sábado, 30 de outubro de 2010

Magie Noire

despedida do povo argentino ao seu líder Nestor Kirchener.Buenos Aires .novembro de 2010

AS SEM-RAZÕES DO AMOR

Eu te amo porque te amo,

Não precisas ser amante,

e nem sempre sabes sê-lo.

Eu te amo porque te amo.

Amor é estado de graça

e com amor não se paga.

Amor é dado de graça,

é semeado no vento,

na cachoeira, no eclipse.

Amor foge a dicionários

e a regulamentos vários.

Eu te amo porque não amo

bastante ou demais a mim.

Porque amor não se troca,

não se conjuga nem se ama.

Porque amor é amor a nada,

feliz e forte em si mesmo.

Amor é primo da morte,

e da morte vencedor,

por mais que o matem (e matam)

a cada instante de amor.

Carlos Drummond de Andrade

O HOMEM E A MORTE

O homem já estava deitado

Dentro da noite sem cor.

Ia adormecendo, e nisto

À porta um golpe soou.

Não era pancada forte.

Contudo, ele se assustou,

Pois nela uma qualquer coisa

De pressago adivinhou.

Levantou-se e junto à porta

- Quem bate? Ele perguntou.

- Sou eu, alguém lhe responde.

- Eu quem? Torna. – A Morte sou.

Um vulto que bem sabia

Pela mente lhe passou:

Esqueleto armado de foice

Que a mãe lhe um dia levou.

Guardou-se de abrir a porta,

Antes ao leito voltou,

E nele os membros gelados

Cobriu, hirto de pavor.

Mas a porta, manso, manso,

Se foi abrindo e deixou

Ver – uma mulher ou anjo?

Figura toda banhada

De suave luz interior.

A luz de quem nesta vida

Tudo viu, tudo perdoou.

Olhar inefável como

De quem ao peito o criou.

Sorriso igual ao da amada

Que amara com mais amor.

- Tu és a Morte? Pergunta.

E o Anjo torna: – A Morte sou!

Venho trazer-te descanso

Do viver que te humilhou.

-Imaginava-te feia,

Pensava em ti com terror…

És mesmo a Morte? Ele insiste.

- Sim, torna o Anjo, a Morte sou,

Mestra que jamais engana,

A tua amiga melhor.

E o Anjo foi-se aproximando,

A fronte do homem tocou,

Com infinita doçura

As magras mãos lhe cerrou…

Era o carinho inefável

De quem ao peito o criou.

Era a doçura da amada

Que amara com mais amor.

Manuel Bandeira

Repouso

Adalgisa Nery

Dá-me tua mão

E eu te levarei aos campos musicados pela

canção das colheitas

Cheguemos antes que os pássaros nos disputem

os frutos,

Antes que os insetos se alimentem das folhas

entreabertas.

Dá-me tua mão

E eu te levarei a gozar a alegria do solo

agradecido,

Te darei por leito a terra amiga

E repousarei tua cabeça envelhecida

Na relva silenciosa dos campos.

Nada te perguntarei,

Apenas ouvirás o cantar das águas adolescentes

E as palavras do meu olhar sobre tua face muito

amada.

Adalgisa Nery



De As Fronteiras da Quarta Dimensão (1951)

Passamento de Néstor Kirchener -Plaza de Mayo.Novembro de 2010

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Poema amoroso

Este é um poema de amor

tão meigo, tão terno, tão teu…

É uma oferenda aos teus momentos

de luta e de brisa e de céu…

E eu,

quero te servir a poesia

numa concha azul do mar

ou numa cesta de flores do campo.

Talvez tu possas entender o meu amor.

Mas se isso não acontecer,

não importa.

Já está declarado e estampado

nas linhas e entrelinhas

deste pequeno poema,

o verso;

te deixará pasmo, surpreso, perplexo…

eu te amo, perdoa-me, eu te amo…

Cora Coralina

Giuseppe Di Stefano E lucean le stelle

sábado, 23 de outubro de 2010

As várias faces da (web) poesia


O uso da internet pelos novos poetas entra na reflexão sobre o gênero

Raquel Cozer – O Estado de S. Paulo

Questão inimaginável para gerações anteriores da poesia, o arquivamento da produção espalhada por sites, blogs e redes sociais hoje merece reflexão. Afinal, na década em que os diários virtuais se popularizaram no Brasil, boa parte dos versos disponibilizados online nunca chegou ao papel – um dos motivos pelos quais é tão pouco estudada a poesia feita na última década. “Torna-se difícil mapear a produção ciberpoética se não tivermos uma estratégia de preservação para arquivar o material que existe na internet”, diz o cearense Aquiles Alencar Brayner, curador do acervo latino-americano da British Library, no Reino Unido. Prestes a concluir mestrado sobre arquivos digitais, Brayner dará palestra a respeito na terceira edição do Simpoesia, encontro internacional que acontece do próximo dia 5 ao 7 na Casa das Rosas, em São Paulo.



