quinta-feira, 5 de julho de 2012

Lições de Adonis, canções para a morte

Um dos grandes inovadores da poesia árabe, o sírio de 82 anos é destaque da Flip, festa literária que começa amanhã
03 de julho de 2012

UBIRATAN BRASIL, ENVIADO ESPECIAL / RIO – O Estado de S.Paulo

Vestido com elegância discreta, o poeta sírio Adonis, de 82 anos, chega exibindo um cabelo grisalho ligeiramente desgrenhado, sorriso aberto, voz baixa e tranquila. Mas os olhos parecem sempre estar buscando o seu alvo e, quando começa a falar, o senhor de gestos cavalheiros revela sua força. “Quero sempre questionar, não buscar respostas”, diz ele, um dos principais nomes da Festa Literária Internacional de Paraty, a Flip, cuja 10ª edição começa amanhã, na cidade fluminense.

Adonis, cujo verdadeiro nome é Ali Ahmad Said Esber, é um dos principais críticos dos atuais acontecimentos políticos que chacoalham diversos países árabes, a começar pelo seu. Inicialmente empolgado com a eclosão da Primavera Árabe no ano passado (chegou a compor pequenos poemas para exprimir sua satisfação), ele logo retomou seu ceticismo. “Quando as revoluções começaram, eram lideradas por jovens e revelavam algo inédito: pela primeira vez, nós, muçulmanos, não estávamos copiando algo do Ocidente”, disse o poeta, que conversou com o Estado ontem pela manhã, em um hotel de luxo do Rio. “Logo, porém, os islamitas, os comerciantes e, especialmente, os americanos mostraram que estávamos apenas trocando de ditaduras.”

Autoexilado em Paris desde 1985, depois de uma passagem pelo Líbano, Adonis realmente veio para confundir, não para explicar. Autor de uma poesia estranha, “que evoca ao mesmo tempo a origem da própria poesia e o que nela há de mais moderno”, no entender do escritor Milton Hatoum (ele assina o prefácio do livro Poemas, lançado agora pela Companhia das Letras, com cuidadosa tradução de Michel Sleiman), ele se destaca como uma das vozes fundamentais da cultura árabe, na qual ecoa sua insubmissão à dominância religiosa.

“A poesia não pode mudar a sociedade”, argumenta, “mas só pode alterar a noção de relações entre as coisas. A cultura não pode ser melhorada sem uma mudança nas instituições. A poesia é como o amor, que constantemente renova os sentimentos do povo, revigora e abre horizontes para a beleza da vida. E isso não acontece apenas no nível individual, pois um poema torna-se essencial quando a ciência ou a filosofia não oferece respostas para o mistério da vida.”

Fiel a esse pensamento, Adonis surpreendeu no ano passado quando declarou que a cultura árabe tinha se extinguido. Na verdade, depois do impacto provocado pela afirmação, ele foi mais sucinto, dizendo que ainda havia talentos em diversas áreas criativas, mas eram figuras isoladas. “A civilização árabe como um todo tornou-se consumidora dos outros e deixou de ser criadora – desapareceu nossa presença criativa. Isso é extremamente alarmante.”

Falando especificamente de sua área, Adonis defende que a poesia criada hoje entre seus pares é essencialmente superficial. “A poesia requer um esforço real porque exige que o leitor se transforme, como o poeta, em um criador.”

Apesar de criticado, seu discurso não foi contestado. Afinal, Adonis é um dos principais renovadores da poesia árabe atual, promovendo uma revolução poética que, no Ocidente, só aconteceu depois de uma sucessão de trabalhos de autores de diversas procedências.

Adepto do multiculturalismo, Adonis não apenas cultivou suas raízes como estabeleceu íntima relação com a poesia ocidental, especialmente com Baudelaire, Mallarmé, Rimbaud, Nerval e Breton. “Adonis assimilou as vozes desses e outros poetas até encontrar um modo próprio e inovador para expressar seu lirismo”, afirma Hatoum, ainda no prefácio do livro. O brasileiro, aliás, almoça hoje com o colega sírio, no Rio de Janeiro.

A pluralidade explica a adoção do pseudônimo: um deus pagão no qual a presença da cultura pré-islâmica e pan-mediterrânea é muito forte. Trata-se, portanto, não apenas de uma postura poética mas principalmente política, sem que isso implique em uma ligação com o partidarismo. Adonis observa, por exemplo, uma forte tendência, entre os artistas árabes, de serem politicamente engajados.

“Não sou contra esse engajamento, ou mesmo contra os artistas – mas não sou como eles”, acredita. “Um criador precisa sempre estar próximo do que é revolucionário, mas nunca agir como um revolucionário. Ele não pode falar a mesma língua e tampouco trabalhar no mesmo ambiente político.”

Pouco conhecedor da poesia brasileira (”Lamento dizer que li apenas alguns versos de Haroldo de Campos e, mesmo assim, traduzidos para o francês, o que tira sua essência”), Adonis é figura constante na lista de apostas quando se aproxima o anúncio do vencedor do Nobel de literatura. E, se a cada ano acaba preterido, a vitória do sueco Tomas Tranströmer no ano passado praticamente jogou sua chance para um futuro incerto – não se acredita que a Academia Sueca vá premiar dois poetas seguidamente.

Isso parece sinceramente não o importunar. Adonis não avalia o próprio trabalho, preferindo que isso seja tarefa de seu interlocutor, seja com quem esteja conversando naquele momento, seja um leitor distante. Essa troca é seu combustível vital. “Vivo em eterna criação”, conta. “Enquanto converso com você, algo vai acontecendo no lado criativo da minha mente, que não para, trabalha incessantemente. O mesmo aconteceu enquanto tomava meu café da manhã e deverá se repetir quando encontrar meus leitores em Paraty. A vida é uma constante troca de ideias.”

“A morte quando passa por mim é como se

o silêncio a abafasse…

…é como se dormisse quando eu dormisse.

Ó mãos da morte, alonguem meu caminho

meu coração é presa do desconhecido,

alonguem meu caminho

quem sabe descubro a essência do impossível


e vejo o mundo ao meu redor”

Cara de luna

Jack London

La cara de Juan Claverhouse era un fiel trasunto de la luna llena; ya conocen ustedes el tipo: los pómulos muy separados, la barbilla y la frente redondas, hasta confundirse con los rubicundos mofletes, y la nariz ancha y corta, como una pelota de pan aplastada en la pared, ocupando el centro de la circunferencia.

