sábado, 30 de agosto de 2014

A Politica e as massas

Renato Janine Ribeiro Para mim, foi uma iluminação ler Foucault e Deleuze, quando estava na graduação, e me deparar com as críticas deles às ideias de influência e, indiretamente, alienação. Wilhelm Reich, na Psicologia de Massa do Fascismo, desmente vigorosamente a tese de que o povo é iludido: as massas desejaram Hitler, afirma ele.
Sem entender isso, só paternalismo.

Idelber Avelar
Uma das categorias mais nocivas da esquerda tradicional, que deixou um dos legados mais lamentáveis, é a categoria de alienação. Não me interessa aqui refazer de novo todo o percurso desse conceito de Hegel a Marx, nem muito menos entreter o argumento bíblico de que se lêssemos Marx direitinho, encontraríamos um conceito de alienação legal, que nos serve.

Interessa-me o uso que se consolidou na esquerda ao longo do século XX, em que alienação é basicamente sinônimo de falsa consciência ou, trocando em miúdos, aquele termo que usamos quando o povo, ou os eleitores, fazem algo de que não gostamos.

Já escrevi coisas que não assinaria hoje, mas me orgulho de nunca ter feito isso. Podem revirar o Biscoito Fino e a Massa. Não há um único "o povo está sendo enganado por ...". Pelo contrário, sempre combati essa tese.

O PT dos anos 90 se fartou de usá-la (ou alguma variante dela) para dizer que o povo estava sendo enganado pelo Plano Real. Não estava. Os eleitores em 1994 fizeram uma escolha pela estabilidade econômica que lhes permitiria não mais ter que correr de um corredor ao outro do supermercado para pegar um produto antes de que o preço fosse remarcado. Sabiam o que estavam escolhendo.

Na década de 2000, foi a vez dos tucanos dizerem que o povo estava sendo iludido pelo "Bolsa Esmola" e que a votação de Lula se devia isso. Não era alienação, não era ilusão, era uma escolha clara por uma série de programas sociais que conferiam aos pobres algo de direitos e cidadania.

Agora é a vez de ambos dizerem que o povo está sendo "iludido" e "enganado" por Marina. É uma tese corrente nas redes: "até quando vocês vão se iludir?" "Até quando vão se deixar ser enganados?" etc. Quem pontifica sobre a alienação dos outros costuma, em geral, não estar muito bem informado sobre os temas em pauta (da mesma forma em que aqueles que gostam de corrigir a gramática alheia costumam tropeçar na própria). Confirmei isso ontem, de novo, conversando com alguns defensores da tese da alienação.

Há razões reais e bem claras pelas quais tanta gente está optando por Marina. Se você não as viu, não as entende ou discorda delas, uma péssima maneira de começar é instalando-se nesse lugar olímpico que pressupõe que você sabe sobre as outras pessoas algo que elas não sabem sobre si próprias.

Escuto com prazer defesas de ou críticas a qualquer candidato. Não escuto gente que começa o papo dizendo "vocês aí estão sendo iludidos e enganados". Não costuma sair coisa muito boa.

Liliane Moiteiro Caetano bingo. concordo muito sobre a esquerda não entender a categoria conceitual "alienação". mas prof. será que a leitura de Arendt não resolveria isso ? de alguma maneira, se Arendt ajudasse, significa simplesmente que a "esquerda" se nega a ser intelectual. a "esquerda" só quer colher os ganhos materiais e imediatos de ser esquerda. e assim, não é esquerda, nem direita, nem nada. só é oportunista. a leitura da escola de frankfurt, a leitura "enviesada", acho eu, atrapalhou muito as pesquisas na área de comunicação. muito mesmo. acho eu...

Luiz Fernando Rudge Sempre que se pensa nas massas, eu volto a lembrar de Psychologie des Foules, de Gustave Le Bon. Além de ser o livro-suporte da teoria Dow - que, por sua vez, é a base de toda a análise técnica de investimentos - o livro exemplifica uma série enorme de comportamentos de manada, que explicam essas tomadas de posição em favor de pessoas como Hitler, Mussolini, etc. Ele não chegou a avaliar (que pena!) o comportamento do eleitor, cidadão ou tutelado, nos regimes presidencialistas de coalizão...

Cely Bertolucci Há que se considerar o peso da mídia na percepção do mundo. Ao distorcer e omitir os fatos age como partido político nefasto.

Renato Janine Ribeiro Na verdade, Liliane, o texto do Avelar é muito bom, mas melhor ele faria se concentrando em termos como falsa consciência, engano, ilusão e até ideologia. Alienação é menos.

Claudia Presotto Aliás, acho uma enormidade de gente de academia e governo que enche a boca pra falar DE povo, mas nunca fala COM o povo. Aí fala out of assumptions and prejudice.
Flavio Williges Eu, de fato, conheço algumas "razões reais e bem claras pelas quais tanta gente está optando por Marina". E essas razões não me parecem racionais ou ponderadas (o voto anti-petista, por exemplo, como se o PT fosse o responsável pela corrupção no país, por todas as dificuldades da economia que, aliás, não está mal, e o discurso vago da velha política que o PT representaria- só para citar três pontos centrais do discurso marinista e seus eleitores). Logo, se há um sentido em que alienação envolve "distorção" da realidade ou ver a realidade falsamente (segundo categorias que iludem a consciência), as pessoas que votarão em Marina são, de fato, alienadas, pois vêem nela a solução para problemas que o PT não foi a causa e que a Marina igualmente não irá resolver, caso eleita. Ou alguém acredita que a Marina não faz articulações políticas velhas? O que é o papo de chamar o Lula e FHC senão uma velha política (dita por alguém que não quer governar com o PSDB e o PT). O Lula e o FHC são profundamente vinculados aos seus partidos e continuarão. Alguém acredita que a Marina tem uma receita milagrosa para uma economia cheia de entraves? Alguém acredita que Marina vai acabar com a corrupção, se está concorrendo por um partido e na chapa de um candidato completamente pragmático (como era o Eduardo Campos)?

Sonia Altman Psicologia de massa do fascismo é sensacional, agora vejo como paternalismo manter esta ilusão do povo que virá pronto o funcionamento todo através de alguém. Daí vejo a direita mais paternalista quando não incentiva a participação do povo em decisões e atuação concreta nos problemas também. Qdo Reich faz análise no Massa do fascismo, é muito interessante o olhar que coloca no emocional coletivo, aquelas ações efeito manada que as vezes não entendemos , tipo como pode?

Claudia Presotto Mas quem me deu a dica foi E P Thompsom: Vanguarda x Falsa Consciência de Classe. Nunca esqueci.

Ivanisa Teitelroit Martins Lukács é um bom autor para esclarecer algumas questões. Recomendo "História da Consciência de Classes". Os materialistas deveriam evitar o hábito –herdado do idealismo— de atribuir vocações a entes coletivos. Expressão desse hábito é o discurso sobre “a missão histórica da classe operária” ou sobre a “vocação” de uma classe social. Os burgueses não dominam a sociedade capitalista por vocação Eles precisam de um estado que domine as classes subalternas, para exercer a coerção indispensável ao bom funcionamento da relação de produção capitalista. Cada burguês, e até a maioria dos burgueses, pode ter vocação para monje, mas os que tiverem capital a valorizar precisarão dominar e coagir diretamente ou pôr a seu serviço um estado coercitivo.

Os trabalhadores já estão, por serem classe dominada, postos à força na vida ascética e obrigados a lutar constantemente contra o aumento de suas privações. Entretanto, segundo Marx, a produção cooperativa moderna pode funcionar sem a exploração do homem pelo homem. Decorre disso que os trabalhadores não precisarão erigir-se em classe dominante para fazer a economia funcionar sob seu controle;

Claudio Cordovil Com todo respeito a Deleuze e Foucault , que li bastante e admiro, não existem conceitos mais atuais do que alienação, hegemonia e ideologia. As pessoas querem um tirano, mas também comprazem-se em se iludir. Imaginar o contrário seria rasgar todos os livros de sociolinguistica.

Ivanisa Teitelroit Martins Para os psicanalistas, Michel Foucault opera na análise da biopolítica e da morte da coisa pela palavra. Procuramos também analisar os registros do simbólico, do real e do imaginário através das referências de Foucault sobre aquilo que está fora da Lei, no nosso caso, o inconsciente. Já Deleuze para nós é uma referência para pensar a questão da precipitação e da multiplicidade de significantes diante do troumatisme.