Divulgação – Poema de Marcelo Sahea

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O evento é apenas um dos sinais da atenção para este cenário num momento em que os e-readers começam a chegar a País, trazendo possibilidades de experimentação – assim como a literatura infantil, a poesia é um dos gêneros que mais têm a se beneficiar com as novas tecnologias. Nos dias 13 e 14, o festival literário Artimanhas Poéticas, no Rio – que incluirá apresentações de videopoesia e performances – levantará o debate A Poesia Escrita em Outras Esferas, com a estudiosa Heloísa Buarque de Holanda, organizadora da Enter Antologia Digital, e os poetas Gabriela Marcondes e André Vallias.

O encontro com a tecnologia é um fenômeno muito anterior à internet, embora tenha encontrado nela seu meio mais propício. O recém-lançado Poesia Digital – Teoria, História, Antologias (Fapesp/Navegar, R$ 30, 80 págs. + DVD), fruto de mapeamento realizado por Jorge Luiz Antonio, pós-doutorando no Instituto de Estudos da Linguagem da Unicamp, volta mais de 50 anos no tempo para encontrar as origens da poesia eletrônica. A primeira experiência do gênero, segundo o autor, foi publicada em 1959 pelo alemão Theo Lutz. Chamada Stochastische Texte, pegava as cem primeiras palavras de O Castelo, de Kafka, e criava novos textos a partir delas, usando um programa de computador que produzia frases na estrutura do idioma alemão. “Estava ali a origem dessa produção que tem forte relação com a arte, com o design e com a tecnologia, e que é um desdobramento das poesias de vanguarda, visual, concreta, experimental”, diz Antonio.

A poesia que se encontra na internet hoje divide-se em pelo menos dois grandes grupos, embora eles não raro se confundam. “De um lado estão os herdeiros do concretismo, que ampliaram propostas idealizadas pelos irmãos Haroldo e Augusto de Campos e por Décio Pignatari”, diz Antônio Vicente Pietroforte, professor de letras, semiótica e linguística da USP (Augusto de Campos, por sinal, teve o primeiro contato com um Macintosh em 1984). “Outra vertente, que usa a rede mais como ambiente de difusão, tende a uma abordagem mais coloquial, influenciada pela música pop, pelos beats, pelos poetas marginais e pela literatura periférica.”

É nesse segundo grupo que está a maior parte da atual produção de poesia online no País – que, mesmo sendo tão ampla, permite o reconhecimento de alguns poetas, em especial ligados aos eventos literários. Caso da curadora do Simpoesia, Virna Teixeira, que estreou em 2004 o blog Papel de Rascunho (papelderascunho.net). Embora já tivesse sido publicada, foi depois da investida virtual que ficou mais conhecida pelo empenho em difundir a poesia e a tradução – ela comanda hoje um selo artesanal, o Arqueria Editorial. No blog, que recebe média de 200 visitas por dia, publica poemas próprios, mas também trabalhos de outros autores, imagens, frases e áudios, “como se fossem recortes”. “Hoje é mais fácil ter um livro editado, mas as casas tradicionais ainda resistem a lançar poesia. Quem faz isso são as pequenas, que têm distribuição limitada. A internet revelou um número de leitores muito maior do que se podia supor.”

A paulistana Adriana Zapparoli estreou o blog zênite (zeniteblog.zip.net), em 2004, três anos antes de publicar o primeiro livro, A Flor-da-Abissínia (Lumme). “Coloco lá textos referenciais de intenções líricas. Muitas das minhas publicações em revistas literárias impressas ou online são sugestões vindas da leitura do conteúdo do blog”, diz. O uso da tecnologia como linguagem, afirma, não lhe interessa. “Já me aventurei em recursos do gênero, mas prefiro a sensação perene da impressão, a coisa do papel. Gosto da textura, das cores, quase que um quadro”, diz. Vantagem maior da internet, para ela, é conhecer de perto o trabalho de poetas de outros países, algo hoje muito mais fácil do que foi para gerações passadas – a paulistana Ana Rusche, por exemplo, que organiza em São Paulo o evento literário Flap! e edita o blog Contrabandistas de Peluche (www.anarusche.com), chegou a ter livro publicado no México por conta de contatos feitos online. Experiência similar, mas dentro mesmo do País, viveu o poeta e tradutor Cláudio Daniel, editor da revista Zunái (www.revistazunai.com), uma das principais referências de poesia na internet. “Tenho 48 anos, mas só fui conhecer poetas da minha geração, como Frederico Barbosa e Arnaldo Antunes, pela rede. Foi só então que nossa geração passou a conversar e organizar revistas.”

Recursos. Jorge Luiz Antonio lembra que mesmo a poesia focada no verbal sofre interferência dos meios tecnológicos. “Até a temática acaba influenciada pelas tecnologias, numa espécie de metalinguagem”, argumenta. Mas é entre os herdeiros dos concretistas que isso se destaca mais – em seu primeiro livro, Movimento Perpétuo, de 2002, o carioca Márcio André (www.marcioandre.com) chegou a usar códigos de HTML, com suas barras e tags, em meio aos versos, como conteúdo do texto.

