quarta-feira, 18 de março de 2020


"Colunistas da imprensa conservadora e políticos de direita, como Rodrigo Maia, reclamam por medidas de enfrentamento da crise econômica e contam com o SUS para resistirmos ao coronavírus.

Todos apoiaram com entusiasmo a emenda de congelamento dos gastos públicos e todas as políticas de destruição do Estado brasileiro.

Cadê a famosa autocrítica, que eles tanto cobram de outros?"

Luis Felipe Miguel

SONETO DAS VOGAIS


- Arthur Rimbaud

A negro, E branco, I rubro, U verde, O azul, vogais,
Ainda desvendarei seus mistérios latentes:
A, velado voar de moscas reluzentes
Que zumbem ao redor dos acres lodaçais;

E, nívea candidez de tendas e areais,
Lanças de gelo, reis brancos, flores trementes:
I, escarro carmim, rubis a rir nos dentes
Da ira ou da ilusão em tristes bacanais;

U, curvas, vibrações verdes dos oceanos,
Paz de verduras, paz dos pastos, paz dos anos
Que as rugas vão urdindo entre brumas e escolhos;

O, supremo Clamor cheio de estranhos versos,
Silêncios assombrados de anjos e universos:
— Ó! Ômega, o sol violeta dos Seus olhos!

(Trad.: Augusto de Campos)


terça-feira, 17 de março de 2020

Poema para Curar


 by Alejandro Jodorowsky

Viaja de ti até ti mesmo, tratando de ser o que será.
A única maneira de avançar é extrair a voz da palavra, extrair o ato da intenção,
extrair o amor do apego e o desejo de seu objeto imaginário.
Penetrar o diâmetro do túnel da mente, perdendo mil e uma peles, não ser este nem o outro, uni-los em um só circulo, buscar a visão oculta atrás da visão.
De olho em olho ascender até a última consciência
O artificial é levado pelo vento, como um enxame de pétalas.
Então circulará em suas veias o licor das entranhas cósmicas.
Arruinando os cegos, integrando os bosques nus à árvore encouraçada.
Sua pátria será somente as pegadas de seus pés descalços e sua idade, a idade do mundo.
Enquanto tiver em sua frente uma definição, nunca mais em seu peito a víbora da inveja.
Nunca mais entre as suas pernas o desejo de um corpo sem alma.
Elegerá por caminho o impalpável nevoeiro.
Vencerá o espelho que compara.
Demolirá a pirâmide de ancestrais que leva incrustada em suas costas.
A ascensão e a queda se amalgamam.
Os olhos que vêem por fim se vêem.
Prazer incessante, orgasmo eterno, silencio que é a soma de todas as músicas.
Deus como um espinho de arvore gira sobre a palma de sua mão.
Te integras à espiral de astros.
No umbigo do mundo sua alma se banha.
Cada um de seus fios de cabelo se amarram no céu.
Uma nuvem plena de chuva colorida alimenta o choro de seu êxtase.
Floresce em sua boca uma árvore branca e negra.
Seus dedos traçam hieróglifos de fogo.
Este é o momento em que os limites se abrem
Como as pétalas de uma flor que cresce nos pântanos.
O que foi uma senda negra se espatifa em raios de luz.
Terminam as fronteiras, as definições ficam esfumaçadas.
Ninguém pode se comparar ou julgar.
Calma eterna.
Os Egos ilusórios deixam de ser ilhas e se entregam ao êxtase do coração único para se dissolverem em grandes batimentos de amor.
A fragrância de cada ser zomba das idéias cristalizadas.
O calor essencial dos sentimentos afetuosos.
Estrela brilhante dos atos bondosos.
O inesquecível tremor da paixão, isso é eterno.
Não vem, nem vai, é uma carícia daquilo que sempre é.
Quero que essas palavras beijem seus olhos.
Que a planta de seus pés acaricie o solo onde estão.
Que seu corpo desenhe no ar labirintos sagrados.
Nada é inútil, tudo serve para alguma coisa.
Uma busca que só pode terminar quando nos convertermos no que buscamos.
O filosofo se converte na verdade.
O artista se converte na beleza.
O nadador se converte na água
O poeta abre uma porta em seu poema.
Possa uma água sem fim inundar a sua memória
Que os ossos do crânio se cubram de palavras sagradas.
Que no lugar de dinheiro se troquem mariposas brancas.
Cada instante é a proa do tempo total
Esse instante é o momento eleito
Hoje a eternidade.
Seu corpo é infinito.
Seu eu é a divindade.
Abdica da memória.
Que o mundo dos gananciosos se torne invisível
Sente ternura por cada mente que se despreza
Seja como uma arvore que toma a forma do canto dos pássaros que a habitam.
Mãe e pai nosso que estão na terra e no céu.
Purifica e santifica nossos nomes
Façamos parte de seu reino
Faça sua vontade no nosso corpo como no nosso espírito
A consciência prometida para o futuro nos dê hoje
Recompense nossos esforços, assim como nós recompensamos os nossos colaboradores.
Nos dê entusiasmo para que continuemos a fazer o bem
Porque é paz, a bondade e o amor nesta hora eterna, amém.


nós fizemos um monstro com duas asas
de colunas dóricas, mas lhe demos mais,
demos-lhe também um uniforme negro
dos nossos pesadelos, capacete e luvas,
nós o pusemos hierático nos quadros e
creio que o dissecamos em nossos filmes.
nós o compusemos em pedaços de coisas
em tempos diversos, nós o consagramos
com barba comandante e doçura feminina,
ou por cruel feminino e macheza dócil.
nós o pusemos na escuridão dos cantos
esquecidos das nossas casas, sótão e porão,
entalamos sua cauda pontuda nas estantes,
nós lhe demos de comer comida gorda,
comida magra, nós o deixamos de jejum,
o revelamos em fotos do melhor contraste,
ou mal o discernimos fundido às sombras.
nós o amamos em sua invencível beleza
e o abominamos por sua inaceitável feiúra;
nós lhe demos um nome, mas subitamente
o medo de o dizermos nos paralisou e eis
que o conjuramos apenas e somente sem
o verbo, já perdido, entre a razão e o instinto.

 Sim, sou um poeta e sobre a minha tumba
Donzelas hão de espalhar pétalas de rosas
E os homens, mirto, antes que a noite
Degole o dia com a espada escura.]

Nec spe nec metu! Ezra Pound by Alvin Langdon Coburn, 1913


Sim, sou um poeta e sobre a minha tumba
Donzelas hão de espalhar pétalas de rosas
E os homens, mirto, antes que a noite
Degole o dia com a espada escura.]

Nec spe nec metu! Ezra Pound by Alvin Langdon Coburn, 1913

Não é o Coronavírus quem criou a crise econômica


Anisio Garcez HomemNão é o Coronavírus quem criou a crise econômica. Ela é fruto de uma imensa massa de capital especulativo (estamos falando de centenas de trilhões de dólares) sem capacidade de realizar lucros na produção e comércio de mercadorias. Não adianta injetar mais dinheiro no sistema financeiro porque ele está saturado de liquidez. Isso foi testado em 2008 e só arrastou o problema até aqui, numa bolha muito maior, para explodir, aí sim, pelo impacto da pandemia do coronavírus, mas poderia ser pela falência de um grande ramo industrial, como ainda é possível de acontecer. Em 2008 os bancos foram socorridos por Everests de dinheiro público tirados dos orçamentos dos governos para os serviços públicos e a previdência (a tal austeridade fiscal desenfreada) e foi como enxugar gelo. O efeito disso estamos vendo agora com a falência dos sistemas de saúde em todo o mundo, incapazes de dar conta do COVID-19. Os economistas burgueses - estes especialistas em matemática financeira e nada mais, que desprezam Marx - estão se dando conta de que sem capacidade de consumo dos salários e da renda de setores médios não há comércio e realização de lucro. Qual o problema então? O problema é que é impossível aos capitalistas multibilionários, ao mercado financeiro, às grandes fortunas, abrirem mão de montanhas enormes de dinheiro que têm em mãos para repassá-las aos assalariados sem desmoronar o sistema de produção do lucro, essência do capitalismo, porque o lucro tem como componente fundamental e inexorável baixar ao máximo o preço da força de trabalho. Ou seja, como previu Rosa Luxemburgo, o sistema capitalista entrou em colapso e já não pode mais funcionar pelas exacerbações ao limite de suas próprias contradições. A questão que se impõe é: em que momento as lideranças da classe trabalhadora por todo o mundo vão tomar consciência que soou a hora de instituir a propriedade coletiva dos poderosos meios de produção que a humanidade dispõe, planificar sua produção e pô-las a serviço da sobrevivência e bem-estar da espécie? Ficar atrelado à ideia fantasiosa de um capitalismo humanizado já passou da hora.
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Ricardo Corona Anisio, será que os financistas estão mesmo sem condições de lucro? Ou será que eles detêm o copyrigth do Coronavírus e, muito em breve, o de seu antídoto? A crise que estamos vivendo é bem profunda e sua enunciação foi dada por autores cyberpunks com seus personagens pós-orgânicos, pós-biológicos e pós-humanos, precisamente. E seus romances são certeiros, apesar de ser ficcionais, porque anunciam nesse "pós" uma crise que desenha o nosso fracasso "polítikus", pois percebem, atualmente, a imbricação entre capitalismo, comunismo e universo financeiro - acrescente-se aí nesse monstro financista de várias cabeças um corpo religioso. A ficção nos avisou.