Quizá fuera ésta la razón del odio que sentía por él; su presencia me resultaba insoportable, y lo conceptuaba como una especie de mancha sobre la tierra. He llegado a creer que mi madre, durante el embarazo, tuvo algún antojo, algún motivo de resentimiento con la luna; qué sé yo...

Sea por lo que fuere, lo cierto es que yo lo odiaba, y no debe creerse que él, por su parte, me había dado motivo alguno, por lo menos a los ojos del mundo; pero la razón existía, no cabe duda, aunque tan oculta, tan sutil, que no encuentro palabras con que poder expresarla. Todos conocemos esta clase de antipatías instintivas; vemos por primera vez a un desconocido, a una persona cuya existencia ignorábamos y, sin embargo, en el momento de verla decimos: “No me gusta ese hombre o esa mujer”. ¿Por qué no nos gusta? ¡Ah! Lo ignoramos; no sabemos sino que es así, que nos cae antipático; eso es todo. Tal fue mi caso con Juan Claverhouse.

¿Con qué derecho era dichoso un hombre semejante? Nunca vi optimismo como el suyo; siempre risueño, siempre contento y siempre encontrándolo todo bien, ¡maldita sea!...

No me importaba nada la alegría de los demás; todo el mundo puede reír, hasta yo... antes de conocer a Claverhouse; pero la risa de éste, aquella risa, me irritaba, me enloquecía, me ponía furioso, fuera de mí... Era una pesadilla constante, a la que no podía sustraerme, un demonio maldito, cuyo abrazo infernal me ahogaba. ¡Qué risa! Estentórea, homérica, gargantuana; despierto o dormido, su vibrante sonar me arañaba el corazón como con las púas de un peine gigantesco. La oía al despuntar el alba, a través de los campos, y sus ecos me robaban las delicias de un plácido despertar; la oía bajo el cielo clarísimo del mediodía, cuando la Naturaleza entera parecía dormir borracha de luz y de calor, y sus “¡ja! ¡ja!” se elevaban sonoros en el silencio de los valles; y la oía en medio de la noche, en que me despertaba el irritante chasquido de aquella risa diabólica, haciéndome dar vueltas en la cama y clavarme las uñas en las palmas de las manos, en un paroxismo de rabia impotente.

Más de una madrugada me levanté con el único objeto de desparramar sus rebaños por las campiñas sembradas, y sólo conseguí escuchar otra vez, por la mañana, su eterna risa, mientras los congregaba de nuevo en sus rediles.

-Pobres bestezuelas -decía-. ¡No tienen culpa, al ir donde su instinto las lleva, buscando mejores pastos!...

Tenía Claverhouse un perro que atendía por Marte, un hermoso animal, mezcla de mastín y galgo, con rasgos característicos de ambas especies. Marte, más que su perro favorito, era casi un amigo para él, y siempre se les veía juntos.

Después de una paciente espera, llegó el día y la hora de poner en práctica mi maquinación. Con halagos atraje al animal, y un pedazo de carne con estricnina hizo el resto, aunque perdí mi tiempo y mi habilidad de una manera lastimosa, pues la risa de Juan siguió siendo tan frecuente como antes y su cara se parecía cada vez más a la luna llena.

Entonces prendí fuego a sus trojes y a sus graneros, y a la mañana del día siguiente, que era domingo, lo encontré tan alegre como de costumbre.

-¿Adónde va? -le pregunté cuando nos cruzamos.

-A pescar truchas -me dijo contentísimo-; me entusiasma la pesca.

¿Ha existido jamás un hombre semejante? Sus trojes y sus hórreos no estaban asegurados -lo sabía-, y el incendio había convertido en humo su fortuna; pero allá iba, lleno de regocijo, en busca de una cesta de truchas, simplemente porque “le entusiasmaba la pesca”.

Si en aquel momento hubiera visto en su cara la expresión de la pena, por poca, por ligera que ésta hubiera sido; si la cara se le hubiese alargado, perdiendo aquel aspecto de luna llena, quizá le habría perdonado el crimen de existir; pero, por el contrario, la desgracia parecía aumentar su alegría.

Lo insulté a propio intento, y no vi en su cara signo alguno de despecho; todo lo más, un gesto de sorpresa bondadosa.

-¿Pelearnos?... ¿Y por qué? -me preguntó con lentitud, y añadió, echándose a reír-. ¡Ja,ja! ¡Qué gracioso es usted! ¡Ja, ja!... De verdad, me hace usted muchísima gracia.

¿Qué hacer? La cosa era horrible, inverosímil, inaguantable... ¡Cómo lo odiaba, Dios poderoso!...

Luego, aquel nombre: Claverhouse. ¿Por qué Claverhouse? Me hacía la pregunta mil veces. No me hubiera importado que se llamara Smith, Brown, Jones; pero... ¡Claverhouse!... ¿Es posible que exista alguien con semejante nombre? “No”, me responderán ustedes, y “no", me respondía yo mismo.

Pensé en su hipoteca y en la imposibilidad de que la pagara, cuando sus cosechas se encontraban destruidas. Bien pronto encontré un prestamista astuto e inhumano que se quedó con todos los créditos, y aunque yo no figuré para nada en la transacción, pude, por medio de este agente, forzar el vencimiento, para tener el gusto de avisar a Claverhouse de los pocos días (ni uno más de los que marca la ley) que le restaban para abandonar la casa y la finca donde había vivido durante veinte años.

Después fui a verlo, esperando leer, al fin, la desesperación en sus ojos; pero ¡ca!; lo encontré sonriente, con su eterna cara de contento y... ¡más parecida que nunca a la luna llena!

Me recibió riendo a carcajadas.

-¡Ja, ja, ja!... ¡Pero qué gracioso es este chiquillo mío! Figúrese usted que estaba jugando en la orilla del río, cuando un trozo del ribazo cayó al agua y lo salpicó, y me dice: “¡Oye, papá! ¡Un charco se ha levantado y me ha dado en la cabeza!..."