André Vallias, editor da Errática (www.erratica.com), foi um dos pioneiros no Brasil no uso de computador em poesia – no início dos anos 90, quando os PCs ainda eram peça rara no Brasil, o jovem formado em direito teve contato, na Alemanha, com tecnologias que não existiam por aqui. “Nunca quis fazer poesia simplesmente escrita”, diz. Naquele momento, a divulgação era feita apenas por CD-ROM, limitação superada com a internet.

O interesse em explorar as possibilidades da web – em 1995, já produzia trabalhos em flash, com animação e áudio – o levou também a questionar o formato de revistas literárias online. “Muita gente fazia revista de poesia na internet, mas com o mesmo padrão da revista impressa. Ou seja, acumula uma série de trabalhos e faz por edição, a cada dois meses. Achava que essa limitação era inadequada”, conta. Fez da Errática uma espécie de blog com visual de site, tomando como base a revista Artéria – criada em 1975, com diferentes formatos a cada edição, chegou até a sair no formato de uma sacola, com os poemas de diferentes proporções dentro. “Aquela década foi muito fértil, com publicações impressas que superavam dificuldades. A Errática aplicou esse mesmo princípio na internet, sem obrigar cada trabalho a ter o mesmo padrão”, conta. Na última quarta-feira, entrou no ar a 101ª colaboração, um videopoema da carioca Gabriela Marcondes feito a partir de fragmentos de poesias de nomes como Cruz e Sousa, Florbela Espanca e Machado de Assis.

Performance. Assim como Vallias, o carioca Marcelo Sahea (www.sahea.net) dedica boa parte de seu trabalho à performance – uma espécie de caminho natural para o poeta que antecipa tendências e engloba gêneros. Autor de um e-book lançado em 2001, quando nem se falava no assunto, e que teve à época 15 mil downloads (no formato tradicional de PDF), hoje ele prefere apresentar sua poesia sonora ao vivo. Na avaliação de Vallias, essa tendência deriva das possibilidades virtuais – ler um poema ao mesmo tempo em que se ouve a voz do poeta, por exemplo. “A rede liberou a poesia da literatura. Há uma falsa impressão de que a poesia pertence à literatura, mas, na maior parte das culturas, a poesia oral é a fonte de perpetuação de mitos”, diz.

Uma entre os poucos estudiosos da poesia digital no Brasil, Heloisa Buarque de Holanda avalia que a crítica faz “pouco caso” das novas linguagens. “Como se vê mais quantidade que qualidade, imagina-se que não tem profundidade”, diz. Em 1998, o poeta e antropólogo Antônio Risério fez um estudo pioneiro desse trabalho, o Ensaio Sobre o Texto Poético em Tempo Digital. Doze anos depois, ele admite ter conhecido muito pouco “realmente digno de interesse”. “A maioria se senta diante do computador como se estivesse diante do papel e da velha máquina de escrever. Não se entrega ao novo meio. Os que fazem isso, como Arnaldo Antunes e André Vallias, vêm de antes da existência de blogs e revistas eletrônicas”, diz.

Intercâmbio e tradução para entender a poesia

Em sua terceira edição, o Simpoesia – que acontece de 5 a 7/11 na Casa das Rosas – terá como destaques a tradução, o intercâmbio entre poetas estrangeiros e de vários Estados do Brasil, a discussão sobre a poesia na universidade e a produção digital. O escritor Wilson Bueno, morto em maio deste ano, será homenageado com a presença da premiada poeta e tradutora canadense Erin Moure – o maior nome do evento -, responsável por verter para o inglês textos em portunhol (misto de português, espanhol e guarani) do paranaense. Outros convidados estrangeiros são Bruce Andrews, fundador e coeditor do jornal de vanguarda L=A=N=G=U=A=G=E, e o holandês Arjen Duinker – que, assim como Erin, tem ligação com a língua portuguesa. “Quisemos manter a proposta de encontro internacional, que já havíamos testado no ano passado, mas o foco varia de ano a ano, Neste, quis chamar mais mulheres. Haverá, por exemplo, um recital com cinco tradutoras, o que também aproxima a universidade”, diz Virna Teixeira, curadora do Simpoesia. De outros Estados, participarão nomes como o paraense Nilson Oliveira, da revista Polichinello, e a editora, jornalista e poeta Marize Castro, do Rio Grande do Norte.
Meramente ser


OF MERE BEING

The palm at the end of the mind,

Beyond the last thought, rises

In the bronze decor*.

A golf-feathered bird

Sings in the palm, without human meaning,

Without human feeling, a foreign song.

You know then that it is not the reason

That makes us happy or unhappy.

The bird sings. Its feathers shine.

The palm stands on the edge of space.

The wind moves slowly in the branches.

The bird’s fire-fangled feathers dangle down.

* Existem versões para este verso em que a última palavra é distance



MERAMENTE SER

A palmeira no final da mente,

Além do pensamento último, se eleva

Na brônzea distância,

Um pássaro de penas de ouro

Canta na palmeira, sem sentido humano,

Nem sentimento humano, um canto estrangeiro.

Então compreende-se que não é a razão

Que traz tristeza ou alegria.

O pássaro canta. As penas brilham.

A palmeira paira no limiar do espaço.

O vento roça devagar seus galhos.

As penas de fogo do pássaro pendem frouxas.

