Quarto presidente após o golpe de 64, general, que morreu há
20 anos, iniciou processo de abertura política do país. No seu governo,
reprimiu linha-dura, mas fechou Congresso
Próximo ao poder. Ernesto Geisel, então capitão do Exército,
Geisel baixa o ‘Pacote de abril’
Após mortes no DOI-Codi de São Paulo, general Ednardo
D’Ávila é exonerado
Teotônio Vilela, líder da luta pela anistia, visitou presos
políticos no Rio em 1979
Anistia mobilizou o Brasil nos anos 70
Exilados voltam ao Brasil
Bomba explodiu no Riocentro e matou sargento do Exército, ferindo
capitão
No fim da ditadura, carta-bomba explodiu na OAB, no Rio,
matando secretária
Criado em 1890, STF sofre cassação na ditadura e apoia a
redemocratização
Após redemocratização, Brasil escolhe presidente no 2º turno
em cinco eleições
Natasha Correa Lima*
“Morre Geisel, o patrono da distensão". Foi com esse
título que O GLOBO noticiou a morte do ex-presidente Ernesto Geisel, em sua
edição de 13 de setembro de 1996, ocorrida no Rio na véspera, de insuficiência
respiratória, motivada por uma broncopneumonia, quando se tratava de um câncer.
Quarto presidente militar a assumir o poder, o general governou entre 1974 e
1979, período no qual iniciou o desmantelamento do regime militar, pavimentando
o caminho que levaria o Brasil de volta à democracia.
Ernesto Beckmann Geisel, caçula de cinco filhos, nasceu em
Bento Gonçalves, no Rio Grande do Sul, em 3 de agosto de 1907. Seguindo os
passos de dois de seus irmãos, Henrique e Orlando – que se tornou ministro do
Exército no governo do general Emílio Garrastazu Médici (1969-1974) –, o menino
Ernesto ingressou cedo na vida militar. Em 1921, entrou no Colégio Militar de
Porto Alegre, onde terminou os estudos como melhor aluno da turma. Ocupando o
posto de primeiro-tenente, participou da Revolução de 1930, movimento que depôs
o presidente Washington Luís e alçou Getúlio Vargas ao poder. Geisel também
teve participação decisiva em outros dois movimentos militares na década de
1930: combateu a Revolução Constitucionalista de 1932, em São Paulo, ainda como
tenente, e, em 1935, já como capitão, reprimiu o levante comunista na Escola de
Aviação Militar no Campo dos Afonsos, no Rio, dentro do movimento conhecido
como Intentona Comunista.
A partir daí, Geisel ampliou cada vez mais sua participação
na política. Foi chefe da secretaria geral do Conselho de Segurança Nacional
entre 1946 e 1947, no governo de Eurico Gaspar Dutra, e subchefe do Gabinete
Militar, no governo de João Café Filho, em 1955, o vice que assumiu após o
suicídio de Vargas. Desempenhou, também, a função de adido militar no Uruguai
entre 1947 e 1950. No governo Jânio Quadros, foi nomeado oficial de gabinete do
ministro da Guerra e chefiou o Comando Militar de Brasília. Em meio à crise
política gerada pela renúncia do presidente, Geisel foi nomeado chefe do Gabinete
Militar do então presidente interino, Ranieri Mazzili. Nesse contexto, atuou
como uma espécie de negociador entre os militares – que tentavam a todo custo
impedir a posse do vice-presidente João Goulart – e os setores civis da
política brasileira, que defendiam a posse. A solução encontrada para garantir
a posse de Jango foi a adoção do parlamentarismo. Diante da expressa
insatisfação de João Goulart, Geisel dirigiu-se ao presidente e, como publicado
no GLOBO de 13 de setembro de 1996, lhe disse:
- Presidente, tenha certeza de que tivemos imensas
dificuldades aqui em Brasília para Vossa Excelência assumir. E nós esperamos
que conduza o governo de modo a que se pacifique a nação.
A História, porém, tomou outros rumos. Após a antecipação,
de 1965 para 1963, do plebiscito sobre o regime do país, o povo escolheu o
presidencialismo e teve início uma grave crise institucional, que culminou com
o golpe que depôs João Goulart, comandado pelos militares e com o apoio de
líderes civis. Com a instauração do regime autoritário, Geisel ajudou a
articular, junto ao alto comando militar, o nome do marechal Humberto Castelo
Branco para a Presidência. Com a posse deste, em 15 de abril de 1964, Geisel
foi nomeado chefe do Gabinete Militar e percorreu a Região Nordeste, a fim de
averiguar denúncias de tortura, prática que sempre rechaçou. Na verdade, ele se
opunha não só à tortura, como também ao excessivo endurecimento do regime e a
consequente ascensão ao poder dos setores mais radicais do Exército, a chamada
linha-dura. Isso porque o general acreditava que a repressão corrompia a
hierarquia militar, a censura protegia ladrões, e a existência de poderes
absolutos, em vez de fortalecer o presidente, na verdade, o enfraquecia.