Anisio Garcez Homem Ricardo Corona, o crash nas bolsas, com baixas acentuadas dos valores das ações, é a expressão de que os valores fictícios do capital no mercado financeiro não conseguem se relançar na produção porque não há mercado para tanto (leia-se não há consumidores!) e estão mostrando o que são: montanhas de capitais sem serventia (serventia para a realização do lucro que é nada mais nada menos do que expressão da exploração da mais-valia sobre a classe trabalhadora). É esse dilema que hoje enfrenta o grande capital e por isso o sistema está ruindo e pode levar consigo a destruição de força produtivas enormes como uma massa de trabalhadores mortos pelo COVID-19, uma massa de aposentados mortos que deixarão de receber da previdência, o fechamento de ramos inteiros da economia...mas, tudo isso (terreno fértil para alimentar todo o tipo de criação ou busca por distopias literárias) pode lançar a humanidade na barbárie e não relançar uma nova fase da economia capitalista como aos trancos e barrancos as duas grandes guerras fizeram. Há uma lei na natureza que estabelece que num determinado momento a quantidade se transforme em qualidade. É isso que está acontecendo agora. O capital - inclusive por vias artificiais e até mesmo mafiosas - acumulou-se numa tal proporção que não há como simplesmente valorizar-se, mesmo imaginando uma destruição da sociedade humana em quantidade avassaladora para criar uma possibilidade de "mercado" da reconstrução. Precisamos pensar em algo para por no lugar deste sistema da propriedade privada dos meios de produção que faliu ou está falindo e pode nos levar à barbárie.

Serginho Athayde Anísio, não tenho informações e conhecimento para discutir o texto apresentado dentro da sua narrativa. No entanto concordo que algo de novo acontece, já há algum tempo, que coloco como o emergir da sociedade do conhecimento, aquela que se dá quando a hegemonia da produção passa para a dos bens imateriais e faz surgir uma nova classe trabalhadora, a do precáriado. Por outro lado, quando a direita e a esquerda não tem rumo, esta colocada na ordem dia a barbárie da extrema direita, porque só o impossível é a saída para a civilização. A pandemia do coronavírus coloca o totalitarismo (neoliberalismo-Chauí) em xeque. O processo de globalização não tem volta; o estado tem que ser robusto para conter as próximas crises econômicas, políticas e sociais que serão globais; e que o estado de bem estar social que assegure a todos educação, saúde, segurança, moradia e aposentadoria, é uma necessidade global, como também uma política globalizada de defesa de todas as vida e a vida da Terra. Aos trabalhadores industriais e do precáriado cabe se unirem na luta local/global, para caminharem para a construção global de uma sociedade social democrata ou socialista, dependo da correlação de forças. No Brasil temos que exigir um governo de salvação nacional para deter a tragédia que o povo brasileiro vive e que se ampliará com esse governo das milícias, inclusive que deve organizar eleições gerais no curto prazo.

Ricardo Corona Anisio Garcez, a produção do corpo, que nos deu/dá diferentes conceituações em torno da ideia "trabalhador/trabalho" já não é mais o centro de interesse do capital. Este homem-máquina que já se transformou em homem-informação, hoje, é - ao menos tudo indica - descartável. Hoje o corpo recebe, assim, uma grave acusação: é limitado e perecível, imperfeito e impuro, fatalmente condenado ao descarte e à obsolescência. Trocando em miúdos: fabricar um vírus e depois uma vacina é algo altamente lucrativo.

Serginho Athayde Ricardo Corona, se Trump se manter imune, indica que os EUA já tem a vacina, o que reforça em muito a acusação da China e Irã, que fica mais verdadeira quando quer comprar as descobertas por laboratórios de outros países, quer ser proprietário da patente e lucrar sozinho.
Oculte ou denuncie isso

Ricardo Corona Serginho Athayde É isso aí, Serginho Athayde. É exatamente esse o jogo.

Serginho Athayde Trump jogou o coronavírus na China, Irã, Itália e Coreia do Sul. Na China para fazer um estrago econômico, político e social, como o laboratório dos EUA afirma que descobriu a vacina, mas só poderá produzi-la daqui a um ano, é possível que ao empestear a China em outubro do ano passado, quando 300 militares seus participaram de um jogo de guerra, acreditou que este ano a vacina já poderia ser usada e livraria o povo americano da tragédia. No Irã e Itália, o motivo foi de serem os centros comerciais na Europa e Oriente Médio da Rota da Seda, que quando estiver acabada a hegemonia americana estará debilitada no mundo através do surgimento da Eurásia. Quanto a Coréia do Sul, imagino que é decorrente do medo dela se aliar ou juntar-se com a Coréia do Norte, e de já ter chegado a tecnologia 5.0. Tudo que você escreveu acima, que interpreto como um discurso do pós-humano, que não domino, mas não subestimo. Tenho nas veias do meu coração três stents, uma resposta industrial ao meu problema, a caminho do ciborgue. Por outro lado, sei que 90% do meu corpo é uma composição de microrganismo, somada a 10% de células humanas. A penicilina e o antibiótico são composições de micro organismo, como um detergente feito de microrganismos modificado para comerem a gordura da caixa de nossa cozinha. As veias do coração são construídas também por eles, por que um deles não é modificado para comer a gordura alojada nas nossas veias? Gostaria muito de discutir esse futuro que esta aí desde 1900 com descoberta de Planck de que a partícula é onda também, do surgimento dessa realidade híbrida, material e imaterial. Um grande abraço!

Fatima de Freitas Ulisses Galetto pois é, mas se como eu, você leu e le textos que saem de boas reflexões, ajustadas e coherentes, estamos participando de um crescimento e compreensão global.

Serginho Athayde Ulisses Galetto, para mim, a realidade é o impossível e o poder esta na imaginação, que os artistas podem entender, palavras de ordem do maio francês de 68. Os políticos e economistas vivem atolados no possível, no que já era, nesses momentos de grandes transformações, ficam cegos, não conseguem imaginar o futuro. O mundo capitalista financeiro esta desmoronando, o Brazil esta destruído e dando uma banana para a tragédia do coronavírus. E a esquerda onde esta? Será que todos nós somos covardes, ou estamos sem rumo mesmo? Esta errado Lula, não podemos esperar até 2022!

Vitor Recacho Pode se dizer com uma certa segurança que a situação atual da economia deve-se a três fatos "recentes": 1) A entrada do leste asiático, principalmente da China e da Coreá do Sul na cadeia global de produção que derrubou custo, aumentou em muito a capacidade produtiva ociosa e dessa forma empurrando os salários para baixo nos países ocidentais; 2) A política do Quantitative Easing que foi usado para socorrer a economia em 2008 que tem como base derrubar os juros e aumentar a liquidez de forma incentivar à atividade econômica mas que na prática levou os juros das principais economias a taxas próximas de zero e incentivou o processo especulativo já existente das firmas, motivado pela busca de lucros pelo acionistas e; 3) Abertura da Conta Capital dos países a partir das décadas de 70/80.
O processo de financeirização não é novo porém ele foi acelerado com a abertura das Contas Capitais dos países e pela a concorrência gerada pela China, para as firmas continuarem gerando lucros para os acionistas fez-se necessário mover percentuais cada vez maiores do capital para especulação e isto debilitou o processo produtivo, diminuiu salários e aumentou a desigualdade, a crise de 2008 foi em partes resultado desse processo. Porém a solução usada para salvar os mercados e a firmas em 2008 em vez de tratar a causa, trata o sintoma. As taxas de juros quase nulas e o aumento da liquidez incentivou um processo voraz de fusões e aquisições que elevou o valor dos ativos financeiros e o endividamento das firmas.
Em 2018 "começou" a aparecer os primeiros sinais de que apesar de toda essa valorização a economia não ia bem. Tanto que esbouçou uma tentativa, que foi vencida, de subida da taxa de juros norte-americana pelo FED com uma tentava de diminuir a especulação e incentivar o investimento produtivo, porém isso foi recebido de forma muito ruim pelo mercado e pelas firmas dado o alto grau de alavancagem do mercado, uma subida de juros significaria um problema no resultados das firmas e consequentemente um redução dos lucros.
O Coronavírus foi apenas a fagulha que acendeu o estopim, a bolha já existia e crescia a paços largos. Os efeitos da quebra das bolsas de valores globais ainda vai ser sentido na diminuição do crédito, na demissão de trabalhadores e fechamento de pequenas e médias empresas nos próximos meses.
A situação atual da economia com alto grau de capacidade ociosa e juros próximos de zero, alguns até negativo, faz com que as políticas fiscais e monetárias tradicionais sejam ineficientes, a sinalização dos Bancos Centrais de usarem o mesmo receituário de 2008 mostra isso.

Claudio Ribeiro Com muito respeito, Vitor Recacho, tenho muitas dúvidas análise do panorama econômico global. No entanto, e por óbvio, estudarei seus comentários com seriedade para evitar conclusões precipitadas. Quanto ao coronavírus, creio, como você, que foi a fagulha do estopim, como foi, aqui, a dengue, a zika e, agora, o sarampo e outras doenças reaparecidas.