Rui Donato Entre "ilusão" e "alienação" há distância para que eu, péssimo motorista que sou, faça baliza dirigindo um trem de carga e estacione na vaga sem qualquer perigo perigo de amassar ou arranhar a noção e o conceito. Alias, parece que o Giannetti, o assessor econômico da Marina que propugna a conveniência do fim da gratuidade no ensino público superior, andou escrevendo um livro elabora um não sei quê acerca da ilusão, ou engano, ou auto-engano, não li. Mas li não faz muito tempo o "Cinismo e Falência da Crítica" versão editada da tese do Wladimir Safatle no qual há uma respeitável reflexão acerca da fragilidade operativa contemporânea do conceito de alienação; não chego a concordar com ele, mas o texto é elogiável (e nele também lida com Foucault, Deleuze, Lacan... ao gosto da audiência aqui das destas paragens  E se me permitem a petulância, recomendo-o! Saudações.

Luis Augusto Biazzi Uma questão que acho pertinente, pouco considerada, que se insere neste território movediço da ilusão, se refere aos ideários que animam os militantes e simpatizantes do PT e o que tem sido concretamente seu exercício do poder, seus governos concretos, tem habitado aí uma distancia, uma fratura não desprezível, que tem conduzido a tentativas sistemáticas de demonstrar quer pelas estatísticas socioeconômicas, quer pelo uso de impressões, subjetividades e discursos marqueteiros o quanto estamos melhores como país. Em ambas, constato há anos os abusos e incorreções praticadas, associadas também à seleção de temas de modo que tudo que é supostamente bom é responsabilidade exclusiva do governo; tudo que permanece ruim é culpa dos outros, do capitalismo, do imperialismo, da crise externa, da seca, da imprensa burguesa golpista, do governo anterior etc. etc. etc.; sempre fatores externos e exógenos ao governo em si, a sua visão de mundo traduzida em políticas e na sua capacidade de gestão para implementa-las. Considero esta forma ficcional, farsesca e infantil de tratar a sociedade e a economia uma das causas da "fadiga de material" que vem ocorrendo, do desânimo dos empresários, gestores públicos e daqueles todos que vem assistindo outras cenas, que enxergam com nitidez essa distancia comentada acima, e que pensam a sociedade fora do objetivo de ganhar as próximas eleições e do estabelecimento a ferro e fogo do que é a realidade, destratando todas as outras. E tudo isso não quer dizer que o governo não tenha seus méritos em vários setores, não é esta a questão. De algum modo, de repente, a sociedade se torna “maior” e enxerga melhor do que seu governo da hora. E assusta, tal como no sempre citado junho de 2013 e durante a copa.

Rosi Luxemburgo Se entendi bem, não existe alienação...? Concordo que ha muito presunção por setores tanto de esquerda como de direita, mas isso não faz pensar que as escolhas são conscientes??? Se tratando de politica nem sempre..me pergunto se não eh próprio da politica uma certa maquiagem nas propostas e por que não na imagem dos políticos, a própria Tv e outras mídias contribuem para isso, ler Maquiavel e seus ensinamentos políticos me fez um bem danado.

Renato Janine Ribeiro Ivanisa , in Portugueses, please! (Citando A Magia no Divã).O debate está ótimo mas só acho q no anseio de entrar na alta teoria se perde às vezes de vista a realidade.

Fred Matos A explicação possível, Marco Aurélio, é que papel aceita tudo. Não há como compatibilizar aumento do superávit + cambio flutuante sem qualquer controle + meta rígida de inflação com aumento dos gastos sociais, nem mesmo com a manutenção dos gastos nos níveis atuais, sem aumento da tributação. Aumento de produtividade depende de uma série de investimentos (públicos e privados) cujo retorno não se dá imediatamente. Pode-se supor uma reforma tributária aumentando a tributação das grandes empresas e das instituições financeiras e instituindo um imposto anual sobre o patrimônio, já que não há mais espaço para tributar os salários nem nos tributos embutidos nos bens de consumo. Sendo assim, ou o programa procura enganar os eleitores da candidata, ou os que estão financiando a campanha. Só não vale dizer (para não perder a piada) que vai juntar o melhor dos dois.


Emília De Toledo Leme Março Aurélio ela é exatamente igual a velha política o papel aceita tudo Aécio Também disse que vai reduzir gastos públicos mas aumentar gastos com saúde criar bolsa jovem etc. Ninguém diz  nada com nada desculpe-me mas é um filme de terror


Renato Janine Ribeiro Marco Aurélio, a parte política me parece super defeituosa, esp. nas propostas.


Luci Helena Martins Tb tenho minhas dúvidas se há alguma coisa positiva nesse plano de governo q tb não estudei mas nem quero. Como o moço falou o papel aceita tudo e o moralismo religioso não a deixará tratar de temas dificeis com independência, ilesa dos dogmas de quem a sustenta.


Juliana Tigre Não sei se comentei algo sobre isso em um post do professor Renato, mas essa contradição entre políticas econômicas que se esbarram exatamente com boa parte das propostas feitas ao longo do texto, isto é, propostas visando maiores gastos sociais, é uma contradição que nenhum de nós economistas consegue explicar. É um caso simples de aritmética, uma tentativa frustrada de fazer 2+2 virar 5. Isso porque muitas das variáveis expressas no plano têm efeito negativo entre si, mesmo nos modelos mais ortodoxos. Essa equalização de ajuste fiscal com gastos sociais parece ter sido até formulada por quem não tem lá tanta intimidade com desenvolvimento de políticas econômicas. Mas aí já é só especulação minha. Como economista, fico no aguardo para que alguém possa explicar, baseando-se, quem sabe, em outro modelo que não o ortodoxo e o heterodoxo (precisamente o keynesiano), essa contradição. Já sobre a dita autonomia do BC, a explicação é simples (falei algo em outro post). E a autorregulação do mercado é mais um conceito criado pelos economistas da Escola Austríaca e pelos Chicago Boys para defender uma menor intervenção estatal. O economês é ingrato, faz as pessoas pensarem que o mercado é quase um ser, com vida própria. Mas aí ocorrem as crises, e aquilo que um dia foi posto como verdade no Consenso de Washington, entre em cheque na primeira crise em que o estado é quase que obrigado a intervir, com foi o caso da última de 2007/2008 e o governo americano tentando salvar almas.

Fred Matos Esse é talvez o maior problema do sistema presidencialista, Juliana. Os candidatos fazem programas inexeqüíveis e depois da posse descobre-se que se tratava de uma peça publicitária e nada mais. Se tivéssemos um sistema parlamentarista as propostas teriam que ser factíveis e caso não fossem executadas formar-se-ia um novo gabinete. Em tese, o parlamentarismo permite trocar rapidamente governos ruins e permite mandatos longos para os bons governos.


Juliana Tigre Fred, vejo grandes vantagens e desvantagens em ambos os modelos, especialmente no que diz respeito às eleições. Talvez eu simplesmente diga isso porque estou pensando, por exemplo, no caso sueco, que é justamente o que conheço um pouco melhor. Mas concordo com você sobre a necessidade de cobrar mais dos nossos governantes aquilo que prometeram em tempos de eleição. Para aqueles que vivem aqui no nordeste mineiro, pense que o caso é ainda mais curioso. Aqui, obras prometidas anos atrás aparecem em apenas 1 mês, justamente, faltando 2 meses para a eleição.

Fred Matos Eu não sei qual é o caso Sueco, mas as crises que ocorrem em países com sistema parlamentarista não desembocam em rupturas institucionais como nos países presidencialistas, exceto os EUA, talvez por ter apenas dois partidos fortes cujas diferenças de ação política não são tão amplas. São dois partidos de centro. Um, o democrata, com uma ala mais à esquerda, mas que não tem o comando partidário. O outro com uma ala mais à direita que tem crescido dentro do partido, mas que não é hegemônica porque levaria o partido à derrota se conquistasse o comando partidário. Além de outras particularidades que ficaria enfadonho enumerar aqui.


Juliana Tigre Para citar o caso sueco: 8 anos com um mesmo partido, o Moderaterna. Boa gestão? Não, péssima, mas permaneceu no poder graças as tais das coalizões. Diferentemente do PT que ganhava porque recebia mais votos (presidencialismo nosso), na Suécia (parlamentarismo deles), para ganhar, você precisa se unir ao máximo de partidos possível. Daí costumam formar dois grandes "blocos"; lá como cada um sabe bem o que defende, normalmente a esquerda fecha um bloco e a direita fecha outro. A eleição na Suécia será mês que vem, e já temos um quadro quase definido. Somente o Iniciativa Feminista, se não me engano, não fez coalizão. Vale lembrar que na Suécia é necessário mais de 50% dos votos para se ganhar uma eleição. Logo, sem acordos com outros partidos, é muito difícil. E pior para o eleitor, já que posso votar em um determinado partido, mas este, por acreditar que não ganhará a eleição, faz coalizão com outro partido que não gosto, mas que tem recebido mais votos. Se no "bloco" esse partido que não gosto for o mais votado, ele ganha, e ganha com apoio do partido no qual eu votei.