Y se detuvo, aguardando, sin duda, a que yo me echara a reír.

-Pues no veo la gracia -le contesté con brusquedad y sintiendo que la cara se me agriaba por momentos.

Me miró con asombro, y luego empezó a extenderse por la suya el resplandor suave de que les he hablado, y que la tornaba casi luminosa:

De nuevo empezó a reír:

-¡Ja, ja!... ¡Esto sí que está bueno!... ¡Que no le ve la gracia!... ¡Ja, ja, ja!... ¡Que no se la ve!... Pero, venga usted acá, venga usted acá; usted ya sabe que los charcos...

No lo dejé terminar; di media vuelta y me marché. ¡Era el colmo! ¡Ya no podía resistirlo! Se hacía indispensable acabar de una vez; era preciso libertar al mundo de semejante monstruo...

Y mientras subía lentamente la colina, su risa maldita me perseguía, resonante siempre, siempre...

*

Me precio de hacer las cosas bien, y cuando resolví matar a Claverhouse estaba dispuesto a hacerlo en forma tal y con tal habilidad, que el recuerdo de mi acción no pudiera avergonzarme nunca. Declaro que aborrezco la torpeza y que siempre me inspiró antipatía la violencia y la fuerza bruta. Matar a un hombre a puñetazos, por ejemplo, tiene todos los caracteres del vandalismo, y me repugna hasta pensar en ello; de modo que la idea de disparar un tiro, clavar un puñal o asestar un golpe ni siquiera entró en mis cálculos; además, no sólo era cuestión de hacerlo bien, científicamente: quedaba por resolver la indispensable forma de evitar que pudieran recaer sospechas sobre mí.

Pensé mucho en ello, y por fin, tras una semana de trabajo mental, encontré lo que buscaba, y me dispuse a poner en obra mi pensamiento.

Empecé por comprar una perra de aguas de cinco meses, y me dediqué en cuerpo y alma a inculcarle la educación necesaria. Si alguien me hubiera observado con atención, pronto se hubiera dado cuenta de que sólo la adiestraba en devolverme las cosas que yo arrojaba lejos de mí.

La perra, a la que di el nombre de Belona, me traía los palos que le tiraba al agua, y no solamente me los traía, sino que lo efectuaba en seguida, sin vacilar, morderlos ni jugar con ellos. Le enseñé a correr detrás de mí con un objeto en la boca, hasta alcanzarme, y como se trataba de un animal listo y despierto, pronto tuve el gusto de ver que mis lecciones fueron bien aprovechadas.

En la primera ocasión favorable regalé el animal a mi enemigo, y al hacerlo, como se comprenderá, llevaba mi idea, pues de antiguo conocía su flaqueza y su hábito inveterado de infringir cierta ley de pesca.

-No -me dijo cuando le puse la traílla en la mano-, no, esto no es en serio, ¿verdad? -y se reía, con su risa ridícula, que le retozaba por toda la cara mofletuda y reluciente-. Yo... yo... pensaba... Vamos, creía, creía que... no le era a usted muy simpático -continuó el imbécil-. ¿Verdad que tiene gracia que haya vivido equivocado, eh?

Y reía, reía hasta desternillarse. ¡Canalla!

-¿Cómo se llama? -me preguntó.

-Belona.

-¿Belona? ¡Ja, ja! ¡Qué nombre más raro!

Rechinando los dientes, que su estúpida alegría me ponía de punta, le contesté:

-Belona era la esposa de Marte.

-¡Ah, ya comprendo, comprendo! Sí, claro, Marte se llamaba mi perro. Bueno, pues... ¡se ha quedado viuda esta Belona!

Ya estaba bien lejos de la cuesta, y todavía llegaban a mí sus carcajadas.

Pasó la semana, y el sábado le dije:

-Se marcha usted el lunes, ¿no?

-Sí -respondió, sin dejar de sonreír.

-Entonces, no podrá meter mano a las truchas antes de irse...

-No sé... no sé -me replicó, sin reparar en el tono agrio de mi pregunta-. De todas maneras, mañana pienso probar... ¡Ja, ja!...

Su respuesta me tranquilizó, y me marché a casa satisfecho.

Al día siguiente, muy temprano, lo vi salir con saco y red, acompañado de Belona, y como tenía la certeza del sitio adonde se dirigían, tomé un atajo y pronto llegué a la cima de la montaña, que bordeé ocultándome, hasta avistar el valle en el cual el riachuelo formaba una pequeña cascada y más allá una laguna límpida y tranquila que reposaba entre las breñas.

Era el sitio, y sentándome en el suelo entre la maleza, desde donde dominaría el espectáculo, encendí mi pipa y esperé tranquilo el desenlace.

Bien pronto, Claverhouse apareció vadeando la corriente del riachuelo, seguido de Belona, que correteaba a su alrededor. Ambos, hombre y animal, llegaban contentos, y los ladridos cortos y vibrantes del uno se confundían con los gritos guturales del otro. Ya junto al remanso, vi que Claverhouse arrojaba la red y el morral al suelo y sacaba del bolsillo algo parecido a una vela gorda y grande. Yo sabía lo que era: un cartucho de los gigantes, pues en eso consistía su sistema para pescar truchas: atontarlas o matarlas con dinamita. Le puso la mecha, envolvió el cartucho en un pedazo de tela, le prendió fuego y lo tiró con fuerza al charco.

Como un relámpago, Belona se precipitó tras él, mientras yo hubiera gritado, de puro gozo, al verlo. En vano Claverhouse llamaba a la perra a gritos; en vano la tiroteaba con piedras y ramas: el animal nadaba rápidamente, y al poco tuvo el cartucho en la boca se dirigió con él hacia la orilla. Entonces, por primera vez, pareció darse cuenta del peligro a que estaba expuesto, y echó a correr por entre la maleza. Mis planes se realizaban a la perfección; la perra, al llegar a la orilla, emprendió sin vacilar su persecución, tal y como yo le había enseñado a hacer conmigo.

¡Oh! El espectáculo era grandioso, y bien merecía el trabajo que me costó prepararlo.