Vitor Recacho Claudio Ribeiro A questão do Coronavírus é que ele mexe com as expectativas dos agentes a nível global e devido a livre mobilidade de capitais entre países, financerização da economia e alto nível de alavancagem das firmas, uma mudança das expectativas gera um efeito cascata seja ele positivo ou negativo. A bolha financeira atual é uma continuidade da bolha de 2008 com acelerada pelo Quantitative Easing. Agora que as expectativas são ruins e os agentes buscam liquidez, a bolha explode e o valor dos ativos financeiros derrete.
Para o atual modelo econômico não é o caracter social e humano do Coronavírus que gera a crise mas a possibilidade de que as taxas de lucros parem de crescer.

Maria Torii O capitalismo ainda tem na desgraça da humanidade, o lucro dos laboratórios farmacêuticos, especulação financeira através dos lucros e rentabilidade entre quem pode ou não pagar fortunas para cura e prevenção de uma doença pan. A desgraça humana é o atual rendimento do mercado financeiro. O capitalismo sempre inventa uma nova maneira de lucrar.

Anisio Garcez Homem Maria Torii se fosse verdade o que você diz, que o "capitalismo sempre acha uma maneira de lucrar" ele seria um sistema eterno historicamente. O capitalismo só lucra através da exploração da mais-valia e essa mais-valia só se realiza na comercialização da mercadoria. Esse é todo o problema do sistema diante de um mercado limitado e de certa forma "destruído" pela especulação. Se os capitalistas passaram a escriturar lucros fictícios (D [dinheiro] - D' [dinheiro ampliado]) sem nenhum pudor isso são truques contábeis e não lucro realizado na troca de mercadorias. Um exemplo: os bancos brasileiros, todos eles realizaram lucros estupendos nos últimos anos e distribuíram dividendos enormes entre os acionistas, isso porque eles maquiaram os balanços fazendo constar como crédito a receber dívidas de empréstimos (com altas taxas de juros) que não serão pagas, ou seja, onde existia o rastro de alta inadimplência eles encobriram isso com escrituração fraudulenta para fazer a felicidade de alguns operadores espertalhões. Agora a bolha desta inadimplência vai explodir, por isso eles estão pedindo para serem socorridos pelo governo com dinheiro público para as "renegociações" das dívidas das famílias.

Serginho Athayde Anísio, correto, o capital com seu estado mínimo dessa vez não consegue ultrapassar a crise financeira do sistema. Só dar dinheiro para as empresas não é a saída, terá que dar também para os trabalhadores infectados, para os que entrarem em quarentena e pagar também os salários do resto enquanto a pandemia não seja extinta, e mais, para tanto, não se pode deixar nenhum foco no mundo, para isso as cidades e países estão parando em todo planeta. Por outro lado, terá que construir ou ampliar a saúde estatal e estabelecer um padrão global operacional global, para evitar gigantescas crises devido a possíveis mega prejuízos, causados por novas pandemias. Ou seja, o Estado terá que ser ampliado e o estado de bem estar social terá que ser uma das lutas principais dos trabalhadores industriais e do precáriado em todo mundo. A pandemia do corona vírus é uma espoleta que implode o totalitarismo (neoliberalismo-Chauí). Uma fato que não pode acontecer são as esquerdas olharem esse futuro imediato com os olhos do passado.
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Maria Torii Anisio Garcez Homem , já houveram interesses em fábricas de automóveis, imóveis, ouro, petróleo, ações de bancos, armamentos, tecnologia, hoje é a indústria farmacêutica. Os investidores migram, conforme a lucratividade aumenta. Faliram bancos, indústrias de automóveis, o mercado especulativo age conforme o seu interesse, capitalismo é selvagem, o mundo do lucro é o da esperteza, da visão de que ações são mais valiosas que o ser humano, e o poder do capital é somente lucro, o barateamento da mão de obra, já é passado, mais valia, é no mundo da produção, hoje é a indústria da morte, de seus insumos, dos produtos químicos ligados a doença, dos medicamentos , das compras em massa de governos. O lucro da morte já foi a dos armamentos, porém, hoje é a especulação financeira de indústrias de medicamentos, que é rentável ,chamado necrocapital. O capitalismo sempre foi ágil e migra seus interesses sempre onde há o lucro.

Vera Lucia Anunciação Só posso dizer q concordo com os dois primeiros períodos, Anísio, pois tb não conheço o suficiente pra discorrer a respeito. Na verdade, a maioria dos comentários q faço na minha página e na de outras pessoas são "chãozinhos": não demandam conhecimento profundo dos temas, mas apenas um pouco de informação e de bom senso. Ainda assim, dou muita bola afora! Muitas vezes, posto mais matérias informativas e/ou "indignativas" - e algumas vezes minha indignação vai até na grosseria, infelizmente, pois não gosto de perder as estribeiras...Agradeço teu texto e sinto não poder contribuir c a discussão. 😘

Vera Armstrong O capitalismo vive de crises e gera-las.Semore precisou da força de trabalho, só que os convenceu que são descartáveis e como tem gente demais e pouco emprego, há ainda mais exploração e esse vírus corona, também creio foi fabricado pra indústria farmacêutica e médica expandirem lucros, porém o que pode estar acontecendo e ficar evidenciado, que os governos que investem em Saúde Pública e Pesquisa Científica, estão enfrentando essa doença com mais possibilidade de cura. Afinal que importa de fato:
Vida humana ou lucro excessivos?
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Serginho Athayde Anísio e demais companheiros, a coisa boa que percebo nessa discussão, é que o facebook não é um espaço só para comentários, para se clicar gosto, etc., um instrumento para o reconhecimento do que acontece, uma plataforma a serviço da alienação do capital. Pode também ser um instrumento que permite o dialogo crítico, aquele que leva as pessoas através da crítica a crescerem juntas, sem medo de serem felizes. Do que estou entendendo até e desse momento, a pandemia do corona vírus esta parando aos poucos a sociedade capitalista global, e penso que com isso cada um de nós poderá entender individualmente o que nega homem, para negar coletivamente também o que nos nega. Na pandemia o vírus além de agir globalmente contagia a todos, capitalistas e trabalhadores, e impõe uma realidade de solidariedade e união: ou todos são protegidos, ou ninguém terá proteção. Exige, para que isto aconteça, que imediatamente se dinamize um processo de combate as carências e privilégios, para que a pandemia seja reduzida ou extinta em todo o mundo, já que a permanência de focos da doença oportunizam sua continuação e novo espalhamento, e isto só pode ser feito com a criação e ampliação de direitos. Ou seja, falam em dar trilhões dólares para as empresas, o que deve também se dar para os trabalhadores industriais e do precáriado. E não adianta tentar não dividir, nada fazer ou fazer pouco, o vírus se modifica com a própria velocidade da sua disseminação, um indicador de que os próximos serão mais letais. O que quero dizer é que o mundo se desmancha no ar e de todas as maneiras, e que o vírus pode ser representado como uma nano bomba atômica, uma nano espoleta que provoca uma reação em cadeia de átomos globalmente. A humanidade vive uma grande crise civilizatória, diversa e assustadora, pode ser a chegada do final dos tempos, do apocalipse e do Reino dos Céus, como disse Jesus, ou a grande crise econômica do capitalismo, a revolução e a sociedade socialista global, como disse Marx. Pode ser loucura, ignorância ou apenas estupidez minha, mas é o que acredito.
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Anisio Garcez Homem Paulo Antunes eu acho que vocês da FAFEN deveriam recolocar a questão do cancelmaneto das demissões e do não fechamento da fábrica. A questão é simples: desempregar neste momento é um desserviço pelo combate ao Coronavírus, depois, é um risco diante do fechamento das fronteiras e das dificuldades que virão para importar fertilizantes. É uma opinião.

Paulo Antunes Anisio Garcez Homem concordo plenamente com sua posição, porém já fomos todos demitidos, infelizmente perdemos a disputa pro TST que tem dono, Ives Gandra, perdemos pra Petrobrás que tem como dono Castelo Branco, perdemos pra prefeitura de Araucária que tem como Dono o Hissan, perdemos pra Assembléia legislativa que tem como dono o Traiano, perdemos pro Estado que tem como dono, Ratinho Jr e principalmente pra sociedade que tem como o seu maior influenciador o Facebook. Ou seja, depois de todas as lutas que travamos pra tentar reverter essa situação, ficou evidente pra todos nós que é uma luta injusta e desonesta,pois nem mídia, judiciário e política se posicionou a nosso favor. O que nos resta é lamber as feridas e tentar resistir de alguma maneira que confesso , não sei qual.

Anisio Garcez Homem Paulo Antunes, se já foram demitidos, coloquem a questão da readmissão e reabertura da fábrica de uma maneira que a população entenda. Confrontem o governo com a situação. É uma medida de defesa da vida e da sobrevivência da classe trabalhadora. O ambiente político e social mudou um pouco. Os discursos privatizantes, contra a saúde pública, da falta de dinheiro, todos estão em dificuldades neste momento de fazer porque não só a crise sanitária mostrou o desastre que o capitalismo está levando a humanidade como há uma própria crise no sistema capitalista mundial. Eu, se fosse o sindicato, apresentava uma carta pública à Petrobras e ao governo exigindo a readmissão e a reabertura da fábrica. Afinal de contas, vão ser mais 1000 trabalhadores sem salários numa crise sanitária dessas? Vai ser uma fábrica de fertilizantes desativada quando as importações mundiais de fertilizantes podem ser dificultadas ou cortadas e nossa agricultura vai ficar sem capacidade de produção para alimentar o povo? Eu tentaria esse diálogo com a população.
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Romance da lua


by Federico Garcia Lorca

A lua veio para a forja
Com seu polison de nardos.
O menino olha para ela.
O menino está olhando para ela.

