quarta-feira, 2 de janeiro de 2019


A luta de classes imaginaria travada pelos ideólogos ocorre entre “socialismo” X “fascismo”. Ela gera artigos, discursos e frases de efeito, mas não enche a barriga de ninguém. A luta de classes real e que interessa as pessoas comuns se dá entre dois modelos de capitalismo e os variados matizes dentro de cada um deles: um, pro-mercado e sustentado por uma ideologia punitivista que combate o identitarismo e o politicamente correto. Representantes desse modelo acabaram de chegar ao poder através do voto legitimo da maioria do eleitorado. Nos próximos anos, saberemos os resultados das politicas publicas que sustentam este modelo e que forca social se oporá a ele. Espero que não seja apenas um reedição do neopopulismo identitário lulista, e que emerja algo mais avançado no bojo dos debates que ocorrerão daqui por diante. Se ha algo que o bolsonarismo nos ensina eh que o eleitorado já se cansou de mais do mesmo e busca novas alternativas politicas. Espero que os cientistas sociais e políticos tenham imaginação para formula-las caso queiram desalojar Bolsonaro e sua equipe do poder nos próximos anos.

Sérgio Braga

A FESTA



Os comentaristas da posse têm a mesma “ingenuidade” que destruiu o centro político no País : ignoram que a divisão entre Bolsonaro e os “vermelhos” ( expressão estúpida e simplista ) não é só uma quebra de protocolo, mas tem raízes históricas , cicatrizes e conflitos inconciliáveis.
O novo presidente representa a tortura, da qual foi vítima boa parte da oposição, o autoritarismo , 21 anos de Ditadura, a corrupção institucionalizada impossível de ser revelada pela censura à imprensa, impunidade para os carrascos , exploração máxima das classes populares, exclusão e miséria.
A “prosperidade” que promete evoca o tempo em que “a economia ía bem e o povo passava fome” do “milagre brasileiro”.
A ausência da oposição de esquerda na posse é tratada nos comentários como quebra das regras democráticas e uma ameaça â união nacional. Ilusão de falsos liberais e candura de jornalistas do imediato.
O que disse o capitão de gravata no Congresso e no púlpito da entrega da faixa presidencial não foi mera retórica de campanha nem uma contradição com o seu “espírito conciliador”. Foi a expressão do que ele simboliza, representa e encarna : o histórico autoritarismo brasileiro, que vem desde o positivismo estampado na bandeira como Ordem e Progresso.
Tosco, violento e hipocritamente referindo-se às Leis, à Constituição e à Democracia, o que exala é o cheiro de um Estado policialesco impondo à bala o ajuste fiscal do Paulo Guedes e seu experimento econômico ultra-liberal de capitalismo selvagem.
Há contradições nisso tudo, a começar pelo amigo do Queiroz falar em duro combate à corrupção. A política externa medieval que se delineia é outro paradoxo num mundo de interdependência.
O que não há é a conciliação nacional pedida pelos comentaristas políticos e econômicos , pois essa pretensa união é que não passa de ficção. A realidade subjacente é o peso das botas e metralhadoras, mesmo em sua versão soft.

Reinaldo Lobo

Reinauguração




                     Entre o gasto dezembro e o florido janeiro,
                     entre a desmitificação e a expectativa,
                     tornamos a acreditar, a ser bons meninos,
                     e como bons meninos reclamamos
                     a graça dos presentes coloridos.
                     Nossa idade — velho ou moço —
                                          [pouco importa.
                     Importa é nos sentirmos vivos
                     e alvoroçados mais uma vez, e revestidos
                                          [de beleza, a exata beleza
                                          que vem dos gestos espontâneos
                     e do profundo instinto de subsistir
                     enquanto as coisas em redor se derretem
                                          [e somem
                     como nuvens errantes no universo estável.
                     Prosseguimos. Reinauguramos. Abrimos
                                          [olhos gulosos
                     a um sol diferente que nos acorda para os
                     descobrimentos.
                     Esta é a magia do tempo.
                     Esta é a colheita particular
                     que se exprime no cálido abraço
                                          [e no beijo comungante,
                     no acreditar na vida e na doação de vivê-la
                     em perpétua procura e perpétua criação.
                     E já não somos apenas finitos e sós.
                     Somos uma fraternidade, um território,
                                          [um país
                     que começa outra vez no canto do galo
                                          [de 1º de janeiro
                     e desenvolve na luz o seu frágil projeto
                                          [de felicidade.

Carlos Drummond de Andrade