sexta-feira, 30 de abril de 2010

A moeda

Não há legislação para a música como não há legislação para a doença. A natureza é ilegal e bruta e nós não somos natureza enquanto estamos vivos e ricos, com o corpo esquecido. Mas quando somos velhos somos natureza e quando estamos doentes somos natureza, e quando morremos somos ainda natureza.



E não ter dinheiro é isso: é ser mais natureza, estar mais dependente da falta de legislação que há na música e nos bichos: as coisas escuras amedrontam, tornam-te cobarde, escondes os teus filhos atrás do teu corpo, mas sabes que a bala virá por trás.



Dizem que Lúcifer caiu durante nove dias, mas tal viagem não amedronta ninguém. Não foi uma queda, foi um passeio. Porque nove dias são nove dias, por isso o diabo caiu tão bem, com a roupa direita, engravatado, sem uma dorzinha. Percorre as ruas e parece aos outros o corpo de quem subiu até aqui, e não de quem desceu tanto: nove dias, dizem, foram os dias que demorou Lúcifer a cair.



A maldade não se distingue; como as meninas gémeas que vão para o colégio de mãos dadas, com a vestimenta azul, igual. A maldade não tem uma marca na testa como as vacas que têm doenças e foram marcadas na testa pelo dono.

- Esta é para ser morta, não é para ser vendida.

A doença tem marcas, a pobreza tem marcas, mas a maldade não tem marcas. Os feios têm marcas.



Um vagabundo pedia esmola num semáforo. Passou de um carro para outro, depois para outro. Um deles abriu o vidro da sua porta só uns centímetros e deixou cair uma moeda valiosa ao chão, depois arrancou porque o semáforo estava verde. O pedinte baixou-se para apanhar a moeda e veio um carro que só viu o semáforo verde e atropelou-o. Apanhou-o em cheio, partiu-lhe os ossos da anca.

Já numa maca, em cima do passeio, o dedo esticado do vagabundo não era compreendido por ninguém porque ele não conseguia falar.

- Alguém conhece este homem? Sabem se já não falava antes?

Ele apontava para a moeda no meio da estrada, mas ninguém percebia. E foi levado.



( A química não estuda aquilo que muda na matéria quando a matéria é o nosso corpo e alguém o abraça no momento exacto.)



Três meses depois, quando saiu do hospital, ele coxeava e não falava. Ninguém sabe se foi do acidente ou se antes já ele era mudo e com olhos de louco, porque ninguém o conhecia. (Ninguém podia confirmar se ele já era louco antes. Mas agora era louco.) Nesse mesmo dia ele foi ao sítio do acidente e no meio da estrada perigosa ainda estava a moeda. Meteu-a no bolso. um carro aproximou-se e ele correu para o passeio. Ficou em segurança e acariciou a moeda com os dedos.

Do carro, que novamente quase o atropelara, uma mulher chamou-lhe maluco. Mas ele, o louco, estava contente.

Conto de Gonçalo M.Tavares, incluído no livro "água, cão, cavalo, cabeça", Ed. Caminho

Outro desastre

Uma vez senti algo semelhante. Tinha que pagar a um oculista. Levava o cheque já preenchido. Cheguei ao sítio e disseram-me: Morreu ontem, num desastre de carro. Tinha o cheque em nome dele, e agora estava morto. O primeiro pensamento foi: se eu tenho um cheque para lhe pagar, ele não pode estar morto. O segundo pensamento, passado uns segundos, foi: como é que a tua cabeça foi capaz de ter aquele 2º pensamento? O quarto foi: toda a gente pensa todas as hipóteses numa situação, mesmo as hipóteses mais nojentas.



Mas o senhor tinha um pai ainda vivo, e eu rasguei o cheque antigo e escrevi o nome do pai no cheque - era quase o mesmo, só mudava a primeira palavra. Estávamos os dois num restaurante de comidas rápidas, de pé. E o pai do meu oculista, que morrera num desastre de automóvel dois dias antes, estava vestido de preto e estava triste, falava pouco, e tinha os olhos baixos. Mas recebeu o cheque.


Conto de Gonçalo M. Tavares, incluído no livro " água, cão, cavalo, cabeça ", Ed.Caminho

Os vivos

Claro, a raiva domestica-se como os cães. Mas, certas vezes, alguém cede e atira uma bala a dois metros na cara do outro, em pleno café.

Uma tese; esta.

«Um homem só pode actuar porque pode ignorar, e contentar-se com uma parte do conhecimento.» (E sobre o conhecimento escreve que é o capricho particular do homem: ultrapassa o necessário.)



Tens dois metros para saltar e saltas quatro, mas esses dois a mais nada contam senão para o orgulho: não recebes mais pontos nem menos doenças: foi exibida uma habilidade, e é tudo.



As oportunidades de suícidio perdem-se como as moedas. Mas se fazem muito barulho a cair no chão, voltas atrás, baixas o corpo e recuperas essa moeda: guarda-a bem, um dia poderás ter que a utilizar.



A mesma moeda que não sai da posse da mesma pessoa. É imaginar um acaso destes, quinze anos com a mesma moeda: foi um acaso, nada de intencional.



Atirou-se da ponte. Parou o carro. Andou uns metros sobre a ponte. E depois atirou-se. No funeral, mulheres choravam e homens que choravam sem esconder a cara: nada assusta mais que uma coisa vertical e séria que chora, aceitação de tudo: eu aceito, ele aceita, todos aceitam.



E, claro, a ponte: o suicídio. É que por vezes é a raiva que domestica o corpo. Nem sempre os vivos são fortes como alguns vivos são fortes.


Conto de Gonçalo M.Tavares, incluído no livro " água, cão,cavalo, cabeça ", Ed. Caminho
« Son poco más de 500 y siguen tácticas de guerrilla urbana en un tablero muy proclive al juego del ratón y el gato, la intrincada topografía del centro de la ciudad de Atenas. Los protagonistas de la violencia que desde hace una semana sacude Grecia pertenecen a grupos anarquistas, antisistema y autogestionarios, depositarios en parte de una larga tradición de resistencia juvenil, pero también herederos lejanos del grupo guerrillero Lucha Popular Revolucionaria (ELA, en sus siglas en griego), desarticulado a finales de los noventa del pasado siglo y responsable de la colocación de 200 artefactos explosivos y de dos asesinatos políticos entre 1975 y 1995.» El País Online, 15/12/2008
Etiquetas: Dealema, Música


A lição grega

«¿Cuál es el telón de fondo que ha propiciado este estallido de violencia? En primer lugar, y antes que nada, la existencia de una clase política totalmente distanciada del ciudadano. El Gobierno -pasivo, hermético- ha generado un clientelismo que no ha hecho sino agrandar la fractura social entre élites y clase dirigente y el pueblo, en el que hay que incluir a una gran clase media y a la pequeña burguesía. Ha sido, además, un Gobierno de corrupciones y escándalos económicos continuos, como el que se conoció hace poco entre un miembro del Gobierno y su familia y el monasterio de Vatopedi, en el intocable Agion Oros -Monte Athos-, que ha producido secuelas importantes en la omnipresente Iglesia ortodoxa griega, inmensa fuente de votos del partido en el Gobierno. En el otro lado lo que existe es una oposición endeble y posibilista, poco ambiciosa, cansada y desconfiada, con una izquierda comunista dividida internamente, en particular en estos días en que las distintas facciones se han acusado mutuamente de provocar las manipulaciones violentas de los encapuchados (los koukouloforoi), que han dirigido las acciones destructoras. Una clase política, en definitiva, descreída e incapaz de salvaguardar el orden público mediante el buen funcionamiento de las instituciones del Estado.