No ar comovido
Move a lua seus braços
E ensina, lúbrica e pura,
Seus seios de duro estanho.

Foge Lua, Lua, Lua.
Se os ciganos viessem,
Eles fariam com seu coração
Colares e anéis brancos.

Rapaz, deixa-me dançar.
Quando os ciganos vierem,
Eles vão te encontrar sobre a bigorna
Com os olhos fechados.

Foge Lua, Lua, Lua.
Que eu já sinto seus cavalos.
Menino, deixe-me, não pise.
Meu brancor amidonado.

O Cavaleiro aproximava-se.
Tocando tambor do liso.
Dentro da forja a criança,
Tem os olhos fechados.

Pelo olival vinham,
Bronze e sono, os ciganos.
As cabeças levantadas
E os olhos entornados.

Como canta a zumaya,
Ai como canta na árvore!
Pelo céu vai a lua
Com uma criança de mãos dadas.

Dentro da forja choram,
Dando gritos, os ciganos.
O ar a vela, vela.
O ar está cuidando dela.



A exigência da “imitatio christi” , isto é a exigência de seguir o seu modelo, tornando-nos semelhantes e ele, deveria conduzir o homem interior ao seu pleno desenvolvimento e exaltação. Mas o fiel, de mentalidade superficial e formalística, transforma esse modelo num objeto externo de culto; a veneração desse objeto o impede de atingir as profundezas da alma, a fim de transformá-la naquela totalidade que corresponde ao modelo. Dessa forma o mediador divino permanece do lado de fora, como uma imagem, enquanto o homem continua fragmentário, intocado em sua natureza mais profunda” (Jung, Vol. XII, 1991, p. 20-21)

El nido de jilgueros




Jules Renard

En una rama ahorquillada de nuestro cerezo había un nido de jilgueros bonito de ver, redondo, perfecto, de crines por fuera y de plumón por dentro, donde cuatro polluelos acababan de nacer. Le dije a mi padre:

-Me gustaría cogerlos para domesticarlos.

Mi padre me había explicado con frecuencia que es un crimen meter a los pájaros en una jaula. Pero, en esta ocasión, cansado sin duda de repetir lo mismo, no encontró nada que responderme.

Unos días más tarde le dije de nuevo:

-Si quiero, será fácil. En un primer momento pondré el nido en una jaula, colgaré la jaula en el cerezo y la madre alimentará a sus polluelos a través de los barrotes hasta que ya no la necesiten.

Mi padre no me dijo qué pensaba de este sistema.

Por lo tanto instalé el nido en una jaula, colgué la jaula en el cerezo, y lo que había previsto sucedió: los padres jilgueros, sin vacilar, traían a los pequeños sus picos llenos de orugas. Y mi padre, divertido como yo, observaba de lejos el ir y venir de los pájaros, su plumaje teñido de rojo sangre y de amarillo azufre.

Una tarde le dije:

-Los pequeños ya están bastante fuertes. Si estuvieran libres, volarían. Que pasen una última noche con su familia y mañana me los llevaré a la casa; los colgaré de mi ventana y no habrá en el mundo jilgueros mejor cuidados que éstos.

Mi padre no dijo lo contrario.

A la mañana siguiente, encontré la jaula vacía.
FIN

«Le nid de chardonnerets», Histoires naturelles, 1894

Traducción de Esperanza Cobos Castro: relatosfranceses.com.

O governo dos banqueiros


 Artigo de Jürgen Habermas



"São os cidadãos, não os banqueiros, que têm de dizer a última palavra sobre as questões que afetam o destino europeu". O comentário é de Jürgen Habermas, filósofo e escritor alemão em artigo publicado no jornal no El País, 28-06-2015. Habermas lembra que "a Alemanha deve o impulso inicial para sua decolagem econômica, do qual ainda se alimenta hoje, à generosidade dos países credores que no Tratado de Londres, de 1954, perdoaram mais ou menos a metade de suas dívidas".

Segundo ele, "o acordo não está fracassando por causa de alguns bilhões a mais ou a menos, nem por causa de um ou outro imposto, mas unicamente porque os gregos exigem que a economia e a população explorada pelas elites corruptas tenham a possibilidade de voltar a funcionar através da quitação da dívida ou uma medida equivalente, como, por exemplo, uma moratória dos pagamentos vinculada ao crescimento".

Eis o artigo.

A última sentença do Tribunal de Justiça Europeu [que permite ao Banco Central Europeu (BCE) comprar dívida soberana para combater a crise do euro] lança uma luz prejudicial sobre a falida construção de uma união monetária sem união política. No verão de 2012, todos os cidadãos tiveram que agradecer a Mario Draghi, presidente do BCE, que com uma só frase [“farei o necessário para sustentar o euro”] salvou a moeda das desastrosas consequências de um colapso que parecia iminente. Ele tirou do sufoco o Eurogrupo ao anunciar que, caso fosse preciso, compraria dívida pública em quantidade ilimitada. Draghi teve que dar um passo à frente porque os chefes de Governo eram incapazes de agir pelo interesse comum da Europa; todos estavam hipnotizados, prisioneiros de seus respectivos interesses nacionais.

Naquele momento, os mercados financeiros reagiram – diminuindo a tensão – diante de uma única frase, a frase com a qual o presidente do BCE simulou uma soberania fiscal que absolutamente não possuía. Porque agora, assim como antes, são os bancos centrais dos países-membros os que aprovam os créditos, em última instância. O Tribunal Europeu não pode referendar essa competição contrária ao texto literal dos tratados europeus; mas as consequências de sua sentença deixam implícito que o BCE, com escassas limitações, pode cumprir o papel de credor de última instância.

O tribunal abençoou um ato salvador que não obedece em nada à Constituição, e o Tribunal Constitucional alemão apoiará essa sentença acrescentando as sutilezas às quais estamos acostumados. Alguém poderia estar tentado a afirmar que os guardiões do direito dos tratados europeus se veem obrigados a aplicá-lo, ainda que indiretamente, para mitigar, caso a caso, as consequências indesejadas das falhas de construção da união monetária. Defeitos que só podem ser corrigidos mediante uma reforma das instituições, conforme juristas, cientistas políticos e economistas vêm demonstrando há anos. A união monetária continuará sendo instável enquanto não for complementada pela união bancária, fiscal e econômica. Mas isso significa – se não quisermos declarar abertamente que a democracia é um mero objeto decorativo – que a união monetária deve se desenvolver para se transformar em uma união política. Aqueles acontecimentos dramáticos de 2012 explicam por que Draghi nada contra a corrente de uma política míope – até mesmo insensata, eu diria.

Estamos outra vez em crise com Atenas porque, já em maio de 2010, a chanceler alemã se importava mais com os interesses dos investidores do que com quitar a dívida para sanar a economia grega. Neste momento, evidencia-se outro déficit institucional. O resultado das eleições gregas representa o voto de uma nação que se defende com uma maioria clara contra a tão humilhante e deprimente miséria social da política de austeridade imposta ao país. O próprio sentido do voto não se presta a especulações: a população rejeita a continuação de uma política cujo fracasso as pessoas já sentiram de forma drástica em suas próprias peles. De posse dessa legitimação democrática, o Governo grego tentou induzir uma mudança de políticas na zona do euro. E tropeçou em Bruxelas com os representantes de outros 18 Governos, que justificam sua recusa remetendo friamente a seu próprio mandato democrático.

Recordemos os primeiros encontros, quando os novatos – que se apresentavam de maneira prepotente motivados por sua vitória arrebatadora – ofereciam um grotesco espetáculo de troca de golpes com os residentes, que reagiam em parte de forma paternalista, em parte de forma desdenhosa e rotineira. Ambas as partes insistiam como papagaios que tinham sido autorizadas cada uma por seu respectivo “povo”. A comicidade involuntária desse estreito pensamento nacional-estatal expôs com grande eloquência, diante da opinião pública europeia, aquilo que realmente é necessário: formar uma vontade política comum entre os cidadãos em relação com as transcendentais fraquezas políticas no núcleo europeu.

As negociações para se chegar a um acordo em Bruxelas travam porque ambas as partes culpam a esterilidade de suas conversas não às falhas de construção de procedimentos e instituições, mas sim à má conduta de seus membros. O acordo não está fracassando por causa de alguns bilhões a mais ou a menos, nem por causa de um ou outro imposto, mas unicamente porque os gregos exigem que a economia e a população explorada pelas elites corruptas tenham a possibilidade de voltar a funcionar através da quitação da dívida ou uma medida equivalente, como, por exemplo, uma moratória dos pagamentos vinculada ao crescimento.

Os credores, por outro lado, não cedem no empenho para que se reconheça uma montanha de dívidas que a economia grega jamais poderá saldar. É indiscutível que a quitação da dívida será irremediável, a curto ou a longo prazo. No entanto, os credores insistem no reconhecimento formal de uma carga que, de fato, é impossível de ser paga. Até pouco tempo atrás, eles mantinham inclusive a exigência, literalmente fantástica, de um superávit primário superior a 4%. É verdade que essa demanda foi baixada para 1%, que tampouco é realista. Mas, até o momento, a tentativa de se chegar a um acordo, do qual depende o destino da União Europeia, fracassou por causa da exigência dos credores de sustentar uma ficção.