Fonte :  Estado de São Paulo

“Of Mere Being”, poema de Wallace Stevens, incluído no livro Till I End My Song — A Gathering of Last Poems, organizado por Harold Bloom (Harper Collins, importado; 379 páginas, R$ 56,73); a tradução utilizada é a de Paulo Henriques Britto e faz parte da antologia Poema , de Wallace Stevens (Companhia das Letras, 208 páginas, R$ 44)

Quando eu tiver setenta anos

quando eu tiver setenta anos

então vai acabar esta adolescência

vou largar da vida louca

e terminar minha livre docência

vou fazer o que meu pai quer

começar a vida com passo perfeito

vou fazer o que minha mãe deseja

aproveitar as oportunidades

de virar um pilar da sociedade

e terminar meu curso de direito

então ver tudo em sã consciência

quando acabar esta adolescência

Paulo Leminski
Serenata

by Ludwig Rellstab (1799-1860)


Leise flehen meine Lieder

Durch die Nacht zu dir;

In den stillen Hain hernieder,

Liebchen, komm zu mir!

Flüsternd schlanke Wipfel rauschen

In des Mondes Licht;

Des Verräters feindlich Lauschen

Fürchte, Holde, nicht.

Hörst die Nachtigallen schlagen?

Ach! sie flehen dich,

Mit der Töne süßen Klagen

Flehen sie für mich.

Sie verstehn des Busens Sehnen,

Kennen Liebesschmerz,

Rühren mit den Silbertönen

Jedes weiche Herz.

Laß auch dir die Brust bewegen,

Liebchen, höre mich!

Bebend harr’ ich dir entgegen!

Komm, beglücke mich!

Serenade

My songs beckon softly

through the night to you;

below in the quiet grove,

Come to me, beloved!

The rustle of slender leaf tips whispers

in the moonlight;

Do not fear the evil spying

of the betrayer, my dear.

Do you hear the nightingales call?

Ah, they beckon to you,

With the sweet sound of their singing

they beckon to you for me.

They understand the heart’s longing,

know the pain of love,

They calm each tender heart

with their silver tones.

Let them also stir within your breast,

beloved, hear me!

Trembling I wait for you,

Come, please me!

Translation from German by Michael P. Rosewall

Objeto de amor

De tal ordem é e tão precioso

o que devo dizer-lhes

que não posso guardá-lo

sem que me oprima a sensação de um roubo:

cu é lindo!

Fazei o que puderdes com esta dádiva.

Quanto a mim dou graças

pelo que agora sei

e, mais que perdôo, eu amo.

Adélia Prado

A Serenata

Uma noite de lua pálida e gerânios

ele viria com boca e mão incríveis

tocar flauta no jardim.

Estou no começo do meu desespero

e só vejo dois caminhos:

ou viro doida ou santa.

Eu que rejeito e exprobo

o que não for natural como sangue e veias

descubro que estou chorando todo dia,

os cabelos entristecidos,

a pele assaltada de indecisão.

Quando ele vier, porque é certo que ele vem,

de que modo vou chegar ao balcão sem juventude?

A lua, os gerânios e ele serão os mesmos

- só a mulher entre as coisas envelhece.

De que modo vou abrir a janela, se não for doida?

Como a fecharei, se não for santa?

Adélia Prado

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

A rua

Bem sei que, muitas vezes,

O único remédio

É adiar tudo. É adiar a sede, a fome, a viagem,

A dívida, o divertimento,

O pedido de emprego, ou a própria alegria.

A esperança é também uma forma

De contínuo adiamento.

Sei que é preciso prestigiar a esperança,

Numa sala de espera.

Mas sei também que espera significa luta e não, apenas,

Esperança sentada.

Não abdicação diante da vida.



A esperança

Nunca é a forma burguesa, sentada e tranqüila da espera.

Nunca é figura de mulher

Do quadro antigo.

Sentada, dando milho aos pombos.

Cassiano Ricardo

Erótica é a alma

Pernas entrelaçadas

as minhas, as tuas

sem saber de quem são.

as mãos!



língua aventureira

desvenda meus sonhos

molha minha pele

Tesão!



jogado na cama

passeio em teu corpo

como tua carne

em ritual

Oração!



Eros nos move

Baco nos guia

ao prazer sem pressa

até que eu morra em teus braços

renasça em tua boca.

Para que morras em meu corpo

e renasças

dentro de mim.



Adélia Prado,

em Poesia reunida. São Paulo. Editora Siciliano

domingo, 17 de outubro de 2010

Pudesse eu

Pudesse eu não ter laços nem limites

Ó vida de mil faces transbordantes

Para poder responder aos teus convites

Suspensos na surpresa dos instantes!

Sophia de Mello Breyner

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Summertime - Janis Joplin

Não passarão


Miguel Torga

Não desesperes, Mãe!

O último triunfo é interdito

Aos heróis que o não são.

Lembra-te do teu grito:

Não passarão!



Não passarão!

Só mesmo se parasse o coração

Que te bate no peito.

Só mesmo se pudesse haver sentido

Entre o sangue vertido

E o sonho desfeito.



Só mesmo se a raiz bebesse em lodo

De traição e de crime.