En segundo lugar, unas reformas educativas polémicas, en las que no han participado ni han sido aceptadas por maestros, padres y alumnos. Lo que existe en Grecia es un sistema universitario público inamovible e incapaz de garantizar ni el más mínimo acceso profesional a sus egresados, enfrentado a la enseñanza privada -que ahora se pretende formalmente autorizar pero que lleva ya tiempo muy presente en la sociedad griega, sobre todo la relacionada con Estados Unidos-. Unos estudiantes masificados en una universidad pública con aún menos medios que la nuestra, y en la que también se eternizan los jóvenes sin futuro alguno, obligados a permanecer en la casa paterna por la carestía de la vida y de la vivienda hasta ser treintañeros, cuando podrán pasar a una vida profesional precaria (ni siquiera como mileuristas, en todo caso como ochocientoseuristas).»Blanca Vilà, El País Online, 16/12/2008

Soldados Lusos na Primeira Guerra (1917 )

" Não era daqueles que mal chegavam a todo aquele caos de violência ficavam impacientes por se lançarem ao barulho, daqueles que não regulavam muito bem ou eram muito agressivos por natureza e a quem bastava a mais pequena oportunidade para ficarem loucos violentos. Havia um tipo na sua unidade, um indivíduo a quem chamavam Calmeirão, que um ou dois dias depois de chegar abrira o ventre de uma mulher grávida. Farley só começara a tornar-se bom naquilo no fim da sua primeira vez. Mas na segunda, naquela unidade onde havia uma quantidade de outros tipos que também tinham voltado e não o haviam feito apenas para matar tempo ou ganhar umas massas extra, naquela segunda vez na companhia de tipos sempre ansiosos para serem postos na frente, tipos chalados que tinham consciência do horror mas sabiam que era o melhor momento das suas vidas, tornou-se também chalado, igual a eles. Debaixo de fogo, a fugir do perigo, com armas a disparar por todos os lados, é impossível não sentir medo, mas um tipo pode passar-se e ficar eufórico e temerário, e por isso, na segunda vez, ele passou-se. Na segunda vez apoderou-se dele o frenesi da fúria e espalhou o caos e a destruição. Estar ali à beira do abismo, a todo o gás, ébrio de excitação e medo: não há na vida civil nada que se possa comparar a isso. "


Excerto de " A Mancha humana ", de Philip Roth, Trd. Fernanda Pinto Rodrigues

" Uma multidão de soldados alinhados transforma-se em mancha; um erva preta com capacete por cima; uma erva com a cabeça dilatada, mas estúpida, como caíste no erro de querer defender o abstracto?

Uma prostituta despiu-se à frente do soldado mantendo as meias pretas.

- Tens cancro?

A prostituta encontra-se nua, nua em frente de um soldado que ainda não desapertou sequer um botão, um soldado que tem uma arma e força; e tem dinheiro e ela não, e tem o poder de ainda permanecer vestido, de não parecer ridículo, porque a prostituta é ridícula, não é bonita nem feia, é ridícula, meias pretas de sedutora, a anca para fora à sedutora, mas é ridícula, gorda em sítios ridículos, posições exageradas.

E foi ela que perguntou:

- Tens cancro?

O soldado não tem cabelo, mas tem uma arma. Quando tirou o capacete mostrou que não tinha cabelo, e quando retirou a arma do cinto mostrou que tinha arma.

- Pareces doente com essa careca."

Excerto de " As ervas daninhas ", de Gonçalo M.Tavares
"...ninguém conhece a dor de ninguém, os maus pensamentos de ninguém, e na azamboada cabeça do criminoso atropelam-se as orgulhosas desculpas, os tímidos e nervosos argumentos, é fácil transformar um homem normal e pachorrento num criminoso, basta colocar-lhe uma arma na mão e convencê-lo de que Deus está com ele e ele com os serenos desígnios de Deus, os crimes desenham-se com muita nitidez na cabeça do criminoso, o mau é o testemunho do cauteloso espião de Deus,..."






Excerto de " Madeira de Buxo ", de Camilo José Cela, Trd. Luís Filipe Sarmento

A menopausa

Fui chamado com urgência a casa dos veneráveis senhores de Ordeaz. A Menina Rosalía, a mais robusta e alta daquela casa, uma jovem com ar de comandante em vias de promoção, encontrava-se em pleno delírio de alegria, a dançar diante dos espelhos... E logo ela, que era tão formal!

Fui dar com ela, de facto, envergando um roupão solto e uma simples combinação, rindo à gargalhada, sentada num baloiço. Uma autêntica cena de pátio andaluz em dia de Verão, cuja origem só poderia residir nalgum acontecimento muitíssimo agradável.

- Estará louca? - perguntaram-me os pais, consternados. - Os médicos que a viram disseram que endoideceu de todo e que vai ser preciso interná-la...

- Nada disso - respondi-lhes eu -; os senhores devem é associar-se ao acontecimento que ela hoje festeja...

Coitada! Está hoje a despedir-se da vida passada, hoje que a sua vida genésica acabou... A natureza celebra a sua última festa, aquilo a que em Medicina se chama menopausa... Tragam doçarias, pastéis e umas garrafas de xerez...

É preciso embebedá-la e fazer que depois durma o longo e restaurador sono dos bêbados.



Capítulo de " O médico inverosímil ", de Ramón Gómez de la Serna, Trd. Júlio Henriques, Ed. Antígona

Em 33 rotações

" O disco chega ao fim. A agulha ergue-se e o braço regressa ao seu suporte. O empregado do bar aproxima-se do gira-discos para mudar o 33 rotações. Levanta com todo o cuidado o LP de vinil e guarda-o dentro da respectiva capa. Depois tira outro, examina a superfície à luz e coloca-o em cima do prato. Carrega no botão e a agulha desce sobre o disco. Ouve-se um leve arranhar, após o que «Sophisticated Lady» de Duke Ellington começa a tocar. Ouve-se um solo calmo de Harry Carney no clarinete baixo. O barman move-se com todo o vagar, fazendo com que o tempo no bar se escoe a um ritmo muito próprio.

Mari pergunta ao homem:

- Só põe a tocar discos de vinil?

- Não gosto de CD - responde ele.

- Porquê?

- São demasiado brilhantes.

Kaoru mete a sua colherada.

- Por acaso é algum corvo ou quê?

- Com o vinil, a chatice é ter de estar sempre a mudar o disco - diz Mari.

O barman ri-se.

- Repare, estamos a meio da noite. Não há comboios até de manhã. Qual é a pressa?