Fred Matos Ainda assim me parece um sistema melhor, Juliana. Aqui também é preciso fazer acordos para governar, mas lá, se a politica estiver em desacordo com a vontade da maior parte do eleitor há a possibilidade de convocar eleições antecipadas. Ou lá é diferente da Itália?


Juliana Tigre mas aqui se faz acordos para governar, não diretamente para ser eleito. Entenda que na Suécia, simplificando o raciocínio, seria assim: primeiro, ganha o bloco mais votado, e a partir disso, ganha o partido mais votado do bloco vencedor. Portanto, na Suécia há uma certa pressão para que você se defina ou como de direita ou como de esquerda. Isso é forte, ainda mais para nós brasileiros que temos até mesmo dificuldade de entender nossos partidos e suas propostas segundo o espectro político. Veja o caso da Marina no PSB. Vou exemplificar com nomes nossos: a Marina, na política sueca, teria que acordar com o PT ou com o PSDB se quisesse vencer uma eleição. Sozinha, ainda que ela conseguisse mais votos que o PT ou que o PSDB ela não ganharia, porque não atingiria mais de 50% dos votos.


Fred Matos Então é diferente dos outros sistemas parlamentaristas que eu conheço, nos quais as coalizões são posteriores às eleições e costumam resultar de um acordo que contemple as plataformas dos partidos que as formam. Grato pela explicação, Juliana


Juliana Tigre Eu costumo dizer que na Suécia você descobre se você é mesmo de esquerda ou de direita e de quebra aprende que "centro" ou "neutro", é só o sabão que a gente tem em casa.


Fred Matos Nos sistemas que conheço o partido que tem mais votos (faz a maior bancada no parlamento) negocia com outros partidos para fazer maioria.


Marco Aurélio Nogueira Muito boa esse diálogo entre vcs, Juliana Tigre e Fred Matos. Esclarecedor. Reforça a idéia de que a institucionalidade política, as opções governamentais e as políticas públicas se entrelaçam de diferentes maneiras entre si e com as culturas políticas nacionais. No nosso caso, em que os partidos não tem tradições e mal conseguem se distinguir uns dos outros, este entrelaçamento fica ainda mais complicado. É por isso, mas não só, que enfatizo tanto a dimensão política. Conforme cada proposta concebe as articulações político-partidárias com que imagina governar melhores serão as chances de entendermos como de fato governará. No caso de Marina e do PSB, a grande vantagem está aí: eles estão anunciando que tentarão governar com articulações que superem o jogo paralisante dos partidos no Congresso. Poderá formar uma maioria interessante desse modo, mas terá de trabalhar dobrado. Terá, digamos assim, que atrair parlamentares da esquerda, do PT e do PSDB. Difícil, mas não impossível. Esse me parece a parte mais interessante na proposta. Renato Janine Ribeiro, não li em profundidade a proposta, e certamente ela deve ter defeitos, como de resto em todas as demais propostas. O que valorizo não é tanto as medidas de reforma política, mas a perspectiva de fazer um governo que busque a articulação social como um vetor da articulação que terá de ser feita no congresso com os partidos. A tal da "democracia de alta intensidade", que me parece uma idéia bem boa, ainda que imprecisa. A proposta de por fim à reeleição também é interessante. No plano do sistema eleitoral, parece que pensam em voto distrital, o que será motivo de muita discussão. Vou ler melhor o plano e na medida em que fizer isso espero ir me esclarecendo. Com tua ajuda, claro!


Juliana Tigre Marco Aurélio Nogueira, seu profile e o profile do professor Renato viraram espaços de diálogos muito prazerosos para mim. Apesar da minha candidata ser a Dilma, há algo nessas eleições que me deixa, de certa forma, satisfeita: essa é uma oportunidade dos brasileiros aprenderem a lidar melhor com a política, porque o novo não é o plano de governo da Marina, mas essa incerteza que permeia o cenário atual. Durante meus poucos 24 anos, o modelo sempre foi muito fechado. Faltava desafio. Agora já temos um, e dos grandes, diga-se de passagem.
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Domingos Carnesecca Neto A eleição de Marina, algo que sinto nas ruas, vai representar um fim na falsa polaridade entre PT e PSDB .. vai provocar um rearranjo das forças politicas, o fim da reeleição, e a instauração de um clima favorável a reformas políticas .,. Creio que será um choque institucional, com turbulências na gestão, mas com um resultado positivo para o país.... e viva Marina!


Marco Meneguela Plano cartesiano!


Marco Aurélio Nogueira Juliana Tigre, pena que voce ta tao longe! Longe e perto, claro. Muito boas as tuas colocações. E este comentário é perfeito. O plano de Maina fala em "deixar a economia respirar", mas ela está conseguindo fazer com que a sociedade respire. Ao menos na campanha. Depois teremos de ver, caso ela ganhe, o que não será nada fácil (diria mesmo que é bem pouco provavel). O plano dela é mesmo cartesiano, como disse Meneguela, no sentido de que tem começo, meio e fim e porque é fiel ao princípio "penso, logo existo". Mas também é bastante dialético, no sentido de que tenta pensar em termos processuais e históricos, leva em conta a correlação de forças e os sujeitos sociais e, claro (!!!), tem algumas contradições não resolvidas, como as que apresentei no início desta longa conversa.

Santa Fé Realmente a discussão por aqui está muito boa mesmo!!! Por enquanto só acompanhando, analisando e reconsiderando algumas convicções e iniciando a leitura do programa de governo da Marina.


Carlos Henrique Siqueira Minha impressão foi outra. Um programa extremamente generalista, feito as pressas, e as duas erratas publicadas ate o momento parecem indicar isso.
Para o social aponta para um lado, para a economia sinaliza para outro.
Foi um programa feito no isolamento da tal REDE, sem nenhuma interlocução com forças políticas externas, que é bem o retrato dessa candidatura improvisada.
O programa quer aliar as reivindicações da direita que vê nela a chance de se livrar do PT e a dos movimentos da rua. A única coisa que une os dois lados é o anti-petismo. Aliás, é a rejeição ao PT que pode selar definitivamente a vitória da Marina e não as suas propostas - que ninguém sabe exatamente quais são, mesmo depois desse programa. Ou seja, é uma candidatura pouco propositiva que está surrando uma onda negativa de anti-petismo.
Por exemplo, o que significa menos Estado na economia, redução do Estado? Onde exatamente o Estado está e não deveria estar? Ela está falando em privatizações e recuo de oferta de serviços públicos? Ninguém sabe.
Se houve segundo turno, e se ela realmente levar a frente a sua ideia de rejeitar apoio, ela será a presidente mais frágil e isolada que já assumiu o cargo em muito tempo.
Ela está sinalizando que seu governo vai funcionar de uma maneira inédita. Ela diz que vai romper com, pelo menos, 30 anos de presidencialismo de coalizão e inventar nos próximos 6 meses uma forma de relação com o Congresso completamente inédita, que ninguém sabe como é, ninguém nunca viu, ninguém foi chamado para discutir, e que vai funcionar. A pergunta que fica é: ela combinou isso com quem? Ou ela acha que isso vai funcionar na base do amor e das "redes de afeto" sobre as quais o pessoal da Rede fala tanto?
Depois desse programa, eu sou levado a pensar que a gente está embarcando na proposta mais improvisada e desconexa que já apareceu em muito tempo.
Adoraria vê-la no Congresso. No Executivo, jamais.


Amanhecer


Floresce, na orilha da campina,
esguio ipê
de copa metálica e esterlina.
Das mil corolas,
saem vespas, abelhas e besouros,
polvilhados de ouro,
a enxamear no leste, onde vão pousando
nas piritas das acácias amarelas.
Dos charcos frios
sobem a caçá-los redes longas,
lentas e rasgadas de neblina.
Nuvens deslizam, despetaladas,
e altas, altas,
garças brancas planam.
Dançam fadas alvas,
cantam almas aladas,
na taça ampla,
na prata lavada,
na jarra clara da manhã...
- João Guimarães Rosa, em 'Magma'.

http://www.elfikurten.com.br/2011/02/guimaraes-rosa-e-o-magma.html

Agosto 30

Agosto
30
Día de los desaparecidos
Desaparecidos:
los muertos sin tumba,
las tumbas sin nombre,
las mujeres y los hombres que el terror tragó,
los bebés que son o han sido botín de guerra.
Y también:
los bosques nativos,
las estrellas en la noche de las ciudades,
el aroma de las flores,
el sabor de las frutas,
las cartas escritas a mano,
los viejos cafés donde había tiempo para perder el tiempo,
el fútbol de la calle,
el derecho a caminar,
el derecho a respirar,
los empleos seguros,
las jubilaciones seguras,
las casas sin rejas,
las puertas sin cerradura,
el sentido comunitario
y el sentido común.