Só mesmo se não fosse o mundo todo

Que na tua tragédia se redime.



Não passarão!

Arde a seara, mas dum simples grão

Nasce o trigal de novo.

Morrem filhos e filhas da nação,

Não morre um povo!



Não passarão!

Seja qual for a fúria da agressão,

As forças que te querem jugular

Não poderão passar

Sobre a dor infinita desse não

Que a terra inteira ouviu

E repetiu:

Não passarão!
Recomeça…



Miguel Torga

Se puderes

Sem angústia

E sem pressa.

E os passos que deres,

Nesse caminho duro

Do futuro

Dá-os em liberdade.

Enquanto não alcances

Não descanses.

De nenhum fruto queiras só metade.



E, nunca saciado,

Vai colhendo ilusões sucessivas no pomar.

Sempre a sonhar e vendo

O logro da aventura.

És homem, não te esqueças!

Só é tua a loucura

Onde, com lucidez, te reconheças...

terça-feira, 12 de outubro de 2010

Ma Solitude

Pour avoir si souvent dormi


Avec ma solitude

Je m’en suis fait presqu’une amie

Une douce habitude

Ell’ ne me quitte pas d’un pas

Fidèle comme une ombre

Elle m’a suivi ça et là

Aux quatre coins du monde



Non, je ne suis jamais seul

Avec ma solitude



Quand elle est au creux de mon lit

Elle prend toute la place

Et nous passons de longues nuits

Tous les deux face à face

Je ne sais vraiment pas jusqu’où

Ira cette complice

Faudra-t-il que j’y prenne goût

Ou que je réagisse?



Non, je ne suis jamais seul

Avec ma solitude



Par elle, j’ai autant appris

Que j’ai versé de larmes

Si parfois je la répudie

Jamais elle ne désarme

Et si je préfère l’amour

D’une autre courtisane

Elle sera à mon dernier jour

Ma dernière compagne



Non, je ne suis jamais seul

Avec ma solitude

Non, je ne suis jamais seul

Avec ma solitude

Georges Moustaki - Ma Solitude

Laura Pausini e Lara Fabian - La Solitudine Live in Rome

La Solitudine

Marco se n’è andato e non ritorna piů

Il treno delle sette e trenta senza lui

Č un cuore di metallo senza l’anima

Nel freddo del matino grigio di città



A scuola il banco è vuoto, Marco è dentro me

è dolce il suo respiro fra i pensieri miei

Distanze enormi sembrano dividerci

Ma il cuore batte forte dentro me



Chissà se tu mi penserai

Se con i tuoi non parli mai

Se ti nascondi come me

Sfuggi gli sguardi e te ne stai



Rinchiuso in camera e non vuoi mangiare

Stringi forte al te il cuscino

Piangi non lo sai

Quanto altro male ti farà la solitudine



Marco nel mio diario ho una fotografia

Hai gli occhi di bambino un poco timido

La stringo forte al cuore e sento che ci sei

Fra i compiti d’inglese e matematica



Tuo padre e i suoi consigli che monotonia

Lui con il suo lavoro ti ha portato via

Di certo il tuo parere non l’ha chiesto mai

Ha detto: “un giorno tu mi capirai”



Chissà se tu mi penserai

Se con gli amici parlerai

Per non soffrire piů per me

Ma non è facile lo sai



A scuola non me posso piů

E i pomeriggi senza te

Studiare è inutile tutte le idee

Si affollano su te



Non è possibile dividere

La vita di noi due

Ti prego aspettami amore mio

Ma illuderti non so



La solitudine fra noi

Questo silenzio dentro me

è l’inquietudine di vivere

La vita senza te



Ti prego aspettami perché

Non posso stare senza te

Non è possibile dividere

La storia di noi due



La solitudine fra noi

Questo silenzio dentro me

è l’inquietudine di vivere

La vita senza te



Ti prego aspettami perché

Non posso stare senza te

Non è possibile dividere

La storia di noi due

La solitudine

Léo Ferré - La Solitude

Je suis d’un autre pays que le vôtre, d’une autre quartier, d’une autre solitude.

Je m’invente aujourd’hui des chemins de traverse. Je ne suis plus de chez vous.

J’attends des mutants. Biologiquement je m’arrange avec l’idée que je me fais de la biologie: je pisse, j’éjacule, je pleure. Il est de toute première instance que nous façonnions nos idées comme s’il s’agissait d’objets manufacturés.

Je suis prêt à vous procurer les moules. Mais…



la solitude…



Les moules sont d’une texture nouvelle, je vous avertis. Ils ont été coulés demain matin. Si vous n’avez pas, dès ce jour, le sentiment relatif de votre durée, il est inutile de vous transmettre, il est inutile de regarder devant vous car devant c’est derrière, la nuit c’est le jour. Et…



la solitude…



Il est de toute première instance que les laveries automatiques, au coin des rues, soient aussi imperturbables que les feux d’arrêt ou de voie libre. Les flics du détersif vous indiqueront la case où il vous sera loisible de laver ce que vous croyez être votre conscience et qui n’est qu’une dépendance de l’ordinateur neurophile qui vous sert de cerveau. Et pourtant…



la solitude…



Le désespoir est une forme supérieure de la critique. Pour le moment, nous l’appellerons “bonheur”, les mots que vous employez n’étant plus ” les mots” mais une sorte de conduit à travers lequel les analphabètes se font bonne conscience. Mais…



la solitude…



Le Code civil nous en parlerons plus tard. Pour le moment, je voudrais codifier l’incodifiable. Je voudrais mesurer vos danaïdes démocraties.