Excerto de " After Dark/Os passageiros da Noite ", de Haruki Murakami, Trd. Maria João Lourenço, Ed. Casa das Letras

A seita dos trinta

O manuscrito original pode ser consultado na Biblioteca de Leiden; está em latim mas helenismos vários justificam a conjectura de o terem traduzido do grego. Segundo Leisegang, data do século quarto da era cristã. De passagem Gibbon menciona-o numa das notas do capítulo décimo quinto do seu "Decline and Fall". Reza o autor anónimo:



...« A Seita nunca foi numerosa e já são raros os seus prosélitos. Dizimados pelo ferro e pelo fogo, dormem na berma dos caminhos ou nas ruínas que a guerra perdoou, já que vedado lhes é construir habitações. Costumam andar do conhecimento geral; proponho-me agora sua doutrina e s seus hábitos. Discuti com os mestres da Seita, demoradamente, e não consegui convertê-los à Fé do Senhor.



«Atraiu logo a minha atenção a diversidade dos pareceres que têm sobre os mortos. Julgam os mas incultos que os espíritos de quem deixou esta vida se encarregam de os enterrar; outros, que à letra se não agarram, que a repreensão de Jesus: Deixa que os mortos enterrem os seus mortos condena a vaidade pomposa dos nossos ritos fúnebres.



«O conselho de vender o que temos, e dá-lo aos pobres, é rigorosamente acatado por todos; os primeiros beneficiados dão-no a outros, e estes a outros. Assim ficam suficientemente explicadas a inteligência e a nudez que os avizinha, também, do estado paradisíaco. Repetem com fervor estas palavras: Olhai os corvos, que não semeiam nem ceifam; que não têm celeiro nem guarda de celeiro, e Deus alimenta-os. Quanto mais valiosos não sois do que as aves? O texto prescreve a poupança: Se Deus veste a erva que existe hoje no campo, e amanhã é lançada ao forno, quanto mais vós, homens de pouca fé? Não procureis o que comer, o que beber; nem viveis em ansiosa perplexidade.



«O preceito: Quem olha uma mulher, para cobiçá-la, já com ela praticou o adultério no seu coração é um iniludível conselho de pureza. Muitos sectários, porém, afirmam que não existe homem debaixo dos céus isento desse olhar de cobiça deitado a uma mulher, e já todos praticámos, portanto, o adultério.



Como o desejo não é menos culposo do que o acto, podem os justos praticar sem risco o exercício da mais desbragada luxúria.



«A Seita evita as igrejas; os seus doutores pregam ao ar livre, de cima de um outeiro ou de um muro, às vezes de um barco em terra.



«O nome da Seita suscitou bem acesas conjecturas. Pretende uma delas que traduz o número a que os fiéis se reduziram, coisa irrisória mas profética pois a Seita, dada a perversa doutrina que perfilha, está predestinada a morrer. Outra fá-lo derivar da altura da arca, que era de trinta côvados;outra, falseando a astronomia, do número de noites que é a soma de cada mês lunar; outra do baptismo do Salvador; outra dos anos de Adão quando surgiu do pó vermelho. Todas são igualmente falsas. E não menos mentiroso é o catálogo de trinta divindades ou tronos, um deles Abraxas representando com cabeça de galo, braços e torso de homem, com um remate de serpente enroscada.



«Sei a Verdade mas não posso discorrer sobre a Verdade. O inapreciável dom de transmiti-la não me foi concedido. Que outros, mais felizes do que eu, salvem os sectários pela palavra. Pela palavra ou pelo fogo. Mais vale sermos executados do que matar-nos. Por isso vou limitar-me à exposição desta abominável heresia.



«O Verbo fez-se carne para ser homem entre os homens que iriam entregá-lo à cruz, e ser por Ele redimidos. Nasceu do ventre de uma mulher do povo eleito, não só para pregar o amor como sofrer o martírio.



«Era preciso que as coisas fossem inesquecíveis. A morte de um ser humano pelo ferro ou pela cicuta não bastava para ferir a imaginação dos homens até ao fim dos dias.



O Senhor preparou os factos de uma forma patética. Assim se explicam a última ceia, as palavras de Jesus que pressagiam a entrega, o repetido sinal a um dos discípulos, a benção do pão e do vinho, o suor parecido com sangue, as espadas, o beijo que atraiçoa, o Piltos que lava as mãos, a flagelação, o escárnio, os espinhos, a púrpura e o ceptro de caniço, o vinagre com fel, a Cruz no alto de uma colina, a promessa ao bom ladrão, a terra que treme e as trevas.



«A misericórdia divina, à qual tantas graças devo, permitiu-me descobrir a razão autêntica e secreta do nome da Seita. Em Kerioth, onde é verosímil que ela tenha nascido, perdura um conventículo alcunhado dos Trinta Dinheiros. Foi este o primitivo nome, que nos dá a chave. Na tragédia da Cruz - com a devida reverência o escrevo - houve actores voluntários e involuntários, todos imprescindíveis, todos fatais. Foram involuntários os sacerdotes que entregaram os dinheiros de prata, involuntária foi a plebe que escolheu Barrabás, involuntário o procurador da Judeia, involuntários foram os romanos que levantaram a Cruz do Seu martírio e pregaram os cravos e jogaram aos dados. Voluntários só dois: o Redentor e Judas. Este rejeitou as trinta moedas, que eram preço da salvação das almas, e a seguir enforcou-se. Na altura tinha trinta e três anos como o Filho do Homem. A Seita venera-os por igual e absolve os outros.



«Não existe só um culpado; convicto ou não, ninguém há que não seja executor do plano que a Sabedoria traçou. Agora todos partilham a glória.



«A minha mão não resiste a escrever outra coisa abominável. Ao cumprir a idade assinalada, deixam os iniciados que escarneçam deles e os crucifiquem no alto de um monte para seguirem o exemplo dos seus mestres.



Esta criminosa violação do quinto mandamento deve ser reprimida com o rigor sempre exigido pelas leis humanas e divinas. Que as maldições do Firmamento, que o ódio dos anjos»...



Não se encontra o fim do manuscrito.


Conto de Jorge Luís Borges, incluído no livro "O Livro de Areia", Trd. Aníbal Fernandes, Ed. Livro B, Editorial Estampa
" - Quando conversar com um proletário, serei vermelho. Agora estou à conversa consigo e digo-lhe: a minha sociedade inspira-se naquela que no princípio do século nono organizou um bandido chamado Abdla-Aben-Maimum. Naturalmente, sem o aspecto industrial que eu confiro à minha e que será forçosamente uma garantia do seu sucesso. Maimum quis fundir os livres pensadores, aristrocatas e crentes de duas raças tão distintas como a persa e a árabe, numa seita na qual implantou diversos graus de iniciação e mistérios. Mentiam descaradamente a toda a gente. Aos judeus prometiam a chegada do Messias, aos cristãos a de Paracleto, aos muçulmanos a de Madhi... foi de tal modo que uma turba de gente com as mais distintas opiniões, situação social e crença, rabalhava em prol de uma obra cujo verdadeiro fim era conhecido por muito poucos. Desta forma Maimum esperava chegar a dominar por completo o povo muçulmano. Escuso de acrescentar que os directores do movimento eram uns cínicos estupendos, que não acreditavam absolutamente em nada. Nós vamos imitá-los. Seremos bolcheviques, católicos, fascistas, ateus, militaristas, em diversos graus de iniciação."