Essa postura de Ernesto Geisel era vista pela linha-dura
como uma ameaça à própria existência do regime. Retirá-lo da alta cúpula do
governo passou, então, a ser algo necessário e urgente. Dessa forma, a ascensão
dos militares conservadores ao poder ocasionou uma espécie de ostracismo
político para Geisel, que foi mantido longe das funções de confiança do governo
militar entre 1967 e 1973, nos mandatos de Arthur da Costa e Silva e Emílio
Garrastazu Médici. Nesse período, foi ministro do Superior Tribunal Militar
(1967-1969) e presidente da Petrobras (1969-1973).
Em 15 de março de 1974, Geisel toma posse na Presidência da
República, após ser eleito pelo colégio eleitoral, em janeiro do mesmo ano. Em
29 de agosto, durante entrevista coletiva, anunciou o projeto político que
seria a marca de seu governo: a distensão lenta, segura e gradual do regime
militar, o que significaria maior oportunidade para o diálogo com a oposição e
a sociedade civil. A edição do GLOBO de 30 de agosto de 1974 trouxe a íntegra
do discurso, no qual o presidente afirmou que o processo de abertura ocorreria
dentro da ordem vigente:
- Prosseguirá o Governo na missão que lhe cabe de promover
para toda a nação o máximo de desenvolvimento possível com o mínimo de segurança
indispensável. E deseja, mesmo, empenhando-se o mais possível para isso, que
esta exigência de segurança venha gradativamente a reduzir-se. Erram os que
pensam que podem apressar este processo pelo jogo de pressões manipuladas sobre
a opinião pública (…). Tais pressões só servem para provocar contrapressões (…)
invertendo-se o processo de lenta, gradativa e segura distensão, desejado pelo
Executivo.
Ernesto Geisel defendia um Estado política e economicamente
forte. A política econômica de seu governo, definida no II Plano Nacional de
Desenvolvimento (II PND), apontava para o investimento no setor energético, ao
mesmo tempo em que considerava primordial o desenvolvimento de indústrias de
base, como forma de preparar a economia brasileira para os impactos do choque
do petróleo, ocorrido em 1973. Teve destaque na área econômica, também, a
assinatura do acordo nuclear entre Brasil e Alemanha, bem como o lançamento do
Programa Nacional do Álcool (Proálcool). A economia do período Geisel teve
média de crescimento de 5,5% ao ano; no entanto, a inflação saltou de 16% para
45% e a dívida externa subiu de US$ 6 bilhões, no início do governo, para US$
45 bilhões, no final do mandato.
A política externa do período foi marcada pela busca de
novas oportunidades para o comércio exterior brasileiro. Tendo isso em mente, o
governo Geisel deixou de lado a concepção ideológica de bipolaridade que ainda
era forte no momento – devido à Guerra Fria – e optou por uma aproximação com a
Ásia e a África. O Brasil reatou as relações diplomáticas com a China, rompidas
desde a ocorrência da Revolução Chinesa, em 1949, e estabeleceu novas relações
com os Emirados Árabes e o Bahrein. Além disso, o Brasil foi o primeiro país a
reconhecer o governo português estabelecido após a Revolução dos Cravos,
movimento que pôs fim à ditadura salazarista em Portugal. O governo também
reconheceu os direitos do povo da Palestina e pediu a Israel que retirasse suas
tropas dos territórios árabes ocupados desde 1967.
A maior marca do governo, no entanto, está na política
interna adotada, no intuito de garantir a distensão do regime militar. Ernesto
Geisel não queria a prática de atos de tortura em seu governo. Quando assumiu o
poder, tratou de emitir comunicados aos comandantes de Exército para que enquadrassem
os chefes dos DOI-Codi, a fim de evitar a ocorrência de torturas. O tema,
inclusive, apareceu em várias comunicações entre o presidente e o chefe do
Serviço Nacional de Informações (SNI), general João Figueiredo. Em um desses
diálogos, publicado no GLOBO em 13 de setembro de 1996, Geisel afirma não
concordar com as prisões e perguntava a Figueiredo, que viria a ser seu
sucessor na Presidência:
- Não será o caso de fazer um honesto exame crítico, rever o
que está errado e imaginar novos e melhores procedimentos?
A preocupação em barrar a tortura, entretanto, não evitou a
ocorrência de mortes nos porões militares. As mais emblemáticas foram a do
jornalista Vladimir Herzog, que apareceu enforcado no DOI-Codi de São Paulo em
outubro de 1975, e a do operário Manuel Fiel Filho, no mesmo DOI-Codi, em
janeiro de 1976. Estas mortes levaram Geisel a demitir o comandante do II
Exército e, posteriormente, o próprio ministro do Exército, Sylvio Frota.
Se, por um lado, Ernesto Geisel parecia empenhar-se pelo fim
das torturas e pelo desmonte da máquina repressora do Estado – através da
Emenda Constitucional número 11, de 1978, o presidente aboliu oficialmente a
censura, restabeleceu o habeas corpus e revogou todos os atos institucionais em
vigor, inclusive o AI-5 – por outro, o general não hesitou em utilizar a
máquina da repressão a seu favor, a fim de manter a ordem em seu governo. Tal
como um ditador, Geisel cassou 11 mandatos parlamentares, fechou o Congresso
por duas semanas (no chamado Pacote de Abril, que também criou os senadores
biônicos), censurou 47 filmes, 117 peças de teatro, 840 músicas e diversas
reportagens. Também foram registrados 39 desaparecimentos, além de mais de mil
casos de tortura.