Naturalmente, os países doadores têm razões políticas para sustentá-la, já que no curto prazo isso permite adiar uma decisão desagradável. Temem, por exemplo, um efeito dominó em outros países devedores. E Angela Merkel também não está segura de sua própria maioria no Bundestag. Mas não há nenhuma dúvida quanto à necessidade de rever uma política equivocada à luz de suas consequências contraproducentes. Por outro lado, também não se pode culpar apenas uma das partes pelo desastre. Não posso julgar se há uma estratégia meditada por trás das manobras táticas do Governo grego, nem o que deve ser atribuído a imposições políticas, à inexperiência ou à incompetência dos negociadores. Essas circunstâncias difíceis não permitem explicar por que o Governo grego faz com que seja difícil até mesmo para seus simpatizantes discernir um rumo em seu comportamento errático.

Não se vê nenhuma tentativa razoável de construir coalizões; não se sabe se os nacionalistas de esquerda têm uma ideia um tanto etnocêntrica da solidariedade e impulsionam a permanência na zona do euro apenas por razões de astúcia, ou se sua perspectiva vai além do Estado-nação. A exigência de quitação da dívida não basta para despertar na parte contrária a confiança de que o novo Governo vá ser diferente, de que atuará com mais energia e responsabilidade do que os Executivos clientelistas aos quais substituiu. Tsipras e o Syriza poderiam ter desenvolvido o programa reformista de um Governo de esquerda e apresentá-lo a seus parceiros de negociação em Bruxelas e Berlim.

A discutível atuação do Governo grego não ameniza nem um pouco o escândalo de que os políticos de Bruxelas e Berlim se negam a tratar seus colegas de Atenas como políticos. Embora tenham a aparência de políticos, eles só falam em sua condição econômica de credores. Essa transformação em zumbis visa a apresentar a prolongada situação de insolvência de um Estado como um caso apolítico próprio do direito civil, algo que poderia levar à apresentação de ações ante um tribunal. Dessa forma, é muito mais fácil negar uma corresponsabilidade política.

Merkel fez o Fundo Monetário Internacional (FMI) embarcar desde o início em suas duvidosas manobras de resgate. O FMI não tem competência sobre as disfunções do sistema financeiro internacional; como terapeuta, vela por sua estabilidade e, portanto, atua no interesse conjunto dos investidores, principalmente dos investidores institucionais. Como integrantes da troika, as instituições europeias também se fundem com esse ator, de tal forma que os políticos, na medida em que atuem nessa função, podem se restringir ao papel de agentes que se regem estritamente por normas e dos quais não se podem exigir responsabilidades.

Essa dissolução da política na conformidade com os mercados pode explicar a falta de vergonha com a qual os representantes do Governo federal alemão, todos eles pessoas sem mácula moral, negam sua corresponsabilidade política nas devastadoras consequências sociais que aceitaram, como líderes de opinião no Conselho Europeu, por causa da imposição de um programa neoliberal de austeridade. O escândalo dentro do escândalo é a cegueira com que o Governo alemão percebe seu papel de liderança. A Alemanha deve o impulso inicial para sua decolagem econômica, do qual ainda se alimenta hoje, à generosidade dos países credores que no Tratado de Londres, de 1954, perdoaram mais ou menos a metade de suas dívidas.

Mas não se trata de um escrúpulo moral, e sim do núcleo político: as elites políticas da Europa não podem continuar se escondendo de seus eleitores, ocultando até mesmo as alternativas ante as quais nos coloca uma união monetária politicamente incompleta. São os cidadãos, não os banqueiros, que têm de dizer a última palavra sobre as questões que afetam o destino europeu.


O futuro da Europa entre crise e populismo.


Artigo de Jürgen Habermas

14 Novembro 2011

Exatamente no momento em que um decisivo passo rumo a uma verdadeira integração política da Europa seria a única perspectiva de uma saída positiva da crise, a política se esconde, prisioneira da perspectiva do século XIX. Chegou o momento de se perguntar qual é o significado histórico do projeto europeu.

A análise é do filósofo e sociólogo alemão Jürgen Habermas, em artigo publicado no jornal La Repubblica, 10-11-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Eis o texto.

No curto prazo, todas as atenções devem se concentrar sobre a crise. Mas, além disso, os atores políticos não deveriam se esquecer dos defeitos de construção que estão na base da união monetária e que poderão ser removidos não mais só através de uma união política adequada: a União Europeia não dispõe das competências necessárias para harmonizar as economias nacionais, que apresentam divergências marcadas no plano da competitividade.

O "pacto pela Europa" recém reafirmado só serve para reiterar um defeito antigo: os acordos não vinculantes entre chefes de governo são ou ineficazes ou antidemocráticos e, por essa razão, devem ser substituídos por uma incontestável institucionalização das decisões comuns.

Desde que o embedded capitalism entrou em declínio e os mercados globalizados da política estão evaporando, tornam-se cada vez mais difícil para todos os Estados da OCDE estimular o crescimento econômico e garantir uma distribuição justa da renda, e garantir a segurança social da maioria da população. Depois da liberalização das taxas de câmbio, esse problema foi neutralizado pela aceitação da inflação. A partir do momento em que essa estratégia comporta custos elevados, os governos utilizam cada vez mais a escapatória das participações nos balanços públicos financiados com o crédito.

A crise financeira que se segue desde 2008 também fixou o mecanismo do endividamento público às custas das gerações futuras. E, enquanto isso, não se entende como as políticas de austeridade – difíceis de impor no fronte interno – podem ser conciliadas no longo prazo com a manutenção de um nível suportável de Estado social.

Dado o peso dos problemas, seria de se esperar que os políticos, sem atrasos e sem condições, coloquem finalmente as cartas europeias sobre a mesa, a fim de esclarecer explicitamente às populações a relação entre custos de curto prazo e utilidade real, ou seja, o significado histórico do projeto europeu. Deveriam superar o seu medo das pesquisas de opinião e se confiar ao poder persuasivo dos bons argumentos. Em vez disso, piscam o olho a um populismo que eles mesmos favoreceram ocultando um tema complexo e impopular.

No limiar da unificação econômica e política da Europa, a política parece hesitar e recuar. Por que essa paralisia? É uma perspectiva prisioneira do século XIX, que impõe a resposta conhecida do "demos": não existe um povo europeu, e, portanto, uma união política digna desse nome estaria construída sobre a areia.

A essa interpretação eu gostaria de contrapor uma outra: uma fragmentação política duradoura no mundo e na Europa está em contradição com o crescimento sistêmico de uma sociedade mundial multicultural e bloqueia qualquer progresso no campo da civilização jurídica constitucional das relações de força entre Estados e das relações de força sociais.

Até este momento, a União Europeia foi levada adiante e monopolizada pelas elites políticas, e o resultado foi uma perigosa assimetria entre a participação democrática dos povos nos benefícios que os seus governos "obtêm" para si mesmos no remoto palco de Bruxelas e a indiferença, para não dizer ausência de participação, dos cidadãos da UE no que diz respeito às decisões do seu Parlamento de Estrasburgo.

Essa observação não justifica a substancialização dos "povos". Só o populismo de direita continua projetando a caricatura de grandes sujeitos nacionais que se cercam reciprocamente e bloqueiam qualquer formação de vontade transnacional.

Nos Estados territoriais, foi preciso começar instalando o horizonte fluido de um mundo da vida dividido em grandes espaços e através de relações complexas, e preenchê-lo novamente com um contexto comunicativo relevante da sociedade civil, com o seu sistema circulatório das ideias. É desnecessário dizer que uma coisa desse tipo só pode ser feita no quadro de uma cultura política compartilhada que continua bastante vaga. Mas, quanto mais as populações nacionais tomaram consciência e as mídias fizerem com que elas tomem consciência da profunda influência que as decisões da UE exercem sobre a sua vida cotidiana, mais crescerá o seu interesse em também exercer os seus direitos democráticos enquanto cidadãos da União.

Esse fator de impacto tornou-se tangível sobre a crise do euro. A crise também constringe o Conselho Europeu, relutantemente, a tomar decisões que podem pesar de modo desequilibrado sobre os orçamentos nacionais.

A consequência de um "governo econômico" comum, que também agrade ao governo alemão, significaria que a exigência central da competitividade de todos os países da comunidade econômica europeia se estenderia bem além das políticas financeiras e econômicas e chegaria a tocar nos orçamentos nacionais, intervindo até o ventrículo do músculo cardíaco, isto é, até o direito dos Parlamentos nacionais de tomarem decisões de gastos.

Se não se quiser violar flagrantemente o direito vigente, essa reforma em suspenso só é possível transferindo outras competências dos Estados membros para a União. Angela Merkel e Nicolas Sarkozy chegaram a um compromisso entre o liberalismo econômico alemão e o estatismo francês que têm conteúdos muito diferentes. Se eu entendi bem, eles querem transformar o federalismo executivo implícito no Tratado de Lisboa em um predomínio do Conselho Europeu (o órgão intergovernamental da União), contrário ao tratado. Tal sistema permitiria transferir os imperativos dos mercados sobre os orçamentos nacionais sem nenhuma legitimidade democrática real.