Como ya he dicho, el pequeño remanso formaba el fondo de una especie de anfiteatro natural, y el arroyo tenía pasaderas de piedra a la entrada y a la salida. Claverhouse, seguido de Belona, corría dando vueltas y más vueltas de un lado a otro; ambos, pasando y repasando la corriente, como dos bolas dentro de un plato, persiguiéndose, en un divertido e interesante juego. Nunca hubiera creído que un hombre de su aspecto poseyese tal ligereza, pues Claverhouse corría con una velocidad asombrosa, mientras la perra lo seguía de cerca, ganando terreno a cada paso, a punto de alcanzarlo... Y en el momento en que se tocaban, él a toda carrera, ella con el hocico casi junto a su rodilla, se produjo la explosión: un relámpago, una nube de humo blanquecino y una detonación formidable que retumbó en la montaña... Donde habían estado el hombre y el perro no quedaba sino una hondonada en el suelo de la planicie...

*

El juez calificó el suceso de “muerte accidental en la circunstancia de hallarse pescando por medios prohibidos”.

He aquí por qué me precio de la forma delicada y artística que empleé para acabar con Juan Claverhouse. No hubo brutalidad, no hubo torpeza; nada de qué tener que avergonzarme, convendrán ustedes conmigo.

Y ya su risa infernal no repercute sus ecos entre mis queridas montañas ni me irrita la aparición de su estúpida cara de luna.

Mis días transcurren plácidos y por las noches duermo tranquilamente como un niño...

FIN

Fonte :Noticuento.Biblioteca Digital Ciudad Seva

Roteiro de cinema

BRUNA TIUSSU – O Estado de S.Paulo

“Gostaria de fazer um filme aqui? Vamos pagar por isso.” O convite-patrocínio, sem papas na língua, foi suficiente para que, lá em 2005, Woody Allen transformasse a família originalmente nova-iorquina de sua história em uma típica inglesa, e assim rumasse a Londres para gravar Match Point, seu primeiro longa rodado na Europa. Os rechonchudos incentivos em libras levaram os belos cenários londrinos às telonas em outras três de suas produções. E a mágica receita se espalhou pelo continente. Com a mesma artimanha de ganhá-lo pelo bolso, também entraram no foco das câmeras do cineasta as belezas de Barcelona, Paris e, agora, Roma, onde se passa sua última comédia lançada sexta-feira nos cinemas brasileiros.

Para Roma com Amor começa com uma sequência de cartões-postais clichês, como Allen já mostrou que gosta de fazer: a Piazza del Popolo, o trânsito caótico característico da cidade, a Piazza di Spagna e a Fontana di Trevi. Composto por quatro histórias e um elenco com estrelas como Roberto Benigni, Penélope Cruz, Alec Baldwin e o próprio Woody Allen, segue explorando mais da sempre ensolarada Roma turística, presente em todo e qualquer guia de viagem.

A trama, porém, também abre espaço para a atmosfera descolada de bairros pouco conhecidos da capital, como San Angelo e Garbatella, que ganham cenas em suas ruelas pitorescas e cafés (leia na página ao lado). O suficiente para despertar a curiosidade do espectador e futuro viajante.

A comédia vem para afirmar mais uma vez que a incursão pelo Velho Mundo é uma maratona de inegável sucesso para ambos os lados. Em sete anos de viagens pela Europa, Allen abocanhou US$ 17 milhões em incentivos fiscais e produziu sete longas – voltou à sua Nova York apenas para filmar a comédia Tudo Pode Dar Certo, lançada em 2010, digamos que um período sabático em meio à temporada europeia. É um dos poucos capazes de manter tal ritmo de produção, com liberdade total para conceber suas ideias.

Em contrapartida, a capital italiana e os outros destinos que lhe serviram de set ganharam mais que o importuno movimento causado pelas gravações – durante as filmagens de Vicky Cristina Barcelona, não era raro ver a população enfurecida com as regalias concedidas ao diretor. Com ruas, monumentos, paisagens e sotaques exibidos nas telonas do mundo todo, saíram no lucro com uma incalculável visibilidade turística. Roteiros inteiros enquadrados e selados com a assinatura do gênio nova-iorquino. Que viajante não quer testá-los in loco?

Seguindo passos. Basta conferir na internet o número de referências de buscas pela ‘escadaria de Meia-noite em Paris’. Depois que Gil (Owen Wilson), protagonista da trama de Allen, pegou carona com Scott e Zelda Fitzgerald diante dos degraus da Igreja de Saint Etienne, no 5.º arrondissement, o lugar se tornou parada obrigatória de quem está de passagem pela Cidade Luz – sobretudo à meia-noite, quando os mais crentes vão tentar a sorte de encontrar o tal carro que os levará para a Paris dos anos 1920.

Um crescente interesse por Oviedo e Avilés, cidades das Astúrias, na Espanha, também pode ser percebido depois que Vicky Cristina Barcelona alcançou os cinemas. Viajantes não resistiram às panorâmicas exibidas pelo longa e trataram de incluir os vilarejos em seus roteiros pelo país.

Com Roma, não será diferente. O empurrãozinho de Allen, a favor de seus clichês ou de novas regiões da cidade, virá a calhar em época de crise europeia. E a corrida para próximo candidato à destino cenográfico do diretor já começou. Este ano, ele gravará em São Francisco e Nova York – e, ao que parece, Berlim, Rio de Janeiro e Buenos Aires estão no páreo para ser a sede do roteiro seguinte. Falta saber quem vai abrir a carteira e ganhar o coração do disputado cineasta.



‘Match Point’, o princípio de tudo
Match Point não só iniciou a experiência europeia de Woody Allen como usou bem a vertente aristocrática e sofisticada da cidade como personagem de um jogo de poder e sedução. A história da relação explosiva entre a aspirante a atriz Nola Rice (Scarlett Johansson) e o professor de tênis Chris Wilton (Jonathan Rhys Meyers) começa quando ele passa a dar aulas do esporte ao namorado dela, Tom Hewett (Matthew Goode).

O diretor não fugiu de seu estilo ao filmar em lugares que podem ser visitados na vida real. O elegante Queens Club (queensclub.co.uk) é o ponto de partida para que Chris conheça a irmã de Tom, Chloe (Emily Mortimer), com quem se casa de olho na fortuna da família. As quadras são só para sócios, mas você pode assistir a um dos torneios.