Excerto de " Os sete loucos", de Roberto Arlt, Trd. Rui Lagartinho e Sofia Castro Henriques, Ed. Cavalo de Ferro,2003
A tragédia de Mayerling na história das moscas*

" Voltando às moscas... Imaginemo-las em plena cópula. Seguramos o mata-moscas, estudamos o melhor ângulo para o balanço. Balançamos. As duas moscas caem no chão, coladas uma à outra. Arremetemos outra vez e elas, sempre coladas, escapam-se antes de o mata-moscas aterrar. O mata-moscas estonteou-as, mas elas resistem, sempre coladas uma à outra: saltam, estebucham, voltam a saltar, porém cada vez mais baixo, mais rente ao chão, asas translúcidas e trementes, estropiadas mas ainda sôfregas, sempre lúbricas até ao derradeiro alento. Mesmo no estertor da agonia, as moscas optam pela paixão da morte conjunta. A tragédia de Mayerling na história das moscas."





* Excerto de " As Contadoras de Histórias", Fernanda Botelho, Biblioteca Prestígio,2001
A consoada

" Sentados à grande mesa, todos riem e galhofam, mas eis que chega o esperado e fiel amigo. Faz-se então o silêncio das grandes ocasiões. Nem palavra, porque a coisa impõe respeito. Enchem-se os pratos desta delícia e é uma refeição inteira, que para ser a preceito apenas se completa com os doces tradicionais desse dia e as frutas secas que também é de uso petiscar - os figos, as passas de uva, as pêras e as ameixas, a noz, a avelã, a amêndoa e o pinhão -, e que, depois do honesto vinho de mesa, fazem boca para os mais apaladados e espirituosos néctares, que no Alto Douro são de se lhe tirar o chapéu. Nisto degenerou a parca ceia de magro, da originária consoada, e temos em boa razão de convir que degenerou bem, evoluiu num mais lato e farto sentido das coisas, quer pela graça sentimental, quer no verdadeiro conteúdo. Dá aprazimento e conforto. Pelo tempo frio come-se melhor. Bênçãos devemos aos céus, quando generosamente as coisas, assim a nosso contento se transformam. E é este o caso."



Excerto de " A consoada ", incluído no " Roteiro Sentimental Douro" de Manuel Mendes, escrito entre 1961/1963 e publicado em 1964 e 1967, reeditado em 2002 pela Afrontamento
Aqui não há inocentes

" - Ai de quem me diga que alguém é inocente. Tudo menos isso. Porque aqui não há inocentes. Ninguém está aqui por acaso. Quem atravessou o portão deste Pátio não é inocente. Fez qualquer coisa de mal, mesmo que tenha sido em sonhos. Ou pelo menos, a sua mãe, quando o paria, pensou em qualquer coisa de mal. Cada um, claro, diz que não é culpado, mas, em todos estes anos que aqui passei ainda não conheci um só caso que tivesse sido para cá trazido sem mais nem menos e sem culpa nenhuma. Quem aqui entra, culpado é ou, no mínimo, passou perto de um culpado. Ffiii! Foram muitos os que soltei, por ordem alheia ou à minha responsabilidade. Mas eram todos culpados. Aqui não há inocentes. Mas há culpados, aos milhares, que não estão aqui e que jamais para cá virão parar, porque se todos os culpados acabassem aqui, este pátio teria de se estender de mar a mar. Eu conheço os homens, são todos culpados, só que nem todos estão destinados a comerem o pão aqui."



Excerto de " O pátio maldito ", de Ivo Andric, Trd. Lucia e Dejan Stankovic,Ed. Cavalo de Ferro,200
Os beijos cheios de paixão

" Os beijos cheios de paixão, diferentes de todos os que recebera, fizeram-lhe esquecer, de repente, que ele amava, talvez, outra mulher. Pouco depois, aos seus olhos já não era culpado. O cessar da dor pungente, vinda da suspeita, a presença de uma felicidade que ela nem sequer nunca sonhara deram-lhe exaltações de amor e de alegria louca. Aquela noite foi encantadora para todos, menos para o presidente de Verrières, que não podia esquecer os seus industriais enriquecidos. Julião não pensava já na sua negra ambição, nem nos seus projectos tão difíceis de executar. Pela primeira vez na sua vida era arrastado pelo poder da beleza. Partido num sonho vago e doce, tão estranho ao seu carácter, apertando devagarinho aquela mão que lhe agradava como uma beleza perfeita, escutava o movimento das folhas de tília, agitadas pela leve brisa da noite, e os cães do moleiro do Doubs, que ladravam ao longe. Mas esta emoção era um prazer e não uma paixão. Ao entrar no seu quarto pensou apenas numa felicidade: a de voltar a pegar no seu livro favorito; aos vinte anos a ideia do mundo e do efeito a produzir nele sobrepõe-se a tudo. "



Excerto de " O vermelho e o negro ", de Sthendal, Trd. Maria Manuel e Branquinho da Fonseca, Ed. RBA Editores,1994

Notas sobre a politica e o Estado em Maquiavel *

O primeiro capítulo do Príncipe contém o quadro conceitual principal de toda a obra. O Príncipe é como a condensação dos Discorsi [os Comentários à Primeira Década de Tito Lívio], os Discorsi são um comentário do Príncipe; a ênfase do Príncipe incide nas "monarquias", nos Discorsi, sobre as "repúblicas", mas a monarquia e a república estão presentes nas duas obras. Para Maquiavel é decisivo que ele tenha achado uma nova palavra para designar ambas. Essa palavra é Estado.



O Estado: pouco importa de onde vem a palavra – ela designa o que é estável, sua fazenda (Burkhardt) – concebido como um "novo sistema" (capítulo 26) que deve ser "introduzido". Mas, por outro lado, é algo que já existe.



O que é o Estado? Os franceses não compreendiam o "Estado", do contrário jamais teriam permitido á Igreja tornar-se tão poderosa (capítulo 3). Em primeiro lugar, pois: o Estado contra a Igreja.



Isso significa duas coisas: a ascensão do secular contra o cristianismo e a ascensão da nação contra as ingerências internacionais. (O grande pecado da Igreja foi permitir que os estrangeiros se instalassem na Itália. A Itália dividida entre Milão, Nápoles. Veneza, Florença e os estados pontifícios).



Significa também: a ascensão do "homem novo" – os condottieri que sabem como bem fundar um Estado e dar às coisas a sua "grandeza" (capítulo 26). Esse homem será o fundador de algo novo. Em conseqüência, aparece o conceito de fundação. Ele libertará o seu país; portanto, aparece o conceito de liberdade.



A ação desse homem novo, que funda uma nova organização, um corpo político, deve seguir certas normas que são igualmente "novas": uma nova moralidade, mas não uma razão de Estado. Não é o Estado, uma instituição, que raciocina, mas os homens. É a necessidade, e não a razão, que "constrange" os estados a "numerosas coisas a que a razão não nos impele" (Discorsi, I, 6). Mas a razão não é a necessidade, e a necessidade não é razoável. Se a necessidade está do seu lado, ela pode impor-lhe a razão ou a não-razão. Que a necessidade talvez pudesse ser ela própria razoável, racional, é uma idéia alheia a Maquiavel.