[Eduardo Galeano, 'Los hijos de los días'. 30 de agosto, Día Internacional de las Víctimas de Desapariciones Forzadas: http://www.un.org/es/events/disappearancesday/]

sexta-feira, 29 de agosto de 2014

Carlos Ruggi


Quando pensamos em shopping center a típica imagem que nos vem a mente é uma série de caixotes conectados com uma praça de alimentação como umas das atrações principais.

Dichter

Dichter
So gib mir auch die Zeiten wieder,
Da ich noch selbst im Werden war,
Da sich ein Quell gedrängter Lieder
Ununterbrochen neu gebar,
Da Nebel mir die Welt verhüllten,
Die Knospe Wunder noch versprach,
Da ich die tausend Blumen brach,
Die alle Täler reichlich füllten.
Ich hatte nichts und doch genug:
Den Drang nach Wahrheit und die Lust am Trug.
Gib ungebändigt jene Triebe,
Das tiefe, schmerzenvolle Glück,
Des Hasses Kraft, die Macht der Liebe,
Gib meine Jugend mir zurück!

- Johann Wolfgang von Goethe


http://www.elfikurten.com.br/2014/07/johann-wolfgang-von-goethe.html

Confissão

"Confissão
O que é ruim de esconder? O fogo!
Pois de dia a fumaça o entrega,
E à noite a chama, o monstro, o ogro.
Pior de esconder (e que macega):
O amor; guardado em cura calma,
Pula ágil fora d’alma.
O pior mesmo: esconder um poema,
Pois cobri-lo dá o maior problema.
Se o poeta o recém-cantou,
De poesia ele se encharcou;
Se o poeta o escreveu com classe,
Quer que todo o mundo o abrace.
A todos lê, alegre e forte;
Azar de nós – ou será sorte?"
Goethe


Tradução: Daniel Martineschen  no Escamandro


Mesmo que pareça mórbido, viver em família implica em carregar cadáveres (reais, imaginários, simbólicos). E todos são pesados – insuportavelmente pesados. Poucos indivíduos possuem força para arrastar esse fardo com um mínimo de elegância.

Raul Arruda Filho
"Depois de todo junho, há um agosto. Mas o messianismo de Marina (ah, a mão de Deus) não precisa confundir os brasileiros. Nem fazê-los crer que o destino quis assim. Não. Depois de agosto, há setembro e outubro para que o Brasil decida se – pela terceira vez na história (depois de Janio e Collor) - vai apostar numa liderança política que finge não fazer política.
Junho (2013) foi política em estado bruto, gente fazendo política nas ruas, mas berrando contra a política. Agosto (2014) parece ser a continuação desse engano. Há tempo de desfazer o engano? Pouco tempo.

Só a Política de outubro, na boca da urna, pode desfazer os enganos de junho e agosto. Só a Política pode evitar um mergulho que seria não rumo ao desconhecido, mas rumo a uma história que conhecemos tão bem."
 (Rodrigo Viana - Escrevinhador)

PERFEITO IDIOTA DE CLASSE MÉDIA BRASILEIRA (PICMB)

"[...]
Trata-se de uma tradição lusitana, ibérica, que vem sendo reproduzida aqui na colônia desde os tempos em que os negros carregavam em barris, nas costas, a toilete dos seus proprietários, e eram chamados de “tigres” – porque os excrementos lhes caíam sobre as costas, formando listras que lembravam a pelagem do animal. O perfeito idiota de classe média brasileiro, ou PICMB, não ajuda em casa também por influência da mamãe, que nunca deixou que ele participasse das tarefas – nem mesmo por ou tirar uma mesa, nem mesmo arrumar a própria cama. Ele atira suas coisas pela casa, no chão, em qualquer lugar, e as deixa lá, pelo caminho. Não é com ele. Ele foi criado irresponsável e inconsequente. É o tipo de cara que pede um copo d’água deitado no sofá. E não faz nenhuma questão de mudar. O PICMB é um especialista em não fazer, em fazer de conta, em empurrar com a barriga, em se fazer de morto. Ele sabe que alguém fará por ele. Então ele se desenvolveu um sujeito preguiçoso. Folgado. Que se escora nos outros, não reconhece obrigações e que adora levar vantagem. Esse é o seu esporte predileto – transformar quem o cerca em seus otários particulares.
O tempo do perfeito idiota de classe média brasileiro vale mais que o das demais pessoas. É a mãe que fura a fila de carros no colégio dos filhos. É a moça que estaciona em vaga para deficientes ou para idosos no shopping. É o casal que atrasa uma hora num jantar com os amigos. A lei e as regras só valem para os outros. O PICMB não aceita restrições. Para ele, só privilégios e prerrogativas. Um direito divino – porque ele é melhor que todos os outros. É um adepto do vale tudo social, do cada um por si e do seja o que deus quiser. Ele só tem olhos para o próprio umbigo e os únicos interesses válidos são os seus.
O PICMB é o parâmetro de tudo. Quanto mais alguém for diferente dele, mais errado esse alguém estará. Ele tem preconceito contra pretos, pardos, pobres, nordestinos, baixos, gordos, gente do interior, gente que mora longe. E ele é sexista para caramba. Mesma lógica: quem não é da sua tribo, do seu quintal, é torto. E às vezes até quem é da tribo entra na moenda dos seus pré-julgamentos e da sua maledicência. A discriminação também é um jeito de você se tornar externo, e oposto, a um padrão que reconhece em si mas de que não gosta. É quando o narigudo se insurge contra narizes grandes. O PICMB adora isso."


Fonte: http://www.manualdeingenuidades.com.br/2013/12/09/o-perfeito-idiota-de-classe-media-brasileiro/

Quero-te poesia


O rumor audível
de um fio de água
deslizando breve.
A leve carícia
aflorando o rosto
com pudor de ternura.
A melancolia do adeus
inevitável e definitivo.
O bramido da cólera
dos ofendidos e humilhados
com vigor do vento
nos altos montes
ou tão só o choro silencioso.

- Fernando Couto (moçambicano pai de Mia Couto)

Orfeo e Euridice



Orfeu era um grande herói da Trácia, conhecido não pelas suas qualidades de guerreiro, mas pelas suas qualidades musicais. Filho de Apolo e da musa Calíope, recebeu do pai uma lira como presente e aprendeu a tocar com tanta dedicação e beleza, que ninguém conseguia ficar indiferente ao encanto da sua música. Tanto os seres humanos como os animais, e diz-se que até as árvores e os rochedos, se rendiam ao seu fascínio.
Orfeu amava apaixonadamente a ninfa Eurídice. No dia do casamento de ambos, esteve presente Himeneu para abençoar a união,mas o fumo da sua tocha fez lacrimejar os noivos, o que não trouxe augúrios favoráveis. Pouco tempo depois, Eurídice passeava com as ninfas, quando foi surpreendida pelo pastor Aristeu, que, ao vê-la, se apaixonou perdidamente e tentou conquistá-la. Na sua fuga, Eurídice pisou uma cobra e morreu da mordedura que esta lhe fez no pé.
Orfeu, inconsolável, tocou e cantou aos homens e aos deuses, mas nada conseguiu. Decidiu, então, descer ao reino dos mortos para conseguir recuperar Eurídice. Perante o trono de Hades e Perséfone, Orfeu cantou o seu desgosto e o seu amor dizendo que,se não lhe devolvessem Eurídice, ele próprio ficaria ali com ela, no reino dos mortos. Hades e Perséfone ficaram tão comovidos que lhe devolveram Eurídice. Mas com uma condição: Orfeu poderia levar Eurídice, mas não poderia olhá-la antes de terem alcançado o mundo superior. Caminhando na frente, Orfeu, que estava quase a chegar aos portões de Hades, com receio de ter sido enganado por Hades, virou-se para trás para confirmar se Eurídice o seguia. Esta, com os olhos cheios de lágrimas, foi levada para o mundo dos mortos, por uma força irreversível. Orfeu tentou alcançá-la, mas sem êxito.
Profundamente triste, Orfeu ficou na margem do rio, durante sete dias, sem comer nem dormir, suplicando a volta de Eurídice. Depois, vagueou triste e solitário pelo mundo, sem nunca mais querer saber de mulher alguma e repelindo todas aquelas que o tentavam seduzir, até que um dia, as mulheres da Trácia, enfurecidas pelo seu desprezo, o mataram. O seu corpo foi atirado ao rio Ebro e levado até à ilha de Lesbos, onde, durante muito tempo, a cabeça de Orfeu, presa numa rocha, proferia oráculos. A sua lira foi colocada num templo de Lesbos.


