sábado, 20 de abril de 2013



Não procureis qualquer nexo naquilo
que os poetas pronunciam acordados,
pois eles vivem no âmbito intranquilo
em que se agitam seres ignorados.

No meio dos desertos habitados
só eles é que entendem o sigilo
dos que no mundo vivem sem asilo
parecendo com eles renegados.

Eles possuem, porém, milhões de antenas
distribuídas por todos os seus poros
aonde aportam do mundo suas penas.

São os que gritam quando tudo cala,
são os que vibram de si estranhos coros
para a fala de Deus que é sua fala.

“Neles ...nos 78 sonetos do Livro de Sonetos se compraz o autor em conceitos,metáforas e expressões de surpreendente barroquismo, barroquismo que o poeta levará à mais desabusada, e às vezes abstrusa eclosão no seu livro mais recente,Invenção de Orfeu (1952), longo poema em dez cantos, de técnicas e faturas extremamente variadas e cujo sentido profundo ainda não foi devidamente esclarecido
pela crítica e talvez não o seja nunca, pois é evidente haver nele grande carga de subconsciente a par de certas vivênvias puramente verbais. Como quer que seja, é obra poderosa, onde deparamos fragmentos de alta beleza, que são em si pequenos poemas completos." 

(Manuel Bandeira em Apresentação da Poesia Brasileira,1958)


"A educação brasileira, especialmente em função da herança do regime militar tornou-se refém de um sistema disciplinar que trata como “grade” o currículo, como “disciplina” os conteúdos, como “prova” o dispositivo de avaliação; eliminou a filosofia e os saberes reflexivos e críticos em prol de um modelo fundado na passividade, e na repetição. Não a criatividade, a inteligência viva, mas o bom comportamento, a disciplina, a ordem. Sem contar as seqüelas deixadas na sociedade, em conseqüência especialmente do medo de pensar, de se posicionar criticamente, instaurado por um regime que perseguiu pessoas conscientes e cultas, proibiu livros, restringiu condutas. Os professores, os estudantes universitários e secundaristas, os artistas, os intelectuais foram o grande alvo deste regime, e a formação dos jovens e crianças a grande prejudicada. Durante vinte anos foi proibido pensar na sociedade brasileira, especialmente na escola, foco de resistência ao regime militar.

Com tudo isso, a escola acabou tornando-se um espaço explicitamente afastado das questões que movem a vida das pessoas, dos desafios da sociedade. Os jovens e crianças, afastados das questões humanas e sociais, vão sendo treinados a ver o mundo apenas a partir de si mesmos, de sua condição social. E raramente são estimulados a ler o mundo, a pensar e a atuar nesta sociedade, com sua complexidade, com os seus jogos e contradições. Não formamos pessoas, mas fragmentos desconectados, especialistas cada vez mais fragmentados, desvinculados das grandes questões humanas, planetárias, acoplados a uma parcela tão pequena da realidade que chegam a esquecer quem são, o que buscam, e acabam guiados pelos desejos dos outros, dos mais espertos, dos que falam mais alto...

Com os desafios trazidos pela democracia da informação, ou a escola abre mão do sistema de repetição e passividade, em nome da produção de saberes, da criatividade, da ação, em um espaço onde a vida seja exercida no presente, ou se tornará obsoleta, fadada ao desaparecimento.

Viviane Mosé

Lira Pedestre



No balcão
O cafezinho está mais caro?
Sabe melhor o cafezinho?
De diâmetro aumentou a xícara?
A colherzinha não é mais de prata
(se algum dia foi), e um sorriso
de boas-vindas nos acolhe
sob os bigodes do gerente?
É mais café o cafezinho,
mais quente, inspira mais piadas
a seus costumeiros clientes?
Tem um pó mais fino, o adoçante
não mata mais que o ciclamato,
e há no açúcar um princípio
de tornar o dia contente
quando o céu da boca relembra
o cafezinho em pé tomado?
O cafezinho contém mesmo
café do bom, que a velha casa
de nosso avô servia a todos,
e repetiam todos, uai?
Não. Simplesmente, meus amigos,
o cafezinho está mais caro.

- Carlos Drummond de Andrade, do poema “Lira Pedestre”, In: Amar se aprende amando - 24º Edição, 2001.