A União deve garantir aquilo que a Lei Fundamental da República Federal da Alemanha chamada (artigo 106, parágrafo 2) de "a homogeneidade das condições de vida". Essa "homogeneidade" se refere apenas a uma estimativa das situações da vida social que seja aceitável do ponto de vista da justiça distributiva, não a um nivelamento das diferenças culturais. Uma integração política baseada no bem-estar social é indispensável se quisermos proteger a pluralidade nacional e a riqueza cultural do habitat da "velha Europa" do nivelamento no quadro de uma globalização que avança em ritmo rápido.



"Não pode haver intelectuais se não há leitores".


 Entrevista com Jürgen Habermas




Prestes a completar 89 anos, o filósofo vivo mais influente do mundo está em plena forma. O velho professor alemão, discípulo de Adorno e sobrevivente da Escola de Frankfurt, mantém mão de ferro em seus julgamentos sobre as questões essenciais de hoje e de sempre, que continua destilando em livros e artigos. Os nacionalismos, a imigração, a Internet, a construção europeia e a crise da filosofia são alguns dos temas tratados durante este encontro na sua casa em Starnberg.

A entrevista é de Borja Hermoso, publicada por El País, 06-05-2018.

Ao redor o lago de Starnberg, a 50 quilômetros de Munique, se amontoam sucessivas fileiras de chalés de estilo alpino. A única exceção às esmagadoras doses de melancolia, madeira escura e flores nas sacadas surge na forma de um bloco branco e compacto de cantos suaves, com janelas grandes e quadradas como única concessão à sobriedade. É o racionalismo feito arquitetura no país da Heidi. A Bauhaus e sua modernidade raivosa no meio da Baviera eterna e conservadora. Uma minúscula placa branca sobre uma porta azul confirma que ali vive Jürgen Habermas (Düsseldorf, 1929), sem dúvida o filósofo vivo mais influente do mundo por sua trajetória, sua obra publicada e sua atividade frenética até hoje, quando falta um mês e meio para que complete 89 anos. Sua esposa há mais de 60 anos, a historiadora Ute Wesselhoeft, nos recebe no pequeno vestíbulo e demora apenas alguns segundos para girar a cabeça e exclamar: “Jürgen, os senhores da Espanha chegaram!”. Ambos habitam esta casa desde 1971, quando Habermas passou a dirigir o Instituto Max Planck de Ciências Sociais.

O discípulo e assistente de Theodor Adorno, além de membro insigne da segunda geração da Escola de Frankfurt e ex-catedrático de Filosofia na Universidade Goethe de Frankfurt, avança vindo do seu escritório, uma adorável bagunça de papéis e livros em estado de caos, cujos janelões dão para uma floresta. Aperta a mão com força. É muito alto, caminha muito ereto e tem uma espetacular mata de cabelos brancos como a neve. Cumprimenta afável e convida a sentar num dos grandes sofás. O cômodo está decorado em tons brancos e areia e acolhe uma pequena coleção de arte moderna que inclui pinturas de Hans Hartung, Eduardo Chillida, Sean Scully e Günter Fruhtrunk e esculturas de Oteiza e Miró (esta última simboliza o Prêmio Príncipe de Astúrias de Ciências Sociais recebido em 2003). Abre-se imponente ao visitante a biblioteca de Habermas, que aloja velhos volumes de Goethe e de Hölderlin, de Schiller e de Von Kleist, e fileiras inteiras de obras de Engels, Marx, Joyce, Broch, Walser, Hermann Hesse e Günter Grass, entre uma infinidade de escritores e pensadores.

“Não pode haver intelectuais comprometidos se já não há mais leitores a quem continuar alcançando com argumentos”

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O autor de obras imprescindíveis do pensamento, da sociologia e da ciência política do século XX, como Mudança Estrutural da Esfera Pública, Conhecimento e Interesse, O Discurso Filosófico da Modernidade e Teoria da Ação Comunicativa, troca impressões com o EL PAÍS a respeito de alguns dos temas que lhe preocuparam durante seis décadas e continuam a preocupá-lo. Com uma exceção: o entrevistado preferiu evitar qualquer questão relacionada ao passado nazista de seu país e à sua própria experiência a respeito (foi membro das Juventudes Hitlerianas — por obrigação, como tantos compatriotas seus). Habermas está furioso. “Sim…, continuo furioso com algumas das coisas que ocorrem no mundo. Isso não é ruim, não é?”, brinca.