Ernesto Geisel deixou o poder em 1979 e recolheu-se da vida
política. O general da abertura era um homem discreto, de hábitos simples,
amante da música clássica, apreciador do clima da cidade de Teresópolis, na
Serra do Rio, onde mantinha uma casa, e dono de uma inteligência astuta: foi
aprovado em primeiro lugar em todos os concursos militares que prestou. A
discrição e a quietude, no entanto, escondiam uma imensa dor, a qual Geisel
carregaria pela vida toda: a morte do filho Orlando, atropelado por um trem aos
17 anos. A perda fez com que nunca mais tivesse gosto por comemorações, e vê-lo
em atos da vida social era uma raridade. Geisel morreu de câncer, aos 89 anos,
deixando a viúva Lucy, a filha Amália e seu lugar na história como “o general
que matou a ditadura no país”, ou como O GLOBO o definiu, "o pai da distensão
lenta, gradual e segura".
* com edição de Matilde Silveira
Avanços e retrocessos. O presidente Geisel fecha o
Congresso, por decreto: Pacote de Abril também cria senador biônico
Avanços e retrocessos. O presidente Geisel fecha o
Congresso, por decreto: Pacote de Abril também cria senador biônico Orlando
Brito 30/04/1977 / Agência O Globo
Leia mais sobre esse assunto em
http://acervo.oglobo.globo.com/em-destaque/ernesto-geisel-pai-da-distensao-lenta-gradual-segura-da-ditadura-militar-20071730#ixzz4LlkmIjRi
© 2016.
PAÍSPublicado: 25/09/13 - 16h 49minAtualizado: 09/09/16 -
23h 52min
Geisel baixa o ‘Pacote de abril’Para conter a oposição,
governo pôs o Congresso em recesso e criou o ‘senador biônico’
Próximo ao poder. Ernesto Geisel, então capitão do Exército,
e Getúlio Vargas em 1940, no Recife
EM FOCO: A TRAJETÓRIA DE GEISEL, DE VARGAS A FH
Geisel baixa o ‘Pacote de abril’
Após mortes no DOI-Codi de São Paulo, general Ednardo
D’Ávila é exonerado
Teotônio Vilela, líder da luta pela anistia, visitou presos
políticos no Rio em 1979
Anistia mobilizou o Brasil nos anos 70
Exilados voltam ao Brasil
Bomba explodiu no Riocentro e matou sargento do Exército,
ferindo capitão
No fim da ditadura, carta-bomba explodiu na OAB, no Rio,
matando secretária
Criado em 1890, STF sofre cassação na ditadura e apoia a
redemocratização
Após redemocratização, Brasil escolhe presidente no 2º turno
em cinco eleições
Em 1977, a abertura política - que o então presidente, general
Ernesto Geisel, pretendia gradual, lenta e segura - avançara demais, em função
do crescimento eleitoral da oposição a partir de 1974. Os estudantes voltaram
às ruas e logo ocorreriam mais prisões e cassações políticas.
No dia 13 de abril, Geisel fechou o Congresso Nacional por
duas semanas e, nesse vácuo, outorgou um conjunto de leis, o "Pacote de
abril", constituído de uma emenda constitucional e seis decretos-leis.
Antevendo nova derrota eleitoral em 1978, o governo militar
estabeleceu, entre outras medidas, restrições nas campanhas eleitorais e
eleição indireta para a ocupação de metade das vagas em disputa no pleito. Com
isso, um terço do Senado foi preenchido pelos chamados "senadores
biônicos".
Além disso, o mandato presidencial foi ampliado de cinco
para seis anos e as leis passaram a ser aprovadas por maioria simples no
Congresso. O objetivo de desarticular a oposição foi alcançado. A Aliança
Renovadora Nacional (Arena), partido da ditadura, desde a eleição de 1974 não
detinha mais dois terços dos votos nas duas Casas do Congresso, porém mantinha
a maioria das cadeiras.
Dessa forma, em São Paulo, o Movimento Democrático
Brasileiro (MDB), partido da oposição,
reelegeu Franco Montoro para o Senado,
pelo voto popular, enquanto a Arena conseguiu emplacar o senador Amaral Furlan,
escolhido pelo colégio eleitoral.
Por ter discursado contra as decisões tomadas por Geisel, o
líder do MDB na Câmara dos Deputados, Alencar Furtado, teve seu mandato cassado
em junho de 1977.
Leia mais sobre esse assunto em http://acervo.oglobo.globo.com/fatos-historicos/geisel-baixa-pacote-de-abril-10144638#ixzz4LllRJuH4
© 2016.
PAÍSPublicado: 18/05/15 - 21h 05minAtualizado: 12/09/16 -
11h 59min