A relação de Chris e Nola se estreita durante uma ópera na Royal Opera House (www.roh.org.uk). Se você não pertence à aristocracia como os personagens, pode tentar comprar tíquetes quatro horas antes do espetáculo pela metade do preço.

Outra passagem curiosa é o jantar do quarteto amoroso na Brasserie Max, restaurante localizado no hobby do luxuoso Covent Garden Hotel (firmdalehotels.com). E repare bem na cena em que Chris joga provas que o incriminam no Rio Tâmisa, no final da Hopton Street, debaixo da Blackfriars Bridge: você verá um grafite do famoso Banksy. / F.M.

Elegantes cafés na capital do chá

ANA , GASSTON – O Estado de S.Paulo

No século 17, antes do chá virar mania nacional na Inglaterra, o café era a bebida mais popular. Nas coffee houses espalhadas pelo centro de Londres, comerciantes e banqueiros se reuniam para tratar de negócios. A primeira da cidade, Pasqua Rosee’s, surgiu em 1652, mas foi destruída no Grande Incêndio e substituída pela Jamaica Coffee House que, hoje, é um bar chamado Jamaica Wine House, em Cornhill, na London City.

Atualmente, café está de novo na moda, para a felicidade dos brasileiros que não passam um dia sem. Nos últimos anos, fantásticas lojas independentes surgiram vendendo o próprio café fabricado com grãos importados de vários países, inclusive do Brasil.

Uma de minhas lojas favoritas é a Monmouth Coffee (monmouthcoffee.co.uk), com três endereços: Covent Garden, Bermondsey e London Bridge. A última, ao lado do Borough Market, é a mais concorrida: quando o mercado está aberto, a fila dobra a esquina. Para comprar um pacote de café, basta pedir instruções para os atendentes no balcão. Ainda no mercado, encontra-se o carrinho do Flat Cap, cujo dono brasileiro fez tanto sucesso que abriu duas lojas, uma delas a elegante Notes Music & Coffee (notesmusiccoffee.com), perto da Trafalgar Square.

Já no Broadway Market, o café do vietnamita Ca Phe VN (caphevn.co.uk) é um dos mais populares. Além de café com leite condensado, quente ou gelado, em sua loja, em Clerkenwell Road, há o caríssimo Weasel coffee, feito com grãos digeridos por doninhas.

Na mesma rua, o moderno Workshop Coffee (workshopcoffee.com) tem um bar no centro e, no fundo, uma máquina onde o café é torrado. Além de café, servem outras bebidas e pratos durante o dia e a noite.

Na movimentada Berwick Street, em Soho, está o Flat White (flatwhitecafe.com), cujo nome foi derivado da bebida trazida para o país pelos donos australianos e que agora faz parte do menu de vários cafés da cidade. Trata-se de um latte mais cremoso com uma dose extra de café.

Perto dali, o pub The Old Coffee Shop, pequeno e escuro, já vendeu muito café e, hoje, serve cervejas independentes fabricadas em Londres, a bebida que nunca saiu da moda.

*É jornalista, paulistana e vive em Londres há 10 anos



Vicky Cristina Barcelona
Woody Allen tomou o cuidado de incluir o nome dos três personagens principais no título: Vicky Cristina Barcelona. Assim como no aclamado Meia-noite em Paris, no filme de 2008 – que rendeu um Oscar de melhor atriz coadjuvante a Penelope Cruz pelo papel da intempestiva Maria Elena – a cidade representa mais que uma mera locação.

É como se o espectador acompanhasse Vicky (Rebecca Hall) e Cristina (Scarlet Johansson) em sua viagem de férias pela capital catalã. Ele desembarca com elas na primeira cena, no aeroporto, e as acompanha pelo city tour que é a película.

Primeira parada, Sagrada Família (sagradafamilia.cat), onde os guindastes fazem tão parte do cenário quanto as torres da catedral projetada por Gaudí (1852-1926)- em construção há mais de 130 anos. Gaudí, aliás, é a razão pela qual Vicky, que está de casamento marcado, escolhe Barcelona. Apaixonada pelo trabalho do artista, ela quer reunir material para seu mestrado em identidade catalã. Sem compromisso amoroso ou emprego fixo, Cristina acompanha a amiga.

O city tour segue por La Pedrera (lapedrera.com), outra maravilha de Gaudí erguida de 1906 a 1912. Depois, vão à galeria de arte onde veem pela primeira vez o sedutor pintor Juan Antonio (Javier Bardem). O local em questão é a Fundação Antoni Tàpies (fundaciotapies.org), cujo objetivo é promover a conexão das artes.

A essa altura, a fome já deve bater – que tal jantar no 4Gats (4gats.com), como fazia Picasso? Vicky e Cristina foram para lá e encontraram outro pintor: Juan Antonio, claro. Que propõe uma viagem a Oviedo, a cerca de 900 quilômetros dali. Mas que em um jatinho particular vira uma escapada de fim de semana.

Apesar de deixar claro suas intenções (comer, beber e fazer sexo), Juan Antonio diz querer ir a Oviedo para ver uma escultura que gosta muito – a imagem de Cristo crucificado da igreja San Julián de los Prados, patrimônio da Unesco erguido entre os anos 812 e 842. De lá, saem para comer doces na Camilo de Blas (camilodeblas.com), em funcionamento desde 1914.

De volta a Barcelona, Vicky se concentra em seu mestrado para esquecer a tórrida noite com Juan Antonio. Cristina, que havia ficado doente em Oviedo, sai para fotografar o Bairro Gótico. Afinal, não faltam pontos atraentes por ali.

Quando ela e o pintor engatam um romance, Vicky encontra Juan Antonio no Parque Guell (parkguell.es), outra obra de Gaudí. E é aí que ocorre o improvável: os dois conversam demoradamente em frente à icônica salamandra. Normalmente, a fila para tirar foto ali desafia a paciência.

Depois que o noivo de Vicky chega a Barcelona, eles combinam um passeio com Cristina e Juan Antonio no Parque de Tibidabo (www.tibidabo.cat), de onde se vê toda a capital catalã. O verão favorece as cenas externas – e Woody Allen não economiza nas panorâmicas. Como quando Judy e Vicky conversam na saída do Museu Nacional d’Art da Catalunha (mnac.cat). No verão, das 21 às 23 horas, a fonte abaixo do museu ganha música e iluminação especial.