Eis a entrevista.
Professor Habermas, fala-se muito na decadência da figura do intelectual comprometido. Considera justo esse julgamento? Não é frequentemente um mero tema de conversa entre os próprios intelectuais?
Para a figura do intelectual, tal como a conhecemos no paradigma francês, de Zola até Sartre e Bourdieu, foi determinante uma esfera pública cujas frágeis estruturas estão experimentando agora um processo acelerado de deterioração. A pergunta nostálgica de por que já não há mais intelectuais está mal formulada. Eles não podem existir se já não há mais leitores aos quais continuar alcançando com seus argumentos.
“A única forma de fazer frente às ondas mundiais de emigração seria combater suas causas econômicas nos países de origem”
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É possível pensar que a Internet acabou por diluir essa esfera pública que antes talvez fosse garantida pela grande mídia tradicional e que isso afetou a repercussão dos filósofos e dos pensadores?
Sim. Desde Heinrich Heine, a figura histórica do intelectual ganhou importância junto com a esfera pública liberal em sua configuração clássica. No entanto, esta vive de certos pressupostos culturais e sociais inverossímeis, principalmente da existência de um jornalismo desperto, com meios de referência e uma imprensa de massa capaz de despertar o interesse da grande maioria da população para temas relevantes na formação da opinião pública. E também da existência de uma população leitora que se interessa por política e tem um bom nível educacional, acostumada ao processo conflitivo de formação de opinião, que reserva um tempo para ler a imprensa independente de qualidade. Hoje em dia, essa infraestrutura não está mais intacta. Talvez, que eu saiba, se mantenha em países como Espanha, França e Alemanha. Mas também neles o efeito fragmentador da Internet deslocou o papel dos meios de comunicação tradicionais, pelo menos entre as novas gerações. Antes que entrassem em jogo essas tendências centrífugas e atomizadoras das novas mídias, a desintegração da esfera populacional já tinha começado com a mercantilização da atenção pública. Os Estados Unidos com o domínio exclusivo da televisão privada é um exemplo chocante disso. Hoje os novos meios de comunicação praticam uma modalidade muito mais insidiosa de mercantilização. Nela, o objetivo não é diretamente a atenção dos consumidores, mas a exploração econômica do perfil privado dos usuários. Roubam-se os dados dos clientes sem seu conhecimento para poder manipulá-los melhor, às vezes até com fins políticos perversos, como acabamos de saber pelo escândalo do Facebook.
O senhor acredita que a Internet, para além de suas indiscutíveis vantagens, criou uma espécie de novo analfabetismo?
O senhor se refere às controvérsias agressivas, às bolhas e às histórias falsas de Donald Trump em seus tuítes. Deste indivíduo não se pode dizer sequer que esteja abaixo do nível da cultura política de seu país. Trump baixa esse nível constantemente. Desde a invenção do livro impresso, que transformou todas as pessoas em leitores potenciais, foi preciso passar séculos até que toda a população aprendesse a ler. A Internet, que nos transforma todos em autores potenciais, não tem mais do que duas décadas. É possível que com o tempo aprendamos a lidar com as redes sociais de forma civilizada. A Internet abriu milhões de nichos subculturais úteis nos quais se troca informação confiável e opiniões fundamentadas. Pensemos não só nos blogs de cientistas que intensificam seu trabalho acadêmico por este meio, mas também, por exemplo, nos pacientes que sofrem de uma doença rara e entram em contato com outra pessoa na mesma condição em outro continente para se ajudar mutuamente com conselhos e experiências. Sem dúvida, são grandes benefícios da comunicação, que não servem só para aumentar a velocidade das transações na Bolsa e dos especuladores. Sou velho demais para julgar o impulso cultural que as novas mídias vão gerar. O que me irrita é o fato de que se trata da primeira revolução da mídia na história da humanidade que serve antes de tudo a fins econômicos, e não culturais.
No cenário hipertecnologizado de hoje, onde triunfam os saberes úteis, por assim dizer, qual o papel e sobretudo qual o futuro da filosofia?
Veja, sou da antiquada opinião de que a filosofia deveria continuar tentando responder às perguntas de Kant: o que é possível saber?, o que devo fazer?, o que me cabe esperar? e o que é o ser humano? No entanto, não tenho certeza de que a filosofia, como a conhecemos, tenha futuro. Atualmente segue, como todas as disciplinas, a corrente no sentido de uma especialização cada vez maior. E isso é um beco sem saída, porque a filosofia deveria tentar explicar o todo, contribuir para a explicação racional de nossa forma de entender a nós mesmos e ao mundo.
O que resta de sua orientação marxista? Jürgen Habermas continua sendo um homem de esquerda?
“Macron me inspira respeito porque, no paralisante cenário atual, é o único que se atreve a ter uma perspectiva política e que demonstra coragem”
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Estou há 65 anos trabalhando e lutando na universidade e na esfera pública em favor de postulados de esquerda. Se há 25 anos advogo pelo aprofundamento político da União Europeia, faço isso com a ideia de que apenas esse regime continental poderia domar um capitalismo que se tornou selvagem. Jamais deixei de criticar o capitalismo, nem tampouco de ter consciência de que não bastam diagnósticos vagos. Não sou desses intelectuais que atiram a esmo.
Kant + Hegel + Iluminismo + marxismo desencantado = Habermas. Essa equação é suficiente para resolver o “x” de sua ideologia e pensamento?
Se é preciso expressá-los de forma telegráfica, estou de acordo, apesar de ainda faltar uma pitada da dialética negativa de Adorno...
O senhor cunhou em 1986 o conceito político do patriotismo constitucional, que hoje soa quase medicinal diante de outros supostos patriotismos de hino e bandeira. É muito mais difícil exercer o primeiro do que o segundo, não?
Em 1984, pronunciei uma conferência no Congresso espanhol a convite de seu presidente, e no fim fomos comer em um restaurante histórico. Ficava, se não me engano, entre o Parlamento e a Porta do Sol, na calçada da esquerda. Seja como for, durante a conversa animada com nossos impressionantes anfitriões — muitos deles eram colegas socialdemocratas que tinham participado da redação da nova Constituição do país —, minha esposa e eu nos inteiramos de que nesse lugar tinha acontecido a conspiração para preparar a proclamação da Primeira República espanhola de 1873. Ao saber disso, experimentamos uma sensação totalmente diferente. O patriotismo constitucional exige um relato apropriado para que tenhamos sempre presente que a Constituição é a conquista de uma história nacional.
E nesse sentido o senhor se considera um patriota?
Me sinto patriota de um país que, finalmente, depois da Segunda Guerra Mundial, deu à luz uma democracia estável, e ao longo das décadas subsequentes de polarização política, uma cultura política liberal. Hesito em declarar isso e, de fato, é a primeira vez que faço isso, mas nesse sentido sim, sou um patriota alemão, além de um produto da cultura alemã.
De que cultura alemã? Só há uma ou há culturas alemãs?
Sinto-me orgulhoso dessa cultura também em relação à segunda ou terceira geração de imigrantes turcos, iranianos, gregos, ou de onde quer que tenham chegado, que aparecem de repente na esfera pública como cineastas, jornalistas e os apresentadores de televisão mais fabulosos; como executivos e os médicos mais competentes, ou como os melhores literatos, políticos, músicos e professores. Tudo isso constitui uma demonstração palpável da força e da capacidade de regeneração de nossa cultura. A rejeição agressiva dos populistas de direita contra as pessoas sem as quais essa demonstração teria sido impossível é uma bobagem.
Acredito que o senhor prepara um novo livro sobre a religião e sua força simbólica e semântica como remédio para certas lacunas da modernidade. Pode nos contar um pouco desse projeto?
Bem, na verdade este livro não fala tanto de religião, mas de filosofia. Espero que a genealogia de um pensamento pós-metafísico desenvolvido a partir de um discurso milenar sobre a fé e o conhecimento possa contribuir para que uma filosofia progressivamente degradada como ciência não esqueça sua função esclarecedora.
Falando de religiões e de guerra de religiões e culturas, levando-se em conta o atual nível de intransigência e os fundamentalismos de todo tipo, o senhor acredita que rumamos para um choque de civilizações? Será que já estejamos imersos nele?
Em minha opinião, essa tese é totalmente equivocada. As civilizações mais antigas e influentes se caracterizaram pelas metafísicas e as grandes religiões estudadas por Max Weber. Todas elas têm um potencial universalista, e por isso se construíram sobre a base da abertura e da inclusão. A verdade é que o fundamentalismo religioso é um fenômeno totalmente moderno. Remonta à alienação social que surgiu e continua surgindo em consequência do colonialismo, da descolonização e da globalização capitalista.
O senhor escreveu certa ocasião que a Europa deveria fomentar um islã ilustrado e europeu. Acredita que isso esteja ocorrendo?
Na República Federal Alemã nos esforçamos por incluir em nossas universidades a teologia islâmica, de forma que possamos formar professores de religião em nosso próprio país e não tenhamos de continuar importando-os da Turquia ou de outros lugares. Mas, na essência, esse processo depende de conseguirmos integrar verdadeiramente as famílias imigrantes. No entanto, isso nem de longe é suficiente para conter as ondas mundiais de imigração. A única maneira de enfrentar isso seria combater as causas econômicas nos países de origem.
E como se faz isso?
Não me pergunte como se faz isso sem mudanças no sistema econômico mundial do capitalismo. É um problema de séculos. Não sou especialista, mas leia o livro de Stephan Lessenich Die Externalisierungsgesellschaft [A sociedade da externalização] e verá que a origem das ondas que agora refluem para a Europa e o mundo ocidental está exatamente nisso.
“A Europa é um gigante econômico e um anão político.” Assinado: Jürgen Habermas. Nada parece ter ficado melhor depois do Brexit, dos populismos e extremismos, dos movimentos nazistas, das tentativas nacionalistas de separação da Escócia e Catalunha...
A introdução do euro dividiu a comunidade monetária em norte e sul, em vencedores e perdedores. A causa é que as diferenças estruturais entre as regiões econômicas nacionais não podem ser compensadas se não se avança no sentido da união política. Faltam válvulas, como por exemplo a mobilidade em um mercado de trabalho único ou um sistema de segurança social comum, e faltam competências europeias para uma política fiscal comum. A isso se acrescenta o modelo político neoliberal incorporado aos tratados europeus, que reforça mais ainda a dependência dos Estados nacionais em relação aos mercados globalizados. O elevado desemprego juvenil nos países do sul é um escândalo absurdo. A desigualdade aumentou em todos os nossos países e erodiu a coesão populacional. Os que conseguem se adaptar aderem ao modelo econômico liberal que orienta a ação em benefício próprio; entre os que se encontram em situação precária, espalha-se os medos regressivos e as reações de ira irracionais e autodestrutivas.
O senhor acompanha de perto o problema catalão? Qual a sua opinião e diagnóstico?
Realmente qual é o motivo de um povo culto e avançado como a Catalunha desejar estar sozinha na Europa? Não entendo. Me dá a sensação de que tudo se reduz a questões econômicas... Não sei o que vai acontecer. O que lhe parece?
Acredito que pensar em isolar politicamente uma população de cerca de dois milhões de pessoas com aspirações independentistas não é realista. E sem dúvida não é simples...
Sem dúvida é um problema, sim. É muita gente.
Jürgen Habermas fala com muita dificuldade, pois nasceu com fissura labiopalatina. Uma pequena tragédia pessoal para alguém cuja missão filosófica primordial sempre foi valorizar a linguagem e a dimensão social e comunicativa do homem como remédio de tantos males (tudo isso compilado em sua célebre Teoria da ação comunicativa). O velho professor se mostra realista e resignado quando, olhando pela janela, sussurra: “Já não gosto dos grandes auditórios nem dos grandes salões. Não entendo bem as coisas. Há uma cacofonia que me desespera”.
Professor, o senhor considera os Estados-nação mais necessários do que nunca ou, pelo contrário, acredita que de alguma forma estão superados?
Hum, talvez não devesse dizer isso, mas considero que os Estados-nação foram algo em que quase ninguém acreditava mas que precisaram ser inventados em seu tempo por razões eminentemente pragmáticas.
Sempre culpamos os políticos pelo fracasso da construção europeia, mas nós, cidadãos comuns da UE, não temos nossa parcela da culpa? Nós, europeus, realmente acreditamos na europeidade?
Vejamos... Até agora as lideranças políticas e os governos levaram adiante o projeto de maneira elitista, sem incluir as populações dos países nessas questões complexas. Tenho a impressão de que sequer os partidos políticos e os deputados dos Parlamentos nacionais se familiarizaram com a complicada matéria da política europeia. Sob o lema “mamãe cuida do seu dinheiro”, Merkel e Schäuble protegeram durante a crise, de forma verdadeiramente exemplar, suas medidas contra a esfera pública.
A Alemanha conserva uma vocação de liderança europeia? A Alemanha confundiu às vezes liderança com hegemonia? E a França? Que papel deve desempenhar o país liderado por seu querido presidente Macron?
Seguramente, o problema foi, na verdade, que o Governo federal alemão sequer teve o talento ou a experiência de uma potência hegemônica. Do contrário teria sabido que não é possível manter a Europa unida sem levar em conta os interesses dos demais Estados. Nas duas últimas décadas, a República Federal agiu cada vez mais como uma potência nacionalista no terreno econômico. No que se refere a Macron, continua tentando persuadir Merkel de que é preciso pensar em sua imagem com vistas aos livros de história.
Que papel o senhor acredita que a Espanha pode desempenhar na melhoria da construção europeia?
A Espanha simplesmente tem de respaldar Macron.
Em artigos recentes o senhor defendeu com paixão a figura do presidente Macron que, veja só, é filósofo como o senhor. O que mais o atrai nele? Acredita que é um bom político por ser filósofo?
Por Deus, nada de governantes filósofos! No entanto, Macron me inspira respeito porque, no cenário político atual, é o único que se atreve a ter uma perspectiva política; que, como pessoa intelectual e orador convincente, persegue as metas políticas acertadas para a Europa; que, nas circunstâncias quase desesperadas da contenda eleitoral, demonstrou valor pessoal e que, até agora, em seu cargo de presidente, faz o que disse que ia fazer. E em uma época de perda de identidade política paralisante, aprendi a apreciar essas qualidades pessoais contrárias às minhas convicções marxistas.
No entanto, é impossível no momento saber qual é a ideologia dele... caso exista.
Sim, tem razão. Até o momento continuo sem ver claramente que convicções estão por trás da política europeia do presidente francês. Gostaria de saber se pelo menos é um liberal de esquerda convicto, e isso é o que espero.
Esta entrevista, que se pode realizar graças à colaboração do professor e escritor Daniel Innerarity, é um cruzamento de caminhos entre respostas oferecidas por escrito e trocas de impressões durante aquela manhã em Starnberg. Quando a conversa terminou, o único sobrevivente da segunda Escola de Frankfurt desapareceu de repente atrás da porta da cozinha de sua casa. Voltou com um sorriso cúmplice no rosto, trazendo uma garrafa de Rioja em uma mão e uma de Riesling na outra. Espanha e Alemanha, juntas na casa de Habermas.