Orfeu e Eurídice. In Infopédia [Em linha]. Porto: Porto Editora, 2003-2014. [Consult. 2014-07-02].
Adriana Zapparoli


entonces calla otra perra. y leo las costuras y plisados de un murmullo de cuerpos mutilados con el puño, con espátula, donde sale la serpiente... por toda esta charla embrollada, por todas las mentes alienadas, el humo es el que escarba al soplo de la serpient, los musgos y las flores acuáticas ... y debajo de los huesos su mirada y la dureza húmeda de la distancia ... porque el amor tiene ojos verdes.

CRÔNICAS DE ALHURES DO SUL


Manoel Carlos Karam
(4 de junho de 2007)
História no cenário de uma travessa que fica no centro de Curitiba.
Ainda está lá, só não tem mais a loja de discos.
Há 40 anos, diante da vitrine da loja, parei.
Parei com tudo que significa parar.
Durante algum tempo fiquei admirando como se estivesse num museu paralisado por um quadro fascinante.
Pasmo.
Abre aspas.
Nunca me esquecerei desse acontecimento na vida de minhas retinas tão fatigadas.
Fecha aspas.
Não passava da vitrine de uma loja de discos.
Mas era tanto, era muito.
40 anos atrás.
A capa de um long-play.

Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band.

quinta-feira, 28 de agosto de 2014

Poemas do venezuelano Rafael Cadenas traduzidos por Paulo Sandrini


Já não sei
Se posso falar em nome de alguém
Quem é este sangue, estes tendões, estes olhos,
esta estranheza, esta antiguidade?
Uma força
Me tem em sua mão
Então é ela
A que pode dizer sou,
A que pode possuir um nome,
A que pode usar a palavra eu.
>>>>>>>> 
A busca
Nunca encontramos o Graal.
Os relatos não eram verídicos.
Só a fadiga dos caminhos acompanhou
os que se aventuraram,
Mas esperavam histórias.
Que seria nossa vida
Sem elas?
Nada se resolveu,
poderíamos ter ficado em casa.
Mas somos tão inquietos.
No entanto, concluída a viagem
sentimos que em nós
- não mais reféns
da esperança -
havia nascido
outro templo.
>>>>>>>>>> 
O argumento
Pela manhã
lemos anestesiados
as notícias
da guerra (qualquer guerra),
um oficial
bem merece alguns combates;
cada facção
deseja mostrar que Deus
está do seu lado
com o argumento definitivo;
nossos olhos correm
as páginas
- buscamos mais confirmações
de nossa derrota-
e o jornal traz o que esperamos encontrar
>>>>>>> 
É tão curta a distância entre nós e o abismo, quase inexistente, uma fina luxúria. Basta se deter e aí está. Somos isso.
Nem necessitamos olhá-lo de perto. Que não haja engano. A separação nos pertence.
>>>>>>>> 
Sou esta vigilância.
Sou esta vacilante disponibilidade,
esta ausência de rosto,
este sem cor.
Sou este em quem se extingue
até mesmo a idéia de homem.
traduções: Paulo Sandrini


Lamentación de la muerte


Vine a este mundo con ojos
y me voy sin ellos
¡Señor del mayor dolor!
Y luego
un velón y una manta
en el suelo.
Quise llegar adonde
llegaron los buenos
Y he llegado, Dios mío!...

Federico García Lorca


Inemuri

"Inemuri (居眠り) is the practice of ‘sleeping while present’ and has long been part of Japanese work culture"

Canções

Feliz Só Será
Feliz só será
A alma que amar.
'Star alegre
E triste,
Perder-se a pensar,
Desejar
E recear
Suspensa em penar,
Saltar de prazer,
De aflição morrer —
Feliz só será
A alma que amar.

Johann Wolfgang von Goethe, in "Canções"


Tradução de Paulo Quintela

O DEUS ABANDONA ANTONIO

 para quando vc sente que perdeu o que mais queria, para não se culpar nem se lastimar, mas agradecer ter tido o que teve, e preparar-se para o infortúnio que ora lhe traz a Roda da Fortuna - comentário meu, Renato Janine Ribeiro)

O DEUS ABANDONA ANTONIO

Quando, à meia-noite, de súbito escutares
um tiaso invisível a passar
com músicas esplêndidas, com vozes -
a tua Fortuna que se rende, as tuas obras
que malograram, os planos de tua vida
que se mostraram mentirosos, não os chores em vão.
Como se pronto há muito tempo, corajoso,
diz adeus à Alexandria que de ti se afasta.
E sobretudo não te iludas, alegando
que tudo foi um sonho, que teu ouvido te enganou.
Como se pronto há muito tempo, corajoso,
como cumpre a quem mereceu uma cidade assim,
acerca-te com firmeza da janela
e ouve com emoção, mas ouve sem
as lamentações ou as súplicas dos fracos,
num derradeiro prazer, os sons que passam,
os raros instrumentos do místico tiaso,
e diz adeus à Alexandria que ora perdes.

Kaváfis

(Baseado no que diz Plutarco: que, na véspera de partir para a última batalha, em que Otávio Augusto o venceria, Marco Antônio viu em Alexandria estranho cortejo conduzido pelo deus Baco - o deus de sua devoção -, que o abandonava).


EL AVARO


Atesoro los bienes de este mundo
como prendas del otro que me espera.
Sé que mi dividendo es infecundo:
reboza desamparo mi cartera.
Sudo frío y me toman por astuto,
por desprecio persigo la riqueza.
Palpo en cada moneda el absoluto,
leo en la muerte como en un poema.
Y mido las palabras, cuento sílabas
como centavos o como minutos.
Almaceno los restos de la vida
(guardo una perla en mis dedos enjutos).
Es avidez, es ambición, codicia.
Y no es nada, es el miedo diminuto
de un Dios que en mí esconde su avaricia
y yo, inconcluso, ayuno y acumulo.
Por su culpa y su abuso yo calculo
los días que me faltan en la cuenta,
la incertidumbre de metal la cubro,
y sólo acopio huesos y promesas.
Alfredo Fressia


quarta-feira, 27 de agosto de 2014

A policia defende o capital não o trabalho. O policial só tentou enquadrar os artistas por que alguém o chamou. Um logista com medo de perder vendas ?Não vejam só a árvore . A policia é só a arma do sistema ela não atira sozinha.

Wilson Roberto Nogueira
..Do lado israelense, milhares de joves estão abandonando o país. Os jovens mais cultos, os jovens mais bem sucedidos, os melhores profissionais estão indo embora do país, pois deixaram de acreditar no futuro.
Nós temos hoje, dezenas de milhares de jovens israelenses em Berlim, Londres e Nova York. Berlim está se tornando um grande foco de israelenses que perderam a esperança no futuro do país e é o melhor da juventude que está saindo e então esse cansaço que nós percebemosnos jovens palestinos, percebemos também nos jovens israelenses, mas se expressam de maneiras diferentes. 
E isso significa ganhar a guerra e perder a paz.
(Guila Flint, jornalista)

Morreram tantos israelenses (guerras árabe israelenses) para que os próprios israelenses (os sionistas ) matassem o sonho de um lar nacional?(Um país baseado no militarismo, no imperialismo e  no não reconhecimento do outro como sendo um sEu igual ,alimenta em si próprio a sua própria destruição). O inimigo externo e a chantagem com a manipulação de uma dor profunda ( A Shoah, o Holocausto )não são mais suficientes para fabricar cegos fanáticos em correr para o abismo moral.Para sobreviver Israel precisa se ver livre do Sionismo de direita e repensar Israel aceitando o Mundo a sua volta e particularmente a humanidade no árabe seu vizinho palestino.
Wilson Roberto Nogueira