Je voudrais m’insérer dans le vide absolu et devenir le non-dit, le non-avenu, le non-vierge par manque de lucidité. La lucidité se tient dans mon froc.

billie holiday solitude

Solitude

In my solitude

You haunt me

With dreadful ease

Of days gone by



In my solitude

You taunt me

With memories

That never die



I sit in my chair

And filled with despair

There’s no one could be so sad

With gloom everywhere

I sit and I stare

I know that I’ll soon go mad



In my solitude

I’m afraid

Dear Lord above

Send back my love

Marisa Monte-Dança da solidão

A Dança da Solidão

Solidão é lava

Que cobre tudo

Amargura em minha boca

Sorri seus dentes de chumbo…



Solidão, palavra

Cavada no coração

Resignado e mudo

No compasso da desilusão…



Viu!

Desilusão, desilusão

Danço eu, dança você

Na dança da solidão…(2x)



Camélia ficou viúva,

Joana se apaixonou,

Maria tentou a morte,

Por causa do seu amor…



Meu pai sempre me dizia:

Meu filho tome cuidado,

Quando eu penso no futuro,

Não esqueço o meu passado

Oh!…



Desilusão, desilusão

Danço eu, dança você

Na dança da solidão

Viu!

Desilusão, desilusão

Danço eu, dança você

Na dança da solidão…



Quando vem a madrugada

Meu pensamento vagueia

Corro os dedos na viola

Contemplando a lua cheia…



Apesar de tudo existe

Uma fonte de água pura

Quem beber daquela água

Não terá mais amargura

Oh!…



Desilusão, desilusão

Danço eu, dança você

Na dança da solidão

Viu!

Desilusão, desilusão

Danço eu, dança você

Na dança da solidão…



Danço eu, dança você

Na dança da solidão…(2x)



Desilusão! Oh! Oh! Oh!..

Poema da amante

Eu te amo

Antes e depois de todos os acontecimentos,

Na profunda imensidade do vazio

E a cada lágrima dos meus pensamentos.

Eu te amo

Em todos os ventos que cantam,

Em todas as sombras que choram,

Na extensão infinita dos tempos

Até a região onde os silêncios moram.

Eu te amo

Em todas as transformações da vida,

Em todos os caminhos do medo,

Na angústia da vontade perdida

E na dor que se veste em segredo.

Eu te amo

Em tudo que estás presente,

No olhar dos astros que te alcançam

E em tudo que ainda estás ausente.

Eu te amo

Desde a criação das águas,

desde a idéia do fogo

E antes do primeiro riso e da primeira mágoa.

Eu te amo perdidamente

Desde a grande nebulosa

Até depois que o universo cair sobre mim

Suavemente.

Roberto De Simone - La Gatta Cenerentola - 04/Primo - Villanella di Ce...

Roberto De Simone – La Gatta Cenerentola -Villanella di Cenerentola – Cenerentola è Maria Grazia Schiavo






Chi nasce annuda e chi nasce ‘ncammisa

Io ca nascette annuda e senza niente

aspetto ca pe’ me cagna lu viento

Chi nasce cane e chi nascette gatta

Io ca nascette gatta e no canillo

aspetto ‘e m’ ‘o ‘ncappa’ nu suricillo



Chi ‘a tene ‘argiento e chi la tene d’oro

la caiulella pe’ ‘ncappa’ ‘o palummo

e forse io sola ‘a tenarraggio ‘e chiummo



Chi nasce ‘ncunia e chi nasce martiello

Si stu martiello ‘ncasa e nun m’apprezza

pure vene lu juorno ca se spezza

Chi nasce janco e chi niro gravone

Io mò gravone so’ ma te n’adduone

lu juorno ca m’appicciarraggio bbuono

O nosso

Amamos o que não conhecemos, o já perdido.

O bairro que já foi arredores

Os antigos que não nos decepcionaram mais

porque são mito e esplendor.

Os seis volumes de Schopenhauer que jamais terminamos de ler.

A saudade, não a leitura, da segunda parte do Quixote.

O oriente que, na verdade, não existe para o afegão, o persa ou o tártaro.

Os mais velhos com quem não conseguiríamos

conversar durante um quarto de hora.

As mutantes formas da memória, que está feita do esquecido.

Os idiomas que mal deciframos.

Um ou outro verso latino ou saxão que não é mais do que um hábito.

Os amigos que não podem faltar porque já morreram.

O ilimitado nome de Shakespeare.

A mulher que está a nosso lado e que é tão diversa.

O xadrez e a álgebra, que não sei.

Jorge Luis Borges

Jose Feliciano - Che Sera (Que Sera)

Che sera?