O filme está quase acabando. Ainda há tempo para ver as Ramblas, cafés com mesa na calçada… A atmosfera de Barcelona está toda ali. E, quando sobem os créditos, é como se você também desse adeus à cidade. /ADRIANA MOREIRA



Meia-noite em Paris
O Rio Sena e seus indefectíveis bateaux mouches. Champs-Elysées e Arco do Triunfo. Moulin Rouge, Notre Dame, cafés e bistrôs, e, claro, a Torre Eiffel. Meia-noite em Paris (2011) começa com um passeio pelos cartões-postais da cidade, com chuva e sol, de noite e de dia, sem apresentar nenhum personagem. Ou melhor, apresentando, sim, seu principal personagem: Paris.

A capital francesa, afinal, é o objeto de desejo de Gil (Owen Wilson), escritor americano que sonha em conhecer a Paris nos anos 20. Para ele, andar pela metrópole é inspirador – especialmente na chuva, quando, afirma, a cidade fica ainda mais linda. “Eu me vejo caminhando pela margem esquerda do Sena com uma baguete debaixo do braço, indo para o Café de Flore (cafedeflore.fr) para escrever meu livro”, diz.

E é numa dessas caminhadas que, sem querer, vai parar em frente aos degraus da Igreja de Saint Etienne. Quando os sinos tocam meia-noite, um carro antigo o leva até a Paris dos anos 20, onde conhece Ernest Hemingway, Scott e Zelda Fitzgerald, Picasso e outros gênios da efervescente cultura da época.

A trama se desenrola enquanto são apresentados pontos turísticos. Gil e a noiva, Inez (Rachel McAdams) são convidados por um amigo (o pedante Paul, interpretado por Michael Sheen) a conhecer Versalhes. Paul discorre sobre a história do palácio, encantando Inez e entediando Gil. Em outra ocasião, o grupo se reúne em frente à estátua O Pensador, no Musée Rodin (musee-rodin.fr). Alguns pontos são facilmente reconhecíveis, mesmo por quem nunca pisou em Paris. Outros não são nada óbvios, como o restaurante Relais&Châteaux Le Grand Véfour (legrand-vefour.com), onde Gil e Inez jantam com os pais dela – e encontram Paul.

Quando o grupo vai a uma degustação de vinhos, está no alto do refinado Hotel Le Meurice (lemeurice.com), em frente aos Jardins das Tulherias – um dos lugares favoritos de Woody Allen na cidade, segundo ele contou ao Estado no lançamento do filme. O diretor, assim como Gil, adora caminhar pelas ruas da capital francesa. “A Champs-Elysées é ótima, mas está sempre cheia de turistas. Gosto dos parques.”

Gil e Inez estão hospedados no Le Bristol (lebristolparis.com), um cinco-estrelas aclamado. Allen, contudo, tem como hotel favorito em suas visitas à cidade o Ritz (hoje, fechado para restauração até 2014). E é bem ali, pela Place Vendôme, que Inez e sua mãe caminham, admirando na vitrine um anel de diamantes. A região, afinal, concentra as lojas mais sofisticadas, como Tiffany’s e Dior.

Gil, contudo, prefere o mercado de pulgas de Saint-Ouen, onde compra um disco de Cole Porter (1891-1964) e, mais tarde, brincos para Adriana, uma das musas de Picasso por quem o escritor americano se encanta.

Mesmo pontos retratados no passado durante o filme podem ser visitados no presente. Como o Polidor (polidor.com), onde Gil encontra Hemingway (Corey Stoll) pela primeira vez . De fato, o restaurante, aberto em 1845, era frequentado pelo escritor, assim como por Victor Hugo e outras personalidades. No filme, Gil tenta retornar ao local, que deu lugar a uma lavanderia. Mas não se preocupe: é só licença poética. O Polidor segue no mesmo lugar.

Quando Gil e Adriana voltam a 1890, jantam no Maxim’s (maxims-de-paris.com). Depois, assistem a um espetáculo de cancã no Moulin Rouge (moulinrouge.fr). Tudo funcionando até hoje.

O filme, enfim, é um passeio interminável por Paris. E você nem precisa voltar no tempo para conhecer os lugares onde Gil esteve. Pena mesmo é não poder encontrar os gênios do passado… /ADRIANA MOREIRA



Para Roma com amor
Ao som dos versos de Volare, de Domenico Modugno, cobrindo cenas da Piazza del Popolo, Woody Allen dá início ao filme Para Roma com Amor, sua homenagem à cidade e à tradição cinematográfica da Itália. Para retratar o modo de vida romano, se utilizou de quatro histórias desconexas. “É um lugar muito vasto para caber em um único enredo. Uma cidade artística, que acontece a céu aberto”, explicou no lançamento do filme.

Marcando o retorno do diretor à frente das câmeras – sua última atuação foi em Scoop, há seis anos – Woody vive Jerry, um aposentado produtor musical americano que foi a Roma conhecer seu genro. Turistando pela cidade, sua filha Hayley (Alison Pill) cai de amores pelo mais provável galã italiano, que lhe acompanha em ícones clássicos como Piazza di Spagna e Fontana di Trevi, deslumbrante em cena, sem o aglomerado que a cerca diariamente. Coisa de cinema.

Recém-chegada do interior, a italianinha Milly (Alessandra Mastronardi) é peça-chave da segunda trama. Ela se perde pela capital e acaba percorrendo, em uma ensolarada e sempre alegre Roma, outros pontos que compõem os tradicionais passeios turísticos (turismoroma.it). Caminha pela praça Campo dei Fiori, famosa pelo mercado gastronômico, com barracas de ingredientes típicos (funciona todos os dias, exceto aos domingos). Passa pelo Largo di Argentina, onde estão as ruínas do Teatro Pompeu. E ainda se depara com a pequena Piazza Mattei, decorada com uma fonte construída em 1584.