A primeira frase: "Todos os estados, todos os domínios, que tiveram poder sobre os homens eram ou são seja repúblicas seja principados". As repúblicas e as monarquias são estados. Elas são meras formas de governo, e os governos podem ir e vir, o que deveria permanecer é o Estado. Com esse termos ele não designa a administração ou a maquinaria estatal. Por exemplo: a Rússia é tanto o Estado czarista quanto a Rússia bolchevista. Esse "governo" que permanece não é governo, mas o território e o povo, representado pelo Estado. Enquanto existir o povo sobre o território, a Itália, o Estado – o Estado-nação – existe.



Dois tipo de monarquia: hereditária, como a dos reis e dos imperadores; aqueles que reinam também sobre territórios que herdaram mas nos quais não nasceram. Ou então recente – são os condottieri, pessoas que surgem durante períodos turbulentos e se tornam dirigentes. E pode-se esperar dos condottieri, as quais só Maquiavel presta atenção, que eles fundem um novo sistema, pois eles são "homens novos". Eles adquiriram essas monarquias pela força das armas ou pela fortuna e pela virtú.



Temos aqui todos os conceitos. Desde logo temos o Estado, a nova organização que Maquiavel queria ver fundada. Temos as principais formas de governo, as repúblicas e as monarquias, às quais devemos juntar a aristocracia (Veneza), mas elas não são muito interessantes para Maquiavel. Pensa ele que, seja qual for a forma de governo que o Estado assuma, o principal é que dure. Ou ainda: ainda que os governos possam mudar, o Estado deve durar; ele pode passar de uma forma a outra. O Estado só é destruído quando o país é dividido, vale dizer, quando há muitos governos no mesmo país, quando o mesmo povo vive sob diferentes tipos de regras, ou quando um estrangeiro penetra no país. O conceito de estrangeiro é muito novo. Ele significa que não são idênticos todos os cristãos, que um novo princípio de distinção entre os homens se introduz, um princípio que não é religioso mas secular: onde vocês nasceram, que língua falam, quais as suas lembranças históricas? Maquiavel tinha razão: o Estado nacional podia desenvolver-se sob a forma da monarquia e da república. Maquiavel contempla ambas, não do ponto de vista do desenvolvimento histórico mas como igualmente possíveis. Em conseqüência, sua discussão das formas de governo, embora muito importante na sua obra, não nos ocupará. Ela é secundária em relação ao seu principal tema: o Estado. Discutiremos as formas de governo em Montesquieu, quem, sob muitos aspectos, lembra Maquiavel.



Isso nos deixa com os seguintes conceitos:



O Estado;

a ascensão de homens novos capazes de fundar – a fundação;

virtú e fortuna como as forças maiores encerradas nesta última;

a grandeza como critério último.



O Estado: o Estado é um termo para o secular, contra a Igreja e o cristianismo. Entre os numerosos estrangeiros a Igreja é a mais perigosa, não somente porque sempre apela aos estrangeiros para manter seu poder temporal mas porque enquanto poder temporal, e somente como tal, ela atravessa as fronteiras. Se a Igreja se restringisse à religião isso não seria problema.



A religião como crença cristã é antipolítica. E é somente pela comparação das duas – a religião e a política – que podemos compreender o que Maquiavel entendia por ser político, por viver numa esfera política. Maquiavel não é um ateu moderno, que não crê em Deus. Ele quer por em risco sua alma e enfrentar a danação eterna pelo seu país (ver Kant a propósito do orgulho: desprezo pelos que são bons porque esperam ser re compensados no céu). Talvez haja egoísmo naqueles que vivem por sua própria salvação ao invés de redimir seu país. Aqueles que não amam o mundo mas amam sua própria alma são maus para o mundo: a maldade do mundo e a bondade das almas puras. (Este argumento está sempre presente na fórmula "os que não querem sujar as mãos para permanecer limpos", que se ouve em todas as revoluções). Mas essas pessoas [os cristãos] permanecem fora da esfera pública e não pronunciam exortação nessa esfera, então há um certo respeito. (Cf. o tratamento de Savonarola).



Há uma razão mais profunda: a Igreja, se fosse aceitável, o que não é o caso, ensinaria os homens como serem bons (se não faz isso a Igreja é o pior de todos os poderes temporais). E os italianos tornaram-se tão maus porque a Igreja não cumpre mais o seu dever. Como ela não sabe ensinar aos homens como serem bons (...) ela os tornou maus. O verdadeiro problema é então o seguinte: que é a bondade? É possível ser ao mesmo tempo bom e agir na esfera política?



O principal conceito da ação política é a glória, que é alcançada pela fortuna e pela virtú: a glória para um povo ou um príncipe ou quem quer que esteja envolvido nos negócios mundanos. A glória brilha – doxa [aparência, louvor], aparece, é vista e se faz ver. O príncipe realiza grandes empresas pela glória eterna e a glória presente. A fama é o prolongamento da glória, é a glória tornada durável. A glória brilha por si mesma graças a todas as grandes ações e empreendimentos. Ela se difunde. O homem aparece e se mostra. Em conseqüência, surge a questão da distinção entre aparecer e ser. Em política: devemos aparecer, ver e ser vistos, ouvir e ser ouvidos, o que mostramos é o que somos e não o inverso. O que somos não é importante, é privado. A glória é o apogeu da aparência e ela só é possível onde outros vêem e onde eu sou visto.



A bondade: em sentido absoluto ela não existe nessa esfera, pois uma boa ação se dissimula. Uma vez conhecida ela não é mais boa mas vaidade, desejo de aparecer como boa. O conceito de bondade é o agathon. Jesus: não dizei que sou bom, só nosso pai que está nos céus é bom. O homem não pode ser bom no sentido de que tão logo parece sê-lo a bondade se vai; a bondade desaparece no processo de sua aparição. O embaraço quando a bondade aparece: o príncipe em O Idiota [de Dostoiévski]. No mundo o homem bom é um idiota, vale dizer, bom no sentido cristão. Idiota no antigo sentido do termo [isolado, só ele].



Maquiavel ensina não a ser bom mas a agir politicamente no mundo das aparências, onde nada conta senão o que aparece. O mundo. Eis alguém que ama verdadeiramente o mundo.



Um outro problema está envolvido nisso, é a questão da imortalidade. A "boa nova" do cristianismo é que a vida, enquanto bios individual, é eterna, que a morte está superada. É a nova mensagem bem sucedida em face do mundo antigo e, com ele, do pessimismo, e essa mensagem se apodera desse mundo. Os antigos acreditavam na eternidade – aei on – da natureza e do universo e na potencial permanência do mundo. Em conseqüência buscava sempre o melhor, vale dizer, o governo mais estável. No seio deste, na polis, na cidade eterna, o homem pode deixar o seu traço e tornar-se eterno, mas o que ele faz são grandes obras. As instituições políticas existem em parte para tornar possível esse athanatidzein [ ser imortal]. Assim, Aquiles troca sua vida breve por proezas que serão lembradas para sempre (ele precisa de Homero). A polis ateniense dispensa Homero. Temos assim, por este lado, as idéias seguintes: os homens são mortais, eles desaparecem e aparecem, o mundo continua se os homens são bons para o mundo, e o cosmos é aei on [permanente]. O cosmos é aei porque não foi criado, ele não tem fim porque não tem começo.



