele com amargura. Somos homens de emoções e não de raciocício."


(Eça de Queirós, em carta que seria prefácio do Mandarim, 1884)

sábado, 1 de fevereiro de 2014

ENSAIO DE CIÚME


Como vai indo com a outra?
Tão fácil, não? — basta um impulso
no remo — com a orla, a minha
imagem se borra, se afasta,

vira ilha flutuante (no céu,
— na água, não!).

Alma e alma,
irmãs, sim — mas, amantes, não!
Uma é destino; outra — sem fim!

Que tal viver com tal pessoa
comum — vida sem divindades?
Jogou do trono-olimpo a deusa-
rainha, abdicou — e a coroa

de sua vida, como fica?
Ao despertar, como pagar
o preço de imortal banal-
idade — como? Menos rica?

“Chega de susto e suspeita!
Quero um lar!.” Mas... e a vida
só — com uma mulher qualquer —
Você — eleito de uma eleita?

Ah... e a comida? Apetitosa?
Você se queixa quando enjoa?
Depois do topo do Sinai,
ir conviver com uma à-toa

da parte baixa da cidade,
uma coitada? Gostou da anca?
O açoite-vergonha de Zeus
ainda não vincou-lhe a estampa?

Entre viver e ser, dá para
contar? E como encara
o caro amigo a cicatriz
da consciência-meretriz?

Viver com uma boneca de gesso
— de feira!? Você me acha cara?
Depois de um busto de Carrara,
um susto de papier-mâché?

(O deus que eu escavei de um bloco
só me deixou os ocos.) Enleva
viver com uma igual a mil,
quem já teve a Lilit primeva?

Não lhe matou a fome a boa
bisca, que atendeu aos pedidos?
Como viver com a simplória,
que só possui cinco sentidos?

Enfim, por fim... você é feliz,
no sem-fundo dessa mulher?
Pior, melhor, igual a mim,
nos braços de um outro qualquer?

Marina Tsvetaieva

Tradução: Décio Pignatari