Áreas menos conhecidas entram em cena com o personagem mais colorido do filme, o italiano Leopoldo (Roberto Benigni), protagonista da terceira história. Tendo de lidar com uma fama repentina, foge dos paparazzi e apresenta ao espectador ruelas, casas baixas e a atmosfera popular de Garbatella e Rione Monte. Bairros que, na vida real, exalam história e convidam a circular sem roteiro, reparando em suas fachadas medievais. O primeiro vale ser visitado ao entardecer para conferir o jogo de luzes e sombras no arco do Palazzo Borgia, coberto por trepadeiras.

Os americanos Monica (Ellen Page) e Jack (Jesse Eisenberg) compõem o quarto núcleo ao lado de John (Alec Baldwin). Do jovem casal, vale ressaltar uma cena de dar inveja aos convictos viajantes: eles exploram as nostálgicas ruínas del Palatino, sob chuva e à noite, quando o local já está fechado para visitas.

Já o arquiteto John está apenas visitando a cidade e relembrando a época em que viveu no simpático bairro de Trastevere. Apesar de Woody Allen ter deixado de fora importantes monumentos dali – como a Basílica Santa Maria, com seus impressionantes mosaicos dourados, e a Colina de Gianicolo, que oferece uma panorâmica espetacular da cidade -, as estreitas ruas de paralelepípedos, com casas medievais caracterizadas pelo amarelo descascado das paredes são fundamentais para compor o retrato de Roma.

De antigo reduto de trabalhadores e artesãos, onde o turismo não tinha vez, se converteu na atual região da moda, destino de quem busca diversão à noite, em descolados bares e casas noturnas que circundam a praça.

Com este mosaico de personagens que vivem cenas de romance, aventura e humor em cenários ora familiar, ora surpreendente, Woody Allen mostra toda sua maestria. E entrega uma tentativa bem-sucedida de representar no cinema as variadas situações que compõem, cotidianamente, a sempre atraente Cidade Eterna. / BRUNA TIUSSU

Entre uma cena e outra, a hora de ‘mangiare’

Woody Allen fez sua parte escolhendo cenários que fogem do centro tradicional para compor o seu Para Roma com Amor. Cabe a nós ajudá-lo, portanto, com sugestões gastronômicas localizadas em tais bairros, essenciais para que seu roteiro de férias fique redondinho.

Endereços saborosos ocupam as ruelas históricas de Trastevere. Aberto em 1860, o Piperno (ristorantepiperno.com) oferece massas tipicamente italianas – invista nelas. Mas somente depois de provar as flores de abobrinha fritas, um dos destaques da casa. Se estiver por lá durante o verão, abuse da sorte e tente uma mesa no terraço.

Se quiser algo mais informal, tente o Caffe del Cinque, (Vicolo del Cinque 5), bar no cruzamento de cinco ruas. Vale em qualquer hora do dia: café da manhã, aperitivos à tarde e até um drinque à noite.

Para matar a sede em Garbatella, circule perto do histórico Teatro Palladium (romaeuropa.net/palladium), onde encontrará o Foschi, bar que é principal ponto de encontro na região. Se o caso for matar a fome, o italianíssimo Ristoro degli Angeli (ristorodegliangeli.it) está a poucos passos.

Ao visitar Rione Monte, vá com disposição para provar vinhos. Ali fica a concorrida adega Ai Tre Scalini (aitrescalini.org/bottiglieria), aberta desde 1895. Se não conseguir mesa, siga para o Charity Café (charitycafe.it) e prove um aperitivo ao som de uma banda de jazz. /B.T.

Elegia

ELEGY

TO HIS MISTRESS GOING TO BED.

John Donne, 1616

COME, madam, come, all rest my powers defy ;
Until I labour, I in labour lie.
The foe ofttimes, having the foe in sight,
Is tired with standing, though he never fight.
Off with that girdle, like heaven’s zone glittering,
But a far fairer world encompassing.
Unpin that spangled breast-plate, which you wear,
That th’ eyes of busy fools may be stopp’d there.
Unlace yourself, for that harmonious chime
Tells me from you that now it is bed-time.
Off with that happy busk, which I envy,
That still can be, and still can stand so nigh.
Your gown going off such beauteous state reveals,
As when from flowery meads th’ hill’s shadow steals.
Off with your wiry coronet, and show
The hairy diadems which on you do grow.
Off with your hose and shoes ; then softly tread
In this love’s hallow’d temple, this soft bed.
In such white robes heaven’s angels used to be
Revealed to men ; thou, angel, bring’st with thee
A heaven-like Mahomet’s paradise ; and though
Ill spirits walk in white, we easily know
By this these angels from an evil sprite ;
Those set our hairs, but these our flesh upright.
Licence my roving hands, and let them go
Before, behind, between, above, below.
O, my America, my Newfoundland,
My kingdom, safest when with one man mann’d,
My mine of precious stones, my empery ;
How am I blest in thus discovering thee !
To enter in these bonds, is to be free ;
Then, where my hand is set, my soul shall be.
Full nakedness ! All joys are due to thee ;
As souls unbodied, bodies unclothed must be
To taste whole joys. Gems which you women use
Are like Atlanta’s ball cast in men’s views ;
That, when a fool’s eye lighteth on a gem,
His earthly soul might court that, not them.
Like pictures, or like books’ gay coverings made
For laymen, are all women thus array’d.
Themselves are only mystic books, which we
—Whom their imputed grace will dignify—
Must see reveal’d. Then, since that I may know,
As liberally as to thy midwife show
Thyself ; cast all, yea, this white linen hence ;
There is no penance due to innocence :
To teach thee, I am naked first ; why then,
What needst thou have more covering than a man?