'Para além da “cobertura adversária” que desqualifica permanentemente a política e os políticos, identificada pela socióloga Maria do Carmo Campello de Souza há quase trinta anos, a grande mídia brasileira historicamente atribui a si mesma o duplo papel de formadora e de representante da opinião pública. Ela reivindica a legitimidade que disfarçadamente não reconhece nas instituições políticas tradicionais da democracia representativa, vale dizer, políticos, partidos políticos, parlamentos nos seus diferentes níveis e, no limite, no presidente da República, eleito dentro das regras do Estado de Direito.
O exemplo emblemático desse comportamento foi a “rede da democracia”, movimento liderado pelo Globo, Diários Associados e Jornal do Brasil que antecedeu ao golpe de 1964 (cf. A Rede da Democracia, Aloysio Castelo de Carvalho, Editora da UFF/Nitpress, 2010). As “entrevistas” de 2014 parecem, todavia, indicar um passo adiante neste comportamento histórico.
Para além da “cobertura adversária” e de formadora/representante da opinião pública, a TV Globo se apresenta como um superpoder, que paira soberano acima dos poderes institucionalizados pelo processo eleitoral da democracia representativa.
Poder soberano ao qual todos os outros poderes – institucionalizados ou não – devem, incondicionalmente, explicações públicas.
O que representa simbolicamente o enfrentamento público assimétrico de dois jornalistas com candidatos ao mais alto cargo da democracia brasileira, inclusive com a candidata/presidente da República?
Quais grupos se fortalecem com o enfraquecimento e o desafio público a candidatos à Presidência da República e a ocupantes das mais altas posições na hierarquia das instituições democráticas?
Se uma candidata, no exercício da Presidência da República, pode ser destratada de forma agressiva e descortês publicamente em uma rede de televisão, por que não pode fazer o mesmo um cidadão comum?'
--por Venício Lima, via Observatório da Imprensa / Viomundo
"O silêncio é a minha maior tentação. As palavras, esse vício ocidental, estão gastas, envelhecidas, envilecidas. Fatigam, exasperam. E mentem, separam, ferem. Também apaziguam, é certo, mas é tão raro! Por cada palavra que chega até nós, ainda quente das entranhas do ser, quanta baba nos escorre em cima a fingir de música suprema! A plenitude do silêncio só os orientais a conhecem." - 
Andrade , Eugénio

OS AMANTES


Tradução de José Jeronymo Rivera

Quem os vê andar pela cidade
se todos estão cegos?
Eles se tomam as mãos: algo fala
entre seus dedos, línguas doces
lambem a húmida palma, correm pelas falanges,
e acima a noite está cheia de olhos.
São os amantes, sua ilha flutua à deriva
rumo a mortes na relva, rumo a portos
que se abrem nos lençóis.
Tudo se desordena por entre eles,
tudo encontra seu signo escamoteado;
porém eles nem mesmo sabem
que enquanto rodam em sua amarga arena
há uma pausa na criação do nada
o tigre é um jardim que brinca.
Amanhece nos camiões de lixo,
começam a sair os cegos,
o ministério abre suas portas.
Os amantes cansados se fitam e se tocam
uma vez mais antes de haurir o dia.
Já estão vestidos, já se vão pela rua.
E só então,
quando estão mortos, quando estão vestidos,
é que a cidade os recupera hipócrita
e lhes impõe os seus deveres quotidianos.


Julio Cortázar
Cumbre Vieja, perdimos
algo al subir del valle: la cabeza
o la velocidad del mundo.
No ver el cielo a veces es el cielo
y andar por el picón del Birigoyo,
quizás la salvación.
Llévame a caminar
por la quilla del mundo, Cumbre Vieja.
Tocar por una vez
el mar del firmamento.


Antonio Arroyo Silva

Democratizar es desmercantilizar


El Estado es un espacio de lucha hegemónica entre la esfera pública y la esfera mercantil, pudiendo ser tanto un Estado financierizado, cuanto un Estado refundado alrededor de la esfera pública. En el Estado, decía Pierre Bourdieu, siempre hay una mano derecha y una mano izquierda.
El neoliberalismo destroza al Estado e intenta imponernos la opción entre estatal y privado. Es decir, entre un Estado desarticulado por ellos o el mercado, que es lo se esconde detrás de lo que ellos llaman espacio privado.
Mientras que la disyuntiva es distinta: donde el neoliberalismo habla de esfera privada, lo que hay es la esfera mercantil. Y la esfera contrapuesta no es la esfera estatal, sino la esfera pública. La polarización que articula el campo teórico en la era neoliberal es la que se da entre esfera pública y esfera mercantil.
Democratizar nuestras sociedades es desmercantilizarlas, es transferir de la esfera mercantil hacia la esfera pública, la educación, la salud, la cultura, el trasporte, la habitación, es rescatar como derechos lo que el neoliberalismo impuso como mercancía.

Esa es la mayor batalla de la era neoliberal: la afirmación hegemónica de la esfera pública en contra de la esfera mercantil. Una sociedad justa es una sociedad centrada en la esfera pública, en la universalización de los derechos, en los ciudadanos, como sujetos de derecho; objetivos de los gobiernos posneoliberales.

EMIR SADER

Anatomia de um Golpe

Ricardo Chacal

Após a descoberta do pré-sal, o Brasil é uma das principais potências de petróleo do mundo. O monopólio estatal desse petróleo nas mãos de um governo não alinhado, contraria os interesses das grandes empresas transnacionais e por tabela dos Estados Unidos.
A Presidente Dilma Roussef, ex-presa política torturada pelos militares, cria em 2012, a Comissão da Verdade para investigar todas as agressões aos direitos humanos cometidos na Ditadura.
Mirian Leitão, importante jornalista de um dos maiores jornais de oposição (redundância), próximo às eleições, relata, com detalhes, sua tortura durante a ditadura militar, esquentando o assunto.
O Comandante do Exército, general Enzo Peri, proibe os quartéis de colaborar com as investigações sobre as violências praticadas em suas dependências durante o regime militar.
Agora a Presidente Dilma ou demite o General Peri e cria um conflito com as Forças Armadas ou deixa tudo como está e perde autoridade política.

Esses meninos de Washington não param de fazer arte.

A criação do Estado de Israel

A criação do Estado de Israel, nos anos quarenta, após a tragédia do Holocausto, foi uma ação afirmativa da comunidade internacional para reparar minimamente o horror provocado pelo nazi-fascismo contra judeus, ciganos, homossexuais, comunistas e socialdemocratas. Mas o fantasma do ressurgimento ou da persistência do antissemitismo não pode ser um álibi que justifique o massacre atual na Faixa de Gaza.
O Brasil e o mundo têm uma dívida enorme para com as comunidades judaicas que iluminaram as artes, a ciência e a política e fazem parte da construção da Nação brasileira. Foi esse sentimento que Lula expressou em seu discurso, anos atrás, na Knesset, quando evocou, por exemplo, o papel de um Carlos e de um Moacir Scliar ou de uma Clarice Lispector para a cultura brasileira. A lista é interminável e a ela se juntam lutadores sociais como Jacob Gorender, Salomão Malina, Chael Charles Schraier, Iara Iavelberg, Ana Rosa Kucinski e tantos outros.
Nunca os esqueceremos.

(Marco Aurélio Garcia | Brasília - 24/07/2014)

domingo, 24 de agosto de 2014

Magma

Saudade
Saudade de tudo!...
Saudade, essencial e orgânica,
de horas passadas,
que eu podia viver e não vivi!...
Saudade de gente que não conheço,
de amigos nascidos noutras terras,
de almas órfãs e irmãs,
de minha gente dispersa,
que talvez até hoje ainda espere por mim...
Saudade triste do passado,
saudade gloriosa do futuro,
saudade de todos os presentes
vividos fora de mim!...
Pressa!...
Ânsia voraz de me fazer em muitos,
fome angustiosa da fusão de tudo
sede da volta final
da grande experiência:
uma só alma em um só corpo,
uma só alma-corpo,
um só,
um!...
Como quem fecha numa gota
o Oceano
afogado no fundo de si mesmo...

- João Guimarães Rosa, em 'Magma'.

Os signos em rotação

"Os signos em rotação
A história da poesia moderna é a história de uma desmedida. Todos os seus grandes protagonistas, depois de desenhar um sinal breve e enigmático, se estatelaram contra a rocha. O astro negro de Lautréamont rege o destino dos nossos mais altos poetas. Mas esse século e meio foi tão rico em infortúnios como em obras: o fracasso da aventura poética é o lado opaco da esfera; o outro feito é da luz dos poemas modernos. Assim, a indagação sobre as possibilidades de encarnação da poesia não é uma pergunta sobre o poema, e sim sobre a história; será quimérico pensar numa sociedade que reconcilie o poema e o ato, que seja palavra viva e palavra vivida, criação da comunidade e comunidade criadora?"

[Octavio Paz. “O arco e a lira”. Tradução de Ari Roitman e Paulina Watch. São Paulo: Cosac Naify, 2012. Pg. 259/ Imagem: Tumblr, sem referências na pesquisa de imagens]

O arco e a lira

"As imagens do poeta têm sentido em diversos níveis. Em primeiro lugar, possuem autenticidade: o poeta as viu ou ouviu, são uma expressão genuína de sua visão e experiência do mundo. Trata-se, então, de uma verdade de ordem psicológica, que evidentemente nada tem a ver com o problema que nos preocupa. Em segundo lugar, essas imagens constituem uma realidade objetiva, válida em si mesma: são obras. Uma paisagem de Góngora não é o mesmo que uma paisagem natural, mas ambas têm realidade e consistência, embora vivam em esferas diferentes. São duas ordens de realidade paralelas e autônomas. Nesse caso, o poeta faz algo mais que dizer a verdade; ele cria realidades possuidoras de uma verdade: as da sua própria existência. As imagens poéticas têm sua própria lógica e ninguém se escandaliza se o poeta diz que a água é cristal ou que “el pirú es primo del sauce” (Carlos Pellicer). Mas essa verdade estética da imagem só vale dentro do seu próprio universo. Por fim, o poeta afirma que as suas imagens nos dizem algo sobre o mundo e sobre nós mesmos e que esse algo, embora pareça um disparate, nos revela o que somos de verdade. Terá algum fundamento objetivo essa pretensão das imagens poéticas? O aparente contrassenso ou sem-sentido do dizer poético conterá algum sentido?"

