terça-feira, 9 de julho de 2019


Pobre ego! Você não sabe que é uma ilusão, um mero centro fictício dividido entre tantos e tão contraditórios apelos... De um lado, o Id te convoca a permanecer na cama, curtindo uma preguiça, e só fazer o que te é agradável. De outro, o superego, como um feitor de chicote em punho, te chamando de vagabundo, gritando para você se levantar logo desta cama e cumprir com tuas obrigações... Não é fácil se equilibrar entre esses dois e irreconciliáveis carrascos, entre Eros e Tânatos, entre o Princípio do Prazer e o Princípio da Realidade, entre o dever lá fora e a cama quente aqui dentro... Não é a toa que às vezes bate aquele cansaço e pinta então aquela nostalgia do não-ser, do útero materno, do paraíso perdido...
Sobre esta base arquetípica -- Id e superego, Dionísio e Apolo --, similar em todos, há ainda um dicotomia que está na raiz do ser humano ocidental. Há em nosso cérebro um Sócrates e um São Paulo, um grego e um hebreu, um filósofo e um anacoreta -- e eles nunca chegarão a um acordo. A cada dia que me levanto, além da briga acirrada ente Id e superego, tem esses dois que não param de discutir... Não, não sou clássico. Não posso ser clássico, arcádico, parnasiano, ainda que eu quisesse... Depois da Idade Média, não se pode retroceder impunemente à Antiguidade. Com efeito, dentro de mim há uma ágora, onde os filósofos -- estoicos, epicuristas e céticos -- se deblateram eternamente, mas sempre com elegância e educação. No entanto, há também uma catedral gótica, cheia de gárgulas, mosaicos e vitrais -- e visagens de santos e virgens em êxtase... Entre os tamborins das festas helênicas e o órgão solene que brota da catedral sombria, minha alma se dilacera. Por isso eu digo: eu sou barroco, uma encruzilhada de caminhos que levam a múltiplas direções, um feixe de fibras que se cruzam em inúmeros sentidos... Entre céu e lama, luz e trevas, beatitude e maldição, Santo Agostinho e Aristóteles, estou condenado a não ter paz enquanto caminhar sobre esta Terra desolada e sob este Sol impassível. Mas é justamente esta inquietude, esta angústia que é criadora, geradora de estrelas bailarinas. É preciso um caos para criar um cosmos. Se o preço da paz interior é a apatia, eu prefiro este vulcão permanente dentro de mim. Em vez da bonança e da paz da Arcádia, o ímpeto e a tempestade. Mesmo sabendo que sou -- meu ego, este que escreve, ou acha que escreve este texto -- uma ilusão. Ou por isso mesmo.

Otto Leopoldo Winck



Ser escritor não é uma questão de vocação ou de chamado. Os deuses e as musas estão mortos. Ser escritor é uma questão de decisão, uma decisão que se renova toda dia, contra tudo, contra todos, contra si mesmo. É como ser um santo sem fé num mundo sem heróis. Você nunca será recompensado nem mesmo compreendido. Nem é isso que você busca.
Olw


Viver em função da escrita não é necessariamente escrever sempre. Às vezes são importantes longos hiatos sem escrita alguma. Viver em função da escrita é sobretudo viver em função do que se pretende escrever, ainda que esse escrever esteja num futuro remoto. Viver em função da escrita é viver em função desse desejo; é viver na condição de que a vida, ou parte dela, venha a se converter em escrita -- e esta escrita dê alguma ilusão de sentido à vida que não tem sentido nenhum.

Olw


“Nossa existência não é mais que um curto circuito de luz entre duas eternidades de escuridão.”

Vladimir Nabókov

Pequena lição de economia contemporânea.




Em 1703, o embaixador britânico John Methuen e o Marquês de Alegrete, representando o Reino de Portugal, firmaram o tratado que passou à história com o nome do primeiro.

O tratado é um documento curto, de meia dúzia de linhas. Determina que Portugal não cobrará impostos de importação de têxteis ingleses. Em troca, a Inglaterra não cobraria impostos dos vinhos portugueses.

O volume de exportação dos "panos" ingleses para Portugal era muitas vezes maior que o volume de exportação de vinhos portugueses para a Inglaterra. Mas essa nem foi a mais grave consequência do tratado.

Ele matou a nascente indústria têxtil portuguesa - lembrando que, na época, a indústria têxtil era o carro-chefe da industrialização. Quanto à indústria vinícola inglesa, ela não existia nem poderia existir, até por questões climáticas.

É possível elencar muitas razões para a decadência e o atraso de Portugal a partir do século XVIII. Em qualquer listagem, porém, o tratado de Methuen aparece com destaque.

Não foi ruim para todos, claro. O Marquês de Alegrete, que foi o principal negociador português do tratado, por exemplo, era um grande produtor de vinhos.