Do lado do cristianismo: o universo é criado, tem um começo, está sujeito a perecer. Mas o homem é criado à imagem de Deus e partilha da sua imortalidade. Mas tudo que criam os homens, que são mortais e criam num mundo mortal, perece. Temos portanto aqui a concepção seguinte: o mundo está condenado à morte, o universo poderia não durar, são eternos Deus e a vida do homem.



A atitude em face da política: os antigos poderiam tornar-se imortais somente ao juntar algo ao mundo, que continua após a morte. Os cristãos, pelo contrário, estão seguros da imortalidade façam o que fizerem, e só devem então escolher a "boa vida" para estarem certos da vida além. Os antigos: a vida como tal, sendo mortal, nada é senão uma oportunidade para tornar-se imortal. Para os cristãos: a vida como tal é imortal, e portanto ela é tudo. A vida e o mundo. Vivemos no mundo: a vida continua após ter-se extinto o mundo; ou o mundo continua após ter-se extinta a vida.



Maquiavel não pergunta jamais: para que serve a política? Isto é muito surpreendente. Ninguém salvo ele põe inteiramente de lado essa questão. A política não tem fim mais elevado do que ela própria. O cristianismo: a política deve ser organizada de tal modo que o homem e sua alma possam estar certos da salvação eterna. Este é o critério último. Platão e Aristóteles pensavam que a política devesse ser organizada de tal modo que a filosofia – o cuidado com as coisas eternas – fosse possível. Ou: a política existe para possibilitar a "boa vida" (Aristóteles), enquanto que as necessidades da mera existência são satisfeitas no âmbito doméstico. Ou mais tarde: a política deve ser instituída para assegurar uma existência pacífica e prevenir a "morte violenta" (Hobbes). Maquiavel menciona numa ocasião a necessidade dos homens de se defenderem e que esse é provavelmente o primeiro motivo para os homens juntarem-se em corpos políticos. Mas isso não lhe interessa. A política não tem fim em si mesma, ela não é um meio. Mas tudo na política regula-se por esta máxima: o fim justifica os meios.











* Extrato de texto para curso de história das teorias políticas pronunciado por Hannah Arendt em 1955 na Universidade de Berkeley, que integra a massa de escritos inéditos da autora. Foi utilizada para a presente publicação a tradução francesa por Marie Gaille-Nikodimov publicada no número 397 (abril de 2001) de Magazine Littéraire. Tradução, título e acréscimos entre colchetes por Gabriel Cohn.









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Nota sobre Maquiavel*











Maurice Merleau-Ponty











Como compreendê-lo? Ele escreve contra os bons sentimentos em política, mas também é contra a violência. Ele tanto desconcerta os que crêem no Direito como na Razão de Estado, pois tem a audácia de falar de virtude no mesmo momento em que fere duramente a moral ordinária. É porque ele descreve esse núcleo da vida coletiva no qual a moral pura pode ser cruel e a política pura exige algo como uma moral. Não se aceitaria um cínico que nega os valores ou um ingênuo que sacrifica a ação. Não se ama esse pensador difícil e sem ídolo.(...)



Mas ele tem isso de original de, tendo posto o princípio da luta, vá além dele sem jamais esquecê-lo. Na própria luta ele encontra coisa diversa do antagonismo. (...) Há um circuito do eu e do outro, uma Comunhão dos Santos negra, o mal que faço o faço a mim, e é contra mim mesmo que luto ao lutar contra o outro. (...) Estamos longe das relações de pura força que existem entre os objetos. Para empregar as palavras de Maquiavel, passamos dos "animais" ao "homem" (P, XVIII).



Mais exatamente, passamos de um modo de combate a outro, do "combate com a força" ao "combate com as leis" (Ibid.). O combate humano é diferente do combate animal, mas é um combate. O poder não é mais força nua, mas tampouco honesta delegação das vontades individuais, como se elas pudessem anular sua diferença. Hereditário ou novo, ele é sempre descrito no Príncipe como contestável e ameaçado. Um dos deveres do príncipe é de resolver as questões antes que se tornem insolúveis pela emoção dos súditos (P, III). Dir-se-ia que se trata de prevenir o despertar dos cidadãos. Não há poder com fundamento absoluto, apenas há uma cristalização da opinião. Ela tolera, ela tem como dado o poder. O problema está em evitar que esse acordo se descomponha, o que pode ocorrer rápido sejam quais forem os meios de coerção, passado um certo ponto de crise. O poder é da ordem do tácito. Os homens abandonam-se ao horizonte do Estado e da lei até quando a injustiça os torne cons cientes do que ambos tem de injustificável. O poder dito legítimo é aquele que consegue evitar o desprezo e o ódio (P, XVI), "O príncipe deve fazer-se temer de tal modo que, se não é amado pelo menos não seja odiado" (P, XVII). (...)



Nem puro fato, nem direito absoluto, o poder não contrange, nem persuade: ele manobra – e manobra-se melhor recorrendo à liberdade do que aterrorizando. (...) O melhor apoio ao poder nem mesmo resulta da ação do prícipe: são os que crêem ter direitos sobre ele ou pelo menos sentem-se em segurança. (...) A violência pura só pode ser episódica. Ela não poderia obter o assentimento produndo que faz o poder, e não a substitui. "Se [o príncipe] se vê na necessidade de punir com a morte, ele deve expor os motivos" (P, XVII). Isso eqüivale a dizer que não há poder absoluto...



(...) O pessimismo de Maquiavel não é pois fechado. Ele indicou mesmo as condições de uma política que não seja injusta: será aquela que satisfaz o povo. Não que o povo saiba tudo, mas porque. se alguém é inocente é ele: "Pode-se sem injustiça satisfazer o povo, não os grandes: estes procuram exercer a tirania, aqueles apenas a querem evitar ... O povo não quer mais do que não ser oprimido" (P, IX).(...)



Maquiavel não diz em lugar nenhum que os súditos sejam enganados. Ele descreve o nascimento de uma vida comum, que ignora as barreiras do amor próprio. Falando aos Medici ele lhes prova que o poder não dispensa o apelo à liberdade. Nesta inversão é talvez o príncipe que é enganado. Se Maquiavel foi republicano é porque descobriu um princípio de comunhão. Ao colocar o conflito e a luta na origem do poder social ele não quis dizer que o acordo fosse impossível, ele queria sublinhar a condição para um poder que não seja uma burla, e que é a participação numa situação comum.