Paese mio che stai sulla collina

Disteso come un vecchio addormentato;

La noia, l’abbandono, il niente

Son la tua malacttia,

Paese mio ti lascio io vado via.

Che sara’, che sara’, che sara’,

Che sara’ della mia vita, chi lo sa !…

So far tutto o forse niente

Da domani si vedra’,

E sara’, sara’ quel che sara’.

Gli amici miei son quasi tutti Via,

E gli altri partiranno dopo me,

Peccato, perche’ stavo bene

In loro compagnia

Ma tutto passa, tutto se ne Va

Che sara’, che sara’, che sara’,

Che sara’ della mia vita, chi lo sa !…

Con me porto La chitarra

E se la notte piaNgero’

Una nenia di paese suonero’.

Amore mio ti dacio sulla Bocca

Che fu la fonte del mio primo amore

Ti do l’appUntamento,

Come, quando, non lo So,

Ma so soltanto che ritornero’.

Che sara’, che sara’, che sara’,

Che sara’ della mia vita, chi lo sa !…

Con me porto la chitarra

E se la notte piangero’

Una nenia di paese suoneno’.

Che sara’, che sara’, che sara’,

Che sara’ della mia vita, chi lo sa !…

So far tutto o forse niente

Da domani si vedra’

E sara’, sara’ quel che sara’

Che sara’, che sara’, che sara’,

Che sara’ della mia vita, chi lo sa !…

So far tutto o forse niente

Da domani si vedra’

E sara’, sara’ quel che sara’



Compositor: Sbriccolli/ Greco/ Pes/ Migliacci



Pueblo mío que estás en la colina

tendido como un viejo que se muere,

la pena y el abandono son tu triste compañía,

pueblo mío te dejo sin alegría



Ya mis amigos se fueron casi todos

y los otros partirán después que yo,

lo siento porque amaba su agradable compañía

Mas es mi vida tengo que marchar



Qué será, qué será, qué será

Qué será de mi vida, qué será

Si sé mucho o no sé nada,

ya mañana se verá, que será, será lo que será



Amor mío me llevo tu sonrisa

que fue la fuente de mi amor primero,

amor te lo prometo, cómo y cuando no lo sé

mas sé tan solo que regresaré



Qué será, qué será, qué será

Qué será de mi vida qué será

En la noche mi guitarra dulcemente sonará

y una niña de mi pueblo llorará

Privatizado

Privatizaram sua vida, seu trabalho, sua hora de amar e seu direito de pensar.


É da empresa privada o seu passo em frente,

seu pão e seu salário.

E agora não contente querem privatizar o conhecimento, a sabedoria, o pensamento, que só à humanidade pertence.

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Adele Blanc-Sec (Trailer with English subtitles)

“Qualquer escritor, músico ou pintor, qualquer artista em geral, graças à própria natureza do trabalho que realiza, tem de estar particularmente consciente da enorme extensão de danos que causa a uma sociedade a ação da censura. A censura é uma organização do tipo canceroso: quando finca em um organismo qualquer, em seguida começa a crescer e a deformar todo o corpo social em que se instalou. Não creio que a censura apenas se limite a impedir que se digam muitas coisas, mas pior ainda – e isso talvez seja o mais grave de tudo -, faz com que as coisas que se dizem fiquem sempre mal ditas ou mal-entendidas. A censura faz com que se deformem todos os valores e, nessa atmosfera asfixiante, os critérios da própria cultura e da civilização confundem-se (…)” (Mario Vargas Llosa, durante o 44° Congresso do Pen Clube, 1979)
Eugenio Montale, 1960


Talvez uma manhã andando num ar de vidro,

árida, voltando-me, verei cumprir-se o milagre:

o nada às minhas costas, detrás de mim o vazio

com um terror de bêbedo.

Depois como numa tela, acamparão de um jato

árvores casas colinas para a ilusão costumeira.

Mas será tarde; e eu partirei calado

entre os homens que não se voltam, com o meu segredo.

(Talvez Uma Manhã)

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Pesos...

Este jornal teve uma atitude que considero digna: explicitou aos leitores que apoia o candidato Serra na presente eleição. Fica assim mais honesta a discussão que se faz em suas páginas. O debate eleitoral que nos conduzirá às urnas amanhã está acirrado. Eleitores se declaram exaustos e desiludidos com o vale-tudo que marcou a disputa pela Presidência da República. As campanhas, transformadas em espetáculo televisivo, não convencem mais ninguém. Apesar disso, alguma coisa importante está em jogo este ano. Parece até que temos luta de classes no Brasil: esta que muitos acreditam ter sido soterrada pelos últimos tijolos do Muro de Berlim. Na TV a briga é maquiada, mas na internet o jogo é duro.

Se o povão das chamadas classes D e E – os que vivem nos grotões perdidos do interior do Brasil – tivesse acesso à internet, talvez se revoltasse contra as inúmeras correntes de mensagens que desqualificam seus votos. O argumento já é familiar ao leitor: os votos dos pobres a favor da continuidade das políticas sociais implantadas durante oito anos de governo Lula não valem tanto quanto os nossos. Não são expressão consciente de vontade política. Teriam sido comprados ao preço do que parte da oposição chama de bolsa-esmola.