[Octavio Paz. “O arco e a lira”. Tradução de Ari Roitman e Paulina Watch. São Paulo: Cosac Naify, 2012. Pgs. 113 e 114 /

Solo de laúd


Aburrida de hablar siempre de Yo
quiero ahora hablar un poco de Ud.
Ud.
que debería colgar su tristeza en el ropero
y entender que la poesía no se hace en el escritorio
Ud.
que necesita reparar su cerebro apolillado
por donde se cuela el mar y sale
a Ud. le digo
con su cuerpo no superado de coleóptero en otoño
a Ud. señor
que no lo soporta su familia
y sin embargo
es un rey en los burdeles
Ud. y yo señora
mezcladas en este ruido del siglo veinte
que bosteza con el vientre repleto
despertando de su ebriedad de dos guerras
Ud. que no se sacia todavía
que no sabe ni llover dentro de la lluvia
amárrese por favor mis poemas inútiles al cuello
y húndase conmigo
en el sueño que tenga más a mano
trágueme a mí que moriré cantando
este viejo mundo que pasará de moda.

RAQUEL JODOROWSKY (CHILE)


sábado, 23 de agosto de 2014

"Deixemos que a linguagem siga o seu caminho: o homo psychologicus é um descendente do homo mente captus.

[...].
Era necessário, por sua própria origem, que a psicologia fosse antes isto, ao mesmo tempo em que negava sê-lo. Ela faz parte inexoravelmente da dialética do homem moderno, às voltas com sua verdade, o que significa que ela nunca esgotará aquilo que está ao nível dos conhecimentos verdadeiros.
Mas, nesses compromissos tagarelas da dialética, o desatino permanece mudo, e o esquecimento provém dos grandes dilaceramentos silenciosos do homem.
[...].
Pouco importa o dia exato do outono de 1888 em que Nietzsche se tornou definitivamente louco, e a partir do qual seus textos não mais expressam filosofia, mas sim psiquiatria: todos, incluindo o cartão - postal para Strindberg, pertencem a Nietzsche, e todos manifestam grande parentesco com A Origem da Tragédia. Mas esta continuidade não deve ser pensada ao nível de um sistema, de uma temática, nem mesmo de uma existência: a loucura de Nietzsche, isto é, o desmoronamento de seu pensamento, é aquilo através do qual seu pensamento se abre sobre o mundo moderno."

Michel Foucault

(História da Loucura, Ed.Perspectiva, 2008. p. 522-523/ 529)

“condições desesperadoras da sociedade em que vivo me enchem de esperança”

Filósofo italiano contesta quem o vê como pessimista, cita Marx e sustenta: “condições desesperadoras da sociedade em que vivo me enchem de esperança”

Entrevista a Juliette Cerf, na Verso | Tradução Pedro Lucas Dulci

Como os sinos da igreja tocam em Trastevere, onde marcamos nosso encontro, seu rosto vem à mente… Giorgio Agamben apareceu como o apóstolo Filipe em O Evangelho Segundo São Mateus (1964) de Pier Paolo Pasolini. Naquela época, o jovem estudante de Direito, nascido em Roma em 1942, andava com os artistas e intelectuais agrupados em torno da autora Elsa Morante.  Uma Dolce Vita? Um momento de amizades intensas, em todo caso. Pouco a pouco, o jurista virou-se para a filosofia, após seminário de Heidegger em Thor-en-Provence. Então ele lançou-se sobre a edição das obras de Walter Benjamin, um pensador que nunca esteve longe de seu pensamento, bem como Guy Debord e Michel Foucault. Giorgio Agamben tornou-se, assim, familiarizado com um sentido messiânico da História, uma crítica à sociedade do espetáculo, e uma resistência ao biopoder, o controle que as autoridades exercem sobre a vida – mais propriamente dos corpos dos cidadãos. Poético, tal como político, seu pensamento escava as camadas em busca de evidências arqueológicas, fazendo o seu caminho de volta através do turbilhão do tempo, até as origens das palavras. Autor de uma série de obras reunidas sob o título latino Homo sacer, Agamben percorre a terra da lei, da religião e da literatura, mas agora se recusa a ir… para os Estados Unidos, para evitar ser submetido a seus controles biométricos. Em oposição a essa redução de um homem aos seus dados biológicos, Agamben propõe uma exploração do campo de possibilidades.

Berlusconi caiu, como vários outros líderes europeus. Tendo escrito sobre a soberania, quais os pensamentos que esta situação sem precedentes provocar em você?

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O poder público está perdendo legitimidade. A suspeita mútua se desenvolveu entre as autoridades e os cidadãos. Essa desconfiança crescente tem derrubado alguns regimes. As democracias são muito preocupadas: de que outra forma se poderia explicar que elas têm uma política de segurança duas vezes pior do que o fascismo italiano teve? Aos olhos do poder, cada cidadão é um terrorista em potencial. Nunca se esqueça de que o dispositivo biométrico, que em breve será inserido na carteira de identidade de cada cidadão, em primeiro lugar, foi criado para controlar os criminosos reincidentes.

Essa crise está ligada ao fato de que a economia tem roubado um caminho na política?

Para usar o vocabulário da medicina antiga, a crise marca o momento decisivo da enfermidade. Mas hoje, a crise não é mais temporária: é a própria condução do capitalismo, seu motor interno. A crise está continuamente em curso, uma vez que, assim como outros mecanismos de exceção, permite que as autoridades imponham medidas que nunca seriam capazes de fazer funcionar em um período normal. A crise corresponde perfeitamente – por mais engraçado que possa parecer – ao que as pessoas na União Soviética costumavam chamar de “a revolução permanente”.


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A teologia desempenha um papel muito importante em sua reflexão de hoje. Por que isso?

Os projetos de pesquisa que eu tenho recentemente realizado mostraram-me que as nossas sociedades modernas, que afirmam ser seculares, são, pelo contrário, regidas por conceitos teológicos secularizados, que agem de forma muito mais poderosa, uma vez que não estamos conscientes de sua existência. Nós nunca vamos entender o que está acontecendo hoje, se não entendermos que o capitalismo é, na realidade, uma religião. E, como disse Walter Benjamin, é a mais feroz de todas as religiões, porque não permite a expiação… Tome a palavra “fé”, geralmente reservado à esfera religiosa. O termo grego correspondente a este nos Evangelhos é pistis. Um historiador da religião, tentando entender o significado desta palavra, foi dar um passeio em Atenas um dia quando de repente ele viu uma placa com as palavras “Trapeza tes pisteos”. Ele foi até a placa, e percebeu que esta era de um banco: Trapeza tes pisteos significa: “banco de crédito”. Isto foi esclarecedor o suficiente.

O que essa história nos diz?

Pistis, fé, é o crédito que temos com Deus e que a palavra de Deus tem conosco. E há uma grande esfera em nossa sociedade que gira inteiramente em torno do crédito. Esta esfera é o dinheiro, e o banco é o seu templo. Como você sabe, o dinheiro nada mais é que um crédito: em notas em dólares e libras (mas não sobre o euro, e que deveriam ter levantado as sobrancelhas…), você ainda pode ler que o banco central vai pagar ao portador o equivalente a este crédito. A crise foi desencadeada por uma série de operações com créditos que foram dezenas de vezes re-vendidos antes que pudessem ser realizados. Na gestão de crédito, o Banco – que tomou o lugar da Igreja e dos seus sacerdotes – manipula-se a fé e a confiança do homem. Se a política está hoje em retirada, é porque o poder financeiro, substituindo a religião, raptou toda a fé e toda a esperança. É por isso que eu estou realizando uma pesquisa sobre a religião e a lei: a arqueologia parece-me ser a melhor maneira de acessar o presente. Os europeus não podem acessar o seu presente sem julgarem o seu passado.

O que é este método arqueológico?