(John Donne)

_____________________________

ELEGIA: INDO PARA O LEITO

Vem, Dama, vem, que eu desafio a paz;
Até que eu lute, em luta o corpo jaz.
Como o inimigo diante do inimigo,
Canso-me de esperar se nunca brigo.
Solta esse cinto sideral que vela,
Céu cintilante, uma área ainda mais bela.
Desata esse corpete constelado,
Feito para deter o olhar ousado.
Entrega-te ao torpor que se derrama
De ti a mim, dizendo: hora da cama.
Tira o espartilho, quero descoberto
O que ele guarda, quieto, tão de perto.
O corpo que de tuas saias sai
É um campo em flor quando a sombra se esvai.
Arranca essa grinalda armada e deixa
Que cresça o diadema da madeixa.
Tira os sapatos e entra sem receio
Nesse templo de amor que é o nosso leito.
Os anjos mostram-se num branco véu
Aos homens. Tu, meu anjo, és como o céu
De Maomé. E se no branco têm contigo
Semelhança os espíritos, distingo:
O que o meu anjo branco põe não é
O cabelo mas sim a carne em pé.
Deixa que a minha mão errante adentre
Atrás, na frente, em cima, em baixo, entre.
Minha América! Minha terra à vista,
Reino de paz, se um homem só a conquista,
Minha mina preciosa, meu Império,
Feliz de quem penetre o teu mistério!
Liberto-me ficando teu escravo;
Onde cai minha mão, meu selo gravo.
Nudez total! Todo o prazer provém
De um corpo (como a alma sem corpo) sem
Vestes. As jóias que a mulher ostenta
São como as bolas de ouro de Atalanta:
O olho do tolo que uma gema inflama
Ilude-se com ela e perde a dama.
Como encadernação vistosa, feita
Para iletrados, a mulher se enfeita;
Mas ela é um livro místico e somente
A alguns (a que tal graça se consente)
É dado lê-la. Eu sou um que sabe;
Como se diante da parteira, abre-
Te: atira, sim, o linho branco fora,
Nem penitência nem decência agora.
Para ensinar-te eu me desnudo antes:
A coberta de um homem te é bastante.

(Tradução: Augusto de Campos)

É preciso estar sempre embriagado

Il faut être toujours ivre

Charles Baudelaire

“Il faut être toujours ivre. Tout est là: c’est l’unique question. Pour ne pas sentir l’horrible fardeau du Temps qui brise vos épaules et vous penche vers la terre, il faut vous enivrer sans trêve.
Mais de quoi? De vin, de poésie ou de vertu, à votre guise. Mais enivrez-vous. Et si quelquefois, sur les marches d’un palais, sur l’herbe verte d’un fossé, dans la solitude morne de votre chambre, vous vous réveillez, l’ivresse déjà diminuée ou disparue, demandez au vent, à la vague, à l’étoile, à l’oiseau, à l’horloge, à tout ce qui fuit, à tout ce qui gémit, à tout ce qui roule, à tout ce qui chante, à tout ce qui parle, demandez quelle heure il est et le vent, la vague, l’étoile, l’oiseau, l’horloge, vous répondront: “Il est l’heure de s’enivrer! Pour n’être pas les esclaves martyrisés du Temps, enivrez-vous; enivrez-vous sans cesse! De vin, de poésie ou de vertu, à votre guise.”

É preciso estar sempre embriagado

Charles Baudelaire

“É preciso estar sempre embriagado. Eis aí tudo: é a única questão. Para não sentirdes o horrível fardo do Tempo que rompe os vossos ombros e vos inclina para o chão, é preciso embriagar-vos sem trégua.
Mas de quê? De vinho, de poesia ou de virtude, à vossa maneira. Mas embriagai-vos.
E se, alguma vez, nos degraus de um palácio, sobre a grama verde de um precipício, na solidão morna do vosso quarto, vós acordardes, a embriaguez já diminuída ou desaparecida, perguntai ao vento, à onda, à estrela, ao pássaro, ao relógio, a tudo que foge, a tudo que geme, a tudo que anda, a tudo que canta, a tudo que fala, perguntai que horas são; e o vento, a onda, a estrela, o pássaro, o relógio, responder-vos-ão: ‘É hora de embriagar-vos! Para não serdes os escravos martirizados do Tempo, embriagai-vos: embriagai-vos sem cessar! De vinho, de poesia ou de virtude, à vossa maneira’.”

Humphrey Boggart traduzindo Baudelaire
“A humanidade está sempre três doses atrasada.”
(Humphrey Boggart)

Alors, “Il faut être toujours ivre”… (Baudelaire)

O corpo e a alma precisam estar bêbados para enfrentar o mundo, seja do que for: virtude, alguma droga legalizada ou não, whisky ou poesia (ou literatura erótica, para os mais arrojados e sexuais ou acelerados). Caso contrário, pedimos água, ops, vinho, ops, whisky.
Embriaguêmo-nos. Amém.

o pornógrafo alusivo

cli-
vagens voraginosas
o olho-verga do fotógrafo

ver de vergasta contra vergonhas
involucradas consigo mesmas
(maestrinas masturbatórias)
mais saradas do que saradinhas (como
consta na carta de caminha)

pornografemas ronronar e gozo
e logo o malogro do gozo
senos tronchados (octavio
paz dixit)
contra-plongè
o ômega da boca
num delinear de felatio

racimos de velos
arabesco em velossístole de
medusa ruiva mas
o inopinado pente que revem
é mais embaixo

dor cheia de dedos ardil
priápicoapetitoso
tamborilar linguodental

carnação em pasta polpa de nata
(o pescoço de alabastro de leda
enquanto zeus doloso
pescoço grosso de cisne-signo a empala)
bestialógico de musas pálidas
capitosas

poeiras sobre a estante.

Todas as noites ele voltava par a aquele mesmo quarto de pensão para reencontrar os móveis velhos e os livros gastos,os jornais carcomidos por notícias de novas notícias velhas as quais se repetiam nos telejornais -no estuário da ilusão.
Deitava-se na prisão de seus sonhos sem luzes,sua cama de colchão mofado e travesseiro babado de salivas de um idioma de sonhos em pedaços ,exalando o enfado de seus fados oníricos sem poesias só a ilusão do pó de seus dias.
Levantava-se sempre com o coração soterrado por correntes de aço ,as quais não mais sentia acostumara-se a elas ,ao peso do barulho ao caminhar ,ao caminhar molhava a testa enrugada com a água salgada de sua existência ;não clamava pela fragorosa flagrância da derrota dos exércitos de pano diante do fogo de ideais de incêndio ,os quais na batalha dos dias de juventude duraram tantos minutos de poeira soprados com o mau-hálito da escória da memória ,que escorria pegajosa no olho da janela ,tão opaca que a menina morena de seus olhos ,cega não vira o sol que lhe sorria e beijava-lhe com uma piscadela para vê-la uma vez mais dançar.

Wilson Roberto Nogueira