O "imoralismo" de Maquiavel ganha nisso seu verdadeiro sentido. Cita-se sempre suas máximas que remetem a honestidade à vida privada e fazem do interesse do poder a única regra em política. Mas vejamos as razões pelas quais ele retira a política do puro julgamento moral: ele oferece duas. Primeiro que "um homem que queira ser perfeitamente honesto no meio de pessoas desonestas certamente perecerá cedo ou tarde" (P, XV). Fraco argumento, pois poderia igualmente ser aplicado à vida privada, na qual entretanto Maquiavel permanece "moral" A segunda razão leva mais longe: é que, na ação histórica, a bondade é às vezes catastrófica, e a crueldade é menos cruel que a índole bondosa. (...) O que transforma por vezes a doçura em crueldade e a dureza em valor, subvertendo os preceitos da vida privada, é os atos do poder intervêm num certo estado da opinião, que altera o seu sentido; despertam um eco por vezes desmesurado; abrem ou fecham fissuras secretas no bloco do consentimento geral e desencadeiam um processo molecular que pode modificar todo o curso das coisas. Ou ainda: assim como espelhos dispostos em círculo tornam feérica uma diminuta chama, os atos do poder, refletidos na constelação das consciências, se transfiguram, e os reflexos desses reflexos criam uma aparência que é o lugar próprio e em suma a verdade da ação histórica. O poder traz em torno de si um halo, e sua maldição é de não ver a imagem de si mesmo que oferece aos outros ("penso que é preciso ser príncipe para bem conhecer a natureza do povo, e povo para bem conhecer a dos príncipes", escreve Maquiavel na Dedicatória do Príncipe). é portanto uma condição fundamental da política o desenrolar-se na aparência. (...)



Isso não quer dizer que seja necessário ou mesmo preferível enganar, mas que, na distância e no grau de generalidade em que se estabelecem as relações políticas desenha-se um personagem lendário, feito de alguns gestos e algumas palavras, e que os homens honram ou detestam cegamente. O príncipe não é um impostor, como Maquiavel escreve expressamente. (...) É preciso portanto que o príncipe tenha o sentimento desses ecos despertados pelas suas palavras e seus atos ... é preciso que ele permaneça livre em face mesmo das suas virtudes. O príncipe deve ter as qualidade que parece ter, diz Maquiavel, mas, completa ele, "permanecer senhor de si o bastante para exibir seus contrários quando isso é conveniente" (P, XVII). (...) Maquiavel não exige que se governe pelos vícios, a mentira, o terror, o ardil, ele tenta definir uma virtude política, que, para o príncipe, de falar a esses espectadores mudos em torno de si. (...) Essa virtude não está exposta aos contratempos que atingem o político moralisante, pois ela nos instala desde logo na relação com o outro que ele ignora. É ela que Maquiavel toma como signo de valor em política – e não o sucesso, pois ele dá como exemplo César Borgia, que não teve êxito mas tinha virtù, e põe muito atrás dele Francesco Sforza, que teve sucesso, mas pela fortuna. (...)



A incompreensão de Maquiavel advém de que ele une o sentimento mais agudo da contingência ou do irracional no mundo com o gosto da cons ciência ou da liberdade no homem. Considerando essa história na qual há tanta desordem, tanta opressão, tanto de inesperado e de reversão, ele nada vê que a predestine a uma consonância final. Ele evoca a idéia de um acaso fundamental, de uma adversidade que a entregaria aos mais inteligentes e aos mais fortes. E se ele finalmente exorcisa esse mau gênio não é por qualquer princípio transcendente mas por um simples recurso aos dados de nossa condições. Ele descarta no mesmo gesto a esperança e o desespero. (...) O acaso não se manifesta senão quando renunciamos a compreender e a querer. A fortuna "exerce seu poder quando não lhe opomos nenhuma barreira; ela incide sobre os pontos mal defendidos" (P, XXV). Se parece haver um curso inflexível das coisas, é somente no passado; se a fortuna parece às vezes favorável às vezes desfavorável, é porque o homem às vezes compreende o seu tempo e às vezes não, e as mesmas qualidades fazem quer o seu sucesso ou a sua perda, mas não por acaso. (...)



Reprova-se nele a idéia de que a história é uma luta e a política é uma relação com homens mais do que com príncipes. Há contudo algo mais seguro? A história, depois de Maquiavel ainda mais do que antes dele, não mostrou que os princípios não comprometem a nada e que são adaptáveis a todos os fins? (...) Maquiavel tinha razão: é preciso ter valores, mas isto não é suficiente, e é mesmo perigoso ater-se a isso; enquanto não se escolheu aqueles que têm a missão de levá-los à luta histórica não se fez nada. Ora, não é somente no passado que vemos repúblicas recusar a cidadania às suas colônias, matar em nome da liberdade e tomar a ofensiva em nome da lei. Bem entendido, a dura sabedoria de Maquiavel não as repreenderá por isso. A história é uma luta, e se as repúblicas não lutasssem elas desapareceriam. Pelo menos devemos ver que os meios continuam sanguinários, impiedosos, sórdidos. O supremo ardil das Cruzadas é não confessá-lo. Cumpriria romper o círculo.



É evidentemente nesse terreno que uma crítica de Maquiavel é possível e necessária. Ele não estava errado ao insistir no problema do poder. Mas ele contentou-se com evocar em algumas palavras um poder que não seria injusto, sem buscar com a maior energia sua definição. O que o desencoraja é crer que os homens são imutáveis, e que os regimes se sucedem em ciclos (Discorsi, I). Haveria sempre dois tipos de homens, os que vivem e os que fazem a história. (...) Ele é tentado a pensar que não há uma humanidade, mas homens históricos e pacientes – e a por-se do lado dos primeiros. É então que, não tendo mais razão alguma para preferir um "profeta armado" a um outro, ele parte para a aventura: ele deposita esperanças temerárias no filho de Lourenço de Médicis, e os Médicis, seguindo suas próprias regras, o comprometem sem empregá-lo. Republicano, ele desqualifica no prefácio à História de Florença o juizo que os republicanos faziam dos Médicis, e os republicanos, que não lhe perdoam isso, tampouco o empregarão. A conduta de Maquiavel acusa o que faltava à sua política: um fio condutor que lhe permitisse reconhecer, entre os poderes, aquele do qual se poderia esperar algo de valoroso, e elevar decididamente a virtude acima do oportunismo.



(...) Cumpre acrescentar, para ser eqüitativo, que a tarefa era difícil. Para os contemporâneos de Maquiavel o problema político era desde logo de saber se os italianos seriam por muito tempo impedidos de cultivar e de viver pelas incursões da França, ou da Espanha, quando não eram do Papado. Que se poderia querer razoavelmente senão uma nação italiana e soldados para faze-la? Para fazer a humanidade era preciso começar por fazer esse pedaço de vida humana. (...) Não há humanismo sério a não ser esse que busca através do mundo o reconhecimento efetivo do homem pelo homem; ele não poderia então preceder o momento em que a humanidade se provê dos meios de comunicação e de comunhão.