É uma pesquisa sobre a archè, que em grego significa “início” e “mandamento”. Em nossa tradição, o início é tanto o que dá origem a algo como também é o que comanda sua história. Mas essa origem não pode ser datada ou cronologicamente situada: é uma força que continua a agir no presente, assim como a infância que, de acordo com a psicanálise, determina a atividade mental do adulto, ou como a forma com que o big bang, de acordo com os astrofísicos, deu origem ao Universo e continua em expansão até hoje. O exemplo que tipifica esse método seria a transformação do animal para o humano (antropogênese), ou seja, um evento que se imagina, necessariamente, deve ter ocorrido, mas não terminou de uma vez por todas: o homem é sempre tornar-se humano, e, portanto, também continua a ser inumano, animal. A filosofia não é uma disciplina acadêmica, mas uma forma de medir-se em direção a este evento, que nunca deixa de ter lugar e que determina a humanidade e a desumanidade da humanidade: perguntas muito importantes, na minha opinião.

Essa visão de tornar-se humano, em suas obras, não é bastante pessimista?

Estou muito feliz que você me fez essa pergunta, já que muitas vezes eu encontro com pessoas que me chamam de pessimista. Em primeiro lugar, em um nível pessoal, isto não é verdade em todos os casos. Em segundo lugar, os conceitos de pessimismo e de otimismo não têm nada a ver com o pensamento. Debord citou muitas vezes uma carta de Marx, dizendo que “as condições desesperadoras da sociedade em que vivo me enchem de esperança”. Qualquer pensamento radical sempre adota a posição mais extrema de desespero. Simone Weil disse: “Eu não gosto daquelas pessoas que aquecem seus corações com esperanças vazias”. Pensamento, para mim, é exatamente isso: a coragem de desesperança. E isso não está na altura do otimismo?

De acordo com você, ser contemporâneo significa perceber a escuridão de sua época e não a sua luz. Como devemos entender essa ideia?

Ser contemporâneo é responder ao apelo que a escuridão da época faz para nós. No Universo em expansão, o espaço que nos separa das galáxias mais distantes está crescendo a tal velocidade que a luz de suas estrelas nunca poderia chegar até nós. Perceber, em meio à escuridão, esta luz que tenta nos atingir, mas não pode – isso é o que significa ser contemporâneo. O presente é a coisa mais difícil para vivermos. Porque uma origem, eu repito, não se limita ao passado: é um turbilhão, de acordo com a imagem muito fina de Benjamin, um abismo no presente. E somos atraídos para este abismo. É por isso que o presente é, por excelência, a única coisa que resta não vivida.

Quem é o supremo contemporâneo – o poeta? Ou o filósofo?

Minha tendência é não opor a poesia à filosofia, no sentido de que essas duas experiências tem lugar dentro da linguagem. A casa de verdade é a linguagem, e eu desconfiaria de qualquer filósofo que iria deixá-la para outros – filólogos ou poetas – cuidarem desta casa. Devemos cuidar da linguagem, e eu acredito que um dos problemas essenciais com os meios de comunicação é que eles não mostram tanta preocupação. O jornalista também é responsável pela linguagem, e será por ela julgado.

Como é o seu mais recente trabalho sobre a liturgia nos dá uma chave para o presente?

Analisar liturgia é colocar o dedo sobre uma imensa mudança em nossa maneira de representar existência. No mundo antigo, a existência estava ali – algo presente.  Na liturgia cristã, o homem é o que ele deve ser e deve ser o que ele é. Hoje, não temos outra representação da realidade do que a operacional, o efetivo. Nós já não concebemos uma existência sem sentido. O que não é eficaz – viável, governável – não é real. A próxima tarefa da filosofia é pensar em uma política e uma ética que são liberados dos conceitos do dever e da eficácia.

Pensando na inoperosidade, por exemplo?

A insistência no trabalho e na produção é uma maldição. A esquerda foi para o caminho errado quando adotou estas categorias, que estão no centro do capitalismo. Mas devemos especificar que inoperosidade, da forma como a concebo, não é nem inércia, nem uma marcha lenta. Precisamos nos libertar do trabalho, em um sentido ativo – eu gosto muito da palavra em francês désoeuvrer. Esta é uma atividade que faz todas as tarefas sociais da economia, do direito e da religião inoperosas, libertando-os, assim, para outros usos possíveis. Precisamente por isso é apropriado para a humanidade: escrever um poema que escapa a função comunicativa da linguagem; ou falar ou dar um beijo, alterando, assim, a função da boca, que serve em primeiro lugar para comer. Em sua Ética a Nicômaco, Aristóteles perguntou a si mesmo se a humanidade tem uma tarefa. O trabalho do flautista é tocar a flauta, e o trabalho do sapateiro é fazer sapatos, mas há um trabalho do homem como tal? Ele então desenvolveu a sua hipótese segundo a qual o homem, talvez, nasce sem qualquer tarefa, mas ele logo abandona este estado. No entanto, esta hipótese nos leva ao cerne do que é ser humano. O ser humano é o animal que não tem trabalho: ele não tem tarefa biológica, não tem uma função claramente prescrita. Só um ser poderoso tem a capacidade de não ser poderoso. O homem pode fazer tudo, mas não tem que fazer nada.

Você estudou Direito, mas toda a sua filosofia procura, de certa forma, se libertar da lei.

Saindo da escola secundária, eu tinha apenas um desejo – escrever. Mas o que isso significa? Para escrever – o que? Este foi, creio eu, um desejo de possibilidade na minha vida. O que eu queria não era a “escrever”, mas “ser capaz de” escrever. É um gesto inconscientemente filosófico: a busca de possibilidades em sua vida, o que é uma boa definição de filosofia. A lei é, aparentemente, o contrário: é uma questão de necessidade, não de possibilidade. Mas quando eu estudei direito, era porque eu não poderia, é claro, ter sido capaz de acessar o possível sem passar no teste do necessário. Em qualquer caso, os meus estudos de direito tornaram-se muito úteis para mim. Poder desencadeou conceitos políticos em favor dos conceitos jurídicos. A esfera jurídica não pára de expandir-se: eles fazem leis sobre tudo, em domínios onde isto teria sido inconcebível. Esta proliferação de lei é perigosa: nas nossas sociedades democráticas, não há nada que não é regulamentado. Juristas árabes me ensinaram algo que eu gostei muito. Eles representam a lei como uma espécie de árvore, em que em um extremo está o que é proibido e, no outro, o que é obrigatório. Para eles, o papel do jurista situa-se entre estes dois extremos: ou seja, abordando tudo o que se pode fazer sem sanção jurídica. Esta zona de liberdade nunca para de estreitar-se, enquanto que deveria ser expandida.

Em 1997, no primeiro volume de sua série Homo Sacer, você disse que o campo de concentração é a norma do nosso espaço político. De Atenas a Auschwitz…

Tenho sido muito criticado por essa idéia, que o campo tem substituído a cidade como o nomos (norma, lei) da modernidade. Eu não estava olhando para o campo como um fato histórico, mas como a matriz oculta da nossa sociedade. O que é um campo? É uma parte do território que existe fora da ordem jurídico-política, a materialização do estado de exceção. Hoje, o estado de exceção e a despolitização penetraram tudo. É o espaço sob vigilância CCTV [circuito interno de monitoramento] nas cidades de hoje, públicas ou privadas, interiores ou exteriores? Novos espaços estão sendo criados: o modelo israelense de território ocupado, composto por todas essas barreiras, excluindo os palestinos, foi transposto para Dubai para criar ilhas hiper-seguras de turismo…

Em que fase está o Homo sacer?

Quando comecei esta série, o que me interessou foi a relação entre a lei e a vida. Em nossa cultura, a noção de vida nunca é definida, mas é incessantemente dividida: há a vida como ela é caracterizada politicamente (bios), a vida natural comum a todos os animais (zoé), a vida vegetativa, a vida social, etc. Talvez pudéssemos chegar a uma forma de vida que resiste a tais divisões? Atualmente, estou escrevendo o último volume de Homo sacer. Giacometti disse uma coisa que eu realmente gostei: você nunca termina uma pintura, você a abandona. Suas pinturas não estão acabadas, seu potencial nunca se esgota. Gostaria que o mesmo fosse verdade sobre Homo sacer, para ser abandonado, mas nunca terminado. Além disso, eu acho que a filosofia não deve consistir-se demais em afirmações teóricas – a teoria deve, por vezes, mostrar a sua insuficiência.

É esta a razão pela qual em seus ensaios teóricos você tem sempre escrito textos mais curtos, mais poéticos?

Sim, exatamente isso. Estes dois registros de escrita não ficam em contradição, e espero que muitas vezes até mesmo se cruzem. Foi a partir de um grande livro, O Reino e a Glória, uma genealogia do governo e da economia, que eu fui fortemente atingido por essa noção de inoperosidade, o que eu tentei desenvolver de forma mais concreta em outros textos. Esses caminhos cruzados são todos o prazer de escrever e de pensar.

conferir o livro "Profanações" de Giorgio Aganbem.