O RETORNO DE HABERMAS





"Por um lado, o filósofo, herdeiro e primeiro expoente da teoria crítica, propõe interpretar todo o progresso humano à luz da "constelação de fé e saber" e, por outro, convoca a filosofia à sua tarefa principal: responder às grandes questões sobre a origem e o destino da humanidade, aquelas sintetizadas por Kant mais de dois séculos atrás: o que posso saber? O que devo fazer? O que posso esperar? O que é o homem?".

O artigo é do filósofo, jornalista e escritor italiano Giancarlo Bosetti, diretor da revista de cultura política Reset, cofundada com Norberto Bobbio, dentre outros, publicado no jornal La Repubblica, 11-01-2020. A tradução é de Luisa Rabolini.

Eis o artigo.
Jürgen Habermas, após dez anos de trabalho, aqueles entre seus oitenta e noventa anos, enviou recentemente para publicação uma surpreendente obra por seu tamanho (dois volumes, mais de 1700 páginas) e por seu conteúdo. Um duplo desafio aparece rapidamente claro nas páginas de Auch eine Geshichte der Philosophie: desafio à interpretação atual da modernidade como secularização e desafio à "desintegração" acadêmica da filosofia em muitas diferentes técnicas. Por um lado, o filósofo, herdeiro e primeiro expoente da teoria crítica, propõe interpretar todo o progresso humano à luz da "constelação de fé e saber" e, por outro, convoca a filosofia à sua tarefa principal: responder às grandes questões sobre a origem e o destino da humanidade, aquelas sintetizadas por Kant mais de dois séculos atrás: o que posso saber? O que devo fazer? O que posso esperar? O que é o homem?

Habermas quer incentivar os filósofos a retomarem um caminho, nunca terminado, mesmo na época atual, que é pós-metafísica. O que significa que não podemos mais nos refugiar no mito ou na garantia de um Ser que seja uma só coisa com o bem, o belo e o justo e que dite regras. Mas não devemos renunciar a um "pensamento geral". Até agora, o "processo de aprendizagem", no qual se baseia a visão habermasiana, na segunda metade do século XX, deu uma discreta prova de sua capacidade de "integração". Para o filósofo da "ética do discurso", a partir dos recursos morais presentes na comunicação humana (linguagem), é possível realizar um progresso que regula, com o direito, o tráfico das atividades humanas. Esse progresso revelou um futuro de possível normatividade universal, kantianamente acima das diferenças tribais e nacionais. Mas agora arriscamos um "descarrilamento" daquele caminho: parecem estar secando os recursos disponíveis para a modernidade reproduzir a si mesma, parece estar se esgotando o combustível que alimenta as instituições da liberdade. Preocupa a crise daqueles mecanismos que haviam funcionado, especialmente na Europa, ao segregar o direito a partir dos recursos morais da vida pública e da política.

Para Habermas, parecem estar secando os recursos disponíveis para a modernidade reproduzir a si mesma, parece estar se esgotando o combustível que alimenta as instituições da liberdade – Giancarlo Bosetti

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O problema ao qual Habermas dedica essas 1700 páginas é precisamente o das "fontes" da normatividade, das energias que se mantêm unidas e podem fazer crescer a solidariedade entre os seres humanos. Por isso quis traçar a história desses recursos, procurando seus vestígios desde o início do homo sapiens, nos três milênios da "constelação" religião-conhecimento-vida das comunidades. Onde estão as chaves que explicam como, a partir dos ritos hominídeos, chegamos à Constituição americana de 1787, à Carta dos Direitos Humanos de 1948 ou à União Europeia? E, se as encontrássemos, não serão essas mesmas as chaves que podem nos colocar de volta no caminho?

O problema ao qual Habermas dedica as 1700 páginas do seu novo livro é precisamente o das "fontes" da normatividade, das energias que se mantêm unidas e podem fazer crescer a solidariedade entre os seres humanos – Giancarlo Bosetti

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Conforme anunciado pela reflexão "pós-secular", desde o diálogo de 2004 com o cardeal Ratzinger e, mais recentemente, com Verbalizzare il sacro Habermas, coloca aqui no centro de seu pensamento a religião, a dimensão sagrada e ritual que antecede a formação da linguagem e da racionalidade que a linguagem incorpora. A história dos recursos que produzem normatividade e, portanto, moral, e depois direito, começa a partir daí.

Para isso, encontramos no livro uma atenção renovada e vistosa à "época axial" - o conceito é de Karl Jaspers - que é o período entre o nono e o terceiro séculos a.C., que vê um extraordinário florescimento de fé e de pensamento, com Confúcio e Lao Tsé na China, com os Upanishads e Buda na Índia, com os profetas bíblicos na Palestina, com Homero e a filosofia grega. Em tempos relativamente próximos, e sem contato entre si, se produzem fenômenos que oferecem ensinamentos morais e princípios de saber que permitem que indivíduos e comunidades enfrentem as ameaças naturais e sociais, ensinando a gerenciar as dissonâncias cognitivas e os reveses de todos os tipos, ajudando a integração a fazer o seu caminho. As energias de solidariedade que mantêm as ordens sociais unidas se geram e regeneram historicamente nas práticas de culto das comunidades, a secularização transfere e traduz depois as obrigações de natureza religiosa em estruturas de consciência abstratas.

Habermas quer traçar a história dos recursos da normatividade, procurando seus vestígios desde o início do homo sapiens, nos três milênios da "constelação" religião-conhecimento-vida das comunidades – Giancarlo Bosetti

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Habermas confessou, apresentando seu livro à imprensa alemã e também no seminário realizado em Cortona com estudiosos italianos, que se inspirou na "famosa formulação de Adorno de que todo o conteúdo teológico deve ‘imigrar no profano’". E assim fizeram historicamente, mas o que não está claro - acrescentou ele - é se e como essa tradução, do teológico para o laico, "possa prosseguir até hoje" diante de problemas éticos de tipo completamente novo, como aqueles postos pelo fim do crescimento natural do organismo humano e da possibilidade de intervenções descontroladas sobre a sua estrutura genética.

A hipótese de continuar a buscar recursos nos depósitos de significado, nas "reservas semânticas" da religião, parece para Habermas plausível – Giancarlo Bosetti

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A hipótese de continuar a buscar recursos nos depósitos de significado, nas "reservas semânticas" da religião, parece para Habermas plausível. Há uma encruzilhada na história da filosofia que esse livro propõe como central, a que separa o caminho de David Hume daquele de Emanuel Kant: ambos concordam em separar a fé da ciência, mas o primeiro elimina qualquer legado e vestígio da fé judaica e cristã da filosofia, enquanto o segundo tenta incluir na filosofia contemporânea a substância conceitual que a religião cristã havia assumido através da simbiose com a filosofia grega, o neoplatonismo, Orígenes e Agostinho. Hume desconstrói os conceitos de identidade pessoal e de obrigação moral, enquanto Kant pretende reconstruir o núcleo moral da ética cristã e da lei natural "dentro dos limites da pura razão". Uma encruzilhada que tem um seguimento no empirismo, Newton, nas ciências naturais, de um lado, e no idealismo transcendental e em Hegel, pelo outro, especialmente aquele Hegel da filosofia do direito que coloca no centro da modernidade a questão de integração social de indivíduos, em sua unicidade, com normas abstratas e gerais. Um tema que permanece caro à teoria social crítica, que Habermas leva a explorar os vínculos entre o indivíduo e a comunidade, sobre a formação do "nós" na concretude histórica das formas particulares de vida que cada comunidade assume, com as suas normas-guias.

Habermas deixa em aberto um questionamento: se os processos de aprendizado moral, que se encarnam na constitucionalização das liberdades legais, estão ficando emperrados, caberá ainda à constelação de fé-saber os alimentar? – Giancarlo Bosetti
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Essa imponente obra oferece a confirmação do percurso do grande filósofo alemão, mas também várias surpresas e permanecerá no centro da discussão filosófica contemporânea por um longo tempo. Deixa em aberto um questionamento dramático: se os processos de aprendizado moral, que se encarnam na constitucionalização das liberdades legais, estão ficando emperrados, caberá ainda à constelação de fé-saber os alimentar? E, se também os recursos religiosos escasseiam, haverá movimentos seculares e práticas sociais capazes recolocar em movimento a máquina?