Luis Felipe Miguel

Bocas inútei


Bocas inúteis"
[ Contudo, no verão, houve novos protestos de cidadãos e os gaseamentos foram interrompidos. Foi um centro em instituição mental em Hadamar, perto de Limburg, que reavivou os protestos. As câmaras de gás tinham sido instaladas em uma ala de um antigo convento franciscano, e mais uma vez o embuste deu errado. Em junho de 1941 o bispo de Limburg escreveu:

" Várias vezes por semana chegam ônibus em Hadamar com um número considerável de vítimas. Os escolares dos arredores conhecem o veículo e comentam: 'Aí vem outra caixa da morte.' As crianças brigam e dizem umas as outras: 'Você é maluco, devia ser mandado para o forno de Hadamar.'' Ouvem-se os mais velhos comentarem: 'Não me mande para um hospital público. Quando os fracos da cabeça tiverem sido exterminados, os próximos inúteis serão os velhos.' " ] Ravensbrück, Sarah Helm

DUAS OBSERVAÇÕES
1 - é pra um soldado condecorado desse regime que se prestou 'homenagem'.
2 - a "reforma" da previdência é a forma moderna de eliminar "bocas inúteis" do neoliberalismo pauloguedista - com a vantagem de economizar o transporte, o gás e instalações incômodas; as pessoas morrem sozinhas em casa à míngua.

Roberto Pereira


"Essa é a condição da prosa para mim, ser outro quando escrevo, ou melhor, ser outro para escrever. (...) A literatura é um sonho dirigido. Sua condição, para mim, é eu deixar de ser quem supostamente sou. Como num sonho."

Ricardo Piglia, "Os anos felizes: o diários de Emilio Renzi", p. 117-118.

1964



Ya no es mágico el mundo. Te han dejado.
Ya no compartirás la clara luna
ni los lentos jardines. Ya no hay una
luna que no sea espejo del pasado,

cristal de soledad, sol de agonías.
Adiós las mutuas manos y las sienes
que acercaba el amor. Hoy sólo tienes
la fiel memoria y los desiertos días.

Nadie pierde (repites vanamente)
sino lo que no tiene y no ha tenido
nunca, pero no basta ser valiente

para aprender el arte del olvido.
Un símbolo, una rosa, te desgarra
y te puede matar una guitarra.

II

Ya no seré feliz. Tal vez no importa.
Hay tantas otras cosas en el mundo;
un instante cualquiera es más profundo
y diverso que el mar. La vida es corta

y aunque las horas son tan largas, una
oscura maravilla nos acecha,
la muerte, ese otro mar, esa otra flecha
que nos libra del sol y de la luna

y del amor. La dicha que me diste
y me quitaste debe ser borrada;
lo que era todo tiene que ser nada.

Sólo que me queda el goce de estar triste,
esa vana costumbre que me inclina
al Sur, a cierta puerta, a cierta esquina.


Jorge Luis Borges


"Para Proust, escrever é ler esse livro interior de signos desconhecidos. Não há Logos, só hieróglifos. Escrever é interpretar o que já está escrito e é ilegível."

Deleuze


"Na realidade, a literatura mostra o opacidade do mundo, nunca sabemos nada sobre as pessoas, mesmo aquelas que estão perto e que amamos, só sabemos o que elas nos dizem mas nunca o que pensam, porque sempre podem mentir; nesse sentido, lemos romances porque eles são o único modo de vermos uma pessoa por dentro. Eu conheço melhor Ana Kariênina do que a mulher com quem vivo há anos."

Ricardo Piglia, 'Os anos felizes: os diários de Emilio Renzi', p. 129.

Século Passado


"O problema é que a realidade presente no século XXI ,de globalização econômica e de pessoas ainda convive com uma ideologia do século passado no tratamento dos problemas decorrentes  disso "

Stephen Klineberg, sociólogo, um dos maiores especialistas em imigração nos Estados Unidos , dizendo que a explosão dos níveis de imigração pode originar tanto uma "bomba- relógio " como um tremendo patrimônio para os EUA , ontem na folha.

“ A fome deixa de ser um fato isolado ou ocasional e passa a ser um dado generalizado e permanente . Ela atinge  800 milhões de pessoas  espalhadas por todos  os continentes . Quando os progressos de a medicina  e da informação deviam autorizar uma redução substancial dos problemas de saúde sabemos que 14 milhões de pessoas morrem todos os dias , antes do quinto ano de vida.
Dois bilhões  de pessoas sobrevivem sem água potável . (...)O fenômeno dos sem-teto , curiosamente na primeira metade do século XX , hoje é um fato banal , presente em todas as grandes cidades do mundo . O desemprego é algo tornado comum (...) A pobreza também aumenta . No fim do século XX havia mais de 600 milhões de pobres  do que em 1960 ; e 1,4 bilhão de pessoas ganham menos de um dólar por dia . (...) O fato , porém , é que a pobreza , tanto quanto o desemprego , são considerados como algo “natural “ , inerente a seu próprio processo . Junto ao desemprego e à pobreza absoluta , registre-se o empobrecimento relativo de camadas cada vez maiores graças a deterioração do valor do trabalho. “


Milton Santos . in Por uma outra Globalização – do pensamento único à consciência universal . p 59 .