Uma dessas correntes chegou à minha caixa postal vinda de diversos destinatários. Reproduzia a denúncia feita por “uma prima” do autor, residente em Fortaleza. A denunciante, indignada com a indolência dos trabalhadores não qualificados de sua cidade, queixava-se de que ninguém mais queria ocupar a vaga de porteiro do prédio onde mora. Os candidatos naturais ao emprego preferiam viver na moleza, com o dinheiro da Bolsa-Família. Ora, essa. A que ponto chegamos. Não se fazem mais pés de chinelo como antigamente. Onde foram parar os verdadeiros humildes de quem o patronato cordial tanto gostava, capazes de trabalhar bem mais que as oito horas regulamentares por uma miséria? Sim, porque é curioso que ninguém tenha questionado o valor do salário oferecido pelo condomínio da capital cearense. A troca do emprego pela Bolsa-Família só seria vantajosa para os supostos espertalhões, preguiçosos e aproveitadores se o salário oferecido fosse inconstitucional: mais baixo do que metade do mínimo. R$ 200 é o valor máximo a que chega a soma de todos os benefícios do governo para quem tem mais de três filhos, com a condição de mantê-los na escola.

Outra denúncia indignada que corre pela internet é a de que na cidade do interior do Piauí onde vivem os parentes da empregada de algum paulistano, todos os moradores vivem do dinheiro dos programas do governo. Se for verdade, é estarrecedor imaginar do que viviam antes disso. Passava-se fome, na certa, como no assustador Garapa, filme de José Padilha. Passava-se fome todos os dias. Continuam pobres as famílias abaixo da classe C que hoje recebem a bolsa, somada ao dinheirinho de alguma aposentadoria. Só que agora comem. Alguns já conseguem até produzir e vender para outros que também começaram a comprar o que comer. O economista Paul Singer informa que, nas cidades pequenas, essa pouca entrada de dinheiro tem um efeito surpreendente sobre a economia local. A Bolsa-Família, acreditem se quiserem, proporciona as condições de consumo capazes de gerar empregos. O voto da turma da “esmolinha” é político e revela consciência de classe recém-adquirida.

O Brasil mudou nesse ponto. Mas ao contrário do que pensam os indignados da internet, mudou para melhor. Se até pouco tempo alguns empregadores costumavam contratar, por menos de um salário mínimo, pessoas sem alternativa de trabalho e sem consciência de seus direitos, hoje não é tão fácil encontrar quem aceite trabalhar nessas condições. Vale mais tentar a vida a partir da Bolsa-Família, que apesar de modesta, reduziu de 12% para 4,8% a faixa de população em estado de pobreza extrema. Será que o leitor paulistano tem ideia de quanto é preciso ser pobre, para sair dessa faixa por uma diferença de R$ 200? Quando o Estado começa a garantir alguns direitos mínimos à população, esta se politiza e passa a exigir que eles sejam cumpridos. Um amigo chamou esse efeito de “acumulação primitiva de democracia”.

Mas parece que o voto dessa gente ainda desperta o argumento de que os brasileiros, como na inesquecível observação de Pelé, não estão preparados para votar. Nem todos, é claro. Depois do segundo turno de 2006, o sociólogo Hélio Jaguaribe escreveu que os 60% de brasileiros que votaram em Lula teriam levado em conta apenas seus próprios interesses, enquanto os outros 40% de supostos eleitores instruídos pensavam nos interesses do País. Jaguaribe só não explicou como foi possível que o Brasil, dirigido pela elite instruída que se preocupava com os interesses de todos, tenha chegado ao terceiro milênio contando com 60% de sua população tão inculta a ponto de seu voto ser desqualificado como pouco republicano.

Agora que os mais pobres conseguiram levantar a cabeça acima da linha da mendicância e da dependência das relações de favor que sempre caracterizaram as políticas locais pelo interior do País, dizem que votar em causa própria não vale. Quando, pela primeira vez, os sem-cidadania conquistaram direitos mínimos que desejam preservar pela via democrática, parte dos cidadãos que se consideram classe A vem a público desqualificar a seriedade de seus votos.


O Estado de S.Paulo

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Elis Regina O Bebado e A Equilibrista

O Bebado e A Equilibrista

Caía a tarde feito um viaduto

E um bêbado trajando luto

Me lembrou Carlitos

A lua, tal qual a dona do bordel,

Pedia a cada estrela fria

Um brilho de aluguel

E nuvens, lá no mata-borrão do céu,

Chupavam manchas torturadas, que sufoco!

Louco, o bêbado com chapéu-coco

Fazia irreverências mil pra noite do Brasil.

Meu Brasil

Que sonha com a volta do irmão do Henfil.

Com tanta gente que partiu num rabo de foguete.

Chora a nossa pátria mãe gentil,

Choram Marias e Clarisses no solo do Brasil.

Mas sei que uma dor assim pungente

Não há de ser inutilmente, a esperança

Dança na corda bamba de sombrinha

E em cada passo dessa linha pode se machucar

Azar, a esperança equilibrista

Sabe que o show de todo artista

Tem que continuar…