Eles existem hoje e o problema de um humanismo real, posto por Maquiavel, foi retomado por Marx há cem anos. Pode-se dizer que esteja resolvido? Marx precisamente propôs, para fazer uma humanidade, encontrar um outro apoio que aquele, sempre equívoco, dos príncipes. Ele procurou na situação e no movimento vital dos homens mais explorados, mais oprimidos, mais desprovidos de poder, o fundamento de um poder revolucionário, vale dizer capaz de suprimir a exploração e a opressão. Mas evidenciou-se que todo o problema residia em constituir um poder dos sem-poder. (...) A solução somente se poderia encontrar numa relação absolutamente nova do poder aos submetidos. Era necessário inventar formas políticas capazes de controlar o poder sem anulá-lo, precisava-se de chefes capazes de explicar aos submetidos as razões de uma política e de obter deles, se fossem necessários, os sacrifícios que o poder normalmente lhes impõe. Essas formas políticas foram esboçadas, esses chefes apareceram na revolução de 1917, mas, desde a época da Comuna de Cronstadt, o poder revolucionário perdeu o contato com uma fração do proletariado entretanto provada, e, para esconder o conflito, começa a mentir. Ele proclama que o estado-maior dos insurgentes está nas mãos das guardas brancas, do mesmo modo como as tropas de Bonaparte [enviadas para conter a revolta negra em São Domingos] tratam Toussaint-Louverture como agente do estrangeiro. (...) Em todo caso, hoje [1949] que o expediente de Cronstadt tornou-se sistema e que o poder revolucionário tomou decididamente o lugar do proletariado como camada dirigente, com os atributos de potência de uma elite fora de controle, podemos concluir que, cem anos após Marx, o problema de um humanismo real permanece inteiro, e portanto mostrar indulgência para com Maquiavel, que apenas podia entrevê-lo.



(...) Há uma maneira de desqualificar Maquiavel que é maquiavélica, e consiste no ardil piedoso daqueles que dirigem seus olhos e os nossos para o céu dos princípios para desviá-los daquilo que fazem. E há uma maneira de louvar Maquiavel que é todo o contrário do maquiavelismo, pois honra na sua obra uma contribuição à clareza política.


* Maurice Merleau-Ponty. "Note sur Machiavel". in Signes. Paris, Gallimard, 1960, pp. 267-283. Seleção e tradução por Gabriel Cohn.

Lua Nova no.55-56 São Paulo 2002
Nick Cave -" The Ship Song "





Ai que prazer



Não cumprir um dever,



Ter um livro para ler



E não o fazer!



Ler é maçada,



Estudar é nada.



O sol doira



Sem literatura.



O rio corre, bem ou mal,



Sem edição original.



E a brisa, essa,



De tão naturalmente matinal,



Como tem tempo não tem pressa...





Livros são papéis pintados com tinta.



Estudar é uma coisa em que está indistinta



A distinção entre nada e coisa nenhuma.





Quanto é melhor, quanto há bruma,



Esperar por D. Sebastião,



Quer venha ou não!





Grande é a poesia, a bondade e as danças...



Mas o melhor do mundo são as crianças,



Flores, música, o luar, e o sol, que peca



Só quando, em vez de criar, seca





O mais do que isto



É Jesus Cristo,



Que não sabia nada de finanças



Nem consta que tivesse biblioteca...





" Liberdade" de Fernando Pessoa
Os ácaros

" - Estou a sentir-me todo comido - respondeu ele. - Parece uma invasão de sarna, é o diabo de uma comichão que nem arranhada consigo acalmar.

Jacques começara por sentir o corpo metido numa labareda e depois, aos poucos, mal passava o fugaz alívio da pele coçada até ao sangue, uma queimadura mais aguda, um enervamento de desatar aos gritos, uma comichosa dor de enlouquecer!

É dos ácaros - disse a tia Norine a rir.

- Só apareceram ontem. Vê só! - Baixou a cabeça e afastou duas borrefas no pescoço que encaixavam entre elas um grão de milho vermelho enfiado na pele.

- Isto não vale nada, não vale mais do que uma pulga! - continuou o tio. - Hão-de encontrar-se por aí até chover.

Jacques invejou o couro batido daquela gente que não sofria, enquanto lhe dava a ele para ranger dentes e espiolhar carnes.

Diabos levem o campo! - Afastou-se dos ceifeiros. Tinha de tirar a roupa para poder arranhar-se à vontade. A meio caminho do castelo não pôde aguentar mais. Despiu-se atrás de um maciço de árvores, quase a chorar com as dores que sentia. Arrancou bocados de epiderme e não houve coçadela, raspagem, beliscão ou esfregadela que lhe saciasse o corpo. Mal esfolava um lado nasciam noutro comichões intoleráveis que iam ardendo, uma de cada vez, e o absorviam, forçavam a dar unhadas em tudo quanto era sítio e a voltar às bolhas maduras que já sangravam."



Excerto de " O castelo do Homem ancorado ", de J.K.Huysmans, Trd. Aníbal Fernandes, Colecção Livros B, Editorial Estampa, P. 129

Deixarei os jardins a brilhar com seus olhos

Deixarei os jardins a brilhar com seus olhos



detidos: hei-de partir quando as flores chegarem



à sua imagem. Este verão concentrado



em cada espelho. O próprio



movimento o entenebrece. Mas chamejam os lábios



dos animais. Deixarei as constelações panorâmicas destes dias



internos.





Vou morrer assim, arfando



entre o mar fotográfico



e côncavo



e as paredes com as pérolas afundadas. E a lua desencadeia nas grutas



o sangue que se agrava.





Está cheio de candeias, o verão de onde se parte,



ígneo nessa criança



contemplada. Eu abandono estes jardins



ferozes, o génio



que soprou nos estúdios cavados. É a cólera que me leva



aos precipícios de agosto, e a mansidão



traz-me às janelas. São únicas as colinas como o ar



palpitante fechado num espelho. É a estação dos planetas.



Cada dia é um abismo atómico.





E o leite faz-se tenro durante



os eclipses. Bate em mim cada pancada do pedreiro



que talha no calcário a rosa congenital.



A carne, asfixiam-na os astros profundos nos casulos.



O verão é de azulejo.



É em nós que se encurva o nervo do arco



contra a flecha. Deus ataca-me



na candura. Fica, fria,



esta rede de jardins diante dos incêndios. E uma criança



dá a volta à noite, acesa completamente



pelas mãos.

Herberto Helder

Cobra
Poesia Toda
Assírio & Alvim
1979

Roda Viva

Tem dias que a gente se sente



Como quem partiu ou morreu



A gente estancou de repente



Ou foi o mundo então que cresceu...





A gente quer ter voz ativa



No nosso destino mandar



Mas eis que chega a roda viva



E carrega o destino prá lá ...





Roda mundo, roda gigante



Roda moinho, roda pião



O tempo rodou num instante



Nas voltas do meu coração...





A gente vai contra a corrente



Até não poder resistir



Na volta do barco é que sente



O quanto deixou de cumprir





Faz tempo que a gente cultiva



A mais linda roseira que há



Mas eis que chega a roda viva



E carrega a roseira prá lá...





Roda mundo, roda gigante



Roda moinho, roda pião



O tempo rodou num instante



Nas voltas do meu coração...





A roda da saia mulata



Não quer mais rodar não senhor



Não posso fazer serenata



A roda de samba acabou...





A gente toma a iniciativa



Viola na rua a cantar



Mas eis que chega a roda viva



E carrega a viola prá lá...





Roda mundo, roda gigante



Roda moinho, roda pião



O tempo rodou num instante



Nas voltas do meu coração...





O samba, a viola, a roseira



Que um dia a fogueira queimou



Foi tudo ilusão passageira



Que a brisa primeira levou...





No peito a saudade cativa



Faz força pro tempo parar



Mas eis que chega a roda viva



E carrega a saudade prá lá ...





Roda mundo, roda gigante



Roda moinho, roda pião



O tempo rodou num instante



Nas